Educação Ambiental na perspectiva crítica: análise dos estudantes do 3º ano do Ensino Médio de uma escola pública de Vila Rica/MT

Mônica Strege Médici

Acadêmica do curso de Especialização em Ensino de Ciências dos Anos Finais do Ensino Fundamental “Ciência é Dez” (UFMT/IB/UAB), mestranda em Educação (PPGE/UFT), graduada em Ciências Biológicas (Univag), especialista em Ensino de Biologia (UCAM), membro do grupo de pesquisa CNPq/Gepce/UFT, bolsista Capes demandas sociais

Marcelo Franco Leão

Licenciado em Química (Unisc) e em Física (Unemat), especialista em Orientação Educacional (Dom Alberto) e em Relações Raciais e Educação na Sociedade Brasileira (UFMT), mestre em Ensino (Univates) e doutor em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde (UFRGS), professor de Química no Departamento de Ensino do IFMT - Câmpus Confresa, membro do grupo de pesquisa Ensino de Ciências e Matemática no Baixo Araguaia (EnCiMa)

Carla Spiller Rocha

Professora orientadora do curso de especialização em Ensino de Ciências – Anos Finais do Ensino Fundamental “Ciência é Dez” (UFMT/IB/UAB)

A leitura do mundo antecede a leitura da palavra e, dessa forma, o sujeito se identifica como pertencente ao mundo, capaz de fazer nele intervenções. Segundo Freire (1996, p. 2) “a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente”. Em outras palavras, a educação não pode ser concebida como uma mera transmissão de conteúdos, mas como agente capaz de promover transformações sociais, por meio da construção de saberes.

Nesse sentido, a educação problematizadora de natureza reflexiva é preconizada por Freire (1964), que destaca a importância da educação crítica aos estudantes. Desse modo, ao abordar temas relevantes e transversais como a Educação Ambiental (EA) é possível ir além da mera reprodução de conceitos ecológicos e da apresentação de atitudes ditas corretas, ou seja, é possível oferecer formação humana envolvendo questões de vida.

Ademais, temas sensíveis e relevantes como a EA precisam ser conduzidos interligados às áreas de conhecimento, a fim de instigar o estudante a conhecer a realidade e os elementos a ela associados, a fim de que construa para si um caminho para enfrentar os desafios contemporâneos (Gadotti, 2001).

Ao fazer a leitura de mundo, o estudante compreenderá que os principais desafios enfrentados estão diretamente relacionados ao modelo econômico: o Capitalismo. Ele gera crescentes impactos ambientais, por meio da exploração de recursos naturais de forma desenfreada (Bauman, 2008).

Para compreender a dimensão dos desafios impostos pelo capitalismo é preciso que a escola ofereça também noções acerca do cenário político e de suas confluências com as áreas sociais. Nesse sentido é preciso que ocorram debates e ações no âmbito da educação, viabilizando mudanças necessárias (em termos locais e globais), em face das mazelas sociais que abalam o planeta (Albuquerque, 2007).

Para Freire (2018, p. 15), “é necessário que haja conscientização e essa conscientização muitas vezes significa o começo da busca de uma iniciação de luta, sendo assim, a educação crítica atinge diferentes dimensões, prática, política e social”. Nesse sentido, a escola tem uma grande responsabilidade na inserção do sujeito no debate crítico.

Em se tratando de um tema de tamanha relevância como a EA, Albuquerque (2007) afirma que o diálogo precisa ir além do ambiente escolar e permear todas as esferas sociais, no sentido de construir mudanças de paradigmas que só são alcançadas no coletivo. Os desafios ambientais serão enfrentados de maneira eficiente mediante a construção e o desenvolvimento de políticas públicas. As políticas públicas, por sua vez, são construídas por meio de demandas sociais.

Diante do exposto é necessário que o tema esteja em discussão durante a Educação Básica para gerar a percepção dos estudantes acerca do lugar em que vivem. É papel da escola oferecer a oportunidade de ampliação desse debate para que os estudantes se sintam engajados na defesa do meio ambiente, uma bandeira que deve ser de toda a sociedade. Na verdade, na escola, os estudantes expandem suas percepções referentes às devastações do planeta e têm condições de propor mudanças. Antes, contudo, devem mudar sua própria concepção de mundo.

