"Dez novas competências para ensinar", de Philippe Perrenoud: percepções e paralelos com autores conceituados do campo educacional

Stephany Fernando de Araujo Flôres Mendonça

Professora de Matemática da rede estadual do Amazonas, licenciada em Matemática (UFF), especialista em Metodologia de Ensino da Matemática e Física (Faveni), mestranda em Educação (UDE)

Dez novas competências para ensinar, de Philippe Perrenoud, de 1999, foi publicado pela Artmed em 2000. São 192 páginas que tratam das competências profissionais do professor valorizando as mais atuais, que representam mais um horizonte do que um conhecimento consolidado. O autor expõe dez famílias de competências, cada uma em um capítulo. Ele sustenta que competências não são a mesma coisa que saberes e sim instrumento capaz de mobilizar, integrar e orquestrar tais recursos. Esta é uma obra voltada a despertar debates, não dando garantia quanto aos meios nem resposta quanto às finalidades.

Em um primeiro momento, o autor aborda a competência “organizar e dirigir situação de aprendizagem”, destacando que a Pedagogia por objetivos é mecânica e, para que se possa fazer acontecer essa competência, deve-se imaginar e criar outros tipos de situações que propiciem a aprendizagem, tendo em mente que conhecer os conteúdos é a menor das coisas. Entretanto, para isso é necessário trabalhar a partir das representações dos alunos, e isso muitas vezes está ligado não só a se colocar no lugar do aprendiz, mas a buscar uma cultura mais extensa em História e Filosofia das Ciências para compreender a lógica das coisas.

Essa é uma competência essencialmente didática, que levará o educador a encontrar um ponto de entrada no sistema cognitivo do aluno a fim de desestabilizá-lo, mas apenas o suficiente para levá-lo a restabelecer o equilíbrio, pois aprender não é memorizar, mas reestruturar seu sistema de compreensão de mundo. Para envolver o aluno em atividades, o professor deve relacionar momentos fortes, assegurando a memória coletiva ou confiando em certos alunos. Tornar o conhecimento apaixonante não é só competência, mas questão de identidade e de projeto pessoal do educador; dependerá da cumplicidade e da solidariedade que ele exercer na busca do conhecimento.

A competência seguinte é “administrar a progressão das aprendizagens”; nesta o autor destaca que a estratégia para a progressão dos alunos deve ser concebida a longo prazo, durante o processo e de maneira não uniforme ou autodeterminada, pois o público é diversificado. Deve-se levar em conta que existem limitações para essa administração das progressões; dentre elas está o tempo, já que se limita a um ano letivo e o capítulo do programa. Sendo assim, deve-se otimizar a gestão do tempo que resta, tomando os alunos de onde estão para um pouco mais adiante, propondo situações desafiadoras que solicitem deles em sua zona de desenvolvimento proximal e, assim, levando-os a progredir.

Avaliar com base em situações-problema é, no entanto, uma tarefa difícil devido a essa heterogeneidade de público, pois solicita que sejam aplicadas diversas estratégias. Sendo assim, a competência do professor apresentada aqui é dupla: saber investir na antecipação e no ajuste das situações-problema e saber improvisar ao vivo durante a realização da tarefa, por meio de regulação.

A tarefa de administrar a progressão da aprendizagem se dificulta em tese por termos uma vasta gama de docentes que focam apenas em trabalhar com um ou dois níveis de escolaridade, o que lhes limita a visão longitudinal e impede a construção de consciência de estratégias que possam favorecer os níveis à frente do aluno. O conhecimento do que se ensina nos anos seguintes não basta, pois, sem atuação operacional, com o tempo se tornará um conhecimento obsoleto. O professor que deseja exercer essa competência deve saber escolher e modular as atividades, o que exige não só conhecimento dos mecanismos gerais, mas também domínio das didáticas das disciplinas. Em resumo, apesar de envolver instrumentos de avaliação e de tomada de informação, administrar a progressão da aprendizagem é estar, o mais frequentemente possível, coletando informações para modificar as estratégias a partir desse levantamento, seja essa coleta feita direta ou indiretamente ou feita por tecnologias.

Em outro momento, o autor aborda a competência “Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação”. Segundo ele, esse é o objetivo de todo educador que não pensa em fracasso escolar como fatalidade e, com isso, acredita que todos podem aprender. Não se trata apenas de apontar o sentido do que está sendo ensinado, nem apenas de envolver e mobilizar, mas sim de fazer com que os dispositivos evoluam a ponto de chegar à zona de desenvolvimento proximal do aluno.

