O uso de tecnologias assistivas na promoção do desenvolvimento cognitivo de alunos com TEA no ambiente escolar: relato de experiência

Patricia Maria dos Santos

Mestre em Modelagem Computacional do Conhecimento em Educação (UFAL), especialista em Mídias na Educação (UFAL), licenciada em História (UFAL), graduada em Pedagogia e pós-graduanda em Neuropsicopedagogia Institucional (Uninter), professora de História da Prefeitura Municipal de Pilar/AL

O autismo foi discutido pela primeira vez, em 1943, pelo médico Leo Kanner em seu estudo Distúrbios autísticos do contato afetivo. Após a publicação de seu estudo muitas pesquisas foram realizadas para desvendar o labirinto que circunda o mundo do autista. Dentre esses estudos, descobriu-se que cerca de 8 em 10 mil pessoas, nascem com a Transtorno de Espectro de Autismo (TEA), sendo que sua presença é mais observada em indivíduos do sexo masculino (Garcia; Mosquera, 2011).

O autismo é um estado caracterizado por dificuldades sociocomunicativas que o indivíduo apresenta desde os primeiros anos de vida, antes dos três anos de idade aproximadamente, podendo ser classificado em Autismo Infantil e Autismo Atípico. No autismo infantil, a criança se desenvolve fisicamente e motora mais tardiamente que as demais crianças, apresentando, por exemplo, o desenvolvimento tardio do caminhar e do falar, além do comportamento focalizado e repetitivo de um mesmo movimento e de outros transtornos como fobias, agressividade e perturbações ao dormir. Já no autismo atípico essas perturbações e disfunções cognitivas, comunicativas e motoras acompanham a criança após a idade de três anos que nem sempre apresentará as mesmas dificuldades do desenvolvimento antes dessa idade (Mas, 2018).

O autismo, segundo Mecca et al. (2011), é um transtorno causado por alterações neurobiológicas e ou genética que comprometem não só o desenvolvimento intelectual, mas também o comportamento das interações sociais de forma a provocar alterações nos quesitos da comunicação e dos traços comportamentais, de acordo com a fase de vida em que se encontra o indivíduo (Guedes; Tada, 2015).

Contudo, outros estudiosos discutem versões distintas em relação às causas do desencadeamento do TEA, como Lurmann et al., (2013). Eles defendem a existência de perturbações profundas no indivíduo autista com o meio em que vive e, consequentemente, com as pessoas existentes nele. Essas alterações comportamentais e intelectuais, ao longo do tempo, comprometem o acesso à educação, principalmente no que se refere à linguagem e à interatividade.

Não obstante, a educação tem atuado de forma consciente na existência da criança com TEA, dando enfoque na questão comportamental de acordo com as necessidades de cada criança com esse transtorno. Já na questão histórico-cultural, a educação busca o desenvolvimento humano no desenvolvimento cognitivo, pois ele possibilitará, não só ao aluno com TEA, mas também a outras crianças com outras deficiências, que se apropriem do conhecimento escolar para desempenharem bem suas atividades comuns (Vygotsky, 1998).

Em sua obra, Baptista (2015) discute a importância do aluno com algum tipo de deficiência mental ou transtorno psíquico ter contato com recursos tecnológicos sobre determinado componente curricular do Ensino Fundamental, que possibilitará não só a integração dessa criança, mas também a oportunidade de ela poder estudar o mesmo conteúdo que as demais crianças, através de uma tecnologia assistiva (TA) que atenderá às suas necessidades motoras e intelectuais.

Segundo o autor, a TA representa uma nova área de auxílio às necessidades de pessoas com deficiência, ajudando-as a desenvolver suas habilidades com pesquisas de recursos que colaborem para melhorar a qualidade de vida desses indivíduos, bem como sua inclusão e integração na escola tradicional. Baptista (2015) ainda discute a ação desenvolvida por centros de tecnologia assistiva em vários estados do Brasil a partir de 2006, com salas adaptadas às diversas deficiências, desde impressoras normais até impressoras em braile, de forma a favorecer o seu desenvolvimento cognitivo.