De acordo com Alves (2002), essa mudança de percepção acontece quando a escola não é uma gaiola, quando a escola dá asas ao estudante, possibilitando que ele integre os saberes construídos pelo seu próprio universo interior.

O presente estudo tem por objetivo analisar as percepções dos estudantes do 3º ano do Ensino Médio de uma escola pública sobre as condições ambientais no bairro em que vivem na cidade de Vila Rica/MT. O intuito é realizar o registro e a análise das situações vivenciadas onde moram para que possam melhorar a percepção ambiental sobre a Educação Ambiental.

Referencial teórico

Atualmente, vivemos crises em diferentes contextos, uma delas é a crise ambiental, preocupação cada vez mais crescente entre os cientistas e as lideranças políticas de todo o planeta (Santos, 2018).

Em 1972, ambientalistas, lideranças políticas e a sociedade civil, promoveram a Conferência de Estocolmo, onde foi produzida a Declaração da ONU sobre o Meio Ambiente, formada por 26 princípios que representavam um manifesto ambiental. Seu objetivo foi estabelecer uma visão global com princípios comuns a respeito do tema e assinada por 113 lideranças mundiais (Santos, 2017).

Essa declaração teve o propósito de servir de inspiração e orientação à humanidade quanto aos aspectos relacionados à preservação e à melhoria do ambiente. Consta no parágrafo 6° dessa declaração: “Defender e melhorar o meio ambiente para as atuais e futuras gerações se tornou uma meta fundamental para a humanidade” (Passos, 2009), uma vez que a humanidade precisa pensar sobre o meio ambiente na perspectiva existencial da vida, a longo prazo. 

De acordo com Rufino e Crispim (2015), as conferências internacionais reafirmam a urgência em buscar alternativas voltadas a mitigar os impactos ambientais causados pela ação antrópica. Já há um consenso de que os ecossistemas da Terra não podem sustentar os níveis de atividade econômica e de consumo de energia da sociedade contemporânea.

É preciso superar o “mito da produtividade”, construir (ou reconstruir) uma agricultura localmente adaptada, reconhecer os limites ecológicos, ouvir as demandas da sociedade por alimentos e preservar as culturas regionais. Em suma, construir (ou reconstruir) uma agricultura que garanta a soberania alimentar em todas as regiões do globo e que sirva de suporte aos modelos de desenvolvimento sustentável (Soglio, 2016, p. 12).

Segundo Soglio (2016), o uso sustentável dos recursos ambientais permite a sobrevivência dessa e de outras gerações, pois considera os limites do planeta. Assim, são cada vez mais crescentes as discussões que vão ao encontro de soluções voltadas a ações sustentáveis globais.

De acordo com O’Meara (1999), áreas urbanas com um pouco mais da metade da população mundial são responsáveis por 80% das emissões de carbono, 75% por uso da madeira e 60% por consumo de água. Ocupam apenas 5% da área do mundo inteiro, mas consomem 75% dos seus recursos. As cidades podem ser consideradas como “pontos quentes”, pois um hectare de uma área metropolitana consome mais de 1000 vezes a energia de uma área semelhante em um ambiente natural.

Um crescente avanço de degradação ambiental é verificado, dia após dia, com a diminuição dos recursos naturais, comprometendo a qualidade de vida e a própria existência do planeta. Passivamente, observa-se o Capitalismo avançando de forma desenfreada até os limites do planeta. Bauman (2008) afirma que há interesse econômico por traz da degradação ambiental que, amparada na mídia, programa a obsolescência dos bens de consumo, a fim de girar a engrenagem econômica:

Afinal de contas, nos mercados de consumidores-mercadorias, a necessidade de substituir objetos de consumo defasados está inscrita no design dos produtos e nas campanhas publicitárias calculadas para o crescimento constante das vendas. A curta expectativa de vida de um produto na prática e na utilidade proclamada está incluída na estratégia de marketing e no cálculo de lucros: tende a ser pré-concebida, prescrita e instilada nas práticas dos consumidores mediante a apoteose das novas ofertas (de hoje) e a difamação das antigas (de ontem) (Bauman, 2008, p. 31).

