Teoria socioconstrutivista de Lev Vygotsky: aprendizagem por meio das relações e interações sociais

Ana Paula Marques da Rosa

Mestranda em Ensino de Ciências (Unipampa, Caçapava do Sul)

Mara Elisângela Jappe Goi

Professora doutora na Unipampa, Caçapava do Sul

Lev Vygotsky foi um psicólogo responsável por pesquisas na área do desenvolvimento da aprendizagem e do papel das relações sociais no processo denominado socioconstrutivista (Frazão, 2017). Vygotsky (1896-1934) nasceu em Orsha, cidade próxima de Minsk, a capital da Bielorrússia, no dia 17 de novembro de 1896. Iniciou seus estudos primários como tutor particular e se dedicou à leitura, concluindo-o aos dezessete anos.

Conforme apresenta Frazão (2017), com dezoito anos Vygotsky entrou para o curso de Medicina, mas optou pelo curso de Direito da Universidade de Moscou. Concomitantemente com o curso de Direito, estudou Literatura e História da Arte. Em 1917, ano da Revolução Russa, finalizou o curso de Direito e apresentou um trabalho intitulado Psicologia da Arte, publicado na União Soviética em 1965 (Frazão, 2017).

Lev Vygotsky foi responsável pela criação de uma revista literária, por um laboratório de Psicologia no Instituto de Treinamento de Professores (onde ministrava cursos de Psicologia) e por uma editora. Com foco em auxiliar o desenvolvimento das crianças, Lev focou seus estudos na compreensão dos processos mentais humanos, (Frazão, 2017). Em 1924, foi convidado a trabalhar no Instituto de Psicologia de Moscou.

Frazão (2017) afirma que o interesse de Vygotsky pelas funções mentais superiores, pela cultura, pela linguagem e pelos processos orgânicos cerebrais infantis o levou a trabalhar com pesquisadores neurofisiologistas, contribuindo com seus estudos para o Instituto de Deficiência em Moscou.

Durante seus estudos escreveu várias obras, entre elas: A formação social da mente, que aborda os processos psicológicos humanos analisados a partir da infância e do seu contexto histórico-cultural. Destacam-se, ainda, os livros A pedologia de crianças em idade escolar (1928), Estudos sobre a história do comportamento (1930, escrito em parceria com Luria), Lições de Psicologia (1932), Fundamentos da Pedologia (1934), Pensamento e linguagem (1934), Desenvolvimento da criança durante a educação (1935) e A criança retardada (1935).

Lev realizou estudos sobre temas relacionados à Linguística, às Ciências Sociais, à Psicologia, à Filosofia e às Artes. Em 1924, iniciou seu trabalho sistemático nas pesquisas em Psicologia do Desenvolvimento, Educação e Psicopatologia com auxílio de estudantes e colaboradores. Lecionou Psicologia e Pedagogia em Moscou e Leningrado entre os anos de 1925 e 1934.

Lev Vygotsky teve uma vida curta, falecendo em Moscou no ano de 1934. Após seu falecimento, suas ideias foram repudiadas pelo governo soviético e suas obras proibidas na União Soviética entre 1936 e 1958, durante a censura do regime stalinista. O livro Pensamento e linguagem foi lançado no Brasil somente em 1962; A formação social da mente, somente em 1984.

Vygotsky (1984) apresenta o ser humano como ser histórico-social. Sendo assim, a formação do indivíduo está diretamente relacionada às experiências e às interações sociais. O Ensino de Ciências está associado à teoria de Vygotsky, a percepção de relações sociais que são determinantes nos processos de ensino-aprendizagem. O ensino pautado em aspectos culturais, compatível com a realidade dos estudantes e mediado por professor e alunos, pode proporcionar melhor aprendizagem dos conceitos.

Este texto foi construído a partir das leituras desse autor e de estudos na área. A seguir, destacam-se aspectos da teoria vygotskiana fundamentais para que compreendamos o indivíduo e suas formas de aprender, assim como as contribuições do autor para o ensino das Ciências.