Diferenciar em sala de aula não é dar aula particular para os alunos com mais dificuldade, pois o ensino individualizado desfavorece as interações, que também são parte importante do desenvolvimento integral do estudante; além disso, é um método insolúvel, pois fragmenta a aula e torna-se inviável, exceto em situações de alunos com necessidades especiais ou distúrbios de aprendizagem. Para esses casos, o professor, ainda que não trabalhe diretamente com Educação Especial, deve buscar conhecimentos prévios das deficiências para traçar as estratégias de ensino.

Diferenciar em sala de aula é criar dispositivos múltiplos; dentre esses dispositivos podemos esbarrar nos trabalhos em grupo. No entanto, aplicar uma atividade em grupo não consiste em colocar os alunos para fazer juntos o que poderiam realizar sozinhos, mas em oferecer uma atividade que exija a cooperação de todos. Existem, no entanto, alguns impasses quando se trata de trabalho em grupo; um deles é o problema de gestão da classe, já que em uma turma existem alunos com nível mais avançado de aprendizagem e outros mais atrasados, existem os que têm afinidade pelo assunto e os que não se identificam. Sendo assim, o grande desafio é inventar tarefas que imponham verdadeira cooperação, provocando as aprendizagens almejadas.

Toda pedagogia diferenciada é baseada em cooperação ativa dos alunos e de seus pais, não havendo um manual para conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação; logo, não se resume a fazer uso inteligente de instrumentos nem de colocar um aluno como monitor. É o educador buscar conhecer sua turma e suas necessidades para então adaptar os dispositivos.

Para a competência “Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho”, Perrenoud defende que desenvolver o desejo de saber e a decisão de aprender não é o centro da competência do educador, pois é fato que o aluno não está na escola por sua decisão e sim por se tratar de uma obrigação. Logo, principalmente no Ensino Fundamental, em que os alunos ainda não traçaram um foco de formação profissional ou ainda são muito ingênuos em relação à vida, a tarefa de despertar o desejo de saber é bem complexa e o professor não deve assumir essa carga. Além disso, o próprio sistema aponta que o objetivo da escola não é manter o desejo de saber e a decisão de aprender dos alunos, pois, se assim fosse, não fariam uso de extensos programas, que consideram que os alunos já possuem tais características, em sua maioria, e contam que os professores farão milagre.

A vontade de saber como condição necessária só é bastante se o aluno for muito racional, pois vontades muitas vezes são vencidas na primeira dificuldade. Logo, a competência aqui é reforçar a decisão de aprender e estimular o desejo de saber; para isso, é necessário tornar a aprendizagem significativa. Isso se resume em dois recursos: compreensão e certo domínio dos fatores e de mecanismos sociológicos, didáticos e psicológicos em jogo no surgimento do desejo de saber e da decisão de aprender, além de ter habilidade no campo da transposição didática do trabalho sobre a transferência dos conhecimentos de forma que auxilie o aluno a conceber as práticas sociais para as quais são preparados e o papel dos saberes que as tornam possíveis.

A falta de compreensão do objetivo das atividades ou o tédio podem levar a problemas disciplinares ou à evasão mental; por isso o docente deve traçar acordos para evitar o descontrole da turma. O contrato didático não só traz obrigações aos alunos como trata de como o professor deve escutar seus alunos, ajudá-los a formular um pensamento e ouvir suas declarações. Isso implica permitir que o aluno tenha voz na atividade, pois a atividade que não tem nenhum componente escolhido pelo aluno tem poucas chances de envolvê-lo; dentre os componentes podemos citar: métodos, recursos, local, prazos, parceiros ou qualquer variável que não comprometa o objetivo da tarefa nem cause divergências. O grande problema é que os professores estão mais habituados a “fazer um pacote”, não deixando margem aos alunos; isso se dá por terem sido preparados assim durante os seus anos de formação.

Ao tratar da competência “trabalhar em equipe”, o autor aponta que o trabalho em conjunto não se resume apenas a grupos de professores, mas também a envolver outros profissionais e até mesmo a família do aluno em alguns casos. Trata-se mais de uma necessidade ligada à evolução do ofício do que de uma escolha pessoal. A competência em discussão está ligada à convicção de que a cooperação é um valor profissional.

