Reprovações no 3º ano do ciclo: investigando possíveis causas

Patrícia Penha Ferreira

Graduada em Letras (UERJ), licenciada em Pedagogia (UNIRIO/Cederj/UAB)

Vera Regina Souza dos Santos

Doutora em Educação (UNIRIO)

O presente estudo tem como tema o grande número de crianças que ainda não sabem ler após o 3º ano escolar do Ensino Fundamental. Trata-se de investigar os fatores que contribuem para essa triste situação, a partir das minhas observações diárias como professora de Língua Inglesa de uma escola pública do município do Rio de Janeiro.

Desde que eu comecei a trabalhar nessa escola, o tema despertou a minha atenção. Eu entrava nas salas de aula para ensinar a minha disciplina e percebia as várias dificuldades ali presentes. Meu interesse se intensificou, quando percebi que na escola dos meus filhos era quase inexistente o número de crianças que, ao final do 3º ano escolar, apresentavam dificuldades de leitura.

Minhas observações me mostravam que as questões problemáticas relacionadas ao bom aprendizado eram referentes: aos profissionais de apoio especializado, com o acompanhamento profissional adequado quando necessário, a atenção e o apoio das famílias e as condições sociais e de moradia. Essas e outras questões permitem à criança ter um ambiente favorável e uma rede colaborativa para realizar seus estudos. Esses fatores, portanto, eram importantes para o bom desempenho dos estudantes. Mas eu ainda me perguntava se somente esses seriam os fatores que, efetivamente, promoveriam um resultado satisfatório.

A alfabetização se constitui como uma importante etapa educativa na vida das crianças. A fragilidade nesse processo em algumas escolas brasileiras pode envolver vários motivos.  Diante disso, identificar o que provoca essa situação desfavorável pode contribuir para um trabalho mais eficaz. O conhecimento de todo o sistema de escrita e das práticas sociais que a envolvem são dois processos que andam lado a lado, importantes para a formação escolar das crianças, como também para o exercício da cidadania. Faz-se importante destacar a formação de professores no que diz respeito à prática pedagógica, assim como o currículo adotado nas escolas e a avaliação. Esses são aspectos fundamentais na formação do estudante.

Fetzner (2014) faz referência ao currículo escolar e à sua organização. Muitas vezes, ele pode estar ordenado como se fosse uma coisa só, com avaliações, atividades e explicações padronizadas, conteúdos fragmentados, separados de seus sentidos sociais e da vida cotidiana. Na verdade, ele poderia estar relacionado às experiências das crianças. A autora reforça que as crianças devem ser entendidas como sujeitos da aprendizagem e não como objetos. Em sua obra, ela traz as ideias de Paulo Freire, criticando a educação bancária e reforçando uma educação escolar mais ativa e crítica, ligada à realidade.

Fernandes (2015) aponta que, apesar das muitas pesquisas na área da Educação, poucas mudanças têm ocorrido. Segundo ela, estar ciente de que o ato de avaliar implica em tomada de decisões e tem ligação com o projeto de sociedade que se pretende formar é muito importante. Assim, a autora leva a pensar e a questionar de que maneira a avaliação na escola pública pode auxiliar na prática pedagógica.

A escola pública objeto deste trabalho é organizada em ciclos. Não há retenção de alunos nos 1º e 2º anos do Ensino Fundamental, mas isso não elimina a avaliação. Todos os alunos são avaliados ao longo do ano com provas e observações realizadas pela professora. A esse respeito, analisando a organização escolar em ciclos, Fernandes e Freitas (2007) ressaltam a importância da avaliação da aprendizagem dos estudantes das escolas em ciclos, afirmando que estratégias devem ser tomadas para garantir a aprendizagem. O fato de não serem reprovados em alguns anos escolares não significa que os alunos não aprenderam nada.

Ora, o que viabiliza uma melhor qualidade de ensino são professores bem formados e informados; condições de trabalho; recursos materiais; escolas arejadas, claras e limpas, com mobiliário adequado, com espaços de estudo, de pesquisa e prazer para professores e estudantes, sempre, é claro, fazendo uso dessas condições com seriedade e responsabilidade, de maneira a garantir a aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes (Fernandes; Freitas, 2007, p. 26).

Em face do exposto, a pesquisa teve por objetivo geral investigar os motivos que contribuem para que crianças cheguem ao 3º ano escolar sem saber ler. Assim, discutir o sentido da alfabetização, do currículo e da avaliação nas práticas educativas é uma maneira de estimular práticas eficientes de ensino, dando coerência ao processo educativo. O trabalho traz os seguintes objetivos específicos: a) identificar a concepção de alfabetização, currículo e avaliação das professoras e b) verificar se tais concepções apresentam relação com o resultado obtido ao final do 3º ano e de que forma. Para alcançar esses objetivos, foquei na realidade da escola pública em que trabalho, no que diz respeito às práticas pedagógicas adotadas, à avaliação, ao currículo adotado pela escola/professor e à concepção de alfabetização adotada pelas professoras.

A metodologia de pesquisa baseou-se em uma abordagem qualitativa, pois a pesquisa foi feita com base em minhas observações diárias e em dados levantados sobre a escola pública em questão. Houve a preocupação em entender uma realidade e pensar sobre ela. Dessa forma, descobertas e descrições foram feitas, de maneira a conhecer e entender um pouco da realidade da unidade de ensino envolvida na pesquisa, mas sem a intenção de colher qualquer procedimento estatístico.