Pressupostos teóricos de Lev Vygotsky

As teorias cognitivas da aprendizagem, conforme Pozo (1998), buscam reconhecer a dinâmica envolvida nos processos de ensinar e aprender, baseadas na evolução cognitiva do homem. Sendo assim, as teorias da aprendizagem visam explicar a relação dos processos de desenvolvimento e de apropriação do conhecimento.

Entre essas teorias da aprendizagem destaca-se a teoria sociocultural do desenvolvimento humano de Lev Vygotsky, por seu papel inovador na descrição dos processos de desenvolvimento cognitivo e de aprendizagem. Vygotsky foi um estudioso, pioneiro no conceito de que o desenvolvimento intelectual das crianças ocorre em função das interações sociais e de suas condições de vida.

Nesse contexto, "as teorias de aprendizagem buscam reconhecer a dinâmica envolvida nos atos de ensinar e aprender, partindo do reconhecimento da evolução cognitiva do homem, e tentam explicar a relação entre o conhecimento pré-existente e o novo conhecimento” (Castro; Santos; Silva Cruz, 2013, p. 552). Esses autores destacam que a aprendizagem não é apenas inteligência e construção de conhecimento, mas está relacionada às condições de identificação pessoal e às relações emergentes ocorridas por meio da interação entre as pessoas.

A busca por compreender o modo como as pessoas aprendem e as condições necessárias para a aprendizagem norteiam o trabalho docente, perante os processos educativos. As teorias da aprendizagem, segundo Castro, Santos e Silva Cruz (2013), são significativas, porque possibilitam a aquisição e o aperfeiçoamento de conhecimentos, atitudes e habilidades de mediação do ensino.

Segundo Camillo e Medeiros (2018), cognição é o conjunto dos processos mentais que subsidiam o pensamento, a percepção, a classificação, o reconhecimento e a compreensão das informações para a interpretação geral, por meio do raciocínio, dos sistemas e de soluções de problemas. Durante o processo pedagógico de ensino-aprendizagem, que ocorrem no ambiente escolar (Castro; Santos; Silva Cruz, 2013), o aluno, o professor e a situação de aprendizagem são elementos centrais para que o desenvolvimento da escola seja possível.

Castro, Santos e Silva Cruz (2013, p. 554) afirmam que “a corrente cognitivista foca nos processos de cognição, por meioem que a pessoa atribui significados à realidade em que se encontra”. Dessa forma, o cognitivismo prioriza os processos de compreensão, transformação, apropriação e uso da informação envolvidos na cognição, identificando regularidades no processo mental.

Camillo e Medeiros (2018, p. 76) apontam que, “para os cognitivistas, a aprendizagem é estruturada e idealizada como um processo de aquisição de esquemas de resposta e de adaptações sucessivas ao meio”. Libâneo (2004) afirma que, para Vygotsky, as relações entre a cognição, o mundo social e a cultura se destacam pela relevância dos fatores contextuais para o pensamento. “O desenvolvimento cultural individual pressupõe a inserção dos indivíduos numa atividade sociocultural específica, a qual implica as relações interpessoais na aprendizagem, ou seja, a participação” (Libâneo, 2004, p. 63).

Na perspectiva de Vygotsky (1989), a aprendizagem não é somente uma aquisição de informações e tampouco ocorre a partir da simples associação de ideias armazenadas na memória, mas gera um processo interno, ativo e interpessoal. Sendo assim, Vygotsky (1989) entende o homem como um ser histórico e produto de um conjunto de relações sociais.

A teoria da aprendizagem de Vygotsky (1989) defende que o aprendizado se dá pela interação social e que o desenvolvimento do sujeito é resultado da relação com o mundo e com as pessoas com as quais ele se relaciona. O objetivo dessa teoria é constatar como as funções psicológicas evoluem de sua forma primária para processos psicológicos superiores. Sendo assim, a teoria visa identificar as transformações psicológicas e cognitivas existentes nas interações do sujeito com o mundo.

