Desigualdade de acesso escolar e avaliação de políticas públicas educacionais na Guiné-Bissau: desafios e avanços

Faustino Manuel Rodrigues

Professor substituto da Unilab, mestre em Administração (UECE)

Na Guiné-Bissau, o ensino escolar está subdivido em pré-escolar (jardim); ensino básico unificado; ensino secundário, técnico profissional e superior. O pré-escolar corresponde às crianças de três a cinco anos de idade; o ensino básico unificado vai da 1ª à 6ª série; o ensino secundário compreende da 7ª à 12ª série; o ensino técnico-profissional subdivide-se em três graus de dois a três anos, dependendo de critério de cada estabelecimento; por fim, o ensino superior possui tempo de formação acadêmica entre quatro e seis anos.

A educação na Guiné-Bissau tem demonstrado baixa qualidade do ensino-aprendizagem em quase todos os níveis. Os alunos possuem fracos aproveitamentos de aprendizagem após a conclusão de cada uma das modalidades de ensino.

A educação guineense depende de financiamentos das organizações internacionais para o funcionamento pleno do ensino, pois o país vem passando profundas crises econômicas ao longo de muitos anos e não consegue orçamento suficiente que cubra os custos educacionais; tais situações impossibilitam o pagamento dos professores, as construções das escolas, gerando fraca formação dos professores e não cumprimento do calendário letivo por sucessivas greves.

É importante salientar que o setor do ensino da Guiné-Bissau é mais atingido devido a conflitos políticos sucessivos, greves constantes dos professores, falta de infraestrutura e de docentes, escassez de recursos e materiais básicos para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem. Esses são alguns dos fatores que contribuem para o abandono de ensino por alguns jovens em todo o país, assim como obriga a maior parte de crianças a se deslocar quilômetros à procura de escola; em certos casos, as crianças ou adolescentes são obrigados a ausentarem-se das aldeias onde vivem para ir estudar nas comunidades próximas, caso contrário correm o risco de ficar sem estudo.

A maioria da população que não sabe ler e escrever é de mulheres, devido à função imposta a elas na sociedade tradicional: cuidar das casas, das crianças, gravidez precoce, cuidar do casamento, entre outros. Outras situações que não deixam a mulher estudar na grande parte da Guiné-Bissau é a distância da escola de uma aldeia a outra, e a maioria dos pais não deixa suas filhas enfrentar essas dificuldades por medo de que elas sejam violadas (assediadas) ao longo do percurso.

O Estado tem papel fundamental no desenvolvimento do sistema de avaliação da aprendizagem escolar, pois pode elaborar as políticas públicas educacionais concretas em que se traçam os objetivos claros que permitem a realização das atividades de ensino e pesquisa de forma que alcance resultados eficientes.

Levando em consideração a educação, que é um instrumento importante para o desenvolvimento de qualquer país, é impreterível reconhecer que a falta de prioridade quanto a investimentos públicos na estrutura física, material, tecnológica e humana poderá repercutir em sérios prejuízos no presente e no futuro da nação. Por isso, é necessário ampliar o quantitativo de escolas e salas de aula, aumentar o quadro de docentes preparados para lidar com as tecnologias e conteúdos e saber identificar as diferenças de aprendizagem cognitiva dos alunos em sala de aula.

A Guiné-Bissau cobre uma superfície de 36.125km² do vasto território da costa Ocidental da África. Faz fronteira com dois países francófonos: a República do Senegal, ao Norte, e a República da Guiné-Conakry, nas fronteiras Leste e Sul. A costa oeste do país e banhada pelo Oceano Atlântico. Além do território continental, também integra o país uma parte insular composta por cerca de 40 ilhas, que constituem o arquipélago dos Bijagós no Sul, separado do continente pelos canais de Geba, Pedro Álvares, Bolama e Canhabaque, além das ilhas de Jeta e Pexice ao norte. Tem uma população estimada em 1.558.090 habitantes. O índice de desenvolvimento do país está entre os mais baixos, com 2/3 da população vivendo abaixo da linha de pobreza e com baixa esperança média de vida à nascença, igual a 52 anos atrás (Guiné-Bissau, 2009).