Este artigo está dividido em seções, que tratarão: (i) da metodologia, sobre os caminhos adotados para a realização desta pesquisa; (ii) do referencial teórico, da função da avaliação e suas implicações no processo de alfabetização; (iii) da realidade da escola pública em questão; (iv) do currículo, avaliação e prática pedagógica na concepção das professoras, em que são apresentados resultados e discussões acerca do assunto aqui tratado e (v) das considerações finais.

Metodologia

Este trabalho se orienta, metodologicamente, por uma observação participante, pois foi realizado a partir das minhas observações como professora da unidade pública escolar. Ele utiliza, também, dados coletados por meio de questionários acerca da realidade da unidade escolar. Os questionários permitiram a identificação da formação, das práticas pedagógicas, do currículo adotado e das avaliações realizadas pelas professoras dos 1º, 2º e 3º anos, como conhecer suas concepções a respeito do ensino, por exemplo, ponto importante para que o objetivo deste trabalho seja alcançado.  Participaram do questionário seis educadoras: quatro que atuam, cada uma, em duas turmas (uma pela manhã e outra à tarde) e duas que atuam, cada uma, somente em uma turma (uma pela manhã e outra à tarde).

Algumas professoras não se sentiram à vontade para se identificar. Suas idades variam. Quatro delas têm 50 anos ou mais e outras duas, 34 e 39 anos, todas com nível superior. Cinco com a graduação em Pedagogia e uma em Letras – Português/Literaturas. Quatro possuem, também, curso na modalidade normal e duas têm pós-graduação em Supervisão e Administração Escolar e Gestão Escolar. Sobre o tempo de serviço docente, a mais experiente possui 38 anos de profissão, seguida das demais com 29, 22 (duas delas), 17 e onze anos.

As funções da avaliação e suas implicações no processo de alfabetização

A dificuldade escolar tem reflexos no desempenho do aluno, seja na Matemática, na leitura, na escrita ou em outras áreas. Pode envolver aspectos cognitivos, decorrentes de alguma deficiência ou ter relação com outros fatores, como falta do apoio familiar, fatores socioeconômicos desfavoráveis, falta de recursos básicos, condições precárias oferecidas na escola e a prática docente. Nesse sentido, a avaliação escolar se faz importante a partir do momento em que o docente consegue identificar a dificuldade. O professor pode pensar e repensar quais estratégias pedagógicas serão necessárias para auxiliar aquele estudante no processo, isto é, de quais práticas poderá valer-se para reorientar suas ações na direção daquele propósito. Desse modo, o professor deve ter em mente o que é a avaliação, quais as suas funções e a sua importância na rotina escolar do aluno, assim como na prática docente.

Maria Teresa Esteban (2013) afirma que deve haver uma relação dialógica entre teoria e prática. A avaliação tem o papel de reconstruir as práticas escolares, de modo que, ao invés da exclusão, haja uma sociedade mais inclusiva. Assim, a avaliação deve ser amorosa e implica na disposição de acolher e, conforme Luckesi explica, em uma tomada de decisão sobre algo, seja ela satisfatória ou não, agradável ou não. Ou seja, deve-se acolher o aluno no seu ser e, a partir daí, decidir o que fazer (Luckesi, 2000). Segundo o autor, a avaliação da aprendizagem é “um recurso pedagógico útil e necessário para auxiliar cada educador e cada educando na busca e na construção de si mesmo e do seu melhor modo de ser na vida” (Luckesi, 2000, p. 1).

Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (Brasil, 2013, p. 54) sobre a avaliação, “o Conselho Nacional de Educação [...] recomenda, aos sistemas de ensino e às escolas públicas e particulares, que o caráter formativo deve predominar sobre o quantitativo e classificatório”.

Paula e Moreira (2014) fazem referência a dois tipos de avaliação, o modelo psicométrico, também chamado de condutista e o dialógico. Para os autores, o primeiro é o que está em vigor e é destinado “a averiguar até que ponto os estudantes possuem capacidades e conhecimentos predefinidos por objetivos educacionais que orientam o currículo” (Paula; Moreira, 2014, p. 18). O segundo, coloca o aluno e o professor como sujeitos no processo avaliativo. No modelo psicométrico, os alunos são colocados em papel secundário e vistos como “receptores passivos de informação e objetos da ação e da avaliação do professor” (Paula; Moreira, 2014, p. 18). Nesse modelo, provas e testes são predominantes.

Os autores abordam, ainda, os conceitos da Teoria da Atividade (TA) e da Teoria da Ação Mediada (TAM), importantes na perspectiva dialógica da avaliação. Em outras palavras, “elas nos fornecem fundamentos para compreender a estrutura e o dinamismo das atividades humanas” (Paula; Moreira, 2014, p.18). Esses conceitos são trazidos pelos autores para nos ajudar a entender a relação que cada pessoa pode estabelecer com os objetos do conhecimento e as tensões que podem ocorrer entre um sujeito e outro. A TAM se refere à mediação por intermédio de diversos recursos mediacionais (RM), ferramentas usadas para realizar uma ação que promova a aprendizagem. A TA visa à construção de atividades em que os alunos entendam a sua finalidade, as ações, as regras e as divisões do trabalho, de maneira a construir “relações não alienadas dos estudantes com as atividades escolares” (Paula; Moreira, 2014, p. 28).

