"Literatura ontem, hoje e amanhã" e suas múltiplas facetas

Thaís Oliveira Andrade

Doutoranda em Educação e Contemporaneidade (UNEB)

O livro Literatura ontem, hoje, amanhã, escrito por Marisa Lajolo, foi publicado pela Editora Unesp em 2018. A obra nasceu há quarenta anos, em uma edição publicada em 1982, pela Editora Brasiliense, incluída na Coleção Primeiros Passos e intitulada O que é Literatura?. A versão atual ancora-se na versão original, sendo reescrita para atender às novas demandas de uma sociedade mutável e tecnológica. A nova versão entrelaça as postulações sobre Literatura com as transformações ocorridas no mundo literário; assim, a versão original ganha reescrita, análise e acompanha as diversas mudanças e facetas da Literatura com o passar do tempo.

Nesse ínterim, Maria Lajolo, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), especialista, mestre e doutora em Teoria da Literatura, publicou várias obras sobre literatura e leitura, inclusive em parceria com Regina Zilberman, coordenou projetos temáticos, trabalhando com a documentação lobatiana armazenada na Unicamp. Ganhou o Prêmio Jabuti em 2009 na categoria não ficção.

Reuniu na última versão do livro elementos que debatem temáticas sociais relevantes que dialogam com o entendimento do que é Literatura, expondo pontos e elementos que retratam a importância das análises sobre abordagem detalhadas das mudanças e inovações culturais da Literatura (como objeto social), substancialidade e desconstrução dos ditos cânones na obra literária, os meios e os fins que levam à definição da Literatura como qualificada ou desqualificada.

Concordo com a autora quando faz críticas coerentes sobre a escolarização da Literatura, sobre a invisibilidade de mulheres e negros como escritores, bem como a falta de representatividade de negros em livros e outros suportes, além da reflexão sobre políticas impositivas que acabam por atrapalhar a expansão literária.

O livro aborda o mundo literário, levantando um diálogo propositivo sobre a definição do que seja Literatura, considerando as divergentes e contraditórias postulações estabelecidas e suas significâncias. Ao levantar a discussão conceitual sobre o que é Literatura, a autora inicia a obra expondo que a concepção de Literatura se altera no decorrer do tempo: “A literatura está sempre inovando, ganhando cara nova” (Lajolo, 2018, p. 12).

A expansão e a disseminação da escrita fizeram com que a Literatura ganhasse visibilidade; o crescimento do mercado editorial e da industrialização para publicações de obras literárias, a produção de livros e os elementos artesanais foram se expandindo e a Literatura foi ganhando nova estética, padrões – tanto na escrita quanto na produção. Materiais e designs foram ganhando amplas dimensões, promovendo uma lista heterogênea de livros e obras literárias para todos os gostos, intuitos e objetivos.

A multiplicação de livros coloca a Literatura em um mundo desejado e citado por Castro Alves: há bem mais de um século, seu sonho de mundo era onde houvesse “livros, livros a mancheias”, assim, desejando um mundo onde a Literatura se expandisse e alcançasse todos; Castro Alves afirmava sua paixão pelas linhas da literatura.

De acordo com o pensamento de Lajolo (2018) a Literatura fala para vários mundos, diversos sujeitos e possui várias facetas. Os questionamentos sobre Literatura perpassaram vários séculos, as respostas são múltiplas – e muitas vezes provisórias, já que em cada época estabeleceram-se ou criaram-se novas definições. Muitos afirmam que Literatura é toda a produção escrita; as diversas feituras da arte escrita carregam relações comunicativas e tradição literária, então, a autora levanta o questionamento: será que tudo que está nas estantes das bibliotecas e livrarias se faz Literatura? Chama o público a refletir e aprofundar seus entendimentos sobre as questões interativas de comunicação e os padrões literários estabelecidos pela tradição.

Contudo, tem público afirmando que, para existir uma obra literária, “é preciso que alguém a escreva e que outro alguém leia” (Lajolo, 2018, p. 16). A relação comunicativa entre autor e leitor precisa acontecer para assim se transformar em objeto social. Segundo a autora, não podemos deixar de tomar conhecimento de que existem escritores que deram poder a outros escritores e leitores quando submeteram suas obras para apreciação e categorização se é literária ou não literária. Logo, para muitos a Literatura define-se como algo que alguém escreve, possuidor de uma contextualização social, cujo objeto social realiza a avaliação antes de chegar ao mercado.