O autor supracitado apresenta uma reflexão que repensa os padrões de consumo e a degradação ambiental, impostos à nova geração. Diante do cenário apresentado, a escola não pode ficar indiferente, mas comprometer-se com a construção de uma visão crítica para que esse processo de destruição não avance livremente, sem resistência, diante da expansão de fronteiras agrícolas e do extrativismo exacerbado, com acúmulo de resíduos que comprometem a saúde humana e a manutenção da biodiversidade.

A Educação Ambiental surgiu no contexto de emergência de uma crise ambiental reconhecida nas décadas finais do século XX e estruturou-se como fruto de uma demanda para que o ser humano adotasse uma visão de mundo e uma prática social capazes de minimizar os impactos ambientais então prevalecentes (Layrargues; Lima, 2011, p. 5).

Como apontam Layrargues e Lima, a EA surge como área de conhecimento voltada à qualidade ambiental e, por meio dela, são tomadas ações potencialmente mitigadoras. Diante disso, sabemos que as instituições de ensino assumem essa tarefa, pois por meio da articulação de saberes desdobrados em ações voltadas à melhoria da qualidade ambiental, logo em benefícios para a sociedade, “uma primeira questão diz respeito ao significado do ambiental como qualificador da educação” (Carvalho, 2001, p. 44).

Ao trazermos para a escola temas abrangentes como a percepção dos estudantes sobre as questões ambientais é importante nos ampararmos em outras experiências educativas que possam contribuir com a discussão. Esse estudo recorreu a Cabral et al. (2015), Almeida et al. (2017), Cabral e Nascimento (2020) e Souza (2021).

Destarte, se faz necessário que a educação se debruce sobre o tema, a fim de pavimentar o caminho da EA em uma perspectiva crítica, voltada à realidade do estudante, ou seja, ter como ponto de partida o local em que ele vive, proporcionando a ele condições de analisar a estrutura social, a partir da sua própria realidade.

Não resta dúvida de que essa concepção do desenvolvimento coloca em xeque o consumismo do modo de produção capitalista, principal responsável pela degradação do meio ambiente e pelo esgotamento dos recursos materiais do planeta. Esse modelo de desenvolvimento, baseado no lucro e na exclusão social, não só distancia cada vez mais ricos e pobres, países desenvolvidos e subdesenvolvidos, globalizadores e globalizados (Gadotti, 2001, p. 87).

No cenário atual, a Educação Básica deve abordar temas que permeiem a sociedade, pois é cada vez mais importante a aproximação da escola com a comunidade e isso se dá quando os temas discutidos na escola se voltam às demandas sociais. A relação íntima do currículo escolar com a realidade contribui para uma formação regulada pela construção do compromisso ético, sobre o qual deve-se pautar toda a sociedade.

Para Freire (2018, p. 128), “a educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa”. É possível entender que teoria e prática se enlaçam e a educação passa a ter sentido.

De acordo com Freire (2018), oportunizar ao estudante o seu lugar de falar é permitir a ele que compreenda os conceitos científicos, assim como a importância de sua aplicabilidade. Isso o empodera no sentido de poder questionar acerca da sua responsabilidade em relação ao cenário. Apenas por meio de uma educação libertadora e emancipadora pode-se possibilitar o estudante a participar ativamente do processo educativo.

Para Padilha (2007, p. 72), “as fronteiras do nosso mundo são construções históricas, geográficas, sociais, culturais, econômicas, políticas, arquitetônicas, que revelam o mundo dividido”. Essa segmentação se dá principalmente pela relação de poder estabelecida entre quem oprime e quem é oprimido.