Santos (2019), no que se refere à avaliação, afirma que comumente há um modelo e os estudantes são a ele comparados e avaliados, conforme se aproximam ou se distanciam dele. Quando não atendem minimamente ao modelo são reprovados. Isso é o que vemos na maioria das escolas atualmente. Segundo a autora, cada estudante é dotado de suas próprias vivências e pensamentos, o que torna a sala de aula plural e heterogênea. Então é importante que no processo avaliativo o docente leve em consideração a pluralidade de significados que poderão surgir em um contexto marcado por diferenças culturais. Ao compreender essa realidade, o professor valorizará as diferenças e contribuirá para uma sociedade mais justa e inclusiva.

Garcia (2003, apud Santos, 2014) menciona duas funções da avaliação: sinalizar o desenvolvimento do estudante, ajudando-o a repensar a prática pedagógica para garantir a aprendizagem de todos e a aplicação de exames, como forma de verificação da aprendizagem. Na aplicação de exames, avalia-se por avaliar, verificando a aprendizagem sem uma real preocupação de análise ou reflexão. Para Luckesi (2000, p. 1), “os exames selecionam, excluem, marginalizam” e o ato de avaliar, em si, envolve dois processos indissociáveis: diagnosticar e decidir. Essas funções estão ligadas a dois grandes paradigmas que orientam a prática pedagógica: o paradigma objetivista, que procura verificar se os estudantes dominam os conhecimentos tidos como importantes para eles e o paradigma subjetivista, que contribui para a emancipação social e a autonomia, cuidando de olhar mais para o processo (Santos, 2019). 

Ao longo dos anos, a prática avaliativa sofreu algumas mudanças. Estudos na área demonstraram a necessidade de haver um outro olhar para a avaliação, rompendo com a visão “sentensiva e classificatória, que é uma das causas da reprovação escolar” (Santos, 2019, p. 516). Há, desse modo, a preocupação com os sentimentos, os conhecimentos e com a apreensão das habilidades que os alunos já possuíam ou estavam em processo de desenvolvimento, mostrando uma preocupação com as diferenças. Porém, ainda há fortes traços da concepção objetivista nas práticas atuais (Santos, 2019).

Muitos professores realizam suas avaliações verificando se o resultado apresentado pelo aluno está distante ou não do padrão definido como ideal, o que caracteriza um julgamento de resultados, influenciando nas decisões referentes a aprovação/reprovação, não havendo nenhuma possibilidade de negociação (Santos, 2019). Segundo Hoffmann (2005 apud Santos, 2019), esses resultados deveriam ser o ponto de partida para o auxílio aos estudantes no seu processo de construção de conhecimentos, quando o professor aproveita a oportunidade para conhecer melhor o seu aluno.

Leite e Kager (2009) dizem que a avaliação classificatória pode tornar-se um instrumento autoritário, freando o desenvolvimento escolar de muitos alunos e trazendo consequências negativas como o preconceito e o estigma, pois os alunos são classificados em melhores ou piores, conforme suas notas. Para mudar isso é preciso que os educadores tenham consciência do tipo de sociedade e de cidadão que se pretende formar. É importante que deem novos rumos às suas práticas, resgatando a avaliação diagnóstica. Os resultados obtidos implicam em decisões a favor do aluno, revendo e alterando as condições de ensino para aprimorar o processo de conhecimento.

Os autores trazem, inclusive, uma ideia aqui já tratada referente à mediação, retomando as ideias de Vygotsky (1984).

É a partir de um intenso processo de interação com o meio social, através da mediação feita pelo outro que se dá a apropriação dos bens culturais. Esse complexo processo resulta no desenvolvimento (Vygotsky, 1984 apud Leite; Kager, 2009, p. 113).

Além disso, as atividades no contexto escolar também são marcadas pela afetividade, o que caracteriza as relações entre os sujeitos e objetos do conhecimento, tornando as atividades mais prazerosas ou mais aversivas. Desse modo, a aprendizagem não se restringe somente à dimensão cognitiva, mas à afetiva. Assim, ela pode se tornar aversiva quando o aluno entende que as consequências podem ser utilizadas contra ele, contribuindo para o seu fracasso escolar, a sua evasão ou a sua exclusão intraescolar (Leite; Kager, 2009).

O que se pretende aqui é deixar claro que cada indivíduo é único e a prática avaliativa deve levar em consideração todas as interpretações que o aluno faz acerca de uma situação e os seus avanços, sem negligenciar seus aspectos singulares, envolvidos nesse processo. Destaca-se, também, que as decisões acerca das práticas avaliativas pelo professor produzem marcas afetivas, refletindo na sua relação com o aluno e com o objeto do conhecimento.

Sendo assim, a partir dessas reflexões trazidas, torna-se importante questionar: “Qual a representação dos professores acerca da avaliação, especialmente, na escola pública, objeto deste trabalho?”. É a prática do docente que determinará a diretriz do trabalho pedagógico.

