Sujeitos, família e escola - construtos sociais à luz do materialismo histórico-dialético

Renata Albuquerque Osório

Pedagoga e mestranda em Educação (UFBA), graduanda em Psicologia (Uninassau), especialista em Educação Inclusiva (UniSEB), em Psicopedagogia (Cesap) e em Inclusão e Diversidade na Educação (UFRB), pós-graduada em Neuropsicologia

Primeiramente, trazemos esclarecimentos acerca do paradigma da pesquisa. A abordagem é baseada nos princípios do materialismo histórico-dialético, uma vez que utilizará, para a sua investigação, a relação do indivíduo com seu ambiente dentro de uma totalidade. O objetivo da pesquisa é analisar como as relações afetivas familiares interferem no processo de aprendizagem dentro da sala de aula na ótica dos discentes, dialogando com os seguintes objetivos específicos: como se deu o processo de construção social de família, educação e afeto; identificar como a percepção de afeto e de relações familiares foi construída dentro do contexto dos alunos pesquisados e relacionar afetividade com a aprendizagem dos educandos desta pesquisa.

Os teóricos a serem utilizados na pesquisa, entre eles Vygotsky e Wallon, construíram suas teorias à luz do materialismo histórico-dialético, compreendendo a humanização como o pleno desenvolvimento dos sujeitos. Assim, observamos que as relações que os educandos estabelecem com suas famílias, durante a sua vida acadêmica, os afetam diretamente em seus sentimentos de autoestima e percepção de mundo, levando-os muitas vezes a reproduzirem essas relações em seu processo de aprendizagem. A materialidade histórica da vida desses sujeitos e como tais pensamentos foram organizados na sociedade servirão de embasamento teórico para a pesquisa que se pretende desenvolver.

A família e a escola são instituições constitutivas e integrantes do desenvolvimento cognitivo, emocional e social de todos os indivíduos. Não obstante, faz-se mister reconhecer a complexidade dessas relações que possuem outros elementos ideológicos, culturais e sociais. Compartilhando dos conceitos de Vygotsky (2004), o ser humano é entendido, de forma geral, como sendo o resultado da sua interação com o meio, pois o meio molda as suas características individuais. Desse modo, o comportamento humano será resultado de operações de partes específicas e das relações e interações entre essas partes específicas com o meio.

Partindo dessas premissas, é fundamental conhecer como esses construtos (família e escola) são construídos ao longo do tempo dentro das sociedades e como permeiam as ações humanas até os dias atuais. Desse modo, entendemos que compreender a vida dos sujeitos e de como tais pensamentos foram sendo gerados e organizados na sociedade na qual estão inseridos é fundamental para uma reflexão implicada na consciência de si e do outro (família e escola).

Chauí (1980) remete ao pensamento de que a sociedade segue ideologias que permeiam toda a evolução social dos indivíduos e essas ideologias são reproduzidas ao longo da vida e da história em sociedade. Nessa perspectiva, ela vai dizer acerca da visão filosófica sobre surgimento do homem:

O homem surge, então, como um ser muito peculiar: por seu corpo, é uma máquina natural e impessoal que obedece à causalidade eficiente; por sua vontade (ou por seu espírito, onde a vontade se aloja), é uma liberdade que age em vista de fins livremente escolhidos. Pode, então, fazer com que seu corpo, atuando mecanicamente, sirva aos fins escolhidos por sua vontade (Chauí, 1980, p. 6).

Assim, a matéria do materialismo histórico-dialético é senão uma outra matéria social, apresentando as próprias relações que se dão à luz da sociedade, “relações sociais entendidas como relações de produção, como o modo pelo qual os homens produzem e reproduzem suas condições materiais de existência e o modo como pensam e interpretam essas relações” (Chauí, 1980, p. 21).

Nesse sentido, a história dos construtos sociais deve ser analisada como algo em movimento, algo imerso em uma transitoriedade e, por isso, transformada pela ação humana. Contudo, para que se transforme a realidade é preciso compreender as formas conceituais a partir de uma investigação baseada nas interligações sistemáticas, partindo da totalidade da realidade, que é concreta, dentro de uma perspectiva materialista.

