Um ensaio reflexivo sobre verdade, autoridade e busca pelo conhecimento na crise da educação na obra de Hannah Arendt

Alexandre Dijan Coqui

Secretário municipal de Educação de Jacaraci/BA, Coordenador do Polo UAB, formado em Pedagogia (Unopar) e Letras (UFPB), especialista em Gestão Educacional (USFM), especialista em Ciências da Linguagem com Ênfase em EaD (UFPB) e em Gestão Pública Municipal (UESB), doutor em Ciências da Educação (Absoulute Christian University), pós-doutorando em Ciências da Educação, membro do Grupo de Estudos Semióticos da FFLCH/USP, sócio efetivo da Associação Brasileira de Linguística (Abralin)

Ao construir a Alegoria da Caverna, Platão cria um espaço de diálogo entre o conhecimento racional e o conhecimento vulgar, limitando o homem, a princípio, a viver a realidade pelas sombras projetadas, alienado à consciência do mundo e destinado à condição miserável de prisioneiro.

Diante do fogo, que produz sua luminosidade até certo ponto ofuscante aos olhos, as imagens projetadas se tornam uma realidade transmutada. No entanto, isso não impede que um dos encarcerados abandone o espaço restrito das imagens e, inconformado com sua condição de espectador, decida libertar-se das correntes do conhecimento vulgar. A fluorescência do sol o cega momentaneamente, mas a verdade torna-se nítida (Chauí, 2010).

O impulso ao descobrir um mundo novo, mesmo que esteja desgovernado, é de voltar e libertar os companheiros da escuridão. Embora saiba que a liberdade produzida pela verdade possa ser dolorosa, ter a oportunidade de viver em um mundo caótico é melhor do que permanecer como prisioneiro das personificações criadas por homens ou objetos. O retorno ao mundo sombrio pode ser uma decisão difícil, mas é necessária para salvar os outros da ignorância. No entanto, a busca pela verdade e o conhecimento construído pela honestidade requerem esforço. Alguns preferem acreditar em uma falsa realidade de uma sociedade caótica e não querem enfrentar as adversidades do mundo e transformá-lo. Mudar o mundo e criar um novo é resultado de lutas constantes.

Se as sombras projetadas não são a realidade, o conhecimento ou a verdade, o encarcerado está condenado a uma não verdade ou a uma verdade parcial e limitada. Na parede, as sombras são projetadas pela luz, e os objetos e homens atuam nos bastidores. As imagens projetadas – sombras – podem ter aparência distorcida. Como está em Hebreus 11:3, "aquilo que se vê não foi feito do que é aparente". Dessa forma, os prisioneiros assistem a uma realidade ilusória do que é visto na parede, sombras projetadas pela matéria invisível para eles, mas apenas a projeção causada pela ausência parcial da luz em razão da existência de um obstáculo entre a luz e o corpo. Isso não é uma realidade autoexistente, mas uma realidade definida e restrita (adaptado de Chauí, 2010).

A experiência de abrir os olhos para o mundo real, não importa como ele se apresenta, é libertadora. Devemos nos preparar para enfrentar a verdade que nos aguarda e os poderes tirânicos que nos mantêm prisioneiros. Aqui, limitamo-nos a discutir a educação em duas vertentes simplificadas: a primeira, como eixo transformador da sociedade – não que a educação vá mudá-la por si só, mas os indivíduos educados para a liberdade crítica e real podem transformá-la, como visto na obra de Paulo Freire (1987) presente aqui no Brasil. Em seguida, temos a educação como fonte de poder político que pode ser manipulado e usado para governar e oprimir a sociedade.

Nesse cenário de caos na sociedade contemporânea, a filósofa alemã Hannah Arendt, em A crise na educação, convida a refletir sobre o desequilíbrio do mundo atual e faz questionar sobre o mundo que nós, adultos, estranhamos e rejeitamos, o que por sua vez afeta a educação. Como podemos introduzir a nova geração em um mundo que não compreendemos totalmente? Como podemos mostrar a crianças e adolescentes uma realidade sem máscaras e fantasias, se estamos condicionando-os a um mundo moldado por elas, sem introduzir valores sociais na educação e retirando a autoridade dos adultos e professores, desresponsabilizando-os pela construção do conhecimento?

