Pimenta nos olhos dos outros é refresco: a escola frente às situações de discriminação
Carlos Henrique Barbosa Rozeira
Mestrando em Ensino (UFF), bacharel em Psicologia (UniRedentor/Afya) e em Análise de Sistemas (UNIG)
Carla Côre Maette
Mestranda em Ensino (UFF), licenciada em Letras - Português (UFF)
Gicélia Goulart de Oliveira
Mestranda em Ensino (UFF), licenciada e bacharel em Ciências Físicas e Biológicas (UNIG)
João Paulo Gonçalves Ferreira
Mestrando em Ensino (UFF), bacharel e licenciado em Ciências Biológicas (UNIG)
Marcos Fernandes da Silva
Bacharel em Enfermagem (UNIG), graduando em Medicina (Famesc)
Imaginamos que ninguém quer associar a imagem de uma escola a um local de violência e preconceitos, certo? Então este é um conteúdo que você deve conhecer. Uma escola ideal seria aquela com um ambiente saudável, alegre, criativo e produtivo, em que a produção da cultura e do conhecimento significaria elementos indispensáveis, utilizando como recursos a reflexão e a investigação. Todos –professores, diretores, orientadores e alunos – estariam comprometidos com essas tarefas, usufruindo de um lugar de excelência, de sabedoria, de descobertas e aprendizagens. Essa instituição ideal é a escola que pretendemos. Mas a realidade é outra. A escola está doente e o sintoma é a indisciplina. O problema não deve ser focado na indisciplina dos alunos, mas de toda política educacional. Podemos considerar que existe indisciplina quando ocorre uma quebra ou um corte em relação à norma, à regra estabelecida e àquilo que está estipulado como socialmente correto, quer de forma explícita, em normas e regulamentos formais, quer de forma implícita, na prática e na vivência cotidiana e informal de uma escola ou de um contexto em particular. Fato é que uma escola recheada de indisciplina dá margem para violências (no plural).
Dizer sobre as violências que resultam da diversidade de pensamentos dentro da escola, a princípio, pode parecer assunto recente, principalmente em consequência das relevantes pautas que se tornaram evidentes pela exposição de inúmeros casos nos meios de comunicação, sobretudo nas redes sociais. No entanto, o chão da escola sempre foi pisado por todo tipo de gente, e por longas épocas não ofereceu espaço para discutir que, embora haja diferenças entre as pessoas, o respeito deve ser igual para todos. O fato é que costumam considerar como espécie de criminosos aqueles que não correspondem a determinado “padrão”, seja ele religioso, racial, de gênero ou sexual. Ao invés de ajudar pessoas a se compreender e promover ações educativas quanto ao respeito à diversidade, a escola de forma sutilmente severa tende a moldar o sujeito a ser alguém “falso”, que elimina sua essência e sua verdade. Estamos diante de um perigo que pode causar problemas emocionais irreversíveis nos estudantes.
A discriminação na escola pode incluir racismo, sexismo, homofobia e diversas outras formas de percepção emocional em raça, gênero, orientação sexual e outras características. Esses comportamentos podem ter impacto negativo significativo na saúde mental e no desempenho escolar dos estudantes.
Muitos alunos, tanto aqueles que possuem consciência do que são quanto os que estão em processo de descoberta, têm a instituição escolar como um dos primeiros espaços de socialização, depositando nela expectativas de aprendizagem para sucesso no futuro. Esse ambiente pode produzir marcas eternas provocadas por violências físicas e psicológicas? Infelizmente a resposta é positiva.
Um dos objetivos da escola é preparar os estudantes para o mundo e para a vida adulta, fornecendo-lhes habilidades, conhecimentos e valores necessários para serem cidadãos ativos e bem-sucedidos. Por isso, a escola é um lugar de vivências. Seria utopia querer que nesse espaço não ocorressem situações violentas. E, de fato, o mundo sempre foi violento – e não seria diferente na escola. No entanto, as situações que acontecem nos espaços de educação deveriam ser aproveitadas como recursos pedagógicos para ensinar os estudantes quanto às atitudes corretas a serem tomadas, prevalecendo o respeito. É claro que, quando os educadores estão de “ouvidos abertos”, “antenados”, eles percebem quais alunos estarão trilhando maus caminhos e podem provocar uma mudança de enredo com as mais diversas formas de intervenção para evitar situações constrangedoras e marcantes no futuro.
