Resenha do livro "Recursos audiovisuais nas aulas de História"

João Manoel Licinio de Araujo

Licenciado em Pedagogia (Inesa)

O presente trabalho faz uma resenha da obra Recursos audiovisuais nas aulas de História, de Antonio Fontoura, que a Editora InterSaberes publicou no ano de 2018. Antonio José Fontoura Junior é doutor, mestre e graduado em História pela UFPR e produtor de materiais didáticos.

O livro procura mostrar como os produtos culturais audiovisuais podem ser usados de maneira mais efetiva em situações de aprendizado, empregando uma perspectiva histórica atual (pós-moderna, pode-se dizer) de construção ativa de conhecimento. Os recursos audiovisuais a serem tratados são: imagens (fotografias, pinturas, desenhos), sons (rumores e barulhos dos ambientes sociais, rádio, músicas), cinema (curtas e longas-metragens), televisão (programas, telenovelas, telecomerciais) e mídias digitais interativas (videogame, informática e internet). Cada um deles é tratado em capítulos separados.

Entretanto, o primeiro capítulo, de maneira geral, é o mais importante. É o que oferece um panorama sobre o que será tratado no livro, quer dizer, situa e diferencia as fases do conhecimento histórico e discute como os recursos audiovisuais vinham sendo usados (no pouco que eram usados) como fonte historiográfica e material de estudo escolar, quais são os pontos negativos desses modos de utilização e de que forma um recurso precisa ser abordado para que seja fonte para produção de conhecimento histórico, o qual parte da interpretação, problematização e reflexão por parte dos próprios alunos.

Eis uma visão panorâmica breve do conteúdo do livro.

Situando as fases da Historiografia no conhecimento histórico tradicional, as fontes de construção ou reconstituição histórica eram os documentos oficiais ou legitimados pelos poderes econômicos e políticos que tratavam de temas impregnados de interesses desses poderes, sem espaço para qualquer outra produção humana que se distanciasse disso, tal como formas de arte populares, depoimentos e histórias de pessoas comuns (ou seja, que não tinham significância política ou econômica), diários e registros privados de pessoas comuns, produções videográficas, jogos de videogame, sites de internet etc. Além das fontes, os métodos de estudo também eram estanques, rígidos e específicos e impregnados dos interesses dos poderes dominantes.

Essas concepções de fonte e de método privilegiavam o texto escrito: o historiador acessava a fonte escrita e, partindo dela, produzia conhecimento na forma de livros e artigos; esse conhecimento se transformava em livro didático e só precisava ser lido e memorizado pelo aluno. Enquanto isso, outras formas de expressão e comunicação eram tachadas de irrelevantes e outras formas de estudo e pesquisa eram consideradas subversivas e ineficazes. O método tradicional passava uma ideia de história pronta e cristalizada, que precisava apenas ser acessada, transmitida e memorizada.

A modernização da concepção de História trouxe novas formas de se fazer História, ou seja, novos métodos, novas fontes, novas interpretações, novos personagens. Essas novas fontes compreendem não só os documentos oficiais, mas qualquer registro humano, qualquer produção cultural.

Se as fontes mudaram, os métodos não poderiam continuar os mesmos: a História, que antes era vista como algo pronto que necessitava apenas ser “resgatado”, agora é vista como algo que precisa ser constantemente “reconstruído”. Nesse ponto é que entra o protagonismo do historiador, que, no contexto da sala de aula, é o aluno, que participa ativamente como sujeito do processo de construção do conhecimento histórico, se apropriando e aplicando as formas de pensar e interpretar dessa ciência.

O uso de recursos audiovisuais variados em sala de aula é compatível com a concepção renovada de fontes históricas. Ou seja, os sons, as imagens, o cinema, a televisão, a interatividade tecnológica são os produtos culturais que devem ser investigados pelos próprios estudantes para que eles entendam esses recursos como coisas imbuídas de História, quer dizer, de interesses, intenções e ideologias, marcados por uma época, para que eles exerçam as formas de pensar, analisar, interpretar e sintetizar próprios do ato científico da historiografia e com isso construam e reconstruam, por si, os conhecimentos históricos.