Contudo, o trabalho em equipe desperta certas intimidações. Pode surgir medo de não saber retirar-se ou de ser devorado ou dominado pelo grupo ou por seus líderes. Deve-se analisar, então, alguns aspectos antes de criar uma equipe. Às vezes a criação de uma equipe poderá resultar mais em importunos do que em benefícios. Sendo assim, cabe ao professor ser consciente para saber encontrar e negociar as modalidades ótimas de trabalho em função dos problemas a serem resolvidos, pois elaborar um projeto em equipe não se limita a unir-se a outros professores para se reunir com pais e lidar com a questão de indisciplina do aluno. Uma equipe é um grupo reunido em torno de um projeto comum, cuja realização passa por diversas formas de acordo e de cooperação. Independentemente do tipo de projeto a ser executado, deve haver gênese, representação partilhada daquilo que os atores querem fazer juntos.

Uma equipe precisa ser capaz de dizer explicitamente o que a mantém unida para que não seja desfeita; deve também não só abrir espaço de discussão, mas escutar as propostas, decodificar os desejos menos confessos de seus parceiros, explicitar os próprios e buscar acordos inteligentes. Deve-se dialogar ao máximo e isso leva a pensar no papel do condutor da equipe, pois ele deve dar vida aos diálogos e não apenas distribuir falas. Durante as reuniões, a equipe precisa enfrentar a questão da liderança e não confundir com autoridade administrativa. Ser condutor no meio docente é apontado por Perrenoud como uma tarefa que, em resumo, para ser exercida precisa ter ingenuidade ou ser um tanto camicase.

Nem toda equipe surge de um planejamento. Algumas surgem por acidente. Contudo, todas podem sofrer as mesmas complicações. Dentre as complicações, o autor aponta que as partidas muitas vezes desestabilizam a equipe, quando o membro perdido tinha grande relevância para o trabalho desenvolvido. Há ainda complicações com a chegada de novos membros, pois deve-se pensar em como dar espaço a novos contribuintes sem ter que renegociar tudo que já havia sido discutido e decidido. Os conflitos são reais e necessários. Pensar em harmonia total é utopia, e, para lidar com as crises, é necessário ter como competência a regulação com objetivo preventivo; não bastará ter apenas tolerância e afeição. Isso consiste em ver a realidade de frente, identificando mecanismos de degeneração e neutralizando-os.

Na competência “Participar da administração da escola”, foram expostas situações que levam o professor a sair da sala de aula interessando-se pela comunidade escolar em seu conjunto. Essa competência não se enquadra plenamente nos textos legislativos, procedimentos orçamentários e modos de trabalho; logo, a evolução de ter professores formados para participar da escola depende de uma adesão progressiva dos atores a novos modelos e construção igualmente progressiva dos saberes e das competências capazes de fazê-los funcionar na prática.

Nessa competência temos o saber elaborar e negociar um projeto da instituição. Esse papel é desafiador, pois deve proporcionar a todos os meios para conceber e fazer projetos, sem que isso seja um pré-requisito e, em se tratando de projetos, eles podem surgir de maneira espontânea – o que garante empenho maior dos envolvidos – ou de maneira imposta, mas no caso da escola pública e das grandes redes confessionais o mandato precede o projeto, o que dificulta que seja abraçado por todos, além do fato de saber que a escola poderia funcionar sem projetos, mas os exigem por questões logísticas e políticas. Encorajar os projetos e ao mesmo tempo controlar minuciosamente, não delegando nenhuma responsabilidade suplementar e não dando nenhum novo poder aos institutos, aparenta, para os professores, uma tremenda hipocrisia, o que os leva a não levar a sério.

Para que haja de fato adesão a um projeto por todos os envolvidos é necessário haver certa proximidade de pontos de vista. Alguns projetos surgem devido a uma crise, o que faz com que todos percebam seu objetivo, mas no caso da escola muitas vezes o perigo não é tão evidente para poder contar com uma gênese. Logo, a competência exigida se divide em duas: perceber que o procedimento é ambíguo (projeto x mandato e realidade x limite de autonomia) e, por isso, deve-se aceitar e manter o senso crítico jogando com o que lhe foi imposto sem cair na armadilha e construir estratégias coletivas, ainda que o conjunto seja de pessoas que não se escolheram, mas possuem algo em comum a priori.

A competência crucial é tirar melhor partido da situação, das incitações, das oportunidades, dos problemas e até mesmo das crises. As competências coletivas estão em não ser preciso que todo mundo saiba fazer tudo, mas que dentro do conjunto haja participantes que, juntos, possuam as competências requeridas: comunicação, negociação, resolução de conflitos, resolução de planejamento flexível de integração simbólica. Todas essas competências dizem respeito a saberes de inovação.