Quando falamos de mundo violento, temos que lembrar que a disseminação do discurso de ódio nas escolas foi intensificada com a mesma rapidez com que a internet e as redes sociais se estabeleceram na nossa sociedade. A facilidade com que opiniões, ideias e sentimentos são expressados “sem filtros” é inimaginável e acontece em uma velocidade sem precedentes.
Precisamos compreender que a diversidade não se constitui numa barreira para a convivência, muito menos para a edificação de um projeto coletivo; ao inverso, novas possibilidades se abrem, enriquecendo e valorizando os diferentes grupos. Entretanto, frequentemente, a diversidade se
torna pretexto para a criação ou o reforço de desigualdades que violam os direitos fundamentais, que se estendem das necessidades básicas ao acesso à justiça. Podemos citar como exemplo a discriminação étnico-racial. Sabemos que, em muitos países, incluindo o Brasil, pessoas indígenas ou negras são discriminadas, se não pela lei, por um preconceito historicamente arraigado. Com isso, essas pessoas têm seus direitos cerceados e vivem situações de desprezo social e constrangimento, sendo colocadas em posição de inferioridade, ainda que, muitas vezes, de forma camuflada ou dissimulada. Mesmo assim, essas situações não deixam de gerar violência e humilhação (Castro, 2020, p. 14).
Dentro dessa temática, veremos neste artigo a distinção entre os termos “discriminação”, “preconceito” e “racismo”; a maturidade dos estudantes e as principais formas de violência ocorridas nos espaços escolares; o fazer da escola contra a violência; e sugestões de temáticas a serem desenvolvidas na instituição escolar, principalmente no Ensino Fundamental e no Ensino Médio.
Este texto traz uma pesquisa exploratória de cunho qualitativo, evocando conceitos e informações da literatura cientifica sobre violência, discriminação e preconceito na educação. É uma temática sempre atual, que merece ser estudada em vários campos do saber, perpassando principalmente Pedagogia, Psicologia, Filosofia, Direito, chegando a todos aqueles que se interessam em construir uma Educação no Brasil pautada de forma mais efetiva em corroborar os direitos humanos.
Diversidade, preconceito, discriminação e racismo: termos que devem ser ensinados e vivenciados na escola
Qualquer grupo ou reunião de pessoas é marcado e caracterizado pela diversidade. As diferenças de caráter físico, cultural, social, de gênero, faixa etária ou intelectual, entre tantas, não se ausentam das formas do agrupamento humano, sobretudo nas escolas, e, quando respeitadas, caminhos são abertos para manter a ordem, a inclusão e a vida democrática. No entanto, assim como as diferenças são utilizadas para justificar heterogeneidades entre sujeitos e agrupamentos sociais, há paralelamente desequilíbrio no acesso à garantia de direitos, produzindo discriminação, exclusão, segregação de indivíduos e grupos considerados inferiores. Vale notar que esses comportamentos advêm de produções históricas e “funcionam” para manter privilégios, pois, ao mesmo tempo que negam os direitos de alguns grupos, favorecem outros (Castro, 2020, p. 13).
Nessa premissa, os atuais projetos político-pedagógicos das escolas entendem que há uma função social importante a considerar: construir uma sociedade em que os indivíduos participem ativamente na produção de sua existência como sujeitos de direitos. Além da preparação para a cidadania e trabalho, a escola deve formar seus alunos para conviver em uma cultura de diversidade e direitos (Silva; Giordano, 2023). Habituarmo-nos à diversidade é desafiador, pois requer questionamentos constantes sobre valores, reavaliação de posicionamentos e incorporação de novas crenças junto àquelas que já estão cristalizadas em nós. Em uma sociedade que busca uma cidadania ampliada, é importante ser reflexivo. Como a escola é uma forte instituição da sociedade, há de desenvolver junto aos alunos temas contra a violência e a favor dos direitos humanos.