Metodologia

A metodologia aplicada no presente estudo fundamenta-se em pesquisa exploratória, baseada na análise de conteúdo bibliográfico, incluindo consultas às fontes digitais disponíveis na internet e à base de dados das instituições públicas da Guiné-Bissau.

A pesquisa inicia com uma revisão bibliográfica sobre avaliação de aprendizagem escolar e políticas públicas educacionais da Guiné-Bissau e suas consequências. Essa etapa possibilitou uma visão ampla de educação no país. Na etapa seguinte, buscou-se compreender a evolução da avaliação de aprendizagem escolar ali.

Para obtenção de dados primários que viabilizam o desenvolvimento deste trabalho, foram realizados contatos pela internet com quatro profissionais aposentados, quadros do Ministério da Educação guineense que participaram da execução de vários programas e projetos de desenvolvimento do ensino nacional.

Esses profissionais responderam a nove questões semiabertas que permitiram expressar livremente seus depoimentos. Isso é fundamental para a identificação e a análise dos projetos e dos programas realizados na formação de gestores, construção das escolas e fornecimento dos materiais didáticos adequados à realidade nacional, possibilitando a melhoria do ensino-aprendizagem na Guiné-Bissau.

Com base nessas informações, foi possível realizar uma abordagem analítica sobre a execução e a avaliação das políticas púbicas com e sem a iniciativa pública, fazendo a triangulação dos dados secundários – artigos publicados na internet, livros e revistas – com os dados primários que foram coletados através do roteiro de questões.

Desigualdade de acesso escolar e avaliação de ensino-aprendizagem na Guiné-Bissau

A política pública educacional deve garantir direitos de acesso e permanência de todos os alunos com idades escolares, assim como a integração e o resgate da esperança dos jovens e adultos que têm sonho de terminar seus ensinos e cursar um curso técnico ou superior.

A Guiné-Bissau vem atravessando uma fase extremamente delicada em quase todos os setores administrativos, principalmente na educação. O país depende muito das organizações internacionais para resolução de problemas que envolvem o setor educacional, que é primordial para o desenvolvimento de qualquer país, desde a reforma das infraestruturas até pagamento de professores, materiais didáticos e merenda escolar. Contudo, há ainda várias pessoas que não têm acesso à educação no país, pois os sucessivos governos não conseguem garantir direitos de acesso e a permanência dos alunos com idade para ingressar no ensino público de qualidade, principalmente nos seus municípios (Guiné-Bissau, 2003).

O país executou, nos últimos anos, vários programas e projetos em educação com o intuito de alfabetização dos jovens e adultos, e ampliação de acesso e permanência das mulheres em educação, pois esse grupo de indivíduos não possui oportunidade de acesso à educação em idade regular por serem obrigadas fazer atividades domésticas ou por habitar zonas onde ainda não existem escolas formais, as zonas rurais.

Além disso, um número considerável de meninas entre 6 e 14 anos de idade interrompem a escola em determinado período para se ocupar dos ritos tradicionais e das cerimônias de excisão feminina realizadas por alguns grupos étnicos.

A desigualdade entre os sexos e gêneros persiste em vários níveis, fazendo crescer os atos de violência e as mutilações genitais num país onde, de acordo com os dados de 2006, 44,5% das mulheres eram excisadas (PNUD, 2006). Apesar de os dados apresentados aqui não serem recentes, ainda se verificam essas práticas nas cidades do interior do país.

Segundo o Inquérito por Amostragem aos Indicadores Múltiplos (Guiné-Bissau, 2010, p. 16),

no que diz respeito à alfabetização, na Guiné-Bissau apenas 40% das mulheres jovens com a idade entre 15 e 24 anos são alfabetizadas; levando em consideração as meninas que habitam as zonas rurais, somente 12% delas são alfabetizadas, enquanto a taxa de alfabetização cresce somente nas zonas urbanas, com 28%. De acordo com o mesmo inquérito, a pobreza em grande escala atinge mais as mulheres, que constituem hoje 51%, tendo sofrido mais que os homens, confirmando assim a desigualdade de gênero existente no país. Apesar de ter assinado e ratificado várias convenções sobre a igualdade de gênero, as mulheres encontram ainda grandes desafios de inserção na estrutura social guineense (saúde e educação) e de empregabilidade no mercado de trabalho.