Por que usar os recursos audiovisuais nas aulas de História? Uma das justificativas mais comuns é a que tornam a aula mais interessante, o que dá a entender que as aulas sem recursos são chatas ou que os recursos por si sós poderiam despertar interesse nos alunos. Entretanto, eles não servem apenas para supostamente salvar aulas desinteressantes; eles servem também e principalmente para:

  • uma alfabetização midiática – na nossa sociedade midiatizada, estamos imersos em informações audiovisuais, principalmente de cunho comercial e ideológico; somos bombardeados cotidianamente por esses estímulos, e é muito difícil não estar exposto a eles. É possível e necessário capacitar os alunos para uma leitura crítica desses elementos. Os alunos, como nativos digitais em grande parte, também são produtores de material audiovisual que pode ser compartilhado pelo mundo inteiro, e é preciso discutir com eles sobre o impacto para eles e para os outros e o significado daquilo que criam e divulgam.
  • estimular a interdisciplinaridade – os mesmos recursos podem ser vistos, analisados e interpretados sob o olhar do conhecimento de várias disciplinas ou campos de conhecimento. Um filme pode ser estudado pela sua carga histórico-política, pelo seu enredo, pela interpretação de seus atores, pela sua carga emocional, pelos seus recursos visuais, pelo seu texto, pela sua linguagem etc.
  • ampliar a sociabilidade – os alunos, no seu trabalho de historiadores em ambiente escolar, podem trocar ideias sobre o que conhecem do passado e sobre suas interpretações históricas; além disso, podem comparar e sintetizar essas ideias e assim construir interpretações em conjunto, dialogicamente.
  • permitir contato com dados e situações que, de outra forma, seriam inacessíveis – recursos como sons, imagens e vídeos gravados permitem o acesso, mesmo que parcial e condicionado, a realidades que poderiam ser inalcançáveis para muitos de nós, como ver a imagem do horizonte do topo do Everest ou escutar um pronunciamento feito em 1940 ou, de maneira mais próxima, conhecer os modos cotidianos da região rural. Os recursos digitais interativos também permitem recriação ou simulação de situações, como andar por um campo de batalha num jogo de guerra, buscar um tesouro usando um mapa virtualmente ou interagir com pessoas de lugares distantes, entre outros.
  • apresentar uma abordagem mais diversificada da história – um mesmo evento pode ser abordado de diferentes formas e perspectivas, usando como fonte diferentes formas de registro, o que por consequência oportuniza diferentes formas de interpretação. Como exemplo, um acidente de trânsito pode ser analisado por meio de reportagens, depoimentos orais de testemunhas, fotografias, vídeos, sons, narrativas ou descrições escritas, e cada recurso vai oferecer matéria-prima diferente para percepção e interpretação, o que levará a uma construção mais complexa do entendimento do acidente.

Além de tudo isso, outro motivo para usar recursos variados nas aulas de História é oportunizar o entendimento de que o meio também comunica. Não só a informação veiculada através do recurso comunica, mas o próprio recurso como substância expressa determinadas mensagens e tem uma história: as condições que levaram um povo a desenvolver tais formas de expressão, os impactos gerados por essas formas de expressão, o significado da escolha de uma forma de expressar uma mensagem em lugar de outra.

Ainda sobre a diversidade: cada tipo de recurso tem características específicas, vantagens e desvantagens, que o professor deve avaliar e considerar para encaixá-lo nos objetivos de sua aula. Não é possível usar um filme nas mesmas condições em que se usa um texto ou uma música. Cada recurso exige um tempo de trabalho diferente, técnicas de interpretação diferentes, ferramentas diferentes para sua reprodução (televisão para vídeos, alto-falantes para áudios etc.), conhecimentos prévios diferentes etc.