Administrar os recursos da escola também é uma forma de participar da administração escolar. Além dessa maneira de participação, foi citada a função de coordenar e dirigir uma escola com todos os seus parceiros, ligada a lidar com situações que exigem intervenções conjuntas como facilitador da cooperação de diversos profissionais implicando contribuir para instruir e para que funcionem os locais de discussão, para que as coisas sejam ditas e debatidas abertamente, com respeito mútuo. Trata-se de organizar e ter ação sinérgica. Não basta cumplicidade implícita, é necessária uma competência de organização encontrada nas competências requeridas pelo trabalho em equipe. Pode-se ter em mente que, mesmo que não se trabalhe com equipe, pode-se cada vez menos decidir as coisas sozinho.

Organizar e fazer evoluir, no âmbito da escola, a participação dos alunos é outra competência embutida no participar da administração escolar; dela espera-se que o professor tenha postura favorável à democracia e à lei, não exercendo o autoritarismo. A participação dos alunos remete diretamente à capacidade do professor de não monopolizar o poder que lhe é delegado, partilhando-o com seus alunos.

Na competência “Informar e envolver os pais”, Perrenoud aponta que muitos professores possuem temor de manter diálogo com os pais por não saber lidar com críticas, por desconfiança ou por mágoa de situações que já vivenciaram, além daqueles que se frustram por esperar que os pais se esforcem tanto quanto eles em prol do desenvolvimento do estudante. O autor reconhece que a relação entre pais e professores não é tão fácil, pois os pais não são usuários simples, eles não possuem o poder de renunciar à escolaridade, e apenas os mais afortunados podem escolher a escola ou a classe de seu filho. Logo, a competência vai além de ter capacidade de comunicar-se tranquilamente com os pais.

Ele destaca, então, alguns componentes dessa competência. A primeira delas é dirigir reuniões de informações e debates, sendo necessário para isso saber encontrar a distância certa e o tom conveniente para dar lugar a debates, mas sem andar em círculos e repassando as informações necessárias. A segunda componente é saber fazer entrevistas, tendo em mente que nem sempre elas são de iniciativa do educador; às vezes elas são solicitadas pelos pais, logo o professor deve saber se posicionar de maneira que não fragilize os pais e resistir à tentação de culpá-los. Deve tratá-los como iguais e não como alunos. Deixar passar a tempestade é uma forma de competência que talvez se aplique mais a estratégias defensivas, mas implica outra grande competência do verdadeiro profissional: não gastar toda sua energia para se defender ou para afastar o outro; ao contrário, aceitar negociar, ouvir e compreender o que os pais têm a dizer, sem renunciar a defender suas próprias convicções. A terceira componente é envolver os pais na construção dos saberes; isso não é fazer oficinas, excursões, espetáculos e outros eventos que tragam os pais para dentro da escola; é saber justificar sua metodologia para envolver os pais em seu método de maneira que eles abracem a causa, caso contrário os pais poderão sabotar o trabalho do professor, minando a confiança que os alunos apresentem em relação ao profissional.

A relação entre a família e a escola, essencialmente, não deve se basear em encontros pessoais, mas nas informações, nos julgamentos, nas expectativas, nas injunções e queixas que circulam todos os dias entre os professores e os pais através dos alunos. A competência não consiste em dominar toda gama de formas de contato, mas em construir globalmente uma relação equilibrada com os pais, baseando-se na estima recíproca.

Em “utilizar novas tecnologias”, o autor aponta que o computador é mais que uma ferramenta de sala de aula; ele faz ou fará parte da vida do aluno fora da escola, diferente do quadro-negro e de outras ferramentas. Logo, não se trata apenas de vê-lo como uma ferramenta para o trabalho, mas de formar o aluno para as novas tecnologias. Isso implica formar o julgamento, o senso crítico, o pensamento hipotético e dedutivo, as faculdades de observação e de pesquisa, a imaginação, a capacidade de memorizar e classificar, a leitura e a análise de textos e de imagens, a representação de redes, de procedimentos e de estratégias de comunicação. Além disso, de acordo com Tardif (1998 apud Perrenoud, 2000), com as novas tecnologias ocorreu uma mudança paradigmática: não se foca mais no aluno ou no ensino e sim na aprendizagem.

