Uso de sequências didáticas associando conceitos da Física ao funcionamento do motor de avião

Anderson Vicente de Jesus Sobrinho

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ensino das Ciências (PPGEC/Unigranrio)

Daniel Oliveira

Professor doutor do Programa de Pós-Graduação em Ensino das Ciências da Unigranrio

Este artigo tem como objetivo analisar as associações dos conceitos da Física com o cotidiano, mais precisamente com o motor de um avião. Nosso objetivo é trazer à tona essa associação de forma que os alunos da Educação Básica se motivem a estudar os conceitos da Física. Após pesquisas em artigos, verificou-se que existe pouca associação da Física com o cotidiano.

Sabe-se que muitas vezes o estudo da Ótica é muitas vezes ministrado de forma expositiva, mecânica e sem importância significativa, com demonstrações das fórmulas e conceitos rápidos, com poucos exemplos e/ou assimilações com o cotidiano (Melo et al., 2020, p. 8).

Ao longo da nossa experiência profissional, sempre verificamos que os alunos do Ensino Básico questionam a ausência de associação dos conceitos da Física com o cotidiano, o que é confirmado por Melo (2020). Como hipótese, espera-se que a associação dos conceitos da Física com a aviação motive os alunos a aprender os conceitos científicos.

Como método deste trabalho, aplicamos um produto educacional na turma de 2° ano do Ensino Médio da Escola Estadual Cardoso Fontes, no Município de Petrópolis, região serrana do Estado do Rio de Janeiro. O produto educacional é um site contendo uma sequência didática voltada aos conceitos da Física associados à aviação.

Se realizamos uma análise dessas sequências buscando os elementos que as compõem, nos daremos conta de que são um conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos educacionais, que têm um princípio e um fim conhecidos tanto pelos professores como pelos alunos (Zabala, 1998, p. 18).

Assim, a escolha por trabalhar com as sequências didáticas de Zabala se deu pela organização apresentada, tendo como complemento o fato de os alunos possuírem celular para acessar o site, o que corrobora Lima (2018, p. 160):

Ensinar conteúdos de Física através de sequências didáticas coloca alunos e professores em sintonia de que o aprendizado só será efetivo quando ambos estiverem dispostos a estudar, e a metodologia empregada no desenvolvimento mostra que é importante trabalhar um conteúdo utilizando vários recursos didáticos, o que ocasiona a verdadeira aprendizagem.

Diante do exposto, o desejo dos alunos por aprender Física se tornou fundamental para este trabalho. Os resultados foram proveitosos, de acordo com as colocações dos estudantes e após questionamentos sobre o contato com o produto educacional aplicado.

Critérios metodológicos

Como forma de subsidiar e dar consistência à pesquisa, foram analisadas algumas literaturas de forma discriminada, buscando fundamentos teóricos em trabalhos acadêmicos on-line encontrados em repositórios como Google Acadêmico, SciELO, Educapes, Revista de Educação e Revista Ciências e Matemática, além de livros que compõem o acervo da biblioteca da Unigranrio.

Inicialmente, buscamos em teses e artigos com as palavras-chave “Sequência didática”, “Conceitos da Física” e “Aviação”. Foi decidido trabalhar com a produção acadêmica dos anos de 2018 até 2021, tendo em vista os grandes saltos tecnológicos nesse período para a aviação.

A importância da associação dos conceitos da Física com o cotidiano

Vivemos em um mundo tecnológico. Isso pode ser constatado no dia a dia, por meio dos equipamentos eletrodomésticos, eletrônicos, dos carros, dos aviões, dos helicópteros e de tantos outros itens que carregam consigo certo grau de tecnologia ou aprimoramento de velocidade, a ponto de ver em um período curto a mudança para itens novos e mais eficazes. Diante do exposto, este artigo traz uma inquietação. As mudanças citadas estão diretamente ligadas ao estudo da Física, porém existe uma lacuna imensa no ensinar Física para os alunos do Ensino Médio.

Conforme Andrade e Maia Junior (2008), os alunos acham o ensino da Física muito difícil, sendo, na ótica deles, algo somente para aqueles muito inteligentes. Esse pensamento faz com que se sintam fora dessa ciência tão fundamental para o desenvolvimento da tecnologia. Assim, os alunos assinalam vários tópicos que os prejudicam em relação ao seu conhecimento: didática débil, falta de associação dos conceitos com a rotina e metodologia de ensino pouco eficaz. Para a maioria dos alunos, os conceitos da Física são conhecidos somente por meio de livros didáticos. Assim, se sentem desmotivados à aprendizagem da Física. No mesmo sentido, Vieira, Costas, Almeida, Masetto, Alonso e Carneiro (2003, p. 27) afirmam que

a competitividade é uma marca dessa sociedade: a disputa é muito grande, vence o melhor, o mais bem preparado, o mais ágil, o mais criativo; não basta “saber” – o conhecimento no abstrato –, é necessário que ele esteja atrelado ao “fazer”, ou seja, o conhecimento só é importante se tiver utilidade e levar ao desenvolvimento de habilidades que permitam resolver os problemas concretos; as informações estão em toda parte e são acessíveis a todos; a escola é um dos locais.

