Práticas pedagógicas e sensorialidades na Educação Infantil em Teresina/PI
José Gomes da Silva Filho
Especialista em Docência e Gestão do Ensino Superior (Unesa), bacharel em Design (FAP), graduando de Pedagogia (UFPI), membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Educação e Cidadania (Nepegeci/UFPI) e do Observatório das Juventudes e Violências na Escola (Objuve/UFPI)
Marlia Ferreira Ribeiro
Especialista em Gestão de Agronegócios (ICF), bacharel em Engenharia Agronômica (UEMA), graduanda de Pedagogia (UFPI), membra do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Educação e Cidadania (Nepegeci/UFPI) e do Observatório das Juventudes e Violências na Escola (Objuve/UFPI)
Joane Lopes Ribeiro
Mestra em Educação (UFPI), licenciada em Pedagogia (UFPI), especialista em Educação Infantil (Uespi) e em AEE e Libras com Docência (Faeme), membra do Núcleo de Estudos em Educação Especial e Inclusiva da UFPI (Neespi), professora substituta na (UFPI e UEMA/Cesti), professora de AEE na rede estadual de ensino em Teresina/PI
Fábio Soares da Paz
Doutor em Educação: Ensino de Ciências e Matemática (UFU), mestre em Educação (UFPI), licenciado em Física (UFPI), especialista em Metodologia do Ensino de Física (FIJ), professor adjunto da UFPI/CSHNB
A escola é o espaço no qual os sujeitos devem manter relações que promovam seu desenvolvimento integral, notadamente no princípio de sua carreira escolar ou acadêmica ou nos anos iniciais, na Educação Infantil. Desse modo, pensar práticas de vivências e experiências é de fundamental importância, haja vista um currículo voltado para o norteamento de práticas pedagógicas nessa modalidade de ensino.
Entende-se por currículo da Educação Infantil um composto de práticas que almejam promover a interação entre saberes e experiências em consonância com todo o aporte artístico, cultural, tecnológico e ambiental do qual fazem parte, objetivando o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade (Brasil, 2010).
Num contexto de grande responsabilidade educacional, principalmente no que tange aos aspectos curriculares, o professor é o agente responsável pelo delineamento de tais discussões na sala de aula. É evidente que o currículo facilita a atuação prática cotidiana dos docentes, porém cabe a eles refletir e mediar da forma mais coerente e ética os conteúdos desenvolvidos no espaço escolar, proporcionando um aprendizado significativo.
Para Müller e Redin (2007),
o cotidiano na escola de Educação Infantil será significativo para as crianças se for um espaço de trocas, de intercâmbio, de valorização de diferenças. O professor precisa estar aberto ao novo e ter habilidade para torná-lo rico de possibilidades, transformando situações aparentemente simples e desprovidas de novidades em formas criativas e interessantes que possibilitem a participação e o envolvimento do grupo (Müller; Redin, 2007, p. 17).
A Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009, é uma conquista da Educação Infantil brasileira, tendo em vista que ela institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para essa modalidade educacional. Quanto às práticas pedagógicas, afirma que
Art. 9º As práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da Educação Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira, garantindo experiências que:
I - promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança;
II - favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical (Brasil, 2009, p. 3).
Diante disso, é pertinente que os professores da Educação Infantil tenham conhecimento sobre a utilização de atividades que promovam o desenvolvimento sensorial, uma vez que a estimulação sensorial e a prática de atividades que contemplem a parte motora auxiliam as interconexões neurais, a fim de formar processos sensoriais e motores que permaneçam estáveis no transcurso da vida (Andrade et al., 2016).
Nesse sentido, é importante que o professor tenha sensibilidade no desenvolvimento de um sujeito estético. Embora imerso num ambiente social já moldado, sujeito estético é aquele que se aperfeiçoa constantemente, abrindo-se para novas possibilidades de ver e agir socialmente, descontruindo e reconstruindo referências cristalizadas no pensamento social (Berkenbrock-Rosito; Marchina, 2018).