Segundo Castro, Santos e Silva Cruz (2013, p. 555), com base na teoria de Vygotsky, “os fatores sociais podem influenciar o pensamento e construir o psiquismo e a resposta que apresenta nasce de uma perspectiva semiológica, na qual o signo, como um produto social, tem uma função geradora e organizadora dos processos psicológicos”.

Para Vygotsky (2001), a interação com o meio está diretamente ligada ao desenvolvimento cognitivo. Sendo assim o desenvolvimento acontece de fora para dentro, a partir do momento em que o indivíduo internaliza suas interações com o ambiente e com outros indivíduos. Dessa forma, é o contato com o ambiente, o convívio com outras pessoas e suas influências culturais que farão com que o indivíduo se desenvolva psicológica e conceitualmente.

Segundo Affonso (2008), o desenvolvimento psicológico não é um processo fixo, mas contínuo. Sendo assim, o desenvolvimento humano baseia-se em processos distintos e relacionados entre si: a maturidade e a aprendizagem (Affonso, 2008), conforme o autor prepara e condiciona a aprendizagem, uma vez que a aprendizagem estimula e potencializa o amadurecimento do indivíduo.

Para Affonso (2008, p. 31), Vygotsky pressupõe cinco conceitos fundamentais em sua teoria “que devem ser levados em conta para compreendê-la: as funções mentais; as habilidades psicológicas; a zona de desenvolvimento proximal, as ferramentas psicológicas e a mediação”. A teoria de Vygotsky possui alguns aspectos fundamentais relacionados aos processos de ensino-aprendizagem: funções psicológicas superiores, desenvolvimento, aprendizagem e zona de desenvolvimento proximal.

Funções psicológicas superiores se referem às experiências que são adquiridas durante a vida do sujeito, considerando que esse ser se relaciona com o mundo e com a cultura, por meio de instrumentos físicos e simbólicos. Assim, o controle consciente do comportamento, da atenção e da lembrança voluntária, assim como da memorização ativa, do pensamento abstrato, do raciocínio dedutivo e da capacidade de planejamento são exemplos dessas funções unicamente humanas (Vygotsky, 2001).

Em relação ao desenvolvimento e à aprendizagem, Vygotsky (2001) afirma que uma está ligada à outra, sendo que a aprendizagem possibilita o despertar dos processos internos de desenvolvimento que ocorrem devido o ambiente cultural. Para ele, o sujeito é interativo, pois adquire conhecimentos a partir de relações intra e interpessoais em trocas com o meio, a partir de um processo denominado mediação.

Na relação desenvolvimento e aprendizagem, conforme Vygotsky (2001) apregoa, surge do conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP), definida pelas funções que ainda não amadureceram no sujeito, mas que ainda seguem em processo de maturação. Nelas há interferência de outra pessoa mais capaz (ou um livro, determinada brincadeira), auxiliando no processo.

Assim, a teoria vygotskiana preconiza a ZDP como a ponte entre a zona de desenvolvimento real (ZDR) – o que já foi consolidado, o que já se alcançou e a zona de desenvolvimento potencial (o que aquele indivíduo tem condições de aprender), fazendo-a entrar na zona de ZDR em relação ao novo.

Morais (2013), baseado em Vygotsky, apresenta que o papel do outro é fundamental para compreender as relações entre desenvolvimento e aprendizado. O autor destaca que Vygotsky trabalha com dois níveis de desenvolvimento: o Desenvolvimento Real e o Desenvolvimento Potencial. Moraes (2013) esclarece que,

em simples palavras, o desenvolvimento real é o que a criança consegue fazer sozinha (etapas alcançadas, já conquistadas pela criança), porque já tem um conhecimento consolidado. O Desenvolvimento Potencial é aquilo que a criança pode realizar com a ajuda dos outros (adultos ou companheiros mais capazes), que ainda não domina, mas que poderá dominar com ajuda de alguém mais experiente. Entre esses dois níveis está a zona de desenvolvimento proximal (ZDP), que é a distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. Para Vygotsky todo ambiente social é uma ZDP, o comportamento não é consequência da maturação e sim da interação, evidenciando a importância na educação e no papel do professor como criadores da ZDP (Moraes, 2013, p. 14).