Existem dois tipos de softwares: os que são propriamente feitos para finalidade didática e os gerais, que podem ser convertidos em ferramentas didáticas. Contudo, os softwares gerais não se ocupam de aprendizagens específicas, ajudam a construir conhecimentos ou competências porque tornam acessíveis operações ou manipulações impossíveis com lápis e papel. Para que o professor consiga tornar a ferramenta mais rica, precisará dominá-la e saber planejar didaticamente sua aula. A competência é cada vez menos técnica, sendo sobretudo lógica, epistemológica e didática. Em ferramentas didáticas, o investimento em informação e dimensão interativa parte dos que o produziram.

Muitos professores veem o computador como se fosse uma máquina de datilografia mais sofisticada e limitam seu uso apenas para fazer edição de textos. Isso se dá também pelo fato de que as instituições de ensino não impõem aos educadores o domínio das novas tecnologias, mas deve-se ter consciência de que em todas as demais profissões se tornou impossível escapar desse domínio. A principal competência de um professor está em ser um usuário alerta, crítico, seletivo do que propõem os especialistas em softwares educativos e na aprendizagem assistida por computadores e ser um conhecedor dos softwares que facilitam o trabalho intelectual, em geral e de uma disciplina em particular com familiaridade pessoal e fértil imaginação didática para evitar que esses instrumentos se desviem de seu uso profissional.

O fato de reconhecer que não se pode ignorar a tecnologia no meio pedagógico não significa que em algumas tarefas o professor não poderá optar por não a utilizar. Em alguns momentos é possível se alcançar resultados até melhores sem demandar tanto investimento. Cabe ao docente fazer essa análise. Além disso, as novas tecnologias poderão abrir portas para o aumento da desigualdade, já que os menos favorecidos não possuem acesso direto a ela.

Na competência “enfrentar os deveres e dilemas éticos da profissão”, o autor afirma que a prioridade da escola é trabalhar a ética. No entanto, o mundo exibe um contraste em que o que se ensina na escola parece utopia ou fantasia para alguns, pois há professores que lidam com alunos que vivem em meio a desigualdades, preconceitos, violência... E apenas falar de educação para a cidadania pode se tornar motivo de ironia por parte dos adolescentes. Por isso, o autor ressalta que a educação para a cidadania não pode se limitar a uma carga horária: tem que ser vivenciada na escola. A escola tem que transparecer um ambiente de respeito, justiça e combate à violência. Se o professor não agir eticamente, suas palavras serão vazias; logo, o educador precisa ser um modelo a seguir. Desenvolver tais competências é não só trabalhar para o futuro, mas para o presente.

A violência na relação pedagógica pode acontecer se a escola não reconhecer os mesmos direitos para todos. Assim, a competência dos professores seria de instaurar a lei não como xerifes com ameaças de uma violência legítima, mas pelo livre consentimento e o reconhecimento de cada um do fato de que a vida seria intolerável se cada um fosse inimigo de todos. A escola é uma cidade a construir, em que a ordem vai sendo adquirida por meio de negociações. Excluir os bárbaros não é opção em uma sociedade em que a escolaridade é obrigatória. A violência institucional só tende a provocar mais reações. A luta contra o preconceito é fundamental, pois nenhuma vítima de discriminação é capaz de aprender com serenidade.

O professor mais competente combaterá o mínimo sinal de menosprezo ou indiferença e a competência de gestão de classe é saber negociar regras com os alunos, pois, se as regras forem definidas pelo grupo, o próprio grupo zelará para que sejam cumpridas. Além disso, muitas vezes o professor deve saber se deixar levar por certas seduções e manipulações de maneira dosada, tendo cuidado com as formas de tratamento, perguntas indiscretas, julgamentos e palavras agressivas, para alcançar a relação regulada com os alunos. Isentar-se de ter o mínimo de intimidade é um empecilho para o bom regimento de seu trabalho. Dominar técnicas de justiça globalmente aceitas também é uma competência requerida; mesmo que não acerte em todas, o conjunto de seus alunos reconhecerá que o professor faz o que pode. Trata-se de ter lucidez, além de novamente levar em conta as competências de análise, de descentralização, de comunicação e de negociação para lidar a cada dia mais com as contradições de nossos sistemas sociais.

O foco da última das competências abordadas é na formação continuada. O autor destaca que todas as competências anteriores devem ser exercitadas regularmente para que não se desgastem ou fiquem estagnadas, mas também aponta que, devido à escola não ser um mundo estável, não basta exercitar e treinar, é necessário se formar continuamente. Administrar sua própria aprendizagem é ser capaz de analisar e explicitar suas próprias práticas. É uma competência de autoformação que se conecta com a prática reflexiva, porém, não é reflexão substancial ou habitual e sim, uma reflexão metódica que pode se tornar uma alavanca essencial de autoformação e de inovação, o que resultaria em construção de novas competências e de novas práticas. Fala novamente de lucidez profissional, mas a que leva o professor a ousar descrever, explicitar e justificar o que faz.