Lajolo (2018) enfatiza que, vista dessa forma, a Literatura iguala-se a qualquer produto capitalista, ou seja, para a obra ser considerada Literatura precisa passar pelo crivo da tradição cultural, passando pelo aval de departamentos especializados. Todavia, ela deixa claro que quem acha que Literatura é privilégio de uma ou duas dezenas de escritores se engana. Permite-nos identificar recursos e elementos ideológicos para as conceituações que fundam a definição do que é Literatura e sua venda.

De forma magnífica, descreve a escola como uma das avaliadoras especializadas que exerce a função substancial de avalista. “Ela é a instituição que há muito tempo e com maior eficiência vem cumprindo o papel de avalista e de fiadora do que é Literatura” (Lajolo, 2018, p. 28). A escola é responsável pela qualificação ou desqualificação de obras e autores, pois possui grande poder de reflexão, crítica, censura estética, interdisciplinaridade e, principalmente, supervalorização da expressão “clássica”.

Juntamente com o escritor Mário de Andrade, faz críticas de extrema magnitude sobre a Literatura nos espaços escolares. Ambos argumentam que a escolarização da Literatura, muitas vezes trabalhada de forma inadequada, transforma-se em monotonia e coloca a Literatura como instrumento pouco atrativo.

As inúmeras reflexões sobre a conceituação de Literatura não podem estar pautadas em definições massificadas e engessadas; a autora expõe que os debates sobre suas conceituações são antigas e renováveis. Esclarece que a Grécia Antiga foi o lugar do surgimento das primeiras reflexões sobre Literatura, que desencadearam também os primeiros entraves e controvérsias em definir o que seria Literatura. Ela aponta o período medieval como o aquele em que a Literatura caminhou por diferentes formas de expressão.

Na Idade Média, ela acabou sendo financiada por pessoas que detinham o poder, e sua relevância só servia para o entretenimento dos que pagavam bem e mais. Não se pode negar a essência transformadora da Literatura, muito menos sua determinação em não se limitar. Cada grupo em uma escala social possui sua acepção sobre Literatura; as definições sobre Literatura constam no Dicionário Aurélio, mostrando alguns de seus diversos conceitos e significados.

O Dicionário Aurélio traz como meio de definição associando adequadamente à linguagem, já que a língua sempre foi instrumento de encanto para o ser humano, fazendo parte de uma construção histórica de substantivar, nomear coisas, mediante sonorizações, grafias e simbolizações. A linguagem escrita e a literatura mantêm laços antigos, já que “antigamente Literatura significava domínio das línguas clássicas, erudição, conhecimentos gramaticais, significados que reforçam sua parceria com a escrita” (Lajolo, 2018, p. 41); então, a Literatura também pode ser percebida como a totalização do uso especial da linguagem e da escrita por vias de vários meios e recursos.

Em síntese, Lajolo ressalta que já foram analisados diversos critérios para definir e estabelecer o que é Literatura, como: tipo de linguagem, poder do autor e textos, mas dificilmente se chegou ou se chegará a um consenso. A autora não estabelece uma definição do que seja Literatura, as respostas continuam sendo temporárias e dependentes dos grupos sociais.

A Literatura é possuidora de muitos conceitos, funções e facetas; entretanto, o reforço baseado nas interações comunicativas com o leitor propõe uma percepção de entendimento do contexto histórico da Literatura no decorrer do livro. Aumenta a potencialização do debate científico sobre o que é Literatura, apontando os reais motivos pelos quais a Literatura torna-se instrumento de transmissão de informações, conhecimentos, interpretações, objeto problematizador e libertador.

Mediante o exposto, ao ler e analisar sua definição, concluo que os conceitos de Literatura são amplos e inúmeros e se ramificam por vários temas sociais e culturais criados e estabelecidos nas diversas sociedades e em diversas épocas, tornando-se impossível defini-la em pequenos verbetes ou frases, mas com certeza existe a compreensão de que ela se renova, se transforma e se reinventa em todos os tempos e espaços.

Indico esse livro a todos os estudantes de Letras, Pedagogia, a docentes e todas as pessoas que se interessam por Literatura que buscam compreender o sistema literário e suas facetas como unidade organizacional e coletiva que leva em consideração o conjunto de autores, públicos, obras e interações comunicativas.

Referência

LAJOLO, Marisa. Literatura ontem, hoje e amanhã. São Paulo: Editora Unesp, 2018.

Publicado em 14 de fevereiro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

ANDRADE, Thaís Oliveira. "Literatura ontem, hoje e amanhã" e suas múltiplas facetas. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 6, 14 de fevereiro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/6/literatura-ontem-hoje-e-amanha-e-suas-multiplas-facetas

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