Vieira (2007) aponta que “o desenvolvimento cognitivo é produzido pelo processo de internalização da interação social com materiais fornecidos pela cultura, sendo que o processo se constrói de fora para dentro” (p. 19). Conforme Vygotsky conduz (1999), as palavras são signos linguísticos e o significado das palavras e dos gestos são socialmente construídos. Vygotsky (1999) destaca que o indivíduo capta o significado e o internaliza como signo, pois a consciência humana é baseada em um contrato social consigo mesma, sendo a linguagem uma ferramenta importante para o desenvolvimento cognitivo.

Conforme Vygotsky (2000), o instrumento é responsável pela regulação das ações sobre o meio, e o signo é o responsável pela regulação das ações sobre o psiquismo dos indivíduos. Dessa forma, pode-se compreender que o instrumento é o conjunto de medidas e ações sobre um objeto e os signos regulam essas ações sobre o psiquismo. Segundo o autor,

todas as funções psíquicas superiores são processos mediados, e os signos constituem o meio básico para dominá-las e dirigi-las. O signo mediador é incorporado à sua estrutura como parte indispensável, na sua verdade a parte central do processo como um todo. Na formação de conceitos, esse signo é a palavra, que em princípio tem o papel de meio na formação de um conceito e, posteriormente, torna-se o seu símbolo (Vygotsky, 1993, p. 48).

Na ótica de Rego (2001), por meio da linguagem e dos signos, o indivíduo se relaciona com a sociedade. Na mesma linha, Vieira (2007, p. 18) cita que é “por meio dos signos, da palavra, dos instrumentos, que ocorre o contato com a cultura”. Nesse sentido, a linguagem é considerada um instrumento mediador na formação e no desenvolvimento das funções psicológicas superiores (Lucci, 2006). Sendo assim, pode-se compreender que os signos constituem um sistema simbólico elaborado no curso dos grupos humanos, representando a evolução da espécie e possibilitando a perpetuação de informações e conhecimentos.

Para Vygotsky (2005), os aspectos que relacionam pensamento e fala passam por mudanças ao longo do desenvolvimento do indivíduo. Para o autor, o pensamento e a linguagem se encontram e se originam em um funcionamento psicológico complexo. Vieira (2007) aponta que para Vygotsky a importância da linguagem como instrumento do pensamento está relacionada às relações de função planejadora da fala que introduz mudanças qualitativas na forma como se dá o desenvolvimento da cognição do indivíduo e reestrutura diversas funções psicológicas: como a memória, a atenção voluntária e a formação de conceitos. Sendo assim, o pensamento e a linguagem representam um marco no desenvolvimento do homem. Segundo Vygotsky,

a capacitação especificamente humana para a linguagem habilita as crianças a promoverem instrumentos auxiliares na solução de tarefas difíceis, a superarem a ação impulsiva, a planejarem a solução para um problema antes da sua execução e a controlarem seu próprio comportamento. Signos e palavras constituem para as crianças, primeiro e acima de tudo, um meio de contato social com outras pessoas. As funções cognitivas e comunicativas da linguagem tornam-se, então, a base de uma forma e superior de atividade nas crianças distinguindo-as dos animais (2003, p. 38).

Vieira (2007) argumenta que, quando Vygotsky escreve sobre aprendizado, ele se refere aos processos de ensino e aos processos de aprendizagem. Isso porque, segundo Vygotsky (2003), não é possível tratar desses dois aspectos de forma independente. “O aprendizado pressupõe uma natureza social específica e um processo por meio do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que as cercam” (Vygotsky, 2003, p. 115). Sendo assim, o aprendizado é “um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas” (Vygotsky, 2003, p. 118).

Vieira (2007) destaca que a formação de conceito envolve as funções mentais superiores e é um processo mediado por signos. Para o autor, os signos se constituem como “meio para sua aquisição. Isto é, no que se refere à formação de conceito, o mediador é a palavra, ela é o meio para centrar ativamente a atenção, abstrair determinado traços, sintetizá-lo e simbolizá-lo por meio de algum signo” (Vieira, 2007 p. 3).