Ainda nesse vetor e conforme Marques (2003), a educação deve se apoiar em alguns pilares, os quais a auxiliarão na inserção dos estudantes na aprendizagem, permitindo que se desenvolvam dentro do processo:

  1. Aprender a conhecer – Seria a capacidade de trabalhar em profundidade algumas matérias, as quais preparam os estudantes para se beneficiar das oportunidades oferecidas ao longo da vida. A prática consegue trazer à tona o conhecimento profundo de alguns tópicos, o que para vida profissional é de essencial valor;
  2. Aprender a fazer – Aprender fazendo tarefas, obtendo qualificação profissional, sendo versátil em lidar com as diversas situações da vida, como trabalho em equipe;
  3. Aprender a conviver – Entender o companheiro de forma a crescerem juntos (pessoal, social e profissionalmente). Esse tópico é fundamental, uma vez que viver em sociedade de forma respeitosa é uma exigência da atualidade;
  4. Aprender a ser – Esse tópico traz consigo a importância da capacidade de autonomia do estudante. Quando ele desenvolve a sua responsabilidade pessoal, o educador deve atentar para todas as suas potencialidades, estando em constante observação de suas virtudes e habilidades.

Esses tópicos podem auxiliar a obter resultados melhores no binômio ensino-aprendizagem, quando se pode trabalhar a associação da teoria com a prática, visando trazer os alunos que se sentem fora do contexto de aprendizagem para dentro dele. Com a nova proposta da BNCC, é fundamental trabalhar a teoria com a prática, uma vez que o viés é, durante o Ensino Médio, lecionar as matérias técnicas ao preparo profissional. Com esse fim, este artigo traz a ideia de trabalhar a teoria dos conceitos da Física junto à prática, voltados para a profissão de mecânico de manutenção aeronáutica, uma vez que a aviação é um setor muito promissor devido ao crescimento em número de voos e a quantidade de aeronaves e passageiros. Tudo isso colabora para o desenvolvimento de uma associação entre Física e aviação.

Nesse sentido, considera-se que a expansão com qualidade do setor de manutenção contribuirá para o desenvolvimento econômico do Brasil através: do aumento da participação de pequenas e médias empresas, em decorrência da existência de pequenas barreiras tecnológicas e de capital; da ampliação das oportunidades de emprego técnico e tecnológico (Machado; Urbina; Eller, 2015, p. 244).

Andrade e Maia Junior (2008), em suas pesquisas, ao perguntar a seus alunos sobre ensino, perceberam que 55,6% deles afirmam que os conceitos da Física presentes no dia a dia são importantes para a formação do cidadão, enquanto 66,7% mencionaram que a metodologia de ensino para aprender Física é complexa e 38,9% acham a Física fascinante, porém muito distante do seu dia a dia, devido à maneira como ela é trabalhada.

Os resultados encontrados por Andrade e Maia Junior (2008) remetem à conclusão de que há debilidade por parte dos docentes em associar a Física ao cotidiano. Essa atitude acaba afastando os alunos do Ensino Médio de se envolver com o ensino da Física, o que é muito danoso para o desenvolvimento da educação, pois os alunos que não aprendem os conceitos da Física se formam achando que é uma matéria distante, feita apenas para “gênios”.

Torna-se necessária a busca por formas alternativas de técnicas de aprendizagem que saibam aliar os conhecimentos preestabelecidos nos currículos escolares à realidade de cada comunidade na qual o futuro professor de Física irá desempenhar a sua função profissional e principalmente social. Assim, essa Ciência deixará de ser vista como uma mera necessidade para conclusão do Ensino Médio, mas uma importante ferramenta para a vida de todas as pessoas (Andrade; Maia Junior, 2008, p. 7).

De acordo com Araújo e Abid (2003), o uso de atividades experimentais tem dado resultados promissores, tanto na conclusão dos alunos quanto na dos professores. Ainda nesse viés, segundo os autores, é possível que, após a experimentação e o confronto da teoria com a prática, os estudantes consigam inferir sobre os conceitos da Física, enriquecendo e fortalecendo seus conhecimentos em concordância com eles.

É possível constatar que o uso da experimentação como estratégia de ensino de Física tem sido alvo de inúmeras pesquisas nos últimos anos, havendo extensa bibliografia em que diferentes autores analisam as vantagens de incorporar atividades experimentais (Araújo; Adib, 2003, p. 177).

Dessa forma, as vantagens fazem parte do sistema central para obter um desenvolvimento educacional significativo de Física. Conforme exposto, a dificuldade na compreensão dos conceitos da Física, a competitividade exigida pelo mercado e a oportunidade de emprego na aviação levam à busca de possíveis soluções; uma delas é trabalhar com experimentação dentro dos simuladores virtuais.

Após a aplicação do produto educacional, os estudantes colocaram suas impressões, as quais podem ser vistas no Quadro 1.