Desse modo, o pensamento de Freire (1964) se forja de dentro de um contexto social único, pois traça uma construção social que promove uma ruptura à educação opressora, cerceadora do direito de fala do estudante, rompendo com o pensamento “pedagógico oficial” ou a “educação bancária”, a fim de construir um ideário pedagógico novo, crítico e a serviço dos oprimidos. Assim, se dá voz a todos como um processo de humanização dos sujeitos participantes da sociedade, dialogando por meio de uma prática educativa entre sujeitos livres, pois educar é um ato político.

Materiais e métodos

A pesquisa foi de natureza básica, descritiva e exploratória, com abordagem qualitativa. De acordo com Gil (2002), os saberes de um determinado fenômeno social precisam ser construídos para a realização de uma investigação.

Nesse sentido, no intuito de analisar as percepções dos estudantes de uma escola pública sobre as condições ambientais no bairro em que vivem, propôs-se esta investigação, envolvendo treze estudantes do Ensino Médio da Escola Estadual Professora Maria Esther Peres, localizada em Vila Rica/MT.

Os participantes da pesquisa foram previamente convidados e informados dos objetivos e dos métodos a serem adotados, ficando a participação de caráter livre e voluntário, contudo foi solicitado o preenchimento do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Obtivemos a carta de anuência da direção e do conselho deliberativo da escola que ambientou a pesquisa.

Devido ao cenário pandêmico na época do estudo, a escola seguiu as recomendações do distanciamento social. O ensino foi ofertado de forma remota e ocorreu de novembro a dezembro de 2020. O número de estudantes participantes da pesquisa corresponde ao quantitativo de estudantes que acompanhou as atividades escolares de forma remota. Os demais estudantes optaram pelo material impresso ou se evadiram da escola, após realizado o Exame Nacional do Ensino Médio.

O estudo abordou a percepção dos estudantes acerca da situação ambiental dos bairros Vila Nova, Setor Oeste, Tiradentes, Centro e Cristo Rei, do município de Vila Rica/MT.

Para a coleta dos dados, utilizou-se um formulário eletrônico contendo oito questões, sendo seis abertas e duas fechadas, as quais serviram para sistematizar as percepções ambientais dos estudantes. O link do formulário foi disponibilizado pelo WhatsApp. Após a coleta dos dados, houve o levantamento bibliográfico sobre o papel da educação crítica a respeito da situação ambiental. Foi realizada uma análise, por meio da exibição de fotos e vídeos, entre os estudantes que apresentaram a realidade do município de Vila Rica/MT, diante das suas condições ambientais e construídos quadros que aglutinaram as respostas por semelhança, seguido de uma discussão.

A análise tem como objetivo organizar e sumariar os dados de tal forma que possibilitem o fornecimento de respostas ao problema proposto para investigação. Já a interpretação tem como objetivo a procura do sentido mais amplo das respostas, o que é feito mediante sua ligação a outros conhecimentos anteriormente obtidos (Gil, 1999, p. 168).

Ao término, realizou-se a triangulação entre os dados coletados junto aos referenciais teóricos, também junto à matriz curricular e às percepções dos estudantes dessa escola pública a fim de evidenciar os saberes construídos referentes à situação ambiental do município de Vila Rica/MT.

Resultados e discussões

A apresentação da percepção dos estudantes acerca do trabalho nos permitiu concluir que os estudantes obtiveram noção da importância da EA. Foi questionado aos estudantes sobre os principais aspectos que despertam sua atenção em relação à realidade ambiental. As respostas estão no Quadro 1.

Quadro 1: Aspectos observados que mais chamaram a atenção

Quantidades de respostas iguais ou semelhantes

Respostas informadas no formulário eletrônico

2

O desmazelo da população. Entendo que se todas as pessoas colaborassem nossa cidade teria um aspecto melhor.

2

Que as pessoas não ligam muito, a queimadas de lixo é frequente. Percebi que só quem tem condições de vida melhor é quem tem moradias boas, ao contrário das pessoas mais carentes que moram em bairros mais distantes.

2

Muitos lotes baldios com muito lixo acumulado, e muitos problemas com esgoto há tantos problemas na nossa cidade, porém na correria do cotidiano nem percebemos, mesmo tendo estado nesses lugares anteriormente.