A realidade da escola pública na qual trabalho

A escola em que trabalho é uma escola pequena, com onze salas de aula e uma sala de leitura. Como é uma escola de turno parcial, são vinte e duas turmas atendidas no total: onze pela manhã e onze à tarde. Os professores mais antigos dizem que o espaço que ela ocupa foi improvisado, isto é, o espaço não foi criado para ser uma escola, inicialmente. Embora pequena é uma escola muito procurada, pois tem boa reputação na região. Dessa forma, funciona no limite de sua capacidade, tendo algumas turmas com mais de trinta alunos em sala. Todos os regentes trabalham sozinhos, sem nenhum tipo de ajudante ou professor de apoio especializado.

Na escola, há salas que são menores e outras, um pouco maiores. Com alto quantitativo de alunos em algumas salas, fica difícil transitar entre as mesas, dificultando o trabalho docente. Ainda em relação ao espaço físico, não há quadra de esportes ou parque infantil, somente dois pequenos pátios nas partes superior e inferior da escola, com chão de cimento e sem cobertura. São nesses locais que ocorrem as aulas de Educação Física e capoeira.

Os alunos têm aulas de Inglês, Artes e Educação Física, assim como atividades de roda de leitura, capoeira e aulas com as professoras generalistas. As aulas de capoeira não são ministradas por professores da escola, mas em parceria com uma fundação próxima, sem fins lucrativos, ajudando a garantir o horário de planejamento das professoras generalistas. As atividades de roda de leitura podem ser ministradas por qualquer professor especialista e, embora o nome sugira um “trabalho com leituras”, os professores realizam atividades que funcionam como reforço escolar, podendo ou não haver o trabalho com histórias. As professoras generalistas informam o conteúdo que estão ensinando no momento, o que percebem que suas turmas ainda precisam e os professores especialistas dão o apoio nesse sentido.

Um terço da carga horária do professor é destinada ao seu planejamento. Cada professora generalista tem o seu dia de planejamento, dia em que elas não entram em sala de aula, somente quando falta algum professor especialista. São nesses dias que os alunos têm aulas de Inglês, Artes, Educação Física, capoeira e roda de leitura. Essa forma de organização chama-se “blocagem”. Para o professor generalista é bom, pois ele dispõe de um tempo, sem interrupção, para preparar suas aulas. Às terças, ocorre o planejamento das professoras dos 1º e 2º anos. Às quartas, o planejamento do 3º ano e às quintas-feiras, o dos 4º e 5º anos. Os planejamentos dos professores especialistas são divididos entre esses dias e/ou às segundas e às sextas-feiras. Nesses dias são oferecidos cursos de formação continuada pela prefeitura e a escola é a responsável por realizar a inscrição dos professores participantes.

Há internet e recursos tecnológicos disponíveis na escola, como 1 projetor em cada sala e computadores. Alguns professores, como eu, investem em materiais próprios, como caixas de som, iPod e celulares. Outro aspecto que merece ser aqui destacado é a respeito dos recursos e materiais pedagógicos. Todo semestre, recebemos apostila para ser trabalhada com os alunos. Além disso, há escolha de livros didáticos, todos os anos, na escola. Muitos professores pesquisam e levam, ainda, outras atividades para realizarem com seus alunos. Isso ocorre porque o professor seleciona atividades que complementam o que está sendo ensinado ou atividades diferenciadas aos alunos que necessitam de algum reforço.

Dessa forma, faz-se necessário o uso de uma copiadora, o que nem sempre está disponível na escola, seja por falta de folhas de papel tamanho ofício, seja por falta de tinta. Assim, novamente, há professores que compram folhas, investem em uma impressora própria ou pagam para tirarem cópias em outros lugares, fora da escola. Como ocorre em alguns casos, há professores que desistem de atividades diferenciadas por não terem como arcar com os custos. Em relação aos jogos pedagógicos, há pouco ou nenhum disponível nas salas de aula.

Vale ressaltar que a prefeitura investiu, durante a pandemia, em materiais digitais, como vídeo aulas disponíveis no Youtube no canal MultiRio (Empresa Municipal de Multimeios, vinculada à Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro). Porém poucos foram os alunos que acessaram esses conteúdos. Há vários conteúdos de diversas disciplinas, todos divididos por ano escolar. Esses vídeos também podem ser usados pelos professores nas salas de aula.

Nessa escola, percebo que ainda esbarramos em professores que não têm tanta prática com as tecnologias e precisam de auxílio para usar computadores, projetores, caixas de som e internet. Outros não usam projetores, computadores e internet, pois não há como ouvir os áudios em virtude da falta das caixas de som.

A prefeitura, por meio de documentos, orienta propostas curriculares e pedagógicas:

  1. Documento Orientador da Política Pedagógica, que contém orientações para o desenvolvimento das atividades pedagógicas de cada unidade escolar: metas para a educação; matriz curricular, currículo carioca; recursos pedagógicos disponíveis para o aluno e professores, projetos escolares, formação continuada, avaliações e acompanhamento dos resultados;
  2. Currículo Carioca, alinhado à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), dos conteúdos e habilidades a serem desenvolvidos; busca desenvolver ações pedagógicas específicas, com destaque para a priorização da proposta curricular e a disponibilização de atividades escolares presenciais e não presenciais.

As avaliações organizadas pela prefeitura ocorrem ao final de cada um dos quatro bimestres letivos. Os alunos são classificados em relação ao seu processo de aprendizagem como MB (muito bom), B (bom), R (reforço) ou RI (reforço intensivo). Para alunos com conceito RI, os professores devem elaborar um relatório chamado plano pedagógico individualizado (PEI), cujo objetivo é superar lacunas no processo de aprendizagem, dando a oportunidade de todos alcançarem uma nota satisfatória dentro do percurso pedagógico, registrando suas dificuldades e suas estratégias, previstas para a recuperação. Dessa forma, devem ser feitas atividades diferenciadas como em uma “recuperação paralela”, para garantir que as dificuldades sejam superadas.