Sobre a necessidade de provocar reflexão na comunidade escolar, Pescarolodo (2013) defende que
ser reflexivo implica realizar constantes autocríticas, se tornar alguém individual e, ao mesmo tempo, que saiba viver em sociedade. [...] Nesse sentido, a escola tem sido cada vez mais demandada e chamada a rever seu papel na complexa engrenagem social. A escola torna-se um lugar bastante privilegiado, tanto quanto a família, na preparação do indivíduo para a convivência nessa sociedade, pois é local da diversidade, da heterogeneidade. Enquanto na família existe certa uniformidade de valores, crenças e costumes, na escola crianças e jovens precisam se defrontar com o diferente e, com isso, precisam desenvolver valores relativos à coletividade, à resolução de conflitos e à compreensão das mais diversas formas de ser e existir. Por isso, os agentes que trabalham na educação precisarão estar cada vez mais preparados para construírem junto aos seus alunos modelos de convívio democrático, de respeito a todos os tipos de diferenças e crenças. Mais do que ensinar certos conteúdos, os educadores deverão ser extremamente ativos na construção de um ambiente inclusivo e participativo, pois são os adultos da escola que devem garantir que todos tenham espaço dentro dela (Pescarolodo, 2013, s.p.).
Considerando a fala de Pescarolodo (2013), entendemos que os adultos das escolas são responsáveis pelas demandas complexas de construção do conhecimento; assim, não podem deixar de incluir nas atividades cotidianas as ações que tocam ao Direito e ao respeito mútuo. Mesmo ainda crianças, os alunos são cidadãos em formação que precisam compreender como são regidas certas regras de convivência, aquelas que contribuem para o bem-estar de todos. Tais regras compõem diversos textos do Direito brasileiro, que, seguindo outros direitos, notadamente o Direito Internacional, germina de muita ênfase na questão do preconceito. É necessário citar um dos princípios norteadores do direito, o Princípio da Igualdade, que está presente na maioria das legislações mundiais, possuindo uma ideia totalmente contrária à do preconceito, como seu próprio nome expõe: a da igualdade.
Preconceito, discriminação e racismo são termos relacionados, mas diferentes, que se referem a atitudes e comportamentos negativos em relação a grupos sociais distintos. Bezerra (2020) faz a distinção de tais conceitos, conforme podemos observar no Quadro 1.
Uma observação importante a ser evidenciada se constitui na definição do termo “racismo” presente nos dicionários, pois há quatro conceitos, mas nenhum é extremamente claro e dominante. A palavra foi incluída nos dicionários apenas no século XX e tem várias interpretações, geralmente convergentes. No entanto, no Brasil, a palavra adquiriu forma, cor e significado específicos com a chegada de cinco milhões de africanos traficados pelos portugueses entre os séculos XVI e XIX (Prates, 2019).
O racismo é a ideologia segundo a qual existem raças superiores e inferiores, o que justifica desqualificar certos grupos étnicos. O racismo pode levar a políticas e práticas discriminatórias, incluindo a opressão, a marginalização e a violência. Dessa forma, entendemos a discriminação como atuação negativa contra uma pessoa ou grupo baseada em preconceito; isso pode incluir a exclusão social, a negação de oportunidades, a violência ou qualquer outra forma de tratamento injusto.
Quadro 1: Diferenciação de termos
Preconceito |
Racismo |
Discriminação |
|
Significado |
Opinião feita de forma superficial em relação a determinada pessoa ou grupo, não baseada em experiência real ou na razão. |
Crença de que os membros de uma etnia possuem características, habilidades ou qualidades específicas e, portanto, seriam uma "raça" superior às outras. |
É o tratamento injusto ou negativo a uma pessoa ou grupo por ela pertencer a certo grupo (como etnia, idade ou gênero). É o preconceito ou racismo em forma de ação. |
Motivo |
Baseado na ignorância ou em estereótipos. |
Resultado do preconceito causado pela antipatia e pelo ódio a pessoas com diferentes cores de pele, costumes, tradições, idiomas, local de nascimento etc. |
Pode ser causada pelo racismo ou preconceito para com pessoas de diferente idade, gênero, raça, habilidades, orientação sexual, educação, estado civil ou antecedentes familiares. |
Resultados |
Pode resultar em racismo ou discriminação de determinado grupo. |
Normalmente, o resultado é a discriminação ou o preconceito com base na etnia, causando efeitos adversos, como escravidão, guerras e xenofobia. |
Conduz à rejeição e exclusão de um grupo de pessoas, assim como causa bullying, segregação e exclusão social etc. |
Manifestação |
Como crença (inicia como crença e pode terminar como ação). |
Como crença. |
Como ação. |
Natureza |
Não consciente. |
Consciente e não consciente. |
Consciente e não consciente. |
Ação legal no Brasil |
Não pode ser levado à justiça, pois não representa uma ação. |
Pode ser levado à justiça, de acordo com a Lei nº 7.716/89, ou por injúria racial, que está expressa no Art. 140, § 3º do Código Penal. |
Pode ser levado à justiça, de acordo com a Lei nº 7.716/89, ou por injúria racial, que está expressa no Art. 140, § 3º do Código Penal. |
Exemplo |
Uma pessoa achar que alguém com obesidade não emagrece apenas porque é preguiçosa. |
Uma pessoa ser considerada mais violenta apenas pela cor da pele. |
O fato de homens e mulheres receberem salários diferentes para realizar o mesmo trabalho. |
Fonte: Adaptado de Bezerra, 2020, s.p.
