Funções executivas e indisciplina escolar: um estudo de caso

Claudio Marcio dos Santos

Pós-Graduando em Neuropsicopedagogia Clínica (Faculdade Censupeg)

Vera Siqueira

Professora orientadora dos cursos de Neuropsicopedagogia da Faculdade Censupeg

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-V, os transtornos do neurodesenvolvimento são um grupo de condições com início no período do desenvolvimento. Os transtornos se manifestam cedo no desenvolvimento, antes de a criança ingressar na escola, sendo caracterizados por déficits no desenvolvimento que acarretam prejuízos no funcionamento pessoal, social, acadêmico ou profissional.

Os déficits de desenvolvimento variam desde limitações muito específicas na aprendizagem ou no controle de funções executivas até prejuízos globais em habilidades sociais ou inteligência (DSM-V, p. 31). Conforme o DSM-V, o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade tem os seguintes critérios de diagnósticos:

  • Padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere no funcionamento e no desenvolvimento, conforme caracterizado por (1) e/ou (2): 1. Desatenção: seis (ou mais) dos seguintes sintomas persistem por pelo menos seis meses em um grau que é inconsistente com o nível do desenvolvimento e têm impacto negativo diretamente nas atividades sociais e acadêmicas/profissionais. Os sintomas não são apenas uma manifestação de comportamento opositor, desafio, hostilidade ou dificuldade para compreender tarefas ou instruções. Para adolescentes mais velhos e adultos (17 anos ou mais), pelo menos cinco sintomas são necessários: a. Frequentemente não presta atenção em detalhes ou comete erros por descuido em tarefas escolares, no trabalho ou durante outras atividades; b. Frequentemente tem dificuldade de manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas; c. Frequentemente parece não escutar quando alguém lhe dirige a palavra diretamente; d. Frequentemente não segue instruções até o fim e não consegue terminar trabalhos escolares, tarefas ou deveres no local de trabalho; e. Frequentemente tem dificuldade para organizar tarefas e atividades; f. Frequentemente evita, não gosta ou reluta em se envolver em tarefas que exijam esforço mental prolongado; g. Frequentemente perde coisas necessárias para tarefas ou atividades; h. Com frequência é facilmente distraído por estímulos externos; e i. Com frequência é esquecido em relação a atividades cotidianas. 2. Hiperatividade e impulsividade: Seis (ou mais) dos seguintes sintomas persistem por pelo menos seis meses em um grau que é inconsistente com o nível do desenvolvimento e têm impacto negativo diretamente nas atividades sociais e acadêmicas/profissionais. Para adolescentes mais velhos e adultos (17 anos ou mais), pelo menos cinco sintomas são necessários: a. Frequentemente remexe ou batuca as mãos ou os pés ou se contorce na cadeira; b. Frequentemente se levanta da cadeira em situações em que se espera que permaneça sentado; c. Frequentemente corre ou sobe nas coisas em situações em que isso é inapropriado; d. Com frequência é incapaz de brincar ou se envolver em atividades de lazer calmamente; e. Com frequência “não para”, agindo como se estivesse “com o motor ligado”; f. Frequentemente fala demais; g. Frequentemente deixa escapar uma resposta antes que a pergunta tenha sido concluída; h. Frequentemente tem dificuldade para esperar a sua vez; e i. Frequentemente interrompe ou se intromete.
  • Vários sintomas de desatenção ou hiperatividade-impulsividade estavam presentes antes dos 12 anos de idade.
  • Vários sintomas de desatenção ou hiperatividade-impulsividade estão presentes em dois ou mais ambientes (por exemplo, em casa, na escola, no trabalho; com amigos ou parentes; em outras atividades).
  • Há evidências claras de que os sintomas interferem no funcionamento social, acadêmico ou profissional ou de que reduzem sua qualidade.
  • Os sintomas não ocorrem exclusivamente durante o curso de esquizofrenia ou outro transtorno psicótico e não são mais bem explicados por outro transtorno mental (por exemplo, transtorno do humor, transtorno de ansiedade, transtorno dissociativo, transtorno da personalidade, intoxicação ou abstinência de substância).