Os alunos com deficiência (intelectual e/ou física), autistas e crianças que estão sob investigação médica, também fazem parte do corpo discente da escola e têm um planejamento individualizado. A escola argumenta que no município do Rio de Janeiro, para que o aluno tenha direito a um atendimento educacional especializado, o laudo médico é necessário. Do 1º ao 3º ano, há sete crianças incluídas com deficiências, isto é, com laudo médico, além de outras sob investigação. Na maioria das vezes, mesmo com o laudo, esse acompanhamento não acontece.

Não há professor de apoio especializado acompanhando esses alunos a todo momento. A escola não possui sala de recursos, ou seja, não há na escola um espaço onde o professor de atendimento educacional especializado (AEE) favoreça a inclusão, suplementando a formação e identificando recursos pedagógicos ao estudante. Recentemente, esse trabalho é feito no horário escolar por uma professora de apoio especializado que atua na escola no horário da manhã e se reveza nos atendimentos. Apesar das muitas questões vivenciadas e observadas, toda a comunidade escolar é comprometida com as suas funções, trabalhando da melhor forma que pode.

Currículo, avaliação e prática pedagógica na concepção das professoras

Na escola objeto deste estudo, não é uma regra a professora iniciar e finalizar o ciclo com a mesma turma. Às vezes, as professoras são trocadas em algum desses anos. As educadoras que participaram dessa pesquisa são as que sempre trabalham com esses anos escolares na unidade. Aqui, trago a análise do trabalho que realizam, de acordo com as observações realizadas e com os dados coletados nos questionários enviados a elas que, conforme já sinalizado, procuraram verificar suas concepções e práticas acerca do currículo, da avaliação e do trabalho pedagógico.

Como materiais, nas suas aulas, todas disseram utilizar apostilas da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, livros didáticos escolhidos todos os anos e outros materiais de apoio e exercícios, de acordo com a necessidade da turma. Somente uma disse usar as vídeo aulas disponibilizadas no canal da MultiRio, no Youtube e outras duas, vídeos, filmes e músicas. Nesses “outros materiais de apoio” estão incluídos materiais pedagógicos preparados por elas próprias, outros livros que usam para consulta, livros paradidáticos, cadernos, alfabetos móveis e qualquer outro recurso visual impresso.

Acerca dos recursos disponíveis, duas professoras foram mais sucintas e disseram que trabalham com os recursos que a prefeitura oferece. As outras professoras ressaltaram os recursos tecnológicos disponíveis na escola, como computadores, projetores e internet. Duas dessas professoras disseram, ainda, que usam recursos próprios não oneroso. Uma delas, inclusive, disse que faz uso de suas assinaturas de TV (Netflix/Disney) e músicas (Spotify).  

Uma boa prática, muitas vezes, é composta por doses de improviso e criatividade. A falta de recursos impede ou dificulta o desenvolvimento de uma boa prática pedagógica. É necessário, muitas vezes, reconstruir a prática usada para que seja alcançado o objetivo. Para isso “é preciso uma ruptura com a teoria que atravessa a prática” (Esteban, 2013, p. 53). Essa transformação da prática “demanda um questionamento, tanto das condições materiais do trabalho, objetivos e organização, quanto das concepções, valores e conhecimentos subjacentes ao processo” (Esteban, 2013, p. 54).

Nessa escola, há professoras que utilizam determinados materiais e recursos, e outras que não utilizam. Algumas professoras tentam adotar, nas suas práticas, recursos variados, até mesmo para tornar suas aulas mais dinâmicas e interessantes. Porém, frise-se, cada professora é diferente da outra e trazem opções teóricas distintas, com modos particulares de conduzir a prática, entendendo o dinamismo e a criatividade como pontos positivos ou não.

Ao definirem currículo, a maior parte das professoras considerou como um documento que traz conteúdos, habilidades e as bases das práticas pedagógicas, funcionando como um guia do processo educacional. Contudo, somente duas ressaltaram que o currículo deve ser sempre atualizado, visto que a sociedade está em constante mudança. Assim, ele deve contemplar as diferentes leituras de mundo dos educandos, a vida além dos muros da escola, a comunidade escolar como um todo e qualquer outro tema pertinente, apresentado no processo, pois ele é um documento vivo, em constante adaptação.

Esteban (2013, p. 28) diz que o “sucesso escolar está entrelaçado à construção de formas democráticas de vida social”. Dentre tantas formas de trabalho, em que a teoria dialoga com a prática, na alfabetização é preciso ter atenção aos discursos que circulam na escola e legitimá-los, abandonando práticas que calam e assumindo práticas que ajudam a falar (Esteban, 2013).

Conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica,

currículo é o conjunto de valores e práticas que proporcionam a produção e a socialização de significados no espaço social e que contribuem, intensamente, para a construção de identidades sociais e culturais dos estudantes.

E ainda:

A escola precisa acolher os diferentes saberes, manifestações culturais e diferentes óticas, empenhar-se para se constituir, ao mesmo tempo, em um espaço de heterogeneidade e pluralidade, situada na diversidade em movimento, no processo tornado possível por meio de relações intersubjetivas, fundamentada no princípio emancipador (Brasil, 2013, p. 27).