Vygotsky (2005) apresenta a formação de conceitos vindos de atividades complexas das quais fazem parte todas as funções intelectuais básicas. Porém, Vygotsky destaca que esse processo não pode ser reduzido à associação, à atenção, à formação de imagens, à inferência ou às tendências determinantes. “Todas são indispensáveis, porém insuficientes sem o uso do signo, ou palavra, como meio pelo qual conduzimos as nossas operações mentais, controlamos o seu curso e as canalizamos em direção à solução dos problemas que enfrentamos” (Vygotsky, 2005, p. 73).

Para Vygotsky (2000), a formação de conceitos passa por estágios. O primeiro estágio está relacionado à introdução da fala do indivíduo quando criança, quando o significado da palavra está vinculado ao pensamento sincrético. Affonso (2008, p. 33) afirma que

é nesse momento que é propiciada à criança a mediação simbólica entre ela e o mundo. Porém, a formação desse amontoado de objetos, ou imagem sincrética, baseia-se nos encontros espaciais e temporais de determinados elementos, no contato imediato ou em outra relação mais complexa que surge entre eles no processo de percepção imediata.

O segundo estágio está relacionado à formação de complexos para o desenvolvimento do pensamento por conceitos (Vygotsky, 2000). O autor esclarece que nesse estágio a criança já constitui um pensamento coerente, pois está baseado na formação de vínculos fatuais, vivenciados nas experiências imediatas, por meio de uma unificação concreta com base na semelhança física entre objetos.

Affonso (2008) ressalta que, “como um conceito, o complexo é a generalização ou a unificação de objetos heterogêneos concretos. Mas por não estarem no plano do pensamento lógico-abstrato e sim no concreto-fatual, os vínculos através dos quais se constrói essa generalização podem ser do tipo mais variado” (Affonso, 2008, p. 33). Sendo assim, o autor destaca que o pensamento complexo é o intermediário entre o início do desenvolvimento das funções superiores e a formação dos conceitos.

As informações científicas, conforme Vygotsky (2001), se referem a todo conhecimento de origem formal, relacionado às regras da comunidade científica das áreas de Ciências Sociais, Línguas, Matemática, Ciências Físicas e Naturais. Podem ser entendidos como conhecimentos sistemáticos e hierárquicos apresentados e compreendidos como parte de um sistema de relações. O conhecimento espontâneo é formado por conceitos não sistemáticos, não organizados e baseados em situações particulares, coletados em contextos da experiência cotidiana.

Vygotsky (2001) classifica como científicos os conceitos contidos na grade curricular escolar. Como espontâneos, os conceitos originários de uma aprendizagem informal. Assim,

o desenvolvimento dos conceitos espontâneos e científicos – cabe pressupor – são processos intimamente interligados, que exercem influências um sobre o outro. [...] Independentemente de falarmos do desenvolvimento dos conceitos espontâneos ou científicos, trata-se do desenvolvimento de um processo único de formação de conceitos, que se realiza sob diferentes condições internas e externas, mas continua indiviso por sua natureza e não se constitui da luta, do conflito e do antagonismo de duas formas de pensamento que desde o início se excluem (Vygotsky, 2001, p. 261).

De acordo com Vygotsky (2001), a relação dos conceitos científicos com a experiência pessoal do indivíduo é diferente da relação dos conceitos espontâneos. O autor aponta que “eles surgem e se constituem no processo de aprendizagem escolar por via inteiramente diferente que no processo de experiência pessoal da criança” (Vygotsky, 2001, p. 263). Os conceitos cotidianos e os conceitos científicos envolvem experiências e atitudes diferentes em relação ao indivíduo e se desenvolvem por caminhos diferentes (Vygotsky, 1991). O autor classifica os conceitos em duas categorias: os conceitos cotidianos ou espontâneos e os conceitos científicos. Vieira (2007, p. 29) apresenta:

Conceitos cotidianos são aqueles construídos pelas pessoas na sua experiência pessoal e concreta que aparecem em decorrência das interações do seu dia a dia. Os conceitos científicos, por outro lado, são relacionados com o conhecimento sistematizado, frutos das interações escolarizadas.