Não é possível pensar em um mundo novo? Hannah Arendt (2011, p. 27) trata essa questão como uma ilusão no contexto americano exposto por ela. Não é papel político da educação americanizar os imigrantes, ou seja, o mundo novo não está sendo construído por meio da educação das crianças, mas elas estão inseridas em um mundo velho preexistente. Esse mundo só é novo para os recém-chegados. Portanto, há urgência em apresentar crianças e jovens à realidade e em assumir posições sociais valorativas para a construção de um mundo historicamente novo. Não devemos nos apegar apenas às justificativas para as crises, mas, como a autora aponta, observar além do propósito de cada indivíduo em seu espaço de conforto, em algo a ser protegido. Apenas no conjunto conseguiremos preservá-lo, mas somente se nos engajarmos politicamente.

Arendt questiona como a sociedade formada pela criança e para a criança pode levar ao caos no mundo, enquanto os adultos apenas assistem a esses pequenos seres governarem a si próprios. Ao invés de estabelecer uma autoridade em relação à criança e ao adolescente, revelando um mundo real e limitando a autonomia da criança em estabelecer seu próprio caminho alienado do mundo, é necessário pensar no coletivo e nas relações de poder e desigualdade formadas por uma minoria detentora do poder estabelecido por suas próprias convicções de força em detrimento da minoria socialmente vulnerável. Não se pode isolar a ideia da necessidade de pensar em conjunto, pois o coletivo formado por crianças pode ser tirânico. As crianças e os adolescentes estão entregues a si mesmos ou à tirania do grupo (Arendt, 2011).

Em outro ponto, as considerações de Hannah Arendt sobre a crise na educação envolvem a influência das doutrinas pragmáticas e a construção de uma pedagogia do ensino geral. O docente é formado para ensinar qualquer coisa, ou seja, recebe formação no ensino em si, não no domínio de um conteúdo específico. Nesse sentido, é imprescindível buscar o conhecimento de forma organizada e não apenas focar no conteúdo.

Essa busca pelo conhecimento nos leva a refletir sobre o propósito do ensino: afinal, para que ensinamos? Retomando as imagens projetadas na parede da caverna, cabe questionar se a busca pelo conhecimento está centrada na busca pela verdade. Empoli (2020) faz uma reflexão sobre o mundo aprisionado pelas fake news, teorias da conspiração e algoritmos, afirmando que somos criaturas sociais e que nosso bem-estar social está relacionado à aprovação das pessoas à nossa volta. O poder de atração nas redes sociais, por exemplo, baseia-se nas relações sociais. Acreditamos nas fake news porque estranhamos e rejeitamos o mundo, e essa cegueira, como no livro Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago, aumenta a crise na educação e causa um colapso na vida das pessoas e na construção de um novo mundo.

Porém, ao lermos o trabalho de Thomas S. Kuhn (2018, p. 159), A estrutura das revoluções científicas, questionamos o seguinte: "suponhamos que as crises são uma precondição necessária para a emergência de novas teorias e perguntemos então como os cientistas respondem à sua existência". Segundo Kuhn, não se trata de renunciar aos paradigmas que conduziram às crises, mas sim de não os rejeitar sem reflexão, pois a crise não reflete na educação ou no mundo, mas no homem que faz a educação e transforma o mundo. Agora compreendemos a reflexão postulada por Paulo Freire.

Para isso, o professor precisa assumir a autoridade como educador, o que é diferente de possuir apenas competências. Ainda que tenha competência para ensinar, o educador não conseguirá exercer a autoridade necessária. Quando o professor tem competência, ele conhece o mundo e é capaz de transmitir esse conhecimento para seus