Sobre a organização do currículo escolar, uma não respondeu e me disse que “eu não respondi a algumas questões, porque…” e não terminou a frase, mostrando certo desinteresse, como se fosse uma pergunta chata de responder e de pouca importância ou como se não precisasse falar sobre a organização do currículo, uma vez que já havia definido “currículo” na pergunta anterior do questionário. Essa professora definiu currículo como um “guia de todo o processo educacional que envolve os conteúdos que serão estudados, as atividades realizadas e as competências a serem desenvolvidas”. Porém, quando pergunto sobre a organização do currículo na escola, eu desejo saber as ações escolares adotadas e colocadas em prática para atingir os objetivos curriculares.

Ainda sobre a pergunta a respeito da organização do currículo na escola em que trabalham, duas professoras mencionaram o projeto político-pedagógico (PPP) da escola e as Orientações Curriculares da Rede de Ensino Municipal do Rio de Janeiro. Duas citaram as Orientações Curriculares da Rede de Ensino Municipal do Rio de Janeiro e uma, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Na organização e gestão do currículo, as abordagens disciplinar, pluridisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar requerem a atenção criteriosa da instituição escolar, porque revelam a visão de mundo que orienta as práticas pedagógicas dos educadores e organizam o trabalho do estudante. Perpassam todos os aspectos da organização escolar, desde o planejamento do trabalho pedagógico, a gestão administrativo-acadêmica, até a organização do tempo e do espaço físico e a seleção, disposição e utilização dos equipamentos e mobiliário da instituição, ou seja, todo o conjunto das atividades que se realizam no espaço escolar, em seus diferentes âmbitos (Brasil, 2013, p. 28).

No que diz respeito à forma de trabalho com as crianças do ano escolar em que elas atuam, registra-se:

  1. Professora com 38 anos de profissão, atuando no 2º ano escolar: foco no aluno e em sua aprendizagem, de acordo com suas características e necessidades, desenvolvendo atividades lúdicas e diversificadas;
  2. Professora com 29 anos de profissão, atuando no 2º ano escolar, com somente uma turma: busca a autonomia dos alunos, a compreensão e a aquisição da leitura e escrita, avanços nos cálculos e questões matemáticas, principalmente a construção de conceitos, buscando o entendimento abstrato. Além de discutir saúde, meio ambiente e papel social: “aluno e professor como agentes do mundo”;
  3. Professora com 22 anos de profissão, atuando no 3º ano escolar: trabalho de acordo com as necessidades dos educandos, desenvolvendo suas habilidades e utilizando diversos tipos de materiais;
  4. Professora com 22 anos de profissão, atuando no 2º ano escolar, com somente uma turma: não respondeu à pergunta;
  5. Professora com 17 anos de profissão, atuando no 1º ano escolar: não respondeu à pergunta;
  6. Professora com onze anos de profissão, atuando no 2º ano escolar: conteúdo programático básico do ano letivo, realidade da turma e objetivos propostos pela Rede Municipal. Procura ser objetiva, lúdica e de forma contínua para que a aprendizagem ocorra.    

A respeito dos instrumentos de avaliação, todas mencionaram, com suas palavras, as tarefas diárias realizadas, destacando que a avaliação deve ser contínua, identificando se há avanços ou pontos a serem reforçados. Além dessas atividades, há, também, as avaliações. Somente uma professora mencionou o comportamento, a participação, o interesse e a assiduidade como formas de avaliação. Como já mencionado ao longo deste trabalho, a avaliação deve servir como uma forma de identificar a aprendizagem do aluno e, a partir daí, reorganizar a prática, buscando outras estratégias, se necessário for.

Contudo, o que a professora deixa claro em seu questionário é que não há como dar o conceito MB (muito bom) para o aluno que “sabe os conteúdos, mas não se comporta bem nas aulas, conversa o tempo todo ou tem um grande número de faltas”. Ao dar MB para esse aluno, é como se ela estivesse dizendo que está tudo bem e não há o que melhorar. A postura da professora diverge da concepção de avaliação dos autores citados neste trabalho.

Com relação à importância da avaliação, o posicionamento foi unânime. A avaliação orienta a prática pedagógica, permitindo replanejar e repensar os métodos. O erro deve ser visto como possibilidade de construção, intervindo para auxiliar o educando. Percebe-se, aqui, uma vertente de avaliação que serve para reorganizar a prática, uma vez que é utilizada para identificar progressos e dificuldades. Contudo, há a presença das provas por meio das quais o estudante é classificado pelos conceitos RI, R, B ou MB. Assim, essa avaliação ainda é usada “como forma de medir a aprendizagem a partir de parâmetros predefinidos que permitem a classificação e hierarquização” (Esteban, 2013, p. 82).

A postura das professoras frente às avaliações se mistura. Elas entendem que a avaliação é contínua e tem a finalidade de redirecionar o ensino. Por outro lado, ainda há a presença forte das provas e das notas, revelando uma ambiguidade no processo avaliativo, marcado pela presença dos exames. As provas e o lançamento de notas são exigências da Secretaria Municipal de Educação. São fortemente cobradas e acompanhadas pela escola. Então, as professoras precisam avaliar seguindo essa linha. Contudo, em paralelo, realizam suas próprias avaliações, percebendo os avanços dos alunos e quando precisam de maiores suportes. Elas entendem o propósito do ato de avaliar, mas a forma como essa avaliação é feita nas escolas não reflete a concepção das professoras.