Sendo assim, segundo Affonso (2008), o desenvolvimento dos conceitos científicos e cotidianos são opostos, porém relacionados de maneira mais profunda. O autor aborda que o desenvolvimento do conceito cotidiano da criança deve alcançar um específico nível para que ela possa apreender o conceito científico e tomar consciência. Portanto, aprendizado e desenvolvimento estão associados desde o primeiro dia de vida do indivíduo (Vygotsky, 2000). Dessa forma, o autor defende que o aprendizado pode estar além do desenvolvimento real ou faixa etária, esclarecendo que o desenvolvimento potencial pode ser alcançado antes.

A abordagem histórico-cultural está sendo sugerida como aporte teórico de trabalhos voltados para o Ensino de Ciências, explorando, especialmente, as ideias de Vygotsky. Para Gehlen et al. (2012, p. 77),

quanto à abordagem histórico-cultural, destaca-se que ao vincular a formação de sujeitos a um contexto histórico e cultural, Vygotsky (2001) defende que a educação vai muito além do desenvolvimento das potencialidades individuais. A constituição do sujeito a partir das interações realizadas num contexto cultural, não acontece de forma isenta deste. A passagem das relações interpessoais para as intrapessoais vai constituindo o ser humano com novas capacidades que, por sua vez, interferirá nesse próprio contexto, contribuindo para a sua modificação.

Nesse sentido, baseado em Vygotsky (2003), pode-se compreender que o ser humano se desenvolve a partir de suas relações e interações com o meio social. Essa interação possibilita o desenvolvimento do ser humano, possibilitando que ele modifique o meio. Conforme Gehlen et al. (2012), durante os processos de ensino e de aprendizagem nas disciplinas da área de Ciências Naturais, pode-se observar que as relações sociais estão relacionadas com a compreensão conceitual, assim como a relação entre signo e significado são relevantes para este processo.

Nessa perspectiva, o desenvolvimento pode ser oportunizado quando o indivíduo está na ZDP, caminho que se dá até as atividades desenvolvidas com o auxílio de um mediador. Segundo Gehlen et al. (2012), a aprendizagem pode ser potencializada quando se considera o conhecimento cotidiano dos estudantes, a fim de vincular e transformar as informações já conhecidas. Dessa forma, os autores destacam que a linguagem escrita e o pensamento teórico conhecidos no ambiente escolar é um signo, “que tanto pode indicar o objeto em estudo quanto representá-lo como conceito (um instrumento do pensamento)” (Gehlen et al., 2012, p. 78 - 79).

Procopio, Procopio e Freitas (2020) apontam que, no desenvolvimento das atividades escolares, podemos relacionar aos conceitos do cotidiano aos conceitos científicos. Dessa forma, a escola pode oferecer a possibilidade de transformação do conceito cotidiano por meio de atividades que propiciem a reflexão sobre temas relevantes em seu meio social.

Nessa mesma perspectiva, Laburú, Zompero e Barros (2013) apontam a relevância de apresentar diferentes formas de linguagens por meio de diferentes formas de representação no espaço escolar, com a finalidade de proporcionar a apropriação de conceitos científicos e o posicionamento crítico e reflexivo sobre fatos do cotidiano.

Considerações finais

A partir do aporte teórico pode-se perceber que as teorias de aprendizagem buscam identificar os processos envolvidos nos atos de aprender e ensinar, considerando a evolução cognitiva do indivíduo. Dessa forma, investigamos relações da transformação do conhecimento.

A cognição pode ser compreendida como processos mentais que sustentam o pensamento e a forma como serão reconhecidas e compreendidas as informações para a interpretação geral do mundo, por meio do raciocínio. A teoria da aprendizagem de Vygotsky (1989) mostra que o processo de aprender está relacionado à interação social e o desenvolvimento do indivíduo é o resultado dessa relação entre o sujeito e o mundo. Sendo assim, a teoria busca apurar as transformações psicológicas e cognitivas existentes nas interações entre ambos.