Na Psicologia Social, o preconceito é estudado como forma de discurso; é visto como resultado de atitudes e crenças sociais aprendidas e mantidas por uma sociedade. Allport (1954) salienta que o preconceito é resultado das frustrações de pessoas que em determinadas circunstâncias podem se transformar em raiva e hostilidade. As pessoas que se sentem exploradas e oprimidas frequentemente não podem manifestar sua raiva contra um alvo identificável ou adequado; assim, deslocam sua hostilidade para aqueles que estão ainda mais “baixo” na escala social. O resultado é o preconceito e a discriminação.
A discriminação gera violência e outras ações (in)justificadas pelo ódio ou pelo desprezo. As pessoas discriminadas, ainda que sejam iguais a todas no que lhes confere humanidade, são consideradas “inferiores” por grupos que, com isso, se mantêm em posições privilegiadas. A simples existência ou a proximidade dos sujeitos discriminados é vista como uma ameaça ao poder e ao padrão sociocultural estabelecido. Não são raras as manifestações explícitas, e quase sempre violentas, de discriminação que não se justifica.
No ambiente escolar, situações de violência e discriminação podem ganhar contornos sérios, trazer consequências desastrosas para o desenvolvimento dos estudantes e prejudicar a manutenção de um ambiente permeado de respeito e justiça. Nesse sentido, Castro (2020, p. 17) diz que se faz necessária, além da garantia do acesso e da permanência de todos em situação de igualdade, a presença de uma cultura inclusiva, o que implica mudanças substanciais no cotidiano escolar. A pesquisadora complementa dizendo que
os estudantes brasileiros podem contar hoje com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), importante documento que orienta o trabalho com esses princípios nos currículos de todas as escolas. [...] A construção de uma sociedade livre de preconceito é tarefa das mais árduas e complexas (o que não justifica abrir mão dela); assim, não podemos correr o risco de agir como se o preconceito fosse mera decorrência da vida em sociedade. Essa visão equivocada “naturaliza” a discriminação e contribui para a manutenção de privilégios para alguns. A diversidade não pode ser tomada como adjetivo, qualidade, empecilho ou defeito, mas, sim, como parte da condição humana e fator constituinte de seus agrupamentos. É na complementaridade dos diferentes que nos fazemos humanos. Não existe sociedade sem diversidade. Mais que isso, diversidade é a condição para atribuir a qualquer organização humana o status de grupo, com sua identidade reconhecida (Castro, 2020, p. 17).
Muito mais que um lugar mergulhado em diferenças, o espaço escolar é o local onde o desrespeito e a discriminação podem e precisam ser tratados desde os anos iniciais. Marcada por vínculos, relações e conflitos, a escola é o lugar de desencadear práticas educativas para a formação ética e de construção de um olhar para o outro voltado para a justiça, a diversidade e a igualdade (Castro, 2020).
Segundo o Conselho Nacional de Educação (CNE), em seu texto orientador para a elaboração das Diretrizes Nacionais da Educação em Direitos Humanos,
as profundas contradições que marcam a sociedade brasileira indicam a existência de graves violações desses direitos em consequência da exclusão social, econômica, política e cultural, que promove a pobreza, as desigualdades, as discriminações, os autoritarismos, enfim, as múltiplas formas de violências contra a pessoa humana. Essas contradições também se apresentam no ambiente educacional (escolas, instituições de educação superior e outros espaços educativos). Cabe aos sistemas de ensino, gestores/as, professores/as e demais profissionais da Educação, em todos os níveis e modalidades, envidar esforços para reverter essa situação construída historicamente. Em suma, estas contradições precisam ser reconhecidas, tendo o compromisso dos vários agentes públicos da sociedade com a celebração dos Direitos Humanos (Brasil, 2011, p. 4).