Os exames são meios formais de atender as exigências de natureza administrativa, em que é possível reconhecer a presença ou ausência de determinado conhecimento. Contudo, não é possível compreender os saberes usados pelos estudantes para responder às perguntas, “nem os processos de aprendizagem desenvolvidos para adquirir o conhecimento demonstrado, tampouco o raciocínio que conduziu à resposta dada”, questões efetivamente significativas no processo de aprendizagem (Esteban, 2013, p. 98).

Autores como Luckesi (2000) e Esteban (2013) abordam em seus textos a lógica dos exames no processo avaliativo. Os exames excluem, uma vez que seus resultados são usados para explicar o fracasso ou sucesso escolar em uma dimensão técnica, baseando-se em uma concepção homogênea das crianças, um padrão que deve ser alcançado, como se todos os alunos fossem iguais. Esse uso técnico da avaliação não consegue captar a diversidade de conhecimentos que a criança tem e, por conseguinte, não consegue ajudá-la a superar suas dificuldades, uma vez que há a preocupação em ensinar o que será cobrado no exame.

Esse modelo de avaliação é usado visando qualidade na educação, mas, ao adotar esses parâmetros, ele seleciona e exclui, distanciando-se de um modelo voltado para questões relativas ao conhecimento. Segundo Esteban (2013, p. 102), “o importante não é o que efetivamente se sabe, mas a possibilidade de demonstrar o domínio do conhecimento solicitado”. O conhecimento é substituído pela aprendizagem de estratégias que facilitam a memorização do conteúdo em que professores e alunos trabalham sob uma perspectiva de treinamento, não de ensino-aprendizagem (Esteban, 2013).

Realmente, na escola em questão, na época dos exames todas as atividades e exercícios são voltados para este fim. É como se houvesse um treinamento e uma preparação para o que está por vir. Os exames são exigências superiores e os alunos precisam ser classificados como aprovados ou reprovados, conforme suas notas. É um modelo de avaliação que “associa a aprendizagem à memorização e repetição do ensinado”, o que distancia a avaliação das questões relativas ao conhecimento (Esteban, 2013, p. 101). O importante não é o que efetivamente se sabe, mas sim mostrar o domínio do que é solicitado (Esteban, 2013, p. 102).

Mas isso não significa que as avaliações dos professores, de modo particular, não sejam consideradas. Dentro do que podem fazer, as avaliações servem para reorientar a prática. No dia a dia da escola pública, objeto deste estudo, os professores acompanham o desenvolvimento dos estudantes, conseguem identificar seus avanços e reorganizam suas ações, quando necessário. Muitas vezes, no momento da avaliação, o professor, ao corrigi-las (por achar injusto o aluno estar se desenvolvendo, mas tirar uma nota muito ruim), leva em consideração tudo o que foi ali escrito, mesmo que as respostas dadas não sejam o padrão para a pergunta. Nesse sentido, o professor segue a vertente de que “o rendimento escolar nem sempre reflete o real conhecimento de cada um (a)” (Esteban, 2013, p. 104).

Em algumas provas, há palavras que precisam ser pronunciadas e os alunos devem escrevê-las. Alguns escrevem a palavra toda correta, outros acertam uma letra ou outra. Embora seja impossível ler o que a criança escreveu, a professora reconhece que a criança já possui alguns conhecimentos sobre a escrita e está avançando, porém, como não escreveu a palavra toda certa, a resposta é considerada errada. Há, nesse sentido, conhecimentos relevantes “que não podem ser desprezados e rotulados como não saber” (Esteban, 2013, p. 137). Pode acontecer do aluno acertar todas as palavras, o que não necessariamente indica que ele sabe, mas que pode ter memorizado a forma de escrevê-las. Ao identificarem as dificuldades das crianças, os professores realizam trabalhos diferenciados, de acordo com cada caso, como uma forma de reforço, garantindo a aprendizagem.

Ainda foi destacado nos questionários, quanto às dificuldades na docência: a falta de ajuda das famílias, o número de alunos em sala e a falta de cuidado físico, social e emocional das crianças por parte das famílias. Esses fatores fazem com que a escola lide com problemas diversos que não cabem à própria escola solucionar (cuidar da saúde, falta de higiene, prover sustento, abrigo), além da falta de interesse dos alunos, das muitas demandas burocráticas, da ausência de formações continuadas e da desvalorização salarial, que prejudica a saúde docente. Entendo que as professoras, ao mencionarem essas dificuldades, não estejam atribuindo a elas os problemas a respeito da leitura e escrita das crianças, mas trazendo à luz situações que podem comprometer a aprendizagem dos alunos.

Considerações finais

Esta pesquisa buscou entender quais são os motivos que contribuem para os grandes problemas de leitura e escrita com os alunos do 1º ao 3º ano da escola pública em que trabalho. Há vários pontos que contribuem para essa situação, pontos que merecem reflexão.

A partir dos questionários com as respostas das professoras, nota-se que muitos alunos em sala é um fator agravante. O educador, principalmente no processo de alfabetização, precisa estar atento aos alunos. Com salas mais cheias, fica difícil esse trabalho e essa atenção.