Consideramos no estudo desse caso as funções executivas (FE), que, segundo Viñas e Silva (2018), são assim conceituadas: habilidades na regulação da atenção que tornam possível para manter objetivos e informações na mente, abster-se de responder imediatamente, resistir à distração, tolerar a frustração, considerar as consequências de diferentes comportamentos, refletir sobre experiências passadas, e planejar o futuro.

Nas últimas duas décadas, habilidades FE tornaram-se um foco principal de pesquisa em Psicologia, Neurociência e Educação e cada vez mais professores e parentes estão conscientes de que constituem uma importante base para essas habilidades na aprendizagem em ambientes escolares. De fato, as FE são fundamentais para a prontidão escolar e o desempenho escolar precoce. Pesquisas descobriram que as FE medidas na infância predizem uma ampla gama de resultados importantes, incluindo prontidão para a escola e a transição bem-sucedida para o jardim de infância, com desempenho escolar e competência social na adolescência, melhor saúde física, maior status socioeconômico (SE) e menos problemas relacionados a drogas e condenações criminais na idade adulta.

Vera Lucia de Siqueira Mietto (2019) diz que, para entendermos a importância desse construto, precisamos ver o que Rotta (2006), Diamond (2007) e Barkley (2001) falam dessas habilidades:

  • Controle inibitório é a capacidade de pensar antes de agir, ou seja, inibir uma resposta comportamental impulsivamente, passando de uma resposta para outra melhor e mais considerada, adequada para a situação. É a maneira com que o cérebro modula o nosso comportamento;
  • Memória de trabalho é a capacidade de se armazenar temporariamente as informações e as incorporar a outros estímulos do meio ambiente, ou seja, poder buscar uma informação na memória de longo prazo, facilitando seu resgate quando necessário. Tem um papal fundamental na capacidade de compreender o que se está lendo, o que se está a aprender e na capacidade de manter o raciocínio com logicidade. É ela que dá sentido aos acontecimentos, evocando eventos já armazenados e integrando com os novos que se está a prender;
  • Flexibilidade cognitiva é a capacidade em alternar o foco, mudar de atividade ou de planos: se um caminho escolhido não traz resultados positivos, outro caminho é elaborado e percorrido. É a capacidade de mudar de planos em decorrência da demanda imposta pelo meio a que está inserido. Nossa paciente tem demonstrado ações de indisciplina e procuramos observar a indisciplina não apenas como um componente exclusivamente negativo no processo de aprendizagem, para isso citamos ainda Santos (2020) que nos propõe que o conflito de saberes se torna frequente e originador da indisciplina, pois as perspectivas não são congruentes, tendo de um lado o representante da escola (o professor) e do outro lado o representante da comunidade (o aluno).

O que passa pela cabeça do educador e do educando a partir desse encontro é um conflito de interesses em que o educador quer transmitir o conteúdo de sua disciplina e o educando não consegue apreender o propósito desse conteúdo (por vezes, diferente e divergente de sua realidade social). As consequências são as mais diversas, culminando em um desencontro entre o sistema teórico docente e a prática discente. Os parâmetros escolares colidem com os do meio social em que o educando está inserido. Nesse encontro, o que muitas vezes é ignorado são os discursos presentes de ambos os lados, as múltiplas relações, os laços sociais entre educador e educando. Muitas vezes podemos estar diante de educandos que parecem ter TDAH ou que sejam indisciplinados por não desenvolverem as habilidades das Funções Executivas, sendo imprescindível não somente conhecermos a sintomatologia do TDAH, mas buscarmos entender o motivo da indisciplina, ou seja, o potencial producente e de aprendizagem que pode haver quando o educador consegue estabelecer um vínculo com seu educando, ensinando-lhe, em congruência com o conteúdo acadêmico, as habilidades das Funções Executivas. Entendemos que elas podem ser uma forma de minimizarmos a indisciplina, melhorar a memorização de conteúdos e a capacidade de THPV em prestar atenção nas atividades que realiza, aumentando sua concentração nos afazeres escolares.