Cada estudante, independentemente de sua origem étnica, religião, orientação sexual (LGBTQIA+), status socioeconômico, deficiência física ou intelectual ou desafios psicológicos, merece encontrar na comunidade escolar um ambiente de acolhimento e respeito. A escola deve oferecer as mesmas oportunidades de formação e aprendizado a todos os seus alunos, independentemente das diferenças individuais.
Maturidade e violência discriminatória
Os alunos do Ensino Fundamental (idade média entre 6 e 14 anos) e os do Ensino Médio (entre 14 e 18 anos) biologicamente não alcançaram a maturidade. Assim, alguns podem ser “cruéis” e outros “bobocas”, necessitando do auxílio da família e da escola para mediar e se equilibrar nas situações da vida.
De acordo com Papalia e Feldman (2013), dentre as regiões do cérebro humano, o córtex pré-frontal é a parte mais evoluída, sendo responsável por nossa regulação emocional, comportamental e por comandar as habilidades cognitivas. É no córtex pré-frontal que ocorre o processo de amadurecimento humano. Começamos a amadurecer a partir dos 3 a 4 anos de idade, e o cérebro só fica completamente maduro por volta dos 25 anos. Então, até essa idade, diversas ações “imaturas” são praticadas pelos jovens, principalmente nas escolas, sobretudo com violência. Como o cérebro dos alunos ainda está em processo de consolidação, as oscilações de humor são comuns, assim como o comportamento reativo. Eles começam a olhar o mundo de forma mais profunda e crítica, mas o lado emocional não está totalmente amadurecido, ocasionando situações indesejadas. Surgem, assim, embates com os colegas, com os adultos e com a família. Além disso, eles são mais impulsivos, reativos e intensos. Percebem as incongruências, mas não sabem lidar com elas.
Se, por um lado, a maturidade emocional do adolescente oscila, é também nessa fase que ele passa a possuir ferramentas que o preparam para a vida adulta. Surge a capacidade de tomar decisões, julgar e planejar. Por curiosidade, vale saber que a região córtex orbitofrontal (na parte pré-frontal, localizada atrás dos olhos) é a última a amadurecer e promover as capacidades de execução das emoções para nortear decisões, de criar empatia pelos outros e decidir se será um ser humano violento, preconceituoso, um agente discriminador ou civilizado – características fundamentais da vida adulta (Bechara; Damasio; Damasio, 2000).
O ato de discriminar é a violência mais simples de ocorrer, podendo ser manifestada de diversas formas, como bullying, racismo, homofobia e machismo, entre outras. Geralmente as ações interventivas são aplicadas quando as violências são claramente percebidas; no entanto, há aquelas “silenciosas”, manifestadas por comportamentos e atitudes sutis, que comumente são difíceis de serem identificados ou denunciados (Silva, 2006).
A Unesco (2019), em seu Relatório sobre a situação da violência escolar e o bullying, destaca que, entre as principais causas de origem da violência, estão as normas sociais e de gênero, bem como fatores estruturais e contextuais mais amplos, como a desigualdade de renda, exclusão social, marginalização e conflito. Ou seja, estão ligadas à situação de abandono a que estão relegadas crianças, adolescentes e jovens, especialmente de baixa renda. Legnani, Brasil e Vieira (2015) apontam que é inegável que o fenômeno da violência escolar está diretamente relacionado à violência existente em seus entornos e ao contexto cultural e social em que a escola está inserida.
Independentemente das formas de violência, as consequências podem ser graves, resultando em baixo desempenho escolar, evasão escolar, doenças mentais e comprometimento de um futuro de sucesso, uma vez que os alunos podem internalizar as cruéis palavras e ações de forma a pensar que são sujeitos fracassados. Triste é saber que, por meio de atos violentos nas escolas e a não correta intervenção por parte dos adultos (educadores, orientadores pedagógicos, diretores e familiares), vidas podem ser futuramente corrompidas e a sociedade pode perder grandes potências.
A exclusão social é uma forma de violência silenciosa que pode ser manifestada por meio da formação de grupos sociais fechados, que excluem estudantes que não se enquadram em determinado padrão. Essa exclusão pode se dar mediante comportamentos como ignorar, excluir de atividades ou grupos e até mesmo fazer comentários maldosos (Barros, 2009).