2

Apesar de a cidade ser pequena e muito triste ver que as pessoas não ligam muito para higiene do próprio quintal, quanto mais dos lugares públicos da nossa cidade.

2

O acúmulo de lixo em todo lugar, a falta de estrutura para escoamento de água, obras abandonadas, buracos nas ruas, entre outros.

1

Todos nós sabemos que há problemas ambientais, mas quando saímos com o olhar para mapeá-los é que damos conta de quantos pontos degradados há, bem como dos impactos desses problemas.

1

O fato de que em alguns lugares terem bastante lixo na rua e poucos coletores.

1

Não sabia que Vila Rica tinha esse tanto de quintais com lixo, e materiais descartados de maneira errada.

Fonte: Dados coletados na pesquisa, 2020.

Os apontamentos dos estudantes revelam que a educação pode provocar mudanças de atitudes por meio de diferentes abordagens. A transposição didática se constitui de forma efetiva, quando alia teoria e prática voltadas à investigação de vivências e ao contexto local.

Essas respostas demonstram que mesmo fazendo observações da própria cidade, especialmente do próprio bairro ou lugar onde estão familiarizados, por meio da proposição desse estudo, possibilitou-se um novo olhar a respeito dos problemas ambientais identificados.

O papel da educação é preponderante no sentido de promover mudanças sociais para o entorno social. Freire (1964) afirma que “a educação problematizadora se faz, assim, um esforço permanente através do qual os homens vão percebendo, criticamente, como estão sendo no mundo com que e em que se acham” (Freire, 1964, p. 73). Quando o sujeito se percebe atuante no mundo que ele conhece, ele passa a adotar uma nova postura.

Também foi perguntado aos estudantes sobre as condições ambientais da sua cidade. Para oito deles, as condições da cidade e do bairro avaliados são ruins, sendo que para três são péssimas.

Essas respostas refletem o que Albuquerque (2007, p. 10) defende: “os problemas ambientais estão entre os inúmeros problemas que o homem criou”. No bojo, tem-se o descaso da sociedade que vê com apatia a possibilidade de mudança. Nesse sentido é imperativo trazer o debate para a educação a fim de que os estudantes possam atuar de forma crítica no sentido de refletirem e ressignificarem ações antrópicas.

Em seguida, os estudantes foram questionados em relação à proposição de mudança para melhoraria da qualidade ambiental da cidade. Oito responderam que é necessário investir em EA de forma mais efetiva, enquanto três dos entrevistados, afirmaram que há a necessidade de mais investimento público em infraestrutura.

As respostas obtidas corroboram o que afirma Almeida et al. (2017). Segundo os autores, as discussões sobre a qualidade ambiental devem privilegiar o diálogo entre os diferentes atores sociais, para ajudar na compreensão dos desafios e na formação da criticidade voltada ao comprometimento da sociedade com a sustentabilidade. Assim, a EA é um meio de articulação entre o saber e a prática.

Diante dessa realidade, entendesse-se que a educação precisa se voltar à temática, considerando que do ponto de vista social e escolar, ela pode ser traduzida como um espaço privilegiado, onde todos os sujeitos adentram à escola com o objetivo de disseminar conhecimento e de promover mudanças de paradigmas.

Foi perguntado aos estudantes quanto as suas perspectivas em relaçãoà possibilidade de mudança nos problemas já evidenciados por eles. As respostas obtidas estão apresentadas no Quadro 2.

Quadro 2: Possibilidade de mudar a realidade ambiental na cidade

Quantidades de respostas iguais ou semelhantes

Respostas informadas no formulário eletrônico

05

É possível, mas depende de um esforço coletivo.

01

Será possível apenas mediante aplicação de multa aqueles que não contribuem.

05

Será possível por meio de implantação de educação ambiental em todos os níveis da educação.

Fonte: Dados coletados na pesquisa, 2020.

Dois participantes da pesquisa não responderam à pergunta, enquanto os demais observaram os problemas ambientais e acreditam que eles poderão ser revertidos, porém divergem quanto às alternativas, quanto à aplicação de multas e quanto ao esforço coletivo. Ou seja, os estudantes apontam que a educação ambiental é o caminho para solucionar os problemas ambientais observados.