A taxa líquida de escolaridade por município, “sexo e índice de paridade na faixa etária de 15 a 24 anos (dados dos anos letivos de 2013 a 2016) é de 65% para os homens e de 35% para as mulheres” (Guiné-Bissau, 2016, p. 39). Isso mostra que, apesar de a Guiné-Bissau ter melhorado seus índices de alfabetização nas décadas após a descolonização, a frequência escolar nas zonas rurais continua muito fraca em relação às zonas urbanas, inclusive para as meninas dos municípios do Leste do País, como demonstra a Tabela 1.

Tabela 1: Taxa bruta de escolarização primária por gênero e por município

Regiões (Municípios)

2013

2016

M

F

M

F

SAB

130

98

110

88

Bafatá

57

39

100

90

Biombo

169

133

174

160

Bolama

144

120

115

99

Cacheu

138

100

147

125

Oio

94

55

114

74

Gabú

72

53

99

89

Tombali

109

64

130

119

Quinará

14

116

127

99

 Fonte: Guiné-Bissau, 2016.

Como se pode verificar, a escolaridade das mulheres cresceu bastante no setor autônomo de Bissau e Bolama em comparação com Oio, Bafatá, Gabú e Quinara. Isso mostra que, apesar de muitos esforços consentidos para atingir a igualdade de gênero na educação primária, o país enfrenta ainda grande atraso.

As pesquisas realizadas em 2017 e 2018 demostram que houve ligeiro avanço de acesso das meninas em diferentes níveis de ensino do país. Mas esse cenário ainda persiste, principalmente nas regiões Leste e Oio. Na Guiné-Bissau, grande parte da população nunca frequentou a escola (38,8%) e a proporção de mulheres que nunca frequentaram a escola foi de 46,1%, em comparação com 31,3% para os homens. A população se encontra nas áreas rurais (51,4%), nas áreas urbanas (27,5%) e 15,7% na cidade de Bissau (Guiné-Bissau, 2019).

Quanto à situação de acesso escolar a nível nacional, constatou-se que 44,3% da população não possui escolaridade no país, 48,3% possuem nível primário, 6,2% e 1,2% têm nível secundário e superior, respetivamente. Pode-se observar que quatro regiões, em ordem crescente, apresentam população sem alto nível de escolaridade, e a sua percentagem é superior à média nacional: as regiões de Gabú (65,4%); Bafatá (58,9%); Oio (54,9%) e Tombali (46,6%) (Guiné-Bissau, 2019).

De outro lado, verificou-se que a proporção de populações que alcançaram o nível primário é maior nas regiões de Bolama (58,3%); Cacheu (57,9%); Biombo (56,2%); SAB (55,2%) e Quinara (55,0%). Nos níveis secundários e superior, destacam-se a região de Biombo e a capital do país, Bissau. A proporção de pessoas que atingiram o ensino secundário e superior é de 15,8% e 3,7% em Bissau, 7,5% e 2,0% em Biombo. São regiões onde se concentram as melhores condições de estudos e as maiores instituições de ensino do país (Guiné-Bissau, 2019).

Portanto, o sistema de avaliação de aprendizagem deve considerar essas situações de distribuição geográfica e de sexo masculino e feminino como indicadores essenciais para avaliação de ensino-aprendizagem dos indivíduos que não possuem direitos iguais em relação aos outros. Por isso o Estado deveria criar condições favoráveis para atender às classes mais vulneráveis, que necessitam de apoios sociais. Esse tipo de intervenção equilibra a situação da sociedade em geral e dá oportunidade a classes sociais distantes, de onde não há acesso e condições da escolarização de meninas e de pessoas que vivem nas zonas rurais.

De acordo com Luckesi (2005, p. 116), “a avaliação poderia ser compreendida como uma crítica do percurso de uma ação, seja ela curta, seja prolongada”. Essa crítica ao processo de avaliação deve ser aproveitada para a construção de novas propostas que permitam a formulação das políticas públicas de desenvolvimento do ensino-aprendizagem de qualidade:

Estando a atual prática da avaliação educacional escolar a serviço de um entendimento teórico conservador da sociedade e da educação, para propor o rompimento dos seus limites, que é o que procuramos fazer, temos de necessariamente situá-la num outro contexto pedagógico, ou seja, temos de, opostamente, colocar a avaliação escolar a serviço de uma pedagogia que entende e esteja preocupada com a educação como mecanismo de transformação social (Luckesi, 2005, p. 28).