O presente estudo é fruto de atravessamentos dos discentes do segundo período do curso de Licenciatura em Pedagogia da UFPI. Decorre de vivências e de discussões proporcionadas pela intercambiedade entre teóricos estudados nesse período: Bourdieu, com o capital cultural; Nogueira e Nogueira (2009); Deleuze, sobre as potências do pensamento; Gallo (2008); Saviani (2006), sobre educação como mecanismo de equalização social; Paulo Freire (2019), com sua visão libertadora de educadores e educandos; e Hoffmann (2000), com a escola, a criança e a construção do desenvolvimento infantil, além do incentivo da disciplina de Educação Infantil e Diferentes Linguagens para conhecer de perto um pouco da realidade pedagógica na Educação Infantil. A partir da convergência do pensamento dos autores referidos, foi possível traçar os questionamentos norteadores deste trabalho: qual a importância do desenvolvimento sensorial na aprendizagem dos alunos da Educação Infantil? Quais práticas pedagógicas favorecem o desenvolvimento sensorial desses alunos? Como o professor utiliza essas práticas para ajudar no desenvolvimento do seu aluno?
Isso posto, esta pesquisa fundamentou-se na importância de professores em formação vivenciarem o ambiente escolar e, por outro lado, ao escrever suas impressões, acabaram exercitando seus olhares a partir do prisma pedagógico de outros docentes, a fim de embasar suas práticas e seus posicionamentos no espaço da educação – neste caso, na Educação Infantil. Nesse sentido, Nóvoa (2007) sugere que
a formação de professores deve criar as condições para uma renovação, recomposição do trabalho pedagógico, nos planos individual e colectivo. Para isso, é necessário que os professores realizem estudos de análise das realidades escolares e do trabalho docente. O que me interessa não são os estudos feitos “fora” da profissão, mas a maneira como a própria profissão incorpora, na sua rotina, uma dinâmica de pesquisa. O que me interessa é o sentido de uma reflexão profissional própria, feita da análise sistemática do trabalho, realizada em colaboração com os colegas da escola (Nóvoa, 2007, p. 1.128).
Nessa perspectiva, objetivou-se relatar, com base em observações e trocas de conhecimentos recíprocos entre uma professora da Educação Infantil de uma escola no município de Teresina/PI e nós, graduandos em Pedagogia da UFPI, a influência da prática pedagógica daquela professora no desenvolvimento sensorial e educacional de seus alunos. Para tanto, delimitou-se o seguinte questionamento: até que ponto o desenvolvimento sensorial das crianças pode ser beneficiado positivamente pelas práticas pedagógicas de professores na Educação Infantil e como os alunos reagem a tais práticas?
Metodologia
O estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa e descritiva, do tipo relato de experiência. Como percurso metodológico, realizou-se, inicialmente, um estudo bibliográfico acerca dos aportes curriculares e pedagógicos da Educação Infantil durante o percurso da disciplina mencionada. A posteriori, foram feitas observações durante o mês de outubro de 2019 numa sala com 18 crianças em uma escola de Educação Infantil na zona sul de Teresina/PI, neste trabalho identificada com o codinome Arco-Íris. O propósito foi detectar in lócus como poderíamos observar o desenvolvimento sensorial de crianças entre 4 e 5 anos de idade, como consta nas Diretrizes Curriculares da Educação Infantil, assim como realizar pequena brincadeira sensorial a partir dos diálogos instrutivos entre os licenciandos e a professora, fundamentando-se no princípio da construção compartilhada do conhecimento, que diz respeito à troca conjunta de saberes, método baseado em Paulo Freire e muito utilizado na saúde, que pode facilmente ser adaptado à educação (Brasil, 2013).
Em contrapartida, Gil (2002) destaca que a pesquisa descritiva envolve a exposição de características de dado fenômeno ou de especificidades de uma população em estudo cujos instrumentos de coleta de dados comumente utilizados são a observação e a entrevista por intermédio de questionários. Desse modo, este relato foi resultado apenas da observação das práticas desenvolvidas pela professora e do conhecimento decorrente da nossa troca de saberes provenientes da sua prática e dos nossos estudos teóricos prévios, além da brincadeira sensorial realizada por nós, a qual foi de inspiração sociopoética.
A Sociopoética, como método de pesquisa, fundamenta-se em cinco princípios: é desenvolvida junto a um grupo-pesquisador, em que todos os participantes são sujeitos ativos em todas as etapas; valorizam-se as culturas dominadas e de resistência; pesquisa-se com todo o corpo, inclusive com emoções e sensações; privilegiam-se formas artísticas na produção dos dados e enaltecem-se os aspectos éticos, políticos, poéticos e espirituais do grupo-pesquisador (Gauthier, 2012).