Existem algumas maneiras de administrar sua formação e reforçar a cooperação; dentre elas temos negociar um projeto de formação em comum numa escola; contudo, isso só será possível se a instituição estiver no estágio mínimo de cooperação, caso contrário isso poderá entravar de vez a cooperação e até violentar certos professores. Logo, para saber negociar projetos em comum com os colegas, o professor deve ter competência dupla: saber não perder a ocasião de propor e desenvolver projetos coletivos ou saber renunciar a isso quando vê que a escola não chegou a um nível de cooperação mínima.

Outras maneiras de focar na sua formação continuada são: se envolver em tarefas de escala e ordem de ensino ou do sistema educativo, que implicará trabalhar fora de sala de aula com tarefas que possibilitarão desenvolver a ampliação da visão cultural, política, econômica, administrativa, jurídica e sociológica dos professores em exercício e reforçam a aprendizagem da negociação; ou ser agente do sistema de formação contínua somando com as decisões nesse processo (situação ainda muito restrita a agentes externos). Ser observado, seja por um estagiário (o que lhe garantiria se formar da maneira mais segura que é formando alguém, claro que exigindo do professor certo nível de especialização), seja por um colega mais experiente (o que lhe possibilitará receber feedbacks), também contribuirá para seu crescimento, pois em ambos os casos será uma rica ferramenta de autoexame, já que o docente buscará justificar sua metodologia, preparar aula com mais cuidado, repensar estratégias, dialogar etc.

Para encerrar, o autor fez um breve relato de como foi a experiência de escrever o livro.  Reforçando que a obra foi organizada seguindo o referencial genebrino de formação contínua de 1996, justifica que a obra é discursiva e argumentativa para que todos vejam que, apesar do exposto por ele, há outros pontos de vista que podem ser levados em conta; logo, o leitor não deve encerrar o debate apenas com sua obra, mas adotá-lo como uma contribuição. As competências apontadas por ele não são um inventário de todas as competências, mas uma abordagem das competências emergentes ou existentes em razão de novas ambições do sistema educacional.

Ele destaca ainda que no meio pedagógico existem dois tipos de professores: a minoria progressista da profissão e a ala conservadora. A minoria progressista é adepta da especialização nova; a ala conservadora segue a linha da especialização tradicional. Logo, por coexistirem num sistema educacional, elas tornam incompatíveis os referenciais de competências profissionais. Sendo assim, é impossível fabricar um referencial aceito por todos; por isso, a obra não é considerada um referencial a seguir. Ele conclui apontando que a profissionalização do ofício é uma aventura coletiva, não sendo possível dominar sozinho.

A obra exposta aqui apresentou rica contribuição para diversos temas tratados na Pedagogia. O pensamento de Perrenoud se aproxima muito de falas de outros célebres pensadores da educação. Ao tratar de organizar e dirigir situações de aprendizagem, ele deixou clara sua posição contra a Pedagogia tradicional e defendeu com garras que se deve criar meios que propiciem a aprendizagem. Para ele, aprender não é memorizar; o professor deve reestruturar, no aluno, o sistema de compreensão de mundo.

Ausubel (2000) concorda com Perrenoud ao apresentar a Teoria da Aprendizagem Significativa. Ele ressalta que a principal diferença entre a aprendizagem por memorização e a significativa é que memorizar lida com a estrutura cognitiva arbitrária e literal, enquanto a outra lida com a não arbitrária e não literal. Com isso, a retenção significativa se torna superior à memorização.

Além disso, vemos grande semelhança também com os pensamentos de Paulo Freire, que em Pedagogia do Oprimido combate fortemente a educação tradicional, a qual ele chama de “educação bancária”, afirmando que o aluno não é um banco para depósito de informações. Sendo assim, a educação voltada apenas à transmissão de conhecimento impossibilita o desenvolvimento integral do estudante (Freire, 1987).