Portanto, a avaliação educacional escolar não deve ser um procedimento voltado a prejudicar o aprendizado dos alunos, pois eles são a razão principal da existência da educação. Por isso, os professores devem ter comportamentos pedagógicos que facilitem um aprendizado voltado à transformação do educando como ser humano, e não se apressar a obter alta taxa de aprovados ou reprovados sem aplicação dos princípios da educação libertária. De acordo com Freire (1987), os professores precisam compreender que os alunos não são um “vaso vazio”, pois eles têm conhecimentos, daí os professores deveriam estimular e impulsionar os seus alunos a aplicar seus conhecimentos tácitos na prática.

Para Cá (2010), a avaliação de aprendizagem não é apenas um instrumento de mensuração da capacidade mental de alunos por meio de métodos e princípios próprios sem respaldo de diretrizes da educação que regulamentem o processo de avaliação de ensino-aprendizagem adequado dentro dos limites de saber dos alunos. Fernandes e Gomes (2020) afirmam que, ao avaliar o desempenho final dos alunos, os professores deveriam primeiramente diagnosticar suas dificuldades e acompanhar seus percursos escolares, permitindo-lhes superá-las. Para esses autores, o processo de validação da educação é complexo, pois a avaliação formativa não se limita à intenção de alcançar o sucesso por meio de testes padronizados ou à discussão de gestão de aprendizagens com base em matrizes curriculares prescritas, elaboradas fora do contexto escolar. Compreende-se que a avaliação de ensino na Guiné-Bissau deveria partir de princípios legais capazes de criar métodos padronizados de avaliações desde o ensino básico até o ensino superior pelas políticas públicas de Educação da Guiné-Bissau.

Políticas públicas em educação na Guiné-Bissau

Os estudos demostram que não existe um consenso relativo ao conceito das políticas públicas (Ala-Harja; Helgason, 2000; Secchi, 2013). Pode-se compreender que políticas públicas são o conjunto de ações governamentais concebidas com o objetivo de resolver problemas ou condições que afetam segmentos específicos da comunidade ou sociedade como um todo (CÁ, 2010). Nota-se que políticas públicas consistem em atender as demandas de interesse público, como problemas de saúde, segurança e educação, por exemplo.

As políticas públicas em educação têm sido objeto de debate constante desde a segunda metade do século XX. Para uma profunda avaliação das políticas educacionais, é imprescindível a abordagem de outras áreas, como a política econômica e a Sociologia. Isso alcança todos os indicadores pertinentes que conseguem identificar as situações socioeconômicas pesquisadas (Oliveira; Duarte, 2011).

As políticas públicas que se relacionam com educação extrapolam as práticas e teorias pedagógicas, pois exigem a contribuição de outros campos do conhecimento para uma análise detalhada que permita descobrir vários aspectos sociais.

Para Oliveira e Duarte (2011), as políticas educativas podem ser definidas como programas de ação governamental e formadas por valores e ideias que se dirigem aos públicos escolares; são implementadas pela administração e pelos profissionais da Educação. Para Cá (2010), os projetos e programas educacionais que prometem promover as transformações sociais podem ser considerados políticas públicas educacionais.

O Estado tem papel fundamental no desenvolvimento do sistema de avaliação da aprendizagem escolar, pois pode elaborar políticas públicas educacionais concretas nas quais traça os objetivos claros que permitem a realização de atividades de ensino e pesquisa de forma que alcance resultados eficientes e eficazes.

A República da Guiné-Bissau buscou financiamentos em nível internacional para colmatar as mazelas que abalam o sistema educacional do país até os atuais momentos, principalmente no interior do país, onde se encontram vários jovens e adultos sem acesso à educação de qualidade. É bom salientar que foram realizados vários programas e projetos de educação na Guiné-Bissau.