Existe um elemento importante nas fontes históricas (sejam elas primárias ou secundárias) que não pode ser esquecido, que é a impressão de objetividade histórica: um dos principais problemas de usar os recursos audiovisuais (e talvez qualquer outro tipo de fonte) nas aulas de História é a tendência a tomá-los, de forma ingênua, como se fossem janelas para o passado, sem levar em conta que essas produções são interpretações de alguém e carregam a intencionalidade do produtor e a visão ideológica na qual ele estava inserido no momento da elaboração. Mesmo que uma produção busque ser a mais objetiva possível, que busque ser o mais fiel possível à realidade e apresente autenticidade histórica, ela carrega sempre, propositalmente ou não, uma visão de mundo marcada pelo seu contexto histórico. É preciso sempre identificar o contexto de produção de uma imagem, um filme, um som, para identificar como eles se relacionam com o momento histórico em que foram feitos.

Para exemplificar esse problema, o livro analisa o documentário O descobrimento do Brasil, que foi feito com a intenção de autenticidade e objetividade histórica, apresentando-se como fiel em relação a figurinos e cenários característicos da época do descobrimento, mas que transparece concepções de mundo e ideologias características de sua época e de uma classe social dominante. O documentário marca o início da civilização brasileira com a chegada do cristianismo a uma terra selvagem, tendo a “Primeira Missa” como ponto alto do documentário. Entretanto, apesar de anunciar objetividade histórica, a produção deixa claro que a construção cinematográfica da Primeira Missa teve como referência um quadro famoso que retrata o evento e que foi pintado no século XIX, ou seja, uma interpretação artística anacrônica, também fortemente impregnada de interesses, intencionalidades e ideologias. Além disso, o documentário também carrega características de construção identitária do povo brasileiro, na tentativa de criar uma unidade nacional, o que era uma marca do movimento político da época da produção da obra.

Além das motivações políticas, as motivações econômicas também são condicionantes muito fortes no contexto de produção de bens culturais. Muitos recursos audiovisuais (como filmes, videogames e músicas), atualmente, na nossa sociedade capitalista, são produtos comerciais que não têm pretensões educativas como um livro didático. A lógica mercadológica que regia a produção de tais recursos em seu contexto deve ser considerada na hora de tomá-los como fonte de pesquisa histórica.

Entretanto, a lógica mercadológica também atuou sobre o livro didático. Com o avanço das tecnologias gráficas de impressão, os livros didáticos foram ganhando mais cores e decorações gráficas com a finalidade de atrair compradores. Mas, apesar das imagens e das cores, o texto ainda foi, por muito tempo, personagem principal, como mandava a historiografia tradicional. É possível classificar o uso dos recursos gráficos nos livros didáticos de três formas:

  • Decoração: quando o recurso é usado apenas para enfeitar o texto e não tem quase nenhuma vinculação com o conteúdo, tal como imagens fora de contexto histórico; é quase sempre anacrônico: por exemplo, uma pintura da imagem de Tiradentes que foi feita mais de um século depois do evento e que é muito distante da aparência do personagem como se relata que ele foi, a qual é usada apenas para mostrar “o rosto de Tiradentes”, ou seja, associar um nome a um rosto – que no caso foi construído com finalidades ideológicas.
  • Ilustração: quando o recurso demonstra e confirma o que o texto traz, sem que apresente qualquer tipo de questionamento sobre o conteúdo. Serve apenas para reforçar as ideias do texto. Usando um exemplo da área das Ciências Naturais para ficar mais fácil de visualizar, é como aqueles desenhos que mostram as etapas do ciclo da água na natureza, nos quais a água cai em forma de chuva, depois é drenada pela terra, depois escoa nos rios, e assim por diante. Essa forma de uso das imagens mantém o aluno em uma postura de passividade; ele recebe pronto o conhecimento e precisa apenas assimilá-lo, quando não apenas memorizá-lo.
  • Fonte: quando o recurso é usado como fonte primária ou secundária, ou seja, como ponto de análise, reflexão e interpretação, que serve para problematizar determinada realidade datada e localizada e construir explicações sobre ela de forma ativa, confrontando perspectivas construídas pelos pares, fazendo relações e sínteses entre pares, produzindo conhecimento usando a ciência historiográfica.