Com o desenvolvimento crescente das tecnologias da informação e comunicação (TIC), as tecnologias favorecem a comunicação entre os indivíduos, como, por exemplo, computadores com acesso à internet, vídeos conferências e jogos digitais, que contribuem para a mediação entre a educação e as crianças autistas. Tais tecnologias buscam utilizar recursos que não só favorecem o desenvolvimento cognitivo, sociocultural, motor e comunicativo da criança autista, mas também a sua autonomia durante as atividades em sala de aula e fora dela (Ghelli et al., 2020).

As TA consistem em recursos, como equipamentos, serviços e objetos, que aumentem ou mantenham as habilidades físicas e cognitivas da criança (Fernandes; Nohama, 2020). Segundo Bettio e Giacomazzo (2020, p. 261), com as TA “é possível trabalhar a comunicação verbal, ortográfica, escrita, interpretação de texto, noção matemática e raciocínio lógico, o que aprimora, dessa maneira, o conhecimento e aprendizagem de cada aluno”.

Nesse contexto, temos como exemplo de uma TA: os jogos digitais. Eles atuam como mecanismos educacionais para auxiliar no desenvolvimento cognitivo e na comunicação de alunos com TEA. Isso é possível devido a sua influência nos processos de assimilação de conceitos e padrões de manobras para o alcance de um propósito, como avançar de fase. Dessa forma, a criança autista desenvolverá com maior rapidez a aprendizagem dos componentes curriculares, visto que a sua mente estará em processo constante de atividades neurais que despertam novas habilidades cognitivas como o pensamento crítico (Fernandes; Nohama, 2020).

Diante do exposto, este artigo se propõe a relatar a contribuição do uso de atividades adaptadas e de TA, como os jogos digitais, para o desenvolvimento cognitivo e consequentemente para a aprendizagem de História, por intermédio da aplicação e da observação desses recursos tecnológicos durante as aulas, com o intuito de analisar a evolução do desenvolvimento cognitivo dos alunos com autismo ao executar os jogos digitais.

Assim, por meio desses recursos tecnológicos foi possível avaliarmos o desenvolvimento da aprendizagem dos conteúdos da disciplina de História, através do seguinte roteiro de aula:

  1. explanação do conteúdo de História em sala de aula, utilizando outros recursos, como Chromebook;
  2. utilização de atividades adaptadas para a construção e internalização do conhecimento pelo aluno com TEA;
  3. aplicação dos jogos digitais; e
  4. avaliação do desempenho do aluno ao manipular o jogo.

Logo, acreditamos que a utilização de TA, como os jogos digitais, e de atividades adaptadas ao processo de aprendizagem, contribui na compreensão dos conteúdos de História, com base no material que foi criado e ministrado para os alunos com TEA, respeitando as suas limitações, habilidades e conhecimento prévio de cada um.

Material e métodos

O estudo foi desenvolvido por meio da abordagem de pesquisa qualitativa, para embasar o objeto de estudo que é compreender as contribuições das TA no desenvolvimento cognitivo dos alunos com TEA (Minayo, 2012). Os participantes do estudo foram três alunos, de ambos os sexos, da turma do 6º ano do turno vespertino da Escola Municipal de Educação Básica Embaixador Renato de Mendonça, no primeiro bimestre de 2023. Todos tiveram suas identidades preservadas, apesar de seus pais e/ou responsáveis assinarem um termo de consentimento para uso de imagem pela escola. A referida escola fica situada na Chã de Pilar, da cidade de Pilar/AL e oferece o Ensino Fundamental II, do 6º ano ao 9º ano, e a Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJAI).