Metodologia

A gestação de THPV foi de nove meses. O parto durou 30 minutos. Nasceu no dia 25 de novembro de 2011, sem circular de cordão, com apgar 9/9. Nasceu cianótica, com peso muito abaixo do adequado (1,990kg), com 48cm e 32cm de perímetro cefálico. A imunidade estava baixa, mas não teve problemas para respirar, nem necessitou de oxigênio.  Não chorou ao nascer nem mamou, tendo alta no dia 30 de novembro de 2011. Não teve vômitos e nem refluxos, mas teve cólicas até os seis meses de vida. Não teve o intestino preso e dormia pouco, com um sono leve. Não teve apneia nem mamou nos seios, somente na mamadeira. O desfralde ocorreu aos nove meses. Nenhuma doença específica. Segundo a mãe, não há relato de doenças familiares. THPV não tem facilidade para interagir com outras pessoas. É sentimental. Esquece-se das coisas com facilidade. Apresenta lentidão para fazer as atividades. É tímida. Costuma isolar-se (fica a maior parte do tempo deitada em seu quarto). É triste pela ausência do pai. A responsável disse-nos que a criança tem como queixa principal a dificuldade em memorizar e aprender os conteúdos das disciplinas. Começou a estudar com dois anos e ficou até os quatro anos na escola particular. Com sete anos iniciou o 1º ano do Ensino Fundamental. Nunca reprovou nem ficou em recuperação. A partir do 5º ano a criança apresentou dificuldade de aprendizagem e de memorização dos conteúdos, além de indisciplina.

Quadro 1: Procedimentos de avaliação

Instrumento

Objetivo

Anamnese com a responsável de THPV

Levantamento de dados sobre o caso a ser avaliado.

Hora lúdica

Percebi que de início ela se sentiu desconfortável com a falta de direcionamento para o que deveria fazer de forma específica, após orientá-la que poderia fazer um desenho ela pegou a caneta e executou a tarefa.

A Paciente disse não gostar de brincar, mas gosta de inventar histórias e passou o tempo desenhando e pintando.

Teste de atenção por cancelamento. SEABRA, A. G.; DIAS, N. M. (org.). Avaliação neuropsicológica cognitiva: atenção e funções executivas. São Paulo: Memnon, 2012.

Avaliar a atenção seletiva e seletiva com demanda de alternância.

Teste de trilhas A e B. SEABRA, A. G.; DIAS, N. M. (org.). Avaliação neuropsicológica cognitiva: atenção e funções executivas. São Paulo: Memnon, 2012.

Avaliar as funções executivas especificamente de flexibilidade cognitiva.

Torre de Londres. SEABRA, A.G.; DIAS, N.M. (org.). Avaliação neuropsicológica cognitiva: atenção e funções executivas. São Paulo: Memnon, 2012.

Habilidade de planejamento, flexibilidade, resolução de problemas.

Avaliação neuropsicológica cognitiva. v. 2. Linguagem oral. SEABRA, A. G.; DIAS, N. M. (org.). São Paulo: Editora Memnon.

Teste Infantil de Nomeação (TIN) 3 até 14 anos.

Avaliar a linguagem expressiva e o acesso ao sistema de memória de longo prazo, que armazena os nomes dos objetos.

Avaliação neuropsicológica cognitiva. v. 3. SEABRA, A. G.; CAPOVILLA, F. C. São Paulo: Memnon.

Avaliar a escrita. Prova de escrita sob ditado (PED) versão reduzida para de 6 a 11 anos.

Avaliação das dificuldades escolares. BACHA, S. M. C.; VOLPE, M. R. F. T. 2014.

Os aspectos avaliados e os instrumentos propostos na Proade são:

• Aspectos Psicossociais e Comunicativos gerais

• Leitura oral

• Escrita

• Rotina escolar e material escolar; propondo ainda, avaliação da linguagem oral (fluência, voz e motricidade orofacial).

Protocolo de Identificação Precoce dos Problemas de Leitura - PIPPL (rastreio). CAPELLINI, S. A.; CÉSAR, A. B. F. de C.; GERMANO, G. D, 2017.

Utilizado como rastreio do RTI (modelo de resposta à intervenção) para identificação precoce de crianças com risco para problemas de leitura (como a dislexia).