A humilhação é outro formato de violência silenciosa que pode ser manifestada em comportamentos como a ridicularização (uma exposição pública de falhas ou defeitos) e a depreciação. Essa forma de violência pode ter grande impacto na autoestima e autoconfiança dos estudantes.
Há outras formas manifestadas em comportamentos como o tratamento diferenciado ou a exclusão de grupos de estudantes com base em múltiplas características. Essa forma de violência pode ser sutil e muitas vezes passa despercebida pelos professores e pela comunidade escolar.
O bullying é uma das formas mais comuns de violência nos espaços escolares. Ele é caracterizado por comportamentos agressivos, intencionais e repetitivos que ocorrem entre pares, em que o agressor tem maior poder ou status social do que a vítima. Esses comportamentos podem ser físicos, verbais ou psicológicos e tendem a causar danos emocionais e físicos à vítima. O bullying pode ter como alvo aspectos como a aparência física, a orientação sexual, a identidade de gênero, a raça e/ou a religião, entre outros. O racismo, a homofobia, a transfobia e o machismo são outras formas de violência discriminatória nas escolas.
Para Prates (2019), o racismo é caracterizado por comportamentos, atitudes e práticas que discriminam e excluem pessoas com base na sua origem étnica ou racial. A homofobia, como é chamada essa modalidade de preconceito (heterossexuais contra homossexuais), nada mais é que a discriminação pejorativa de uma orientação sexual diferente do que a maioria da sociedade possui – uma forma de preconceito que sofre influência do tradicionalismo e da religiosidade.
Scott (1988) aponta que o machismo se manifesta na forma de atitudes, comportamentos e práticas que reforçam a dominação masculina sobre as mulheres. É interessante destacar que esse preconceito tem a ideia de estabelecer que a mulher é apenas útil para servir e satisfazer as vontades do homem, sendo necessária apenas para procriação e realizar os afazeres domésticos. Atualmente, muitas batalhas travadas por parte das mulheres contra o machismo geraram a consequência de que na maioria das sociedades atuais as mulheres são tratadas igualmente aos homens, competindo até mesmo profissionalmente.
Por fim, podemos citar o preconceito relacionado à religiosidade, quanto à crença, à nacionalidade e a deficiências físicas e mentais, entre muitas outras modalidades.
Em conformidade com Ruotti et al. (2006), sabemos que essas formas de violência podem ser manifestadas em comentários, piadas, discursos ofensivos, agressões físicas e exclusão de atividades ou grupos, entre outras.
É importante ressaltar que todas essas formas de violência discriminatória são interligadas e podem se manifestar de formas diferentes e complexas nos espaços escolares. É responsabilidade de toda a comunidade escolar trabalhar para prevenir e combater essas formas de violência. Professores, funcionários e estudantes devem estar cientes delas e trabalhar juntos para criar um ambiente escolar seguro, acolhedor e inclusivo para todos (Barros, 2009).
Para combater a violência, a discriminação e o preconceito na escola, é importante a adoção de políticas e práticas que promovam a inclusão, a tolerância e a igualdade. Isso inclui treinar professores e funcionários para lidar com comportamentos prejudiciais, fornecer recursos para apoiar alunos vítimas de violência e desenvolver programas de educação sobre diversidade e igualdade para todos os alunos (Montenegro et al., 2019).
Abramovay (2003) acredita que as medidas para combater as violências nas escolas partem de três premissas gerais: fazer diagnósticos e pesquisas para conhecer a concretude do fenômeno, legitimação dos sujeitos envolvidos e realizar um permanente monitoramento das ações.
O fazer da escola contra a violência e discriminação
É certo afirmar que a escola não cria violência sozinha, somente a reproduz dentro de seus muros. No entanto, deve ser um meio para diminuí-la se atuar com conteúdos que ofereçam sentidos à vida dos alunos (Barbosa, 2021).
Ruotti et al. (2006) relatam que não há receitas prontas para o problema da violência na escola, mas que ações devem ser executadas respeitando a cultura e as situações locais. Os autores esclarecem que, por mais que as concepções e os projetos sejam satisfatórios, o sucesso depende da colaboração de todos os membros da comunidade escolar e da disposição para superar as barreiras hierárquicas que são frequentes no sistema educacional brasileiro.