Outra metodologia utilizada foi o procedimento de estudo de caso, que tem como foco observar, colher e analisar dados sobre o comportamento de um indivíduo – neste caso, os alunos com TEA e seu desenvolvimento cognitivo (Salomon, 2010). Também foi aplicada a metodologia de avaliação formativa, que tem como objetivo informar aos indivíduos envolvidos no estudo como está se desenvolvendo o processo de aprendizagem, com base no uso dos instrumentos de avaliação de ensino (Rabelo, 2009). Dessa forma, a pesquisa foi estruturada da seguinte forma:

  1. estudo dos conteúdos de História Geral e de História de Pilar;
  2. resolução de atividades adaptadas; e
  3. aplicação do jogo digital.

A etapa da análise dos dados foi realizada com as observações do desenvolvimento dos alunos, à medida que conseguiam resolver as atividades com base nas habilidades do 1º bimestre de 2023, compreendido entre 13 de fevereiro e 4 de maio. Assim, começamos a pesquisa com a aplicação de uma avaliação diagnóstica na primeira semana de aula do primeiro bimestre, entre 13 e 17 de fevereiro, em que alunos sem deficiência foram avaliados no conhecimento sobre o conteúdo de História do 5º ano e os alunos com TEA, tiveram uma atividade adaptada de formação de palavras para a leitura.

Esse processo foi importante para conhecer melhor os alunos com NE e assim desenvolver essas atividades com base em suas habilidades que percebemos que são específicas para cada um, ou seja, há alunos que possuem habilidades para o desenho, outros para o caça-palavras e assim por diante. Desta forma, acreditamos que é de suma importância conhecer o aluno para que o processo de aprendizagem tenha sucesso.

Nas semanas seguintes, de posse das habilidades de cada aluno, as aulas expositivas dos conteúdos de História foram ministradas para toda a classe, seguidas de atividades. Para os alunos com NE, elas foram adaptadas de acordo com a habilidade de cada um. As aulas de História são compostas por uma aula de ‘História de Pilar’ e duas aulas de História Geral sendo as atividades elaboradas pela professora responsável por esta pesquisa, com base no conteúdo ministrado naquele dia.

No dia 22 de março de 2023, trabalhou-se em sala de aula o conteúdo "Pilar - Alagoas: Município, Cidade”, que faz parte do conteúdo da disciplina de História de Pilar. Como forma de TA, elaboramos uma atividade adaptada que envolvesse pintura de uma cidade para que o aluno pintasse, como demonstrado na Figura 1. Observamos que Emílio (todos os nomes são fictícios, dados para preservar os alunos) conseguiu desenvolver a atividade. Observamos ainda que ele possui boa coordenação motora ao pintar, respeitando os contornos e limites de um desenho para o outro. Em todo momento, os alunos são acompanhados por duas profissionais de Apoio Escolar (PAE) para desenvolver suas atividades escolares e recreativas.

Figura 1: Atividade adaptada sobre “Pilar - Alagoas: Município, Cidade”

A mesma atividade foi aplicada para o aluno Pedrinho e para a aluna Benta, mas eles não demonstraram muito entusiasmo para pintar, realizando a atividade com rapidez e sem respeitar os limites de cada desenho, assim como fez Emílio. No dia 23 de março, após trabalharmos um novo conteúdo, agora de História Geral, a origem dos seres humanos, além da pintura de figuras que remetem a esse conteúdo, acrescentamos os seus nomes com as iniciais em fonte maior para que os alunos ligassem os nomes aos respectivos objetos.

O objetivo de trazer novos estilos de atividades é para que ela fique atrativa para os alunos, mas também para que possamos analisar qual delas se adaptava melhor às suas habilidades. Além disso, também focamos no desenvolvimento cognitivo dos alunos por meio da aplicação de atividades com um grau maior de dificuldade, lógico que respeitando as limitações de cada um, para que atingissem esse desenvolvimento. Assim, aplicamos a atividade sobre formação de palavras com o conteúdo “História e Memória”, no dia 05 de abril, na disciplina de ‘História Pilar’, para que os alunos tivessem contato com o conteúdo, mas também desenvolvessem a escrita.