Ao falar de administrar a progressão das aprendizagens, Perrenoud tratou de avaliação por meio de problematização e descreveu que ela deve servir constantemente para levantamento de dados que permitam a melhoria das estratégias de ensino utilizadas pelo professor. Em outra de suas obras, Perrenoud (1998) aponta que, para uma avaliação ser considerada formativa, é necessário que ela contribua para a regulação dos estudantes, ajudando-os a aprender e a se desenvolver. E, somando com essa ideia, na obra discutida aqui o autor aponta que, para que o aluno avance, é necessário trazer provocações que possibilitem que ele desenvolva sua zona de desenvolvimento proximal; isso nos leva a pensar na forma de avaliar e em que instrumentos utilizar.

Uma vez que tratamos de instrumentos que devem ser utilizados na avaliação, temos uma contribuição de Luckesi (2000, p. 4), também conceituado no campo educacional:

um instrumento de coleta de dados pode ser desastroso, do ponto de vista da avaliação da aprendizagem, como em qualquer avaliação, na medida em que não colete, com qualidade, os dados necessários ao processo de avaliação em curso. Um instrumento inadequado ou defeituoso pode distorcer completamente a realidade e, por isso, oferecer base inadequada para a qualificação do objeto da avaliação e, consequentemente, conduzir a uma decisão também distorcida.

Em concordância com o pensamento de Luckesi, Perrenoud (2000) destacou que não bastará o domínio dos mecanismos gerais, precisará que o professor tenha, também, domínio didático das disciplinas. Luckesi aponta que, para saber escolher e adequar um instrumento, deve haver planejamento fazendo mediação entre teoria pedagógica e prática de ensino (Luckesi, 2000).

Sobre conceber e fazer evoluir os dispositivos, na obra analisada e em Pedagogia diferenciada: da intenção à ação, o autor aponta que diferenciar não é dar aulas particulares, pois a abordagem da Pedagogia diferenciada foca no aprendiz e na regulação (Perrenoud, 2000).

Ao falar sobre envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho, foi abordada a questão dos acordos que devem ser formulados com a participação dos alunos. Foi falado ainda sobre reforçar a decisão de aprender e estimular o desejo de saber. E isso pode ser feito dando significado ao que está sendo ensinado; o conhecimento deve auxiliar o aluno a conceber as práticas sociais e a entender o papel dos saberes. Em Pedagogia diferenciada: da intenção à ação, o autor diz que o fracasso escolar de parte dos alunos acontece porque eles resistem às aprendizagens escolares por não fazer sentido algum para eles (Perrenoud, 2000).

Isso nos leva novamente a tratar de aprendizagem significativa. Ausubel (2000) afirma que, para uma aula trazer aprendizagem significativa, ela precisa fazer uso de materiais potencialmente significativos que se ancorarão em ideias particulares dos aprendizes. Isto é, símbolos abstratos precisão ter um encontro com conceitos que já possuam algum significado para o estudante, pois assim conseguirão fazer equivalência e absorver tal conhecimento de maneira significativa. De acordo com Libâneo (2011),

proporcionar ao aluno uma aprendizagem significativa supõe, da parte do professor, conhecer e compreender motivações, interesses, necessidades de alunos diferentes entre si, capacidade de comunicação com o mundo do outro, sensibilidade para situar a relação docente no contexto físico, social e cultural do aluno.

O trabalho em equipe também foi um assunto abordado pelo autor. Suas ideias concordam com o pensamento de Imbernón (2010), pois ele defende que, para a realização de um bom trabalho e para o crescimento do próprio educador, se faz importante deixar de lado o individualismo profissional e elaborar projetos de trabalho conjunto, superar resistências, dialogar ao máximo e trocar experiências com iguais. O foco de Imbernón é tratar de formação continuada, mas acaba que contribuindo para o que Perrenoud tratou a respeito do trabalho em equipe.

Em informar e envolver os pais, o autor fala como esse papel é difícil, mas necessário. Ele destaca que o professor deve saber dialogar, de maneira que não aja com indiferença ou autoritarismo, aceitando os pais como eles são, diversos. Contudo, não basta saber dialogar tranquilamente, é preciso achar o tom certo e saber negociar sem imposições.

A capacidade de comunicação exige a compreensão da mensagem que o outro quer transmitir e para tal faz-se necessário o desejo de querer escutar o outro, a atenção às ideias emitidas e a flexibilidade para as recebermos, pois podem ser diferentes das nossas. Uma atitude de desinteresse e de preconceito pode danificar profundamente a relação família-escola e trazer sérios prejuízos para o sucesso escolar e pessoal dos educandos (Reis, 2008, p. 62).