Por muito tempo as pesquisas dentro do universo infantil eram sobre crianças e não com crianças. Nesse sentido, a Sociopoética como método de pesquisa no qual se valoriza a fala dos “sem fala” e promove experiências com o próprio corpo, é uma ótima forma de produzir dados e reflexões com elas e não apenas falando e interpretando as experiências proporcionadas a elas pelos adultos. Em contrapartida, esta pesquisa não teve a pretensão de apresentar dados pormenorizados dos alunos, apenas destacar nossas impressões acerca das suas reações frente à brincadeira realizada, sustentando-se unicamente, como dito alhures, na sua inspiração.
Primeiro momento: o lócus
Após os norteamentos e discussões conduzidas pela professora da disciplina que cursávamos, entre agosto e setembro de 2019, de como seria realizada a visita na escola de Educação Infantil, partiu-se para o próximo momento: decidir em qual escola a experiência seria vivenciada. Entre 07 e 11 de outubro de 2019, visitamos uma escola na região sul de Teresina, porém o público atendido era do Ensino Fundamental. Ao pesquisar as escolas de Educação Básica da região em questão, via buscadores da internet, encontramos o número de telefone da escola Arco Íris, com que, após contato, marcamos visita.
No dia acertado, direcionamo-nos à escola e fomos recepcionados pelo porteiro, o qual nos levou até à diretoria. Naquele momento, acolhidos pela secretária e pela diretora, explicamos o motivo da nossa visita e entregamos à dirigente o ofício assinado pela professora da disciplina. Em seguida, acertou-se que as visitas seguintes seriam no turno da tarde e na sala do primeiro período, até o dia 25 de outubro, quando encerraríamos com a brincadeira organizada por nós.
Ademais, algo que deve ser mencionado acerca da escola é que apresenta estrutura física pequena, com duas classes; funciona pela manhã e pela tarde. A diretora relatou que, pelo empenho de todos os profissionais que atuam lá e pela proximidade dos pais, a escola funciona a contento, o que a torna um ambiente propício para o desenvolvimento das crianças.
Nesse sentido, o ambiente da escola Arco Íris, especialmente o espaço físico, por ser um espaço social e cultural que promove interações entre crianças e adultos e entre as próprias crianças, exerce forte influência no desenvolvimento dos alunos. Tal observação é corroborada por Galvão (2012, p. 30) quando diz que “os aspectos físicos do espaço, as pessoas próximas, a linguagem e os conhecimentos próprios a cada cultura formam o contexto do desenvolvimento”.
Segundo momento: observando práticas sensoriais
O segundo momento objetivou conhecer as práticas pedagógicas utilizadas pela professora. Assim, entre os dias 14 e 18 e 21 e 24 de outubro de 2019 adentramos a sala de aula, a princípio para observar. Durante as observações e entre conversas com a professora, aproveitamos o ensejo e perguntamos sobre a importância de atividades sensoriais na Educação Infantil; notamos que ela apresentou uma visão consistente acerca de tais exercícios, especialmente para o transcurso da alfabetização. Alegou ser fundamental no desenvolvimento da coordenação motora fina, notadamente no ato de manusear o lápis, a fim de que os alunos possam obter destreza na caligrafia e posteriormente se apropriar da leitura, refletindo, dessa forma, na sua alfabetização.
Percebemos que ela utilizou artifícios pedagógicos lúdicos, como pintura e massinhas de modelar e, concomitantemente, ao transpor as letras no quadro, ressaltou os movimentos necessários para a concretização das letras do alfabeto; nesse intento, as crianças a acompanharam. Diante disso, ela enfatizou que todo esse processo ocorreu de tal forma que, para elas, não passou de uma brincadeira, na qual aprenderam de forma lúdica e sensorial, apresentando resultados satisfatórios. Nesse contexto, Cruz e Cruz (2017, p. 79) advertem que
julgamos importante destacar que a forma como os adultos organizam os materiais e o espaço no qual trabalham com bebês e crianças pequenas expressa suas concepções acerca desses sujeitos e do seu papel nas aprendizagens e desenvolvimentos deles.