Torna-se óbvio que as ações a serem desenvolvidas devem incentivar a diversidade e a inclusão, ou seja, devem fomentar a aceitação e o respeito à diversidade, promovendo a inclusão de todos os alunos, independentemente de raça, gênero, orientação sexual, religião ou outras características.
Dentro de toda essa perspectiva, temos que lembrar que a punição não é o melhor meio de combater a violência. Embora a punição possa parecer uma solução rápida, quase sempre não resolve o problema e pode até piorar a situação. Isso ocorre porque a punição não aborda as causas subjacentes da violência e pode fortalecer a ideia de que ela é a maneira aceitável de lidar com conflitos. Além disso, a punição pode levar a um clima de medo e hostilidade, o que pode prejudicar o bem-estar dos alunos e desencorajar a comunicação aberta e o diálogo sobre questões problemáticas. Em vez disso, é importante que as escolas adotem uma abordagem mais holística que inclua a educação, a conscientização e a promoção de comportamentos positivos e respeitosos, que pode incluir a implementação de programas de prevenção e intervenção, a criação de um ambiente escolar seguro, acolhedor e o fornecimento de apoio aos alunos que enfrentam situações de violência e discriminação.
Uma boa tática para abordar essa temática é realizar rodas de conversas. Esse é um método em que todos participam, podendo em certas ocasiões convidar a família. Os educadores devem estar atentos para mediar ideias equivocadas e saber acolher aqueles que podem ter comportamentos alterados em consequência de fortes emoções. Nessas ocasiões, seria ótima a presença de um psicólogo escolar, que, aliás, já é uma prerrogativa amparada pela Lei nº 13.935/19.
Outra tática é convidar pessoas diversas (policiais, juízes, advogados, cientistas, psicólogos, membros da sociedade que passaram por situações de discriminação, entre outros) que possuem conhecimentos para realizar palestras e seminários. Mas quais temas podem ser utilizados nessas táticas? Veremos algumas ideias no Quadro 2.
Quadro 2: Temáticas para projetos escolares
Título/Tema |
Objetivo |
Bem-vindos, nós também viemos de outros lugares! |
Tratar do respeito às outras nacionalidades, etnias e culturas; da convivência, do diálogo e da valorização da diversidade e pluralidade. |
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e eu |
Discutir os direitos que devem ser assegurados às crianças e aos adolescentes. |
Turma legal |
Estimular o respeito aos direitos humanos e às leis contra a discriminação em seus diversos âmbitos. Discutir empatia como capacidade de entrar em sintonia com os sentimentos de outras pessoas e aceitá-las como elas são, independentemente de cor, raça, problemas físicos/psicológicos, orientação sexual e religião. |
Não à homofobia! |
Discutir o respeito e a convivência com alunos LGBTQIA+, bem como a garantia dos direitos de cidadania no dia a dia da sala de aula e da vida. |
A cultura indígena e o respeito às diferentes etnias e culturas: Mais do que danças e artesanato, qual a verdadeira história? |
Desconstruir o imaginário reproduzido estudando e discutindo as histórias dos povos indígenas que estão muito além de se resumir ao período da colonização portuguesa. |
Cor de gente é a nossa cor |
Estimular o respeito à diversidade étnico-racial; contribuir para o resgate da autoestima dos alunos que sofreram discriminação; despertar a consciência crítica a respeito dos preconceitos e dos mecanismos de exclusão que perpassam a sociedade. |
Digiácomo (1999) afirma que é importante promover seminários que abordem conceitos fundamentais sobre direitos constitucionais, ética e cidadania, a fim de conscientizar pais e alunos sobre suas obrigações e direitos. Além disso, esses seminários não devem esqueccer o foco principal: explorar maneiras pelas quais cada um pode contribuir para prevenir a violência escolar.
Outra forma de trabalhar tais conhecimentos é no decorrer das aulas. De acordo com Kim Abe (2020),
no currículo, a temática pode e deve ser tratada em todas as disciplinas e em diferentes momentos. Em História, é imprescindível falar da questão de raça, de diversidade, dos povos indígenas; mas na Matemática, por exemplo, é possível também trazer a questão dos direitos sociais, da economia, e das desigualdades de renda e de poder de compra etc. (Kim Abe, 2020, s.p.).