Ao abordar o uso da tecnologia, Perrenoud fez questão de citar que, apesar dos benefícios e inovação que ela é capaz de proporcionar à aula, não se pode negar que ela exerça um papel que tende a favorecer a desigualdade, já que muitos não possuem acesso a ela. Seu pensamento se aproxima muito do que Paulo Freire (1996) falou em Pedagogia da Autonomia:

Nunca fui ingênuo apreciador da tecnologia: não a divinizo, de um lado, nem a diabolizo, de outro. Por isso mesmo sempre estive em paz para lidar com ela. Não tenho dúvida nenhuma do enorme potencial de estímulos e desafios à curiosidade que a tecnologia põe a serviço das crianças e dos adolescentes das classes sociais chamadas favorecidas (Freire, 1996, grifo meu).

Se Perrenoud se diz um sociólogo pessimista ao levantar a questão da desigualdade gerada pelo uso da tecnologia, Paulo Freire nessa fala pareceu ainda mais pessimista ao destacar que a tecnologia é uma ferramenta rica, mas apenas para as classes sociais ditas mais favorecidas. Contudo, cabe a nós verificar que os anos em que tais conclusões foram publicadas remetiam a desigualdades muito maiores do que hoje. Ainda há pessoas sem nenhum contato com tecnologia, mas tem se tornado cada vez mais raro ter em sala um aluno que não possua smartphone ou acesso à internet. Evidentemente, quanto mais acesso a recursos variados mais possibilidade de potencializar os estudos, e essa variedade quem possui são os mais afortunados, porém não significa que aproveitem essa oportunidade.

Quando o autor adentra a questão dos dilemas da profissão, ele apresenta o grande contraste do que se espera ser ensinado e trabalhado na escola e de como a sociedade vem se comportando. Mostra que, se a escola não for um modelo a seguir, jamais conseguirá cumprir sua missão. Além disso, ele trata da ética profissional do professor e de como ele deve buscar combater qualquer rastro mínimo de violência que venha a existir em sua sala de aula.

De acordo com Freinet (1973), uma escola que não exerce democracia não é capaz de formar cidadãos democratas. Para ele, infelizmente, hábitos autoritários ainda estão enraizados nas atitudes dos pais e dos professores; com isso, formam-se indivíduos incapazes de se governar sozinhos, de refletir e agir.

Quanto aos tipos de violência que devem ser combatidos na escola, temos o bullying. Segundo Fante (2005), a vítima de bullying geralmente é um aluno introvertido, inseguro, ansioso, passivo e com dificuldade de se impor, implicando, na maioria dos casos, não procurar ajuda do professor ou denunciar os maus tratos, mas se caracteriza por se tornar cada vez mais isolado. Ele não é defendidos pelos colegas, pois estes muitas vezes têm medo de denegrir a própria reputação, medo de retaliação ou ainda medo de se tornar as próximas vítimas.

Perrenoud aponta que o professor mais competente não permitirá que o mínimo de violência ou discriminação possível seja levado adiante. Ele apresentará um olhar mais apurado e exercerá uma gestão de classe em que as regras são decididas pelo conjunto, levando a que o próprio grupo zele por elas.

Por último, o autor trata das diversas formas que podem contribuir para a melhoria da formação do professor. Ele aponta que administrar sua própria formação é muito importante, pois o campo educacional passa constantemente por transformações e, com isso, a formação inicial do professor torna-se cada vez mais insuficiente. Suas ideias vão ao encontro, mais uma vez, do pensamento de Imbernón (2006), que defende que o professor deve estar continuamente buscando formação e se questionando; a reflexão deve fazer parte do dia a dia do profissional e não se pode ignorar a contribuição do trabalho em equipe e das interações para o seu crescimento profissional.

Philippe Perrenoud é um sociólogo que leciona Psicologia e Educação na Universidade de Genebra. Conhecido pela criação dos termos competência e habilidades, o autor escreveu artigos e livros que contribuem com estudiosos da área da Educação e assessores em políticas educacionais, sendo alguns dos assuntos mais abordados por ele a questão da evasão escolar e da profissionalização do professor (Paraná, 2021).

Referências

AUSUBEL, David. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Lisboa: Plátano, 2000.

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Publicado em 14 de março de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

MENDONÇA, Stephany Fernando de Araujo Flôres. "Dez novas competências para ensinar", de Philippe Perrenoud: percepções e paralelos com autores conceituados do campo educacional. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 9, 14 de março de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/9/dez-novas-competencias-para-ensinar-de-philippe-perrenoud-percepcoes-e-paralelos-com-autores-conceituados-do-campo-educacional

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