Construtos sociais à luz do materialismo histórico-dialético

É sobretudo na compreensão da relação do sujeito-objeto que, neste estudo, trazemos o entendimento sobre a relação do homem com as coisas, a natureza e com a sua própria existência. O pensamento marxista parte da concepção de que a realidade está em movimento e é contraditória. Para compreendê-la, fundamentamo-nos na construção lógica do materialismo histórico, que interpreta a realidade em sua concretude. Assim, “a dialética que aparece no pensamento de Marx surge como tentativas de superação da dicotomia, da separação entre sujeito e objeto” (Pires, 1997, p. 84).

O marxismo é uma construção histórica baseada em uma concepção político-filosófica que vai se reconhecer na relação da teoria com a prática da realidade. Será a partir de determinações concretas da realidade que o materialismo será compreendido. Importante salientar que quando se fala de concretude, não necessariamente se está referindo a coisas tangíveis, palpáveis, pois é considerável que a materialidade no marxismo vá para além da sua tangibilidade, não existindo nada no campo do concreto em si que não tenha em algum momento a carência de uma mediação teórica a fim de ser compreendido.

Sendo assim, o marxismo, como práxis (a relação entre a teoria e a prática), permeia toda e qualquer atividade humana precedida da atividade teórica, que são os fins e os meios. Essa relação pode ser entendida pela prática como sendo a finalidade da teoria, enquanto, ao mesmo tempo, se torna o seu fundamento.

É pelo método materialista histórico-dialético que a teoria se submete ao critério da realidade material. Nessa dinâmica, o ser humano projeta novos meios para atingir novos objetivos, transformando a realidade ao seu redor. Porém, teleologicamente (a ação de agir de acordo com um objetivo específico), o indivíduo possui uma liberdade de criação limitada e condicionada, já que é ela socialmente construída e determinada pelas próprias condições de existência do ser humano. Dessa forma, o homem é um ser social que possui capacidade de transformar a realidade ao seu redor de maneira teleológica e determinada pelas condições históricas limitadas, criando meios de satisfazer as suas próprias necessidades.

O fazer pesquisa na Educação tem a possibilidade de se apropriar, portanto, da abordagem dialética como método (interpretação teórica) na busca pela compreensão dessa totalidade, tanto prática quanto teórica.

Isto posto, compreender o método é instrumentalizar-se para o conhecimento da realidade, no caso, a realidade educacional. O método materialista histórico-dialético caracteriza-se pelo movimento do pensamento através da materialidade histórica da vida dos homens em sociedade, isto é, trata-se de descobrir (pelo movimento do pensamento) as leis fundamentais que definem a forma organizativa dos homens durante a história da humanidade (Pires, 1997, p. 87).

O materialismo histórico-dialético é um método científico e filosófico de interpretação da realidade. A partir da realidade mutável, teremos novas afirmações, questionamentos e reflexões. A história faz parte dessa dinâmica e por meio dela observamos e compreendemos a realidade como um processo em desenvolvimento, não estático. Assim, o sujeito do conhecimento e o objeto do conhecimento são compreendidos pela concretude da realidade.

A grande tarefa do saber que se pretenda científico é penetrar na dialética do processo, na dinâmica que leva os diferentes momentos, aspectos e elementos, através e apesar da contradição que os perpassa e empapa, a constituírem um devir uno, simultaneamente idêntico e diverso (Barata-Moura, 1997, p. 92).

Marx (1993) analisa a materialidade histórica das relações sociais que se construíram e se desenvolveram ao longo do tempo, a partir da categoria do trabalho, quando analisa, de forma ampla, o conceito, afirmando que é o trabalho a categoria central das relações sociais do humano com a natureza e seus pares, vindo a ser a sua atividade vital, ou seja, a atividade que lhe garante a sobrevivência como espécie humana sobre a terra.

Na lógica marxista, o trabalho humano é o processo por intermédio do qual se relacionam homem e natureza. Pelo trabalho, a ação humana é capaz de regular, controlar e impulsionar a realidade ao seu redor, tendo capacidade de modificar essa realidade.

Assim como o trabalho é uma forma de produção e reprodução da humanidade, a educação também o é, permeando as relações humanas sociais de produção. A família, também um construto social, organiza a vida em sociedade pela história, onde ambos se estabelecem como bases estruturais para todas as demais relações sociais.