Programas e projetos da Educação executados na Guiné-Bissau desde a abertura democrática

O programa de reforço das capacidades de quadros e técnicos do Instituto Nacional para o Desenvolvimento da Educação (INDE), apoiado financeiramente pela Unesco ocorreu de 1993 a 1996, e teve os seguintes objetivos:

  • Criação de capacidades técnicas do INDE e suas estruturas locais para a elaboração de propostas de políticas de ensino e de programas a serem ministrados no país;
  • Realização de estudos sobre boas práticas do setor;
  • Formulação de propostas de reformas curriculares e de programas de ensino;
  • Formação em serviço de professores mediante as Comissões de Estudos (Comes);
  • Formação e autoformação de professores nas unidades de apoio pedagógico (UAP) criadas em todas as regiões do país.

O programa de elaboração e produção de livros e manuais escolares para o ensino básico (Editora Escolar) ASDI (cooperação sueca) ocorreu de 1996 a 2000, com os seguintes focos:

  • Modernização do sistema de gestão de livros e manuais;
  • Diversificação da ação da Editora Escolar, abrindo um leque de parcerias que permita diversificar fontes de financiamento para a sua sustentabilidade;
  • Criação de mecanismos para melhor distribuição de livros e manuais escolares em nível nacional para todos os alunos e professores do ensino básico (1° ao 6° ano de escolaridade), tanto para escolas públicas quanto privadas.

O projeto da reforma curricular do ensino básico e secundário foi apoiado financeiramente pelo PNUD de 1987 a 1990 e de 2009 a 2016 pelo Banco Mundial, com estas finalidades:

  • Unificação do ensino básico de seis anos de escolaridade, passando a funcionar por fases (I fase - do 1° ao 2° ano de escolaridade; II fase - do 3° ao 4° ano de escolaridade; e III fase de 7°, 8° e 9° ano de escolaridade), permitindo desse modo criar condições de acolhimento de crianças nas escolas básicas;
  • Limitação de número de professores, de seis para dois professores por turma;
  • Utilização racional do pessoal docente e a otimização dos recursos humanos no sistema em geral e na gestão do processo de ensino-aprendizagem em particular.

O projeto de Educação para a Vida Familiar e em Matéria da População (EVF/MP) foi apoiado financeiramente pelo PNUD, em 2015, com foco em:

  • Introdução da educação para a cidadania, nas escolas de formação de professores para o ensino básico e de alunos desse nível;
  • Abordagem da Cultura e da Educação para a Paz, Educação Sexual e saúde reprodutiva na formação de professores e no currículo escolar de ensino em geral.

O Projeto Firkidja, financiado pelo Banco Mundial de 1996 a 2000, tinha os seguintes objetivos:

  • Construção de salas de aulas e seus equipamentos;
  • Aprovisionamento de livros e manuais para alunos e professores do ensino básico para todas as escolas (públicas e privadas) do país;
  • Formação em serviço de todos os professores do ensino básico das escolas públicas;
  • Criação de uma base de dados para melhor gestão de recursos humanos e do sistema em geral;
  • Formação de inspetores para o ensino básico;
  • Reforço dos seus serviços de inspeção, dotando dos meios indispensáveis ao exercício regular de supervisão e controle da atividade docente e de apoio pedagógico ao professor;
  • Pagamento de salários em atraso de professores.

Houve também o Programa de Alfabetização e Educação de Mulheres, em particular de jovens meninas, financiado pelo PNUD/Unesco e pelo Unicef; durou entre 1997 e 2001; de 2010 a 2012 foi mantido pela Agência Japonesa de Cooperação Internacional (JICA), com estes focos:

  • Formação de professores via rádio;
  • Implantação de centros de alfabetização de mulheres no projeto “TV Sim: Eu Posso”, com o apoio de Cuba, em todas as regiões do país;
  • Parcerias com outros ministérios e organizações não governamentais (ONGs) no domínio da alfabetização de adultos.

O Projeto de Reforma do Sistema de Gestão de Recursos Humanos do Ministério da Educação, apoiado financeiramente pelo Banco Mundial de 1996 a 2017, objetivava:

  • Formação de diretores e gestores do sistema;
  • Criação de um banco de dados de todo o pessoal da educação.

O Programa de Cantinas Escolares, apoiado pelo PAM e IPHD, era voltado para:

  • Fornecimento de merenda aos alunos do em ensino básico das escolas públicas e algumas privadas;
  • Melhoria das condições de fornecimento da merenda (construção de cozinhas e de armazéns para o aprovisionamento dos alimentos).