Outro ponto a ser destacado refere-se à formação dos professores. Esse é um aspecto fundamental no processo educativo, uma vez que o docente lida, a todo momento, com tensões, desigualdades, diversas identidades e culturas, que fazem parte da dinâmica real da sociedade. Segundo Esteban (2013, p. 26), “é preciso indagar a formação docente”, a qual “deve atender às demandas próprias da realidade na qual está imersa”. A formação dos profissionais, além de ter cunho científico, deve voltar-se à realidade dos estudantes que envolve vários dilemas humanos. São diversas as questões que os professores enfrentam e que podem comprometer o processo de ensino. “O conhecimento científico é importante, mas não suficiente, há que utilizá-lo e ir além de seus limites, propondo interrogações de caráter ético e social” (Esteban, 2013, p. 69).

Hoje, na nossa escola, o professor precisa realizar, sozinho, o trabalho junto às crianças com deficiência. As turmas são cheias, o que não facilita essa rotina. Muitas vezes, o professor não sabe como agir.

Outro ponto que merece destaque diz respeito aos materiais. A falta de investimentos, para uma boa manutenção ou reposição de itens, é um problema frequente nas escolas públicas. Por essa razão, há professores que usam recursos próprios para desempenhar suas funções, comprando materiais ou usando itens pessoais para exercerem suas funções com maestria, trazendo algo diferente, importante ou interessante aos alunos. Outros deixam de realizar determinadas atividades por falta de recursos, recorrendo às atividades entediantes e repetitivas, como cópias, por exemplo.

O currículo e a avaliação são momentos que merecem destaque neste debate. O currículo deve ser visto como constante e flexível. É claro que há as habilidades são inerentes a cada ano e estudante, mas o professor deve dar a oportunidade, estabelecendo estratégias para isso. No que tange à avaliação, há as provas e, com frequência, as educadoras realizam atividades diagnósticas e falam sobre seus alunos. A questão central é: o que é feito a partir disso? É necessário repensar a prática e os caminhos a serem seguidos, a partir desses diagnósticos.

Acredito que o ponto chave deste trabalho esteja sobre a questão do saber e não saber, questões discutidas ao longo deste artigo. O saber se reflete em algo positivo e o não saber, em algo negativo. Talvez, eu esteja estabelecendo relações baseadas em um padrão de aluno, como se todos fossem iguais, pois o ensino linear nas salas de aula está enraizado. Contudo, é preciso entender que há diferenças entre os alunos, especialmente no que diz respeito aos contextos culturais, às realidades sociais e às formas de diálogo e aprendizado. A educação não pode ser um processo homogêneo, visto que envolve sujeitos diferentes entre si, por isso, caracteriza-se como heterogênea.

Ao dizer que há muitos alunos que “não sabem ler ao final do 3º ano escolar”, baseei-me na criação de polos antagônicos, de saber ou não saber, na negação, só permitindo-me ver erros e acertos; em outras palavras, se são capazes de ler ou não. Não me atentei ao processo, não tive outros pontos de vista e nem outras perspectivas.

Embora não seja eu a professora generalista, sou professora de disciplina específica dessas crianças. Dependendo do meu ponto de vista, que agora é outro, os erros se tornam acertos dentro de uma perspectiva de negociação. Ao negociar nossa compreensão podemos ter outros olhares, o que contribui para o processo de ensino e aprendizagem.

Para o aluno, situar-se no entrelugar dessa polarização de certo e errado, saber e não saber, positivo ou negativo, é estar em processo. É estar em um local de produção e experimentação de conhecimentos e alternativas, explorando-o. Deve-se, então, atribuir valor ao processo de desenvolvimento do aluno, pois, como já dito, cada aluno é diferente do outro.

Sobre o processo de avaliação, é preciso ampliarmos nossa compreensão. A escola e o processo de avaliação precisam ser mais democráticos, assim como nossas percepções.

Muitos professores alteraram conceitos finais dos alunos por entenderem que houve aprendizado, mas, por algum motivo, os estudantes não tiram boas notas nas provas ou testes que realizam. Essa ação mostra que o professor acompanha e avalia o seu aluno não somente pela nota, mas pelo seu desenvolvimento ao longo do processo. Assim sendo, constata-se que, quando falamos em avaliação, muitas vezes, as vertentes se misturam.

Espero que esta pesquisa tenha demonstrado que os processos escolares, especialmente o da avaliação que envolve a investigação, a reflexão e a mudança da prática, sejam vistos sob outra ótica, não a da imposição, mas a da construção, contribuindo para a transformação da escola local, como parte de uma transformação social.

Referências

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ESTEBAN, Maria Teresa. O que sabe quem erra? 2ª ed. Petrópolis: De Petrus et Alii, 2013.

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SANTOS, Vera Regina Souza dos. Avaliação escolar — uma prática entre duas lógicas: a que emancipa e a que reproduz as desigualdades sociais. Inter-Ação, Goiânia, v. 44, n° 2, p. 515-528, maio/ago. 2019.

Publicado em 14 de maio de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

FERREIRA, Patrícia Penha; SANTOS, Vera Regina Souza dos. Reprovações no 3º ano do ciclo: investigando possíveis causas. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 16, 14 de maio de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/16/reprovacoes-no-3-ano-do-ciclo-investigando-possiveis-causas

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