Na atividade adaptada História e Memória, observamos que os alunos conseguiram respondê-la, mas apenas Emílio e Benta apresentaram habilidade da escrita e entusiasmo em fazê-la. A próxima atividade adaptada a ser trabalhada com Emílio, Pedrinho e Benta está relacionada ao conteúdo sobre a origem dos seres humanos, da História Geral, e direcionada como um dos instrumentos avaliativos, individual, para compor a nota do 1º bimestre, aplicada no dia 3 de maio. A atividade constou de um jogo digital elaborado na ferramenta Formulário do Google Drive do Gmail, aplicado para todos os alunos da turma do 6º ano, com um aluno com NE adaptado (Figura 2).

Figura 2: Jogo digital sobre a origem dos seres humanos

O jogo foi enviado pela professora para o e-mail dos alunos e aplicado com o auxílio de um Chromebook por cada um deles. Ao abri-lo, o aluno coloca seu nome no campo obrigatório e começa a responder às dez questões. Há duas alternativas; ao passo que ele acerta, muda de nível, indo para a próxima questão. Ela foi elaborada com base no conteúdo visto em sala de aula e possui, além do enunciado, a figura do animal, como demonstrado na Figura 2; nesse caso, um gorila, pedia que fosse assinalada a opção que trazia o seu nome. Caso o aluno errasse a questão, tinha a opção de voltar e refazê-la ou seguir para a questão seguinte até finalizar ao jogo (para onde ele tinha que enviar a atividade, a fim de sinalizar a sua realização).

Resultados e discussões

Com a aplicação das TA como jogos digitais, observamos que Pedrinho e Benta preferem desenhar objetos ao invés de colorir os que já estão prontos. Eles também não apresentam interesse nas atividades que exigem a habilidade da escrita, como a formação de palavras, mesmo sendo adaptadas às suas necessidades educativas. No que se refere à aplicação do jogo digital de história, eles conseguiram desenvolver com êxito a proposição da atividade, contando com o suporte da PAE que era a identificação das figuras e conseguiu relacioná-las com a inicial do seu nome.

Nessa atividade, Emílio foi o que apresentou melhor desempenho, uma vez que teve menor necessidade do suporte da PAE que o acompanha na escola, demonstrando interesse e entusiasmo em fazê-la. Em relação às demais atividades adaptadas, Emílio sempre está disposto a fazê-las e demonstra interesse tanto pelas que estão voltadas para a pintura e para o desenho como pelas que necessitam do uso da escrita, assim como a atividade de formação de palavras.

Assim, pudemos constatar que as TA como atividades adaptadas e, principalmente, o jogo digital, contribuem para o desenvolvimento cognitivo dos alunos com NE, por intermédio do suporte no processo de ensino-aprendizagem, em sala de aula, dos conteúdos curriculares, além de também favorecer as interações entre este aluno e seus pares, professores e o PAE. Também pudemos constatar que para a aplicação dessas tecnologias se fez necessário observar qual delas se adapta melhor às necessidades educativas do aluno. De acordo com a referida pesquisa realizada, cada um terá um interesse e principalmente uma habilidade distinta do outro de forma a demandar mais opções de atividades e de pesquisas ao estudante.

Conclusão

O trabalho teve como foco apresentar um relato de experiência vivenciada por uma professora durante o processo de ensino-aprendizagem com TA para alunos com TEA. O relato de experiência se deu por meio dos achados de uma pesquisa realizada pela professora em sala de aula com a utilização de TA como suporte na explanação dos conteúdos curriculares da disciplina de História. Constatou-se o sucesso da sua aplicação com a promoção do desenvolvimento cognitivo dos estudantes.

Referências

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SALOMON, Délcio Vieira. Como fazer uma monografia. 12ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

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Publicado em 02 de abril de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

SANTOS, Patricia Maria dos. O uso de tecnologias assistivas na promoção do desenvolvimento cognitivo de alunos com TEA no ambiente escolar: relato de experiência. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 12, 2 de abril de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/11/o-uso-de-tecnologias-assistivas-na-promocao-do-desenvolvimento-cognitivo-de-alunos-com-tea-no-ambiente-escolar-relato-de-experiencia

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