Nessa perspectiva, analisar escola e família dentro de uma lógica materialista histórico-dialética é buscar compreender a totalidade humana em sua realidade concreta e de que maneira as relações se constroem e se reconstroem por meio dos sujeitos, refletindo, sobretudo, acerca das contradições que se colocam à frente dessas relações, considerando as possibilidades de superação das adversidades.

Considerações finais

As relações sociais se repetem ao longo do tempo e são reproduzidas dentro da sociedade. Essa representatividade (geralmente pela classe social dominante) é intencional, dentro de um perfil de dominação, com a finalidade de assegurar e de manter a exploração nas relações de desigualdade econômica, social e política, como se pode observar nas reflexões feitas por Chimamanda (2009).

O materialismo histórico-dialético é uma matéria social, ou seja, as próprias relações se dão à luz da sociedade, porém é compreendendo a existência das contradições da realidade que ela será superada. Se os sujeitos são fruto de suas interações sociais e do meio ambiente em que vivem, também podem ser agentes de transformações.

Segundo Vygotsky (1987), é nas relações sociais, nas interações e nas trocas dos indivíduos com seus semelhantes e com o meio que se originam as funções psíquicas superiores, que são as funções mentais conscientes, como a atenção voluntária, a percepção, a memória e o pensamento. Sendo assim, a ideia de pertencimento de uma classe social também perpassa por tais funções totalizando o indivíduo, já que eles serão os canalizadores de todo o processo de construção social do sujeito e como esses sujeitos irão perceber o mundo ao seu redor.

Engels (1964) traz a concepção de família iniciada com a divisão social do trabalho, originada da divisão do trabalho sexual, que por finalidade determinará a estrutura familiar. A família vem a ser o primeiro grupo social em que a criança irá participar, onde se socializa e cria consciência de seu papel social, para a sua construção identitária. Como instituição, a família também se modifica com o tempo e traz consigo a marca de pensamentos, valores, crenças e ideologias que são refletidos nas mais diversas relações.

A intenção deste escrito foi trazer uma breve consideração acerca dos construtos sociais das instituições família e escola. Por meio dessas complexas relações, dentro da sociedade, as instituições vão se construindo e se reconstruindo, e o processo de desenvolvimento humano vai sendo desenvolvido.

Assim, é possível inferir a respeito da importância dessa reflexão acerca das relações entre os sujeitos, a família e a escola e suas implicações na vida social, além de entendermos as dificuldades em definirmos a função social de cada uma dessas instituições dentro da sociedade atual.

Referências

BARATA-MOURA, J. Materialismo e subjetividade: estudos em torno de Marx. Lisboa: Avante, 1997.

CHAUÍ, M. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1980.

CHIMAMANDA, Ngozi Adichie. O perigo da história única. TED Talks, 7 de outubro de 2009. (18:49min). Disponível em: https://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story?language=pt-br. Acesso em: 18 jun. 2022.

ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio de Janeiro: Vitória, 1964.

MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. Lisboa: Edições 70, 1993.

MIRANDA, M. G. de. O processo de socialização na escola: a evolução da condição social da criança. In: LANE, S. T. M.; CODO, W. Psicologia Social: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense, 2006. p. 125-135.

PATTO, M. H. S. O modo capitalista de pensar a escolaridade: Anotações sobre o caso brasileiro. In: PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2015. p. 77-150.

PIRES, M. F. C. O materialismo histórico-dialético e a Educação. Interface – Comunicação, Saúde, Educação, v. 1, nº 1, 1997.

VIGOTSKY, L. S. História de las funciones psíquicas superiores. Habana: Editora Científico-Técnica, 1987.

VIGOTSKY, L. S. Psicologia Pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

WALLON, H. Do ato ao pensamento: ensaio de Psicologia Comparada. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2015.

Publicado em 16 de janeiro de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

OSÓRIO, Renata Albuquerque. Sujeitos, família e escola - construtos sociais à luz do materialismo histórico-dialético. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 1, 16 de janeiro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/1/sujeitos-familia-e-escola-construtos-sociais-a-luz-do-materialismo-historico-dialetico

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.