As respostas dos estudantes corroboram Cabral et al. (2015), pois concordam que a escola deve considerar a abordagem de temas voltados à qualidade ambiental, na busca em promover reflexões no sentido de despertar o senso crítico do estudante acerca das responsabilidades ambientais, bem como de suas consequências. 

Sendo assim, o papel da educação é provocar, de instigar e não de ensinar o aprendizado. Trata-se de uma experiência individual e se dá por meio da interação do sujeito com o meio.

Em seguida os estudantes foram perguntados sobre a relevância desse trabalho para a sua formação. De acordo com suas perspectivas, as respostas dadas estão apresentadas no Quadro 3.

Quadro 3: Importância da realização deste trabalho

Quantidades de respostas iguais ou semelhantes

Respostas informadas no formulário eletrônico

5

Sim, pois trouxe uma nova perspectiva para minha vida observei coisas simples de onde tirei aprendizados que levarei para minha vida.

4

Sim. Com certeza, educação ambiental é fundamental para que cada um se conscientize.

4

Importante para analisarmos como está o ambiente à nossa volta e refletirmos se contribuímos para que ele seja mais bonito.

Fonte: Dados coletados na pesquisa (2020).

Os estudantes apontaram a relevância da pesquisa realizada, denotando que há uma preocupação por parte deles em relação às condições ambientais. As respostas indicam que a educação, na perspectiva crítica, promove resultados significativos na vida do estudante, fazendo-o transpor o que aprende no seu cotidiano.

Gadotti (2001) ensina que a Educação Básica deve explorar o conceito de desenvolvimento sustentável, pois ele é um componente educativo formidável, uma vez que a preservação do meio ambiente depende de uma consciência ecológica.

Os estudantes foram questionados sobre de quem é a responsabilidade de solucionar os problemas ambientais da cidade. Seis estudantes responderam que o problema deve ser de responsabilidade da população, cinco responderam ser responsabilidade do poder público e dois afirmaram ser da iniciativa privada, conforme a Figura 1.

Figura 1: Quem é o responsável por mudar a situação da cidade

Fonte: Dados coletados na pesquisa, 2020.

A maioria das respostas atribui responsabilidades de forma dividida entre o poder público e a população, enquanto pequena parcela atrela essa responsabilidade à iniciativa privada. Assim, vemos que os estudantes compreendem a influência da população e o poder público em relação aos problemas que envolvem a sociedade.

Essa compreensão e boa relação só são possíveis por meio de ações educativas. Na compreensão de Freire (2018), a educação quando emancipatória posiciona o estudante em seu lugar de fala, preparando-o para cobrar seus direitos e realizar seus deveres.

Esse é o papel preponderante de uma educação investigativa, aquela que movimenta o estudante a olhar a sua volta, identificando problemas e buscando soluções.

Questionados sobre a responsabilidade do poder público na melhoria dos aspectos urbanos, seis responderam ser a limpeza urbana de responsabilidade do poder público, enquanto quatro afirmaram ser da coleta de lixo, com dois indicando a pavimentação e um, outros serviços de obrigação da administração municipal (Figura 2).

Figura 2: Ações do poder público para melhorar as condições da cidade

Fonte: Dados coletados na pesquisa, 2020.

A cidade de Vila Rica/MT, assim como a grande maioria das cidades brasileiras, apresenta problemas urbanos. Isso foi observado pelos estudantes durante a realização da investigação. Tais problemas observados são atribuídos ao descaso do poder público. Para eles, aspectos relativos à limpeza urbana, à coleta de lixo e à pavimentação são problemas visíveis e passíveis de solução por meio de medidas simples.

Lamentavelmente, neste país, onde há o orgulho de ser o celeiro do mundo, existem muitos problemas ambientais a serem solucionados. Dentre eles, o descarte de lixo e resíduos, que culmina em diversos problemas à vida humana, como: transmissão de doenças, enchentes, poluição do solo, poluição atmosférica e diminuição da água potável.