O projeto da melhoria da qualidade da educação, com o apoio da Unesco/Breda

As políticas públicas em Educação foram desenvolvidas com o propósito de resolver os problemas reais que afetam a sociedade guineense. Isso parte de um enorme esforço que a comunidade internacional, ONGs e a sociedade civil organizada vêm fazendo através de financiamento de programas e projetos que atendem as demandas da sociedade em geral.

Todos esses programas foram financiados pelas comunidades internacionais, principalmente Unesco, PNUD, Banco Mundial e Unicef, as quais têm feitos acordos bilaterais com o governo guineense para implementação das políticas públicas de melhoria de qualidade do ensino, treinamento de recursos humanos, construção das infraestruturas e formação e pagamento de salários dos professores guineenses.

Avaliação dos programas e projetos da Guiné-Bissau

O estudo da avaliação da aprendizagem e políticas públicas educacionais na academia guineense é pouco abordado, pois a investigação sobre avaliação de aprendizagem escolar contribui para a produção de conhecimento científico, o qual permite aos atores políticos que pretendem atender as demandas da sociedade mais vulnerável que posicionem as decisões e ações voltadas para melhoria da vida da população.

A avaliação é a última parte do ciclo de políticas públicas, e de extrema importância em acompanhamento e mensuração das metas traçadas no planejamento de curto e longo prazo de projetos e programas executados. Por isso, a sua realização antes, durante e depois dos projetos e dos programas é imprescindível (CÁ, 2010).

A Guiné-Bissau possui diferentes instituições públicas que avaliam os programas de desenvolvimento educacional, as quais possuem a responsabilidade de acompanhar a execução dos serviços técnicos, administrativos e das docências em todo o território nacional.

As organizações públicas que avaliam o funcionamento das atividades educacionais na Guiné-Bissau são quatro:

  • A Inspeção Geral da Educação (IGE), que assegura o controle administrativo (DSAFP);
  • O Gabinete de Estudos, Planificação e Avaliação do Sistema Educativo (Gepase), encarregado das análises, da planificação e do seguimento;
  • A Direção Geral da Alfabetização e da Educação Não Formal (Dgaenf) encarregada da elaboração e do seguimento dos programas da educação não formal e da alfabetização;
  • A Direção Geral da Planificação, do Controlo de Qualidade e da Pesquisa Científica (GPCQIC), encarregada da planificação e do controlo de qualidade.

De acordo com os entrevistados, identificou-se que o processo de avaliação durante e depois do desenvolvimento das políticas públicas ocorre de forma frágil e obscura, pois, num país como a Guiné-Bissau, onde existem ineficiências na aplicação das normais legais que garantem os direitos de gerenciamento de patrimônio público, avaliação quase não funciona (CÁ, 2010).

Nota-se que os sucessivos governos pouco se preocuparam com a formação e a capacitação de profissionais que possam gerenciar os programas e os projetos educacionais implementados pelas organizações internacionais e nacionais. Além disso, percebeu-se que esses governos foram incapazes de criar as diretrizes que regulamentam a política nacional de ensino.

Isso foi uma das causas que fizeram com que vários projetos/programas de Educação não conseguissem atingir seus objetivos em razão do mau uso de financiamentos e carência de profissionais capacitados que possam gerenciar as políticas educacionais de forma mais eficiente e sustentável.

Considerações finais

A educação ainda não é considerada prioridade de vários países africanos, principalmente da África subsaariana, pois existe alta taxa de analfabetismo, falta de professores preparados para lidar com alunos especiais e pré-escolares e de estruturas que suportem grande número de jovens em idade escolar.

A Guiné-Bissau é um país que é dependente, em quase todas as áreas, para realizar suas funções administrativas em educação. A partir deste estudo, identificamos nove programas/projetos que, desde a democratização do país em 1994, foram implementados pelo Estado e pelas organizações internacionais que empenharam para o desenvolvimento de ensino-aprendizagem na Guiné-Bissau.