Entende-se que o desenvolvimento sensorial fundamenta-se como forma de a criança, por intermédio de seu corpo, começar a se apropriar da linguagem escrita e, por consequência, dominar a leitura e a linguagem oral, o alfabetizar-se. Larrosa Bondía (2002) diz que as palavras produzem sentidos e são mecanismos de subjetivação; elas têm força e que não pensamos com pensamentos, mas com palavras. Nesse sentido, o autor assevera que,
quando fazemos coisas com as palavras, trata-se é de como damos sentido ao que somos e ao que nos acontece, de como correlacionamos as palavras e as coisas, de como nomeamos o que vemos ou o que sentimos e de como vemos ou sentimos o que nomeamos (Larrosa Bondía, 2002, p. 21).
Ressalta-se a relevância, para a criança, dessa apropriação da linguagem e suas potencialidades no domínio dos mecanismos de aprendizagem, tanto da científica quanto da cultural, pois é importante para inserção na sociedade em que vive. Isso se dá por sua relação interacional e experiencial na escola. Por sua vez, no âmbito da sala de aula, o professor é o principal ator escolar responsável por utilizar artifícios sensórios como forma de alcançar tal feito, construindo suas práticas de acordo com as necessidades e as reações de cada aluno.
Hoffmann (2000), ao discutir a avaliação na pré-escola, debate a importância de o professor observar as ações das crianças, afirmando que essa atitude mediadora do docente valoriza as experiências de vida delas – as culturais, raciais e religiosas. Com isso, elas passam a integrar o espaço institucional da escola, ao passo que ele também as percebe se constituindo sujeitos depois de sofrerem influência dele.
No decorrer da interação, a professora foi nos relatando que não tem grandes dificuldades no desenvolvimento das atividades sensoriais, pois, para ela, essas atividades geralmente são desenvolvidas no início da aula, no acolhimento, quando percebe certa dificuldade de concentração por parte das crianças, entretanto justificada pelo fato de haver pouco material distribuído e dividido, que, embora nessas condições, afirma ser esse o momento que elas mais gostam. Outra atividade enfatizada pela professora foi realizada na semana anterior da visita à sala de aula, quando os alunos brincaram com formas geométricas de variados tamanhos, cores e texturas, com o intuito de perceber noções de grande, pequeno, duro, mole, macio, áspero, grosso e fino.
Além disso, ela destacou que, pelo fato de as crianças serem oriundas de famílias em que a cultura e o conhecimento são valorizados e estimulados, apresentam maior facilidade de alfabetização. Essa afirmação vai ao encontro do pensamento de Bourdieu acerca do conceito de capital cultural, em que afirma que o sucesso escolar depende, em grande parte, das oportunidades e estímulos que o aluno recebe de sua família (Nogueira; Nogueira, 2009).
A busca da professora pela realização de atividades de estímulo sensorial é evidente e recorrente, tendo o reconhecimento da capacidade que esse tipo de atividade exerce em impulsionar o desenvolvimento de seus alunos e não se furta em desenvolvê-las e usá-las, beneficiando-os. Tal perspectiva nos fez pensar acerca da responsabilidade do nosso fazer pedagógico como futuros professores da Educação Básica.
Além do mais, Montessori (1988) considera o material sensorial uma abstração materializada. Em seu estudo percebeu que a criança responde, diante do uso desse material, de forma concentrada e séria, parecendo extrair o melhor de sua consciência, citando que “o material abre à inteligência vias que, nessa idade, seriam inacessíveis sem ele” (Montessori, 1988, p. 197-198).
Percebemos, em nossas conversas, que os alunos se sentem produtores de suas atividades. A professora asseverou notar que as meninas esboçam mais atenção nas atividades propostas, mostrando ser algo que lhes intriga. Apontou ainda que de forma espontânea as crianças se separam, uma vez que elas dividem-se em fileiras, e que meninas e meninos se colocam em lados opostos, e o lado das meninas fica mais eufórico do que o outro.
Diante disso, Montessori observa que o processo de aprendizagem só é bem-sucedido se for desenvolvido com liberdade, em que as crianças tomam consciência das aquisições de conhecimento que fazem se desenvolver e manifestar isso com expressão de felicidade e que essa tomada de consciência por parte das crianças, de sua capacidade de realização, leva a uma crescente maturidade (Montessori, 1988). Ademais, a prática docente deve estar pautada nos conhecimentos prévios dos alunos (Freire, 2019). É importante que o momento de reflexão e aprendizagem no espaço da sala de aula se faça realmente significativo e articulado com o prisma da realidade do aluno. Para Freire (2019), o ensinar requer respeito aos saberes dos alunos, e isso também pôde ser percebido com a docente.