Escala de avaliação de comportamentos infantojuvenis no TDAH em ambiente Familiar. Versão para pais (ETDAH-Pais). BENCZIK, E.B.P. São Paulo: Memnon.

Avaliar os comportamentos infanto-juvenis em ambiente familiar, tendo os pais como fonte de informação no entendimento dos possíveis prejuízos de atenção, hiperatividade e impulsividade, dificuldades emocionais e comportamentais, bem como a intensidade do prejuízo existente (moderado e grave).

Escala de autoavaliação do transtorno e déficit de atenção-hiperatividade. Versão para crianças e adolescentes. (ETDA-CriAd). BENCZIK, E. B. P. São Paulo: Memnon.

Pretende trazer o entendimento da própria criança e do adolescente a respeito dos possíveis prejuízos de atenção, hiperatividade/impulsividade, bem como a intensidade do prejuízo (moderado ou grave).

Quadro 2: Resultados da avaliação

Hora lúdica

Atividades observadas

Resultado

Desenho livre/recorte e colagem/quebra-cabeça/cores/formas/pareamento/contagem/escrita livre/leiturinha etc.

Paciente não apresentou resistência para entrar na sala, demonstra segurança com a presença da mãe e não sentiu incomodada na sua ausência. Manifestou pouca iniciativa, não gosta de contato físico, especificamente de abraços. É indiferente à afetividade, pouco fala e interage, não se sente à vontade com pessoas que desconhece. Não gosta de brincadeiras, sente-se bem quando se arruma, ou seja, cuida de si mesma (arrumar-se, pentear-se, usar brincos). Não se sente bem em usar saia e vestido. Demonstrou certa dificuldade de interação social e pouca flexibilidade de raciocínio.

Teste de atenção por cancelamento

Instrumento

Escore

Pontuação padrão

Classificação

TAC total

60

74

Baixa

TAC 1

25

68

Muito baixa

TAC 2

4

104

Média

TAC 3

31

93

Média

Teste trilhas A e B

Instrumento

Escore

Pontuação padrão

Classificação

Parte A

24

108

Média

Parte B

0

0

Muito baixa

Parte B-A

-24

65

Muito baixa

Teste Torre de Londres

Teste aplicado de maneira qualitativa. Foi apresentada boa capacidade de planejamento.

Teste infantil de nomeação

Escore

Pontuação padrão

Classificação

60

136

Muito alta

Prova de escrita sob ditado

Escore

Pontuação padrão

Classificação

Frequência de erros em palavras

0,29

91

Média

Frequência de erros em pseudopalavras

0,58

87

Média

Protocolo de identificação precoce dos problemas de leitura - IPPL - 2º ano

Atividades realizadas

Acertos

Sob suspeita

Esperado

Conhecimento do alfabeto

23/23

22

23

Produção de rima

11/20

3

5

Identificação de rima

19/20

15

16

Segmentação silábica

21/21

19

20

Produção de palavras a partir do fonema dado

15/21

17

18

Síntese fonêmica

3/21

3

4

Análise fonêmica

0/21

0

1

Identificação de fonema inicial

0/21

5

6

Memória operacional fonológica

0/24

20

21

Nomeação automática rápida

25/30”

29”

30”

Leitura silenciosa

11/11

9

10

Leitura de palavras e pseudopalavras

3/40

33

34

Compreensão auditiva de sentenças a partir de figuras

20/20

17

18

Obs.: Considera-se risco para dislexia quando o número de itens “sob atenção” for maior que o número de itens “esperado”.

Proade

Avaliação de Matemática

Resultado

Atividade com as quatro operações, situações-problema, tempo de composição dos números

Paciente apresenta dificuldade nas operações matemáticas

ETDAH-CriAd

Fatores

Pontuação bruta

Percentil

Classificação

Fator I HI

26

30

Média inferior

Fator II DA

15

25

Média inferior

Escore geral

41

20

Inferior

Resultado

THPV apresentou no Fator I (Hiperatividade/Impulsividade) resultado considerado médio inferior (percentil = 30) o esperado para a sua faixa etária. Esse resultado reflete um comportamento equilibrado, com atividade moderada em seu corpo, movimentando-se adequadamente, pouco falante e pouco barulhenta, demonstra paciência em suas atitudes, tem facilidade de esperar pelo tempo necessário para obter o que quer, presença de comportamentos com características de autocontrole, contenção de impulsos, tendendo a agir com prudência e flexibilidade mental.