Grande parte dos problemas ambientais, entre eles o acúmulo excessivo de resíduos sólidos, é causado pelo consumo social exacerbado, tanto individual quanto coletivo. Bauman (2008) aponta que imersa na ilusão do consumo, a sociedade não dá atenção à própria vida. “A sociedade de consumo prospera enquanto consegue tornar a não satisfação de seus membros (e assim, em seus próprios termos, a infelicidade deles)” (Bauman, 2008, p. 64). Assim, quanto mais infeliz, maior a necessidade de consumo, logo provocam cada vez mais impactos ambientais. 

Ao serem indagados sobre os aspectos positivos e negativos da pesquisa realizada, as respostas estão apresentadas no Quadro 4.

Quadro 4: Aspectos positivos e negativos na realização desse trabalho

 

Quantidades de respostas iguais ou semelhantes

Respostas informadas no formulário eletrônico

Aspectos positivos

4

Aprofundar o conhecimento sobre os efeitos da EA e sua importância.

3

Ao longo da vida escolar trabalhamos sobre Meio Ambiente, mas nunca tinha sido dessa forma, agora entendo a importância desse tema.

4

Aulas realizadas dessa maneira produzem resultados excelentes, ensinamentos para a vida.

2

O aprendizado mais importante que toda população pode contribuir para a melhoria da qualidade ambiental.

Aspectos negativos

3

Constatar que somos nós, os humanos, é que estamos destruindo o planeta.

3

Não gosto de sair de casa e ver a cidade tão suja.

2

Na verdade, esse trabalho não apresentou nenhuma novidade, nada diferente do que vejo todo dia no meu bairro.

3

O aspecto negativo foi a exposição das fotos, porque elas revelam a realidade que sempre escondemos.

2

Não vejo nenhum aspecto negativo.

Fonte: Dados coletados na pesquisa, 2020.

Ao analisar as respostas, é possível perceber que a atividade encaminhou os estudantes à identificação da relevância da EA para a sociedade. Contudo, o caminho foi percorrido somente pelos estudantes que se organizaram para desenvolver o trabalho, por meio da observação, da sistematização dos registros coletados e da produção do relatório, com a apresentação deles via Google Meet,seguido do debate.

O espaço da apresentação e do debate trouxe aos envolvidos a consolidação de suas perspectivas iniciais e, por meio delas, leituras de textos que foram ressignificadas pela leitura de mundo (Freire, 1996), pois a leitura do mundo precede a leitura da palavra; logo, a educação realiza a associação das diversas leituras.

Conclusão

A educação, com base na investigação, aponta um caminho para a EA no sentido de se construir uma leitura crítica local e global. Desse modo, o estudante se vê como cidadão capaz de evidenciar os problemas e propor soluções para o coletivo, deixando de ser um ouvinte passivo para tornar-se um ser ativo, diante dos desafios contemporâneos.

Sabemos que isso não ocorre em um passe de mágica, mas devagar, sob um lento processo. Assim, vamos construindo a consciência coletiva voltada à qualidade ambiental que, consequentemente, gerará a qualidade de vida.

Consideramos que este trabalho foi importante para aproximar os estudantes de suas realidades, em relação as condições ambientais dos bairros em que vivem, das situações que precisam ser modificadas na cidade, bem como do compromisso social de cada um com o planeta.

Por fim, acredita-se que a realização da proposta tenha ampliado a possibilidade de discussão acerca da importância da EA e do poder transformador da educação básica de qualidade. Para tanto, sugerimos que propostas semelhantes sejam implementadas em outras etapas de ensino.

Referências

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Publicado em 07 de maio de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

MÉDICI, Mônica Strege; LEÃO, Marcelo Franco; ROCHA, Carla Spiller. Educação Ambiental na perspectiva crítica: análise dos estudantes do 3º ano do Ensino Médio de uma escola pública de Vila Rica/MT. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 15, 7 de maio de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/15/educacao-ambiental-na-perspectiva-critica-analise-dos-estudantes-do-3-ano-do-ensino-medio-de-uma-escola-publica-de-vila-ricamt

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