A teoria da aprendizagem de Vygotsky aponta que o cérebro busca realizar diversas relações com as informações e sensações obtidas na finalidade de compreender a situação proposta. Portanto, o cérebro está em constante mudança, uma vez que cada transformação pode ser influenciada pela cultura, pelo ambiente e pela própria individualidade do sujeito.

A partir da teoria de Vygotsky, as relações sociais se baseiam no funcionamento psicológico e na identidade de cada pessoa, construídos a partir do meio social no qual ele está inserido e no comportamento que ele reproduz. Dessa forma, a teoria aponta que existem símbolos que são conceituados e igualmente capazes de estabelecer uma relação de significados universais, essenciais para o desenvolvimento da aprendizagem da língua escrita e para o reconhecimento da linguagem científica.

Referências

AFFONSO, Dalva Mariana. Uso de um objeto de aprendizagem no ensino de ciências tomando-se como referência a teoria socioconstrutivista de Vygotsky. Dissertação (Mestrado em Educação para a Ciência) – Faculdade de Ciências, Universidade do Estado de São Paulo, Bauru, 2008.

CASTRO, L. S.; SANTOS, R. S.; SILVA CRUZ, A. H. da. Educação e teorias da aprendizagem: um foco na teoria de Vygotsky. Revista da Universidade Vale do Rio Verde, v. 11, n° 1, p. 551-559, 2013.

CARNEIRO, A. M. O que é cognitivismo? Fundamentos filosóficos. São Paulo: EPU, 2007.

CAMILLO, C. M.; MEDEIROS, L. M. Teorias da Educação. Santa Maria: UFSM/NTE, 2018. Disponível em: https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/18360/Curso_Lic-Ed-Camp_Teorias-Educ.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 2 fev. 2023.

FRAZÃO, D. Lev Vygotsky psicólogo bielorrusso. E-biografia, 2017. Disponível em: https://www.ebiografia.com/lev_vygotsky/. Acesso em: 21 jan. 2023.

GEHLEN, S. T. et al. O pensamento de Freire e Vygotsky no ensino de Física. Experiências em Ensino de Ciências, v. 7, n° 2, p. 76-98, 2012.

LABURÚ, C. E.; ZOMPERO, A. de F.; BARROS, M. A. Vygotsky e múltiplas representações: leituras convergentes para o ensino de Ciências. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 30, n° 1, p. 7-24, 2013.

LIBÂNEO, J. C. A aprendizagem escolar e a formação de professores na perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural e da teoria da atividade. Educar em Revista, n° 24, p. 113-147, 2004.

LUCCI, M. A. A proposta de Vygotsky: a Psicologia Sócio-Histórica. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.

MORAES, A. C. A. A. A teoria sociocultural de Vygotsky orientando as atividades experimentais em Física. Trabalho de conclusão de curso (Especialização) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Medianeira, 2013.

POZZO, J. I. Teorias cognitivas da aprendizagem. 3ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

PROCOPIO, M. V. R.; PROCOPIO, L. V. F. C.; FREITAS, R. A. M. Diálogo sobre a aprendizagem da Física sob o olhar das considerações de Vygotsky. Revista Internacional de Formação de Professores, v. 5, 2020.

REGO, T. C.  Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 11ª ed. Petrópolis: Vozes, 2001.

VIEIRA, A. de F. A. A formação de conceito na perspectiva de Vygotsky. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Psicologia) – Faculdade de Ciências da Saúde, Brasília, 2007.

VYGOTSKY, L. S. Construção do pensamento e linguagem: as raízes genéticas do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

VYGOTSKY, L. S.  Desenvolvimento da percepção e da atenção. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem: um estudo experimental da formação de conceitos. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes 2005.

Publicado em 26 de março de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

ROSA, Ana Paula Marques da; GOI, Mara Elisângela Jappe. Teoria socioconstrutivista de Lev Vygotsky: aprendizagem por meio das relações e interações sociais. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 10, 26 de março de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/10/teoria-socioconstrutivista-de-lev-vygotsky-aprendizagem-por-meio-das-relacoes-e-interacoes-sociais

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.