No Fator II (Déficit de Atenção), THPV mostrou desempenho considerado Médio Inferior (percentil = 25), o esperado para a sua faixa etária. Embora não tenha assinalado os itens 2 (“Presto atenção em outras coisas e me perco na lição”), 4 (“Minha mãe tem que me lembrar de fazer as coisas”), 7 (“Erro nas lições por falta de atenção”), 8 (“É difícil terminar o que começo”) e 10 (“Me perco nos sinais das contas de Matemática”), eles ocorrem com alguma frequência do que ela pode avaliar e se dar conta. Apesar de adequada capacidade para engajar-se numa tarefa, THPV tem demonstrado falha na atenção seletiva, na atenção sustentada, na atenção concentrada e na falta de foco. Entretanto, possui comprometimento e uma razoável autonomia no que se propõe a fazer.

ETDAH-Pais

Fatores

Pontuação bruta

Percentil

Classificação

Fator I RE

48

60

Média

Fator II HI

35

75

Média superior

Fator III CA

40

35

Média inferior

Fator 4 A

24

45

Média

Escore geral

147

55

Média

Resultado

Fator INo Fator Regulação Emocional (RE), THPV apresentou classificação considerada média (percentil = 60). Resultado considerado na média para sua idade, não apresentando sintomas de manejo deficiente, tem razoável equilíbrio em suas relações interpessoais, porém, existem dificuldades/inabilidades em lidar com as experiências ou em processar as emoções de forma adequada.

Fator IINo Fator Hiperatividade/Impulsividade (HI), THPV exibiu classificação dentro da faixa etária, média superior (percentil = 75), de acordo com a esperada para o seu sexo e sua faixa etária. Não há em seu comportamento um ritmo acelerado e apressado, tampouco excesso de movimentação corporal ou ação sem reflexão anterior, nem prejuízo no sistema inibitório que leve a comportamentos inconsequentes e imprudentes. Entretanto, há uma tendência a persistir diante de uma ideia, com pouca flexibilidade mental.

Fator IIIO Fator Comportamento Adaptativo (CA) refletiu desempenho classificado na zona da média inferior (percentil = 35), ou seja, THPV tende a ter um comportamento adaptativo adequado e uma boa indicação de controle cognitivo, certa maturidade e julgamento social, porém, pouca eficiência para solucionar problemas, mas tem capacidade para seguir regras e normas, respeitando a hierarquia. Tende a ser responsável, compassiva e pacífica, seu comportamento é equilibrado, age de forma precavida e planejada sempre atenta aos atos que comete para gerar boas consequências em suas relações interpessoais. Não tem grandes habilidades na utilização de seu tempo de lazer.

Fator IVNo Fator Atenção (A), THPV obteve desempenho classificado na média esperada para meninas na mesma faixa etária (percentil = 45). Esse resultado demonstra boa capacidade atencional, retratando persistência do esforço, capacidade para engajar-se em uma tarefa, mantendo a motivação necessária do início ao fim com comprometimento, independência e responsabilidade.

Escore geralNa escala de avaliação de comportamento Infantojuvenis no TDAH em ambiente familiar, THPV apresentou percentil = 55 no escore geral, classificado na área média, ou seja, não tem sintomas e/ou problemas relativos ao TDAH que dificultem suas relações interpessoais.