Deixando de falar do conteúdo do livro diretamente e fazendo uma breve consideração sobre a presença das metodologias ativas nele, a obra não aborda especificamente, em nenhum momento, qualquer tipo conhecido dessas práticas didáticas nem conceitualiza o termo. Porém, elas estão permeadas em todo o fundamento epistemológico que o livro se compromete a apresentar.

Os tipos conhecidos de metodologias ativas são, entre outros: aprendizagem por pares, ensino híbrido, aula invertida, gamificação, design thinking, aprendizagem baseada em problemas, estudos de casos, aprendizagem baseada em projetos e rotação por estações.

Uma metodologia ser ativa pressupõe, como o próprio nome indica, a participação ativa do aluno no processo de construção de conhecimento. O aluno é colocado numa posição de protagonista nos processos de ensino-aprendizagem, por meio da qual ele consegue exercitar habilidades para se tornar cada vez mais autônomo na condução do próprio desenvolvimento intelectual. Isso se opõe aos modelos tradicionais, ainda tão presentes na realidade escolar, que esperam que o aluno receba de forma passiva o conteúdo que já vem pronto.

O próprio uso dos recursos audiovisuais como fontes para reconstrução e reinterpretação da História ou como material de reflexão para problematização de saberes consolidados já representa essa postura ativa do aluno quando ele assume a posição de historiador.

Além disso, o ensino híbrido é inerente à aplicação de parte significativa dos recursos. O ensino híbrido é uma metodologia que mistura os recursos tradicionais da escola com os recursos tecnológicos digitais, trazendo o uso intencional e planejado dos computadores para o ambiente escolar. Muitos recursos audiovisuais exigem um monitor (seja portátil como um tablet ou um celular, seja de mesa, como um computador ou um projetor) e acesso à internet. Esses mesmos instrumentos facilitam o acesso aos sons e às imagens.

Na relação dialética, de confronto, revisão e síntese de ideias, é inerente a interação entre pares e, por consequência, a aprendizagem entre pares. A aprendizagem por pares é uma metodologia na qual os alunos se desenvolvem relacionando-se horizontalmente. Isso significa que eles podem manifestar suas ideias e visões de mundo numa relação de igual para igual, o que permite que eles afirmem sua personalidade, enfrentem opiniões opostas, desenvolvam a capacidade de argumentar e convencer, comparem ideias, organizem o pensamento ao tentar explicar algo para o outro e estabeleçam acordos de convívio. Essas características são diferentes nas relações verticais, ou seja, de cima para baixo. Nestas, geralmente o aluno aceita o que o professor fala; toma de forma geral como “o jeito certo”; pelas características inerentes à relação hierárquica, o aluno comumente não se sente à vontade, em diálogo direto com o professor, para enfrentar, se afirmar, argumentar livremente, explicar algo ou dizer como quer que o convívio aconteça. Dentro do contexto das aulas de História, a construção de interpretações com base em fontes históricas pode acontecer de forma individual, mas essa construção fica muito mais rica quando há o cruzamento de olhares diferentes sobre o mesmo objeto, quando acontece a dialética e há síntese de ideias e tudo o mais que as relações horizontais podem oferecer, principalmente quando os relacionantes compartilham o interesse.

Referência

FONTOURA, Antonio. Recursos audiovisuais nas aulas de História. Curitiba: InterSaberes, 2018. [Livro eletrônico.]

Publicado em 09 de abril de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

ARAUJO, João Manoel Licinio de. Resenha do livro "Recursos audiovisuais nas aulas de História". Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 12, 9 de abril de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/12/resenha-do-livro-recursos-audiovisuais-nas-aulas-de-historia

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