Com isso, observamos que as práticas pedagógicas utilizadas pela professora estão de acordo com o eixo do currículo presente na Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009, no que tange às práticas pedagógicas da Educação Infantil dadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, na qual a base curricular deve conter como eixos norteadores interações e brincadeiras que ampliem as experiências sensoriais (Brasil, 2009).
Terceiro momento: um encontro com a experiência
Nossa comunicação com o mundo é intermediada pelos sentidos: visão, audição, tato, olfato e paladar, movimentos e posições do corpo. A visão nos dácapacidade de distinguir cores, objetos, formas, espessuras; a audição, por sua vez, dá a percepção do ambiente à nossa volta por sons, barulhos, vozes e volumes; o tato dá a capacidade de sentir os objetos, identificá-los mesmo no escuro e autonomia ao segurá-los, bem como sentir a textura, a qual pode ser lisa, macia ou áspera e distinguir as diferentes temperaturas; o olfato nos traz o perfume de tudo à nossa volta, se agradável ou repulsivo; e o paladar é um sentido que se processa dentro da boca e nos dá a percepção dos diferentes sabores e consistências.
O sentido do movimento, que também se relaciona ao equilíbrio, é responsável pela coordenação motora, conexão entre olhos, mãos e laterais do corpo, os quais estão ligados ao sistema vestibular. Finalmente a posição do corpo, com o sistema proprioceptivo, é sentir o corpo como um todo, em relação com o peso, a posição e o alongamento. Mas por que é tão importante desenvolver esses sentidos? Por que é preciso estimular as crianças sensorialmente?
Refinar os sentidos na infância, por intermédio do brincar, é um ato educativo de o corpo de se perceber sujeito sensível no mundo. Alves (2018) contribui para essa compressão quando diz que o brincar é aprendido e está interligado à capacidade do corpo de ser tocado pelas coisas à sua volta, cujos sentidos da visão, audição, olfato, tato e paladar são órgãos de fazer amor com o mundo e de ter prazer nele; quando, em estado natural, apresenta apenas uma função prática; doutro modo, quando refinados (pelo ato educativo lúdico), o sujeito passa a ter sensibilidades. Portanto, por intermédio dos sentidos educados, deixa-se de “usar” e passa-se, enfim, a “fazer amor” com o mundo.
Partindo desse contexto, planejou-se uma oficina, que foi realizada no dia 25 de outubro de 2019, a fim de perceber como os alunos se comportavam em um exercício sensorial. Imaginou-se um percurso que contemplasse todos os sentidos: primeiro, na saída da sala, uma cortina de papel crepom colorido para estimular a visão; para o sistema vestibular e proprioceptivo, foi colocada uma linha feita com fita amarela, e pegadas, nas quais se colaram diferentes materiais, assim como folhas secas para serem pisadas e bolinhas de água para estimular o tato. Ao finalizar a brincadeira, saquinhos com jujubas, algumas com gosto ácido e outras doces, para o paladar. Além disso, distribuímos papéis e lápis de cor para eles confeccionarem, livremente, pinturas relacionadas à experiência.
No dia marcado, chegamos antes do intervalo das crianças, montamos o percurso (Figuras 1 e 2), entramos na sala de aula, e direcionamos a elas alguns questionamentos introdutórios: como o corpo sente? Quais os sentidos do corpo? Assim, na medida em que os alunos respondiam, explicitaram-se as características dos sentidos existentes no corpo humano. Em seguida, elas foram instruídas do que deveriam fazer: tirar os sapatos, passar pela cortina, pela linha amarela, seguir as pegadinhas, andar sobre as folhas secas e brincar em cima de uma manta no pátio.
Os alunos rapidamente fizeram uma fila próxima à porta da sala; ela foi aberta e 18 crianças animadas foram liberadas para brincar. Como estavam próximos uns dos outros, para não perder as sensações, foram parados um por um antes de começar a entrar nas pegadinhas e foi pedido para falar seus nomes, ao mesmo tempo que era incentivado o percurso das pegadinhas. Passaram por todos os “obstáculos” e, com muita animação, movimentavam-se em direção à manta que se encontrava disposta no pátio com bacias cheias de bolinhas de água.