Resultados e discussão

Após a análise dos resultados das avaliações aplicadas, chegou-se à conclusão de que a paciente tem dificuldade em prestar atenção nas tarefas que exijam maior atenção, assim como na expressão fonológica de algumas palavras. Também demonstrou dificuldade na realização de cálculos simples nas quatro operações. Apresenta indícios de estar em risco para dislexia, necessitando de estimulação da consciência fonológica. Nos fatores RE; HI; CA; A – ETDAH-Pais, revelou-se uma média, ou seja, um equilíbrio em suas emoções, hiperatividade, adaptação e atenção, com forte tendência à introspecção, sendo os achados consistentes com as dificuldades relatadas pela própria mãe no ambiente familiar. Nos fatores HI; DA – ETDAH-CriAd, também houve média em seus resultados; apesar de sua capacidade de engajar-se em uma tarefa, THPV tem dificuldade em concentrar-se seletivamente e, por vezes, perde o foco ou até mesmo chega a esquecer-se do que está fazendo. Faz-se necessária a Intervenção Neuropsicopedagógica Clínica, a fim de proceder com o estímulo às suas funções executivas, trabalhando a sua atenção seletiva, a sua memória de trabalho, sua percepção e sua flexibilidade cognitiva, com o objetivo de contribuir para a sua capacidade de realização de tarefas, sua capacidade de concentração, de superação de dificuldades de aprendizagem e no seu desempenho escolar de maneira geral. Para o processo de intervenção foram utilizados os seguintes instrumentos: Torre de Hanói, Manual Papaterra, Estimulação cognitiva: 100 atividades de atenção, memória e percepção, dominó, consciência fonológica – jogo da memória – sílabas iniciais, caça-palavras e Sudoku.

Conclusão

Neste estudo de caso, pode-se constatar a importância da avaliação e da intervenção neuropsicopedagógica em dificuldades de aprendizagem dos escolares. Enquanto a avaliação possibilitou identificar o(s) motivo(s) das dificuldades apresentadas por THPV, conforme a queixa inicial da família, a intervenção conduziu a ações que contribuíram em ganho à criança, conduzindo-a para uma dinâmica de aprendizagem e de superação de suas dificuldades.

Durante a intervenção observamos certa melhora na capacidade de memorização, disciplina, controle inibitório e flexibilidade cognitiva. Além de vislumbrarmos a satisfação da criança em cada tarefa executada com sucesso. As funções executivas trabalhadas, por intermédio da intervenção, foram capazes de produzir não somente resultados quantitativos, pois os resultados qualitativos foram evidenciados no prazer, na alegria e na agradabilidade demonstrados pela criança ao constatar que estava sendo possível realizar tarefas que antes (no início da intervenção) pareciam complexas demais. 

Não somente nossa hipótese foi confirmada como mais ampliada, pois em princípio a desconfiança de um possível TDAH nos conduziria a uma ação que não se fazia necessária, tendo em vista que as habilidades das funções executivas, aplicadas por meio da intervenção, foram suficientes para trabalhar a dificuldade de atenção e a celeridade com que a criança queria fazer várias atividades ao mesmo tempo.

Referências

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais [recurso eletrônico]: DSM-5. Trad. Maria Inês Corrêa Nascimento et al. Revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli et al. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

BARKLEY, R. A. The executive functions and self-regulation: an evolutionary neuropsychological perspective. Neuropsychol Rev., 2001.

DIAMOND, A.; BARNETT, W. S.; THOMAS, J.; MUNRO, S. Preschool program improves cognitive control. Science, 2007.

MIETTO, Vera Lucia de Siqueira. As funções executivas e sua importância no bom desempenho acadêmico. Só Pedagogia, 2008. Disponível em: http://www.pedagogia.com.br/artigos/funcoesexecutivas/Acesso em: 26 abr. 2024.

ROTTA, Newra. Transtorno da atenção: aspectos clínicos. In: ROTTA, N.; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. (ed.). Transtornos da aprendizagem: abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2006.

SANTOS, Claudio Marcio dos. O vínculo social do educador e do educando diante da indisciplina escolar. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 20, nº 10, 17 de março de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/10/o-vinculo-social-do-educador-e-do-educando-diante-da-indisciplina-escolar.

VIÑAS, Suzana Portuguez; SILVA, Roberto Aguilar Machado Santos. Neurobiologia das funções executivas - implicações das funções executivas para o comportamento e educação do adolescente. Santo Ângelo, 2018.

Publicado em 14 de maio de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

SANTOS, Claudio Marcio dos; SIQUEIRA, Vera. Funções executivas e indisciplina escolar: um estudo de caso. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 16, 14 de maio de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/16/funcoes-executivas-e-indisciplina-escolar-um-estudo-de-caso

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