Quadro 1: Auxílio do laboratório virtual

 

Antes da aplicação do produto educacional

Após a aplicação do produto educacional

 

Durante o aprendizado dos conceitos de Física, existe correlação deles com o dia a dia? Explique.

Após a exposição do produto educacional, a associação dos conceitos da Física, com o funcionamento do avião no dia a dia, foi eficiente para a sua aprendizagem? Explique.

Aluno 1

Às vezes sim, às vezes não

Sim

Aluno 2

Não!

Sim

Aluno 3

Sim

Sim

Aluno 4

Sim

Sim

Aluno 5

Sim

Sim

Aluno 6

Sim

Sim

Aluno 7

Às vezes sim, às vezes não

Sim

Aluno 8

Sim

Sim

Aluno 9

Sim

Sim

O Aluno 1 menciona que às vezes há correlação e às vezes não, porém após o produto educacional ele demonstra que consegue associar o produto ao cotidiano. O Aluno 2 não via associação, mas após o produto passou a perceber que a aplicação da Física está no dia a dia e que os conteúdos não são banais como dizem em sala de aula. O Aluno 3 menciona que tem o costume de fazer a correlação da prática com a teoria, mas com o produto ele afirma que tem mais elementos para acrescentar em sua correlação. O Aluno 5 mencionou que há relação da teoria com a prática, e o produto fez com que compreendesse como um avião pesado voa. O Aluno 6 menciona a importância da associação, mas não a percebe em seu cotidiano. O Aluno 7 diz que existe correlação, mas que depende da parte da Física que está sendo ministrada. Acredita que o contato com o produto é relevante e cita exemplos do voo de uma aeronave. O Aluno 8 diz que há correlação da Física com o cotidiano, inclusive cita a 3ª Lei de Newton. Após o produto educacional, diz que surgiu uma nova área de conhecimento. O Aluno 9 informa que o professor associa os conceitos da Física como laboratório.

Considerações finais

Observamos pelos dados que as colocações dos estudantes vão ao encontro do que diz a BNCC: “O Ensino Médio deve garantir aos estudantes a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática” (Brasil, 2018).

Os alunos puderam experimentar a associação dos conceitos da Física com o que ocorre no seu cotidiano. Essa visualização dos conceitos minimiza a abstração, permitindo melhor entendimento da disciplina.

Referências

ANDRADE, C. R.; MAIA JUNIOR, M. S. Ensino da Física e o cotidiano: a percepção do aluno de licenciatura em Física da Universidade Federal de Sergipe. Scientia Plena, São Cristóvão, v. 4, n° 4, p. 1- 8, 17 abr. 2008. Disponível em: https://www.scientiaplena.org.br/sp/article/view/610. Acesso em: 10 out. 2022.

ARAÚJO, M. S. T.; ABIB, M. L. V. S. Atividades experimentais no ensino de Física: diferentes enfoques, diferentes finalidades. Revista Brasileira de Ensino de Física, São Paulo, v. 2, n° 25, p. 176-194, 17 abr. 2003. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbef/a/PLkjm3N5KjnXKgDsXw5Dy4R/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 10 out. 2022.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018.

LIMA, Luís Gomes de. A abstração no ensino e aprendizagem da Física: contribuições da teoria dos registros de representação semiótica na resolução de problemas. 2018. 243f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática) –Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

MACHADO, Marcio Cardoso; URBINA, Ligia Maria Soto; ELLER, Michelle Aparecida Gomes. Manutenção aeronáutica no Brasil: distribuição geográfica e técnica. Gestão & Produção, São Carlos, v. 22, n° 2, p. 243-253, jun. 2015. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0104-530x1031.

MARQUES, Mario Osorio. A formação do profissional da Educação. 4ª ed. Ijuí: Unijuí, 2003.

MELO, Ruth Brito de Figueiredo; PIMENTEL, Pedro Steinmüller; NASCIMENTO, Gyovanna Kelly Matias do; NEVES, José Edielson da Silva. As TIC no ensino de Física: relato de experiência com os conteúdos de ótica. Realize Eventos Científicos, Campina Grande, v. 1, n° 7, p. 1-9, 4 nov. 2020. Disponível em: https://editorarealize.com.br/artigo/visualizar/68053. Acesso em: 28 out. 2022.

VIEIRA, Alexandre Thomaz; COSTAS, José Manoel Moran; ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini de; MASETTO, Marcos T.; ALONSO, Myrtes; CARNEIRO, Wanderley. Gestão Educacional e Tecnologia: formação de educadores. 2ª ed. São Paulo: Avercamp, 2003.

ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

Publicado em 19 de dezembro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

JESUS SOBRINHO, Anderson Vicente de; OLIVEIRA, Daniel. Uso de sequências didáticas associando conceitos da Física ao funcionamento do motor de avião. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 49, 19 de dezembro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/49/uso-de-sequencias-didaticas-associando-conceitos-da-fisica-ao-funcionamento-do-motor-de-aviao

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