Figura 1:Percurso
Figura 2: Pegadas sensoriais
Depois de brincar, alguns correram para lavar as mãos e outros as limparam no uniforme. Em seguida, os lápis de cor foram dispostos sobre a manta e distribuídas folhas em branco para que as crianças utilizassem. Os alunos demonstravam animação com os lápis de cor, ao passo que seguiam fazendo questionamentos sobre o que desenhar. Desenharam carrinhos, dinossauros, porém nada relacionado à experiência realizada, o que intrigava. Contudo, a primeira criança finalizou e entregou seu desenho; quando indagada sobre o que era, respondeu se tratar da pegadinha (Figura 3); vibramos, pois percebemos que as crianças interagiram do jeito delas com a experiência. Por fim, na volta para a sala, os doces foram distribuídos e, ao mesmo tempo que as crianças experimentavam, falavam sobre os gostos.
Corroborando a discussão deste estudo, Larrosa Bondía (2002) considera que a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, e o sujeito da experiência é uma superfície sensível onde ficam inscritas as marcas daquilo que o afeta de algum modo, produz alguns afetos, um lugar de acontecimentos. O autor deixa claro que o excesso de informação, de opinião, falta de tempo e a sobrecarga de trabalho são males que impedem o homem moderno de se entregar à experiência.
Partindo das considerações desse autor e da experiência vivenciada, constatou-se que esses males ainda não atingiram as crianças, pois elas estão longe de se contaminar com as demasias cotidianas e, por isso, conseguem se entregar às experiências e produzir afetos. As crianças observadas fizeram isto: se entregaram e se permitiram sentir, olhar, escutar e falar, ao seu modo, do que era relevante para elas.
Adorno verificou que sentimentos de beleza, prazer e emoções sublimes são decorrentes da relação do sujeito com o mundo, e a linguagem não pode capturá-los; a arte, em contrapartida, promove um lugar e um tempo para essa experiência, para esses sentires (Pagni; Silva, 2007). Foi o que pôde ser notado com as crianças: elas se expressaram por meio de seus desenhos (Figura 3).
Figura 3: Alguns desenhos produzidos pelas crianças
Quanto a nós, estudantes, sujeitos impregnados de informações, com falta de tempo e excesso de trabalho e demandas acadêmicas, estamos incapacitados de parar para olhar, escutar e sentir devagar as experiências. Assim, não nos deixamos, a princípio, ser tocados pela vivência com as crianças; somente nos entregamos às sensações depois de vermos e analisarmos os desenhos.
Considerações finais
O estudo centrou-se na observância de como práticas pedagógicas podem contribuir no desenvolvimento sensorial de alunos na Educação Infantil. Notamos que a brincadeira é um artifício pedagógico que cumpre o propósito de a criança explorar seu derredor através dos sentidos, ao passo que favorece o seu desenvolvimento educacional, especialmente na sua alfabetização.
Os sentimentos são únicos. Observar e ouvir a experiência de uma docente atuante é uma forma de nortear futuras práticas pedagógicas, pois podemos absorver ações relevantes e aprimorá-las durante a construção da nossa identidade docente, notadamente no que tange ao desenvolvimento sensorial dos alunos.
Além disso, interagir com crianças é algo prazeroso e requer, ao mesmo tempo, preparo e abertura para situações imprevisíveis. Disso resulta a sensibilidade por parte do professor para proporcionar experiências prazerosas e atreladas aos conhecimentos prévios das crianças, de tal modo que elas consigam desenvolver-se e se expressar integralmente.
À guisa de conclusão, compreendemos que práticas pedagógicas lúdicas auxiliam no desenvolvimento sensorial das crianças, que, por conseguinte, repercutem no seu processo de alfabetização. Essas observações são importantes para professores em formação, uma vez que podem sugerir modos como poderão desempenhar seu ofício, além de suscitar pesquisas futuras, como observar o resultado do emprego dessas práticas pedagógicas visando o desenvolvimento sensorial de crianças com deficiências.
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Publicado em 14 de fevereiro de 2023
Como citar este artigo (ABNT)
SILVA FILHO, José Gomes da; RIBEIRO, Marlia Ferreira; RIBEIRO, Joane Lopes; PAZ, Fábio Soares da. Práticas pedagógicas e sensorialidades na Educação Infantil em Teresina/PI. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 6, 14 de fevereiro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/6/praticas-pedagogicas-e-sensorialidades-na-educacao-infantil-em-teresinapi
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