Acreditamos que é necessário pensar a escola como organização e perceber os aspectos organizacionais que influenciam a indisciplina e a violência enquanto fenômenos complexos. Contudo, não os queremos reduzir aos problemas psíquicos ou aos problemas socioeconômicos (Barbosa, 2021). Cada escola pode, nas formas de organização, promover, contribuir, minimizar e priorizar questões de indisciplina, construindo aprendizagens que proponham uma cidadania ativa, crítica, livre e responsável.
Conclusões ou considerações finais
Estudar é um direito de todas as pessoas desde seus primeiros anos de vida, assim como receber da escola tratamento digno e igualitário. A instituição escolar tem a missão de garantir a todos a possibilidade de desenvolver-se física, social e intelectualmente por meio de seus processos de escolarização, conforme é explicitado no Plano Nacional de Educação (PNE). Independentemente de etnia, gênero, orientação sexual, religião, idade, cultura, deficiência física ou intelectual, condição social e econômica ou histórico familiar, todos os estudantes devem encontrar na escola um ambiente de acolhimento e respeito para que possam receber a formação e o aprendizado de que precisam.
Assim, todos os alunos têm seus direitos aprovados por lei, declarações e pactos internacionais de direitos humanos, os quais garantem e normatizam a forma de viver, agir e se expressar em concordância com suas singularidades e escolhas. No entanto, como vimos neste artigo, nem sempre isso acontece. Diferentes fatores podem gerar discriminação na escola, desde a condição social e econômica até deficiência física, etnia, gênero, orientação sexual, religião, idade e cultura.
Embora algumas situações, como os estereótipos de "maus alunos", estrangeiros ou famílias não convencionais, sejam mais reconhecidas e discutidas, outras formas de discriminação menos evidentes também existem. Além disso, os adultos da escola, como professores, profissionais de apoio, gestores, familiares ou responsáveis, também podem ser alvo de discriminação. Portanto, a comunidade escolar deve estar atenta para garantir um ambiente acolhedor e respeitoso para todos, sem distinção.
Então, evidencia-se que é dever da comunidade escolar garantir que todos os estudantes portadores de suas próprias características, que diferem uns dos outros, sejam tratados com igualdade e respeito. A escola deve ser um espaço de acolhimento e formação para todos, sem exceção. Infelizmente, a discriminação ainda é um problema presente, visto que o sofrimento alheio não dói na gente, até porque, como diz o ditado popular, pimenta nos olhos dos outros é refresco.
Referências
ABRAMOVAY, Mírian. Escola e violência. Brasília: Unesco/UCB, 2003.
ALLPORT, Gordon Willard. A natureza do preconceito. Cambridge: Perseus Books, 1954.
BARBOSA, Jean Carmo et al. A violência escolar: diagnóstico e propostas de solução. Brasília: CEUB, 2021.
BARROS, Maria de Nazaré Trindade de. Violência escolar ou escola violenta?: contributos da reflexão para a administração e gestão escolar. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de Lisboa, Lisboa, 2009.
BECHARA, Antoine; DAMASIO, Hanna; DAMASIO, Antonio R. Emotion, decision making and the orbitofrontal cortex. Cerebral Cortex, v. 10, 2000.
BEZERRA, Juliana. “Preconceito, Racismo e Discriminação”. Diferença, 2020. Disponível em: https://www.diferenca.com/preconceito-racismo-e-discriminacao/.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Texto orientador para a elaboração das Diretrizes Nacionais da Educação em Direitos Humanos. Brasília: MEC/CNE, 2011.
CASTRO, Maria da Paz. Diversidade e discriminação. Educação em Direitos Humanos. 4ª ed. São Paulo: Vlado Educação, 2020.
DIGIÁCOMO, Murillo José. Cadernos do Ministério Público do Paraná, Curitiba, v. 2, nº 5, p. 49-71, jun. 1999.
KIM ABE, Stephanie. Educação em direitos humanos: práticas educativas nas escolas. Portal CENPEC, 2020.
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Publicado em 09 de abril de 2024
Como citar este artigo (ABNT)
ROZEIRA, Carlos Henrique Barbosa; MAETTE, Carla Côre; OLIVEIRA, Gilcélia Goulart de; FERREIRA, João Paulo Gonçalves; SILVA, Marcos Fernandes da. Pimenta nos olhos dos outros é refresco: a escola frente às situações de discriminação. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 12, 9 de abril de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/12/pimenta-nos-olhos-dos-outros-e-refresco-a-escola-frente-as-situacoes-de-discriminacao
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