Percebeu-se que o país sofreu várias crises sociais, políticas e econômicas provocadas pela guerra civil de 1998, as quais têm afetado o bom funcionamento das instituições públicas, criando consequentemente um ambiente de instabilidade política e ausência de normais legais que regulamentem o exercício pleno das políticas públicas educacionais como elemento essencial de execução de serviços públicos e privados que atendam às demandas da sociedade de forma eficiente e transparente.

Mesmo assim, nos últimos anos, os estudos apontam o crescimento notável de ingresso das meninas nas escolas. Esse aumento de presença da camada feminina deu-se como resultado de vários trabalhos realizados no âmbito das políticas públicas da Educação que possibilitaram a sensibilização da sociedade, em especial das meninas que residem no interior do país, para participar das atividades de ensino-aprendizagem, visto que é a forma de equilibrar a taxa de acesso delas à educação e consequentemente aumentar a taxa de alfabetismo na Guiné-Bissau.

A Guiné-Bissau precisa elaborar as normais legais que fortalecem o funcionamento das instituições públicas e privadas e que os alunos não sejam avaliados apenas por meio das provas formais padronizadas, mas também considerar e valorizar conhecimento inato e a cultura dos alunos. Da mesma forma, que os programas e projetos educacionais implementados na Guiné-Bissau deveriam ser monitorados e avaliados desde a fase inicial de implementação até a fase final. Isso contribuirá para o desenvolvimento educacional do país.

Para realização deste trabalho, identificaram-se desafios para encontrar os estudos científicos que abordaram avaliação das políticas públicas em Educação e de ensino-aprendizagem na Guiné-Bissau. Claro que este trabalho contribui com a produção cientifica em educação, mas não esgotou a possibilidade de realizar mais estudos aprofundados em avaliação de ensino-aprendizagem e do processo de avaliação do conhecimento, abrindo assim caminho para novas investigações.

Referências

ALA-HARJA, M.; HELGASON, S. Em direção às melhores práticas de avaliação. Revista do Serviço Público, Brasília, v. 51, nº 4, p. 5-59, out./dez. 2000.

CÁ, Lourenço Ocuni. Estado: políticas públicas e gestão educacional. Cuiabá: EdUFMT, 2010.

FERNANDES, A. O.; GOMES, S. S.  Entre o discurso e a prática docente: interfaces do Programa de Avaliação da Aprendizagem Escolar (PAAE). Ensaio: Aval. Pol. Públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 28, nº 107, p. 386-406, abr./jun. 2020.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1987.

GUINÉ-BISSAU. Educação e a escolarização: 3º Recenseamento Geral da População e Habitação, 2009.

GUINÉ-BISSAU. Educação para todos: República da Guiné-Bissau. Bissau: Ministério de Educação Nacional, fevereiro de 2003.

GUINÉ-BISSAU. Ministério da Economia e Finanças. Direção-Geral do Plano Instituto Nacional de Estatística. Monitorização da Situação da Criança e da Mulher – Inquérito aos Indicadores Múltiplos. 2010. Relatório dos resultados do inquérito, 2010.

GUINÉ-BISSAU. Ministério de Economia e Finanças. Instituto Nacional de Estatística (INE). Inquérito Regional Integrado sobre Emprego e Setor Informal (ERI-ESI). 2017-2018. Relatório Geral, Bissau, julho 2019.

GUINÉ-BISSAU. Ministério de Economia e Finanças. Instituto Nacional de Estatística (INE). Inquérito Regional Integrado sobre Emprego e Setor Informal (ERI-ESI). 2013-2016. Relatório Geral, Bissau, julho 2016.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proporções. 17ª ed. São Paulo: Cortez, 2005.

OLIVEIRA, D. A.; DUARTE, D. Políticas públicas e educação: regulação e conhecimento. Belo Horizonte: Fino Traço, 2011.

SECCHI, Leonardo. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. 2ª ed. São Paulo: Cengage Learning, 2013.

Publicado em 09 de abril de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

RODRIGUES, Faustino Manuel. Desigualdade de acesso escolar e avaliação de políticas públicas educacionais na Guiné-Bissau: desafios e avanços. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 12, 9 de abril de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/12/desigualdade-de-acesso-escolar-e-avaliacao-de-politicas-publicas-educacionais-na-guine-bissau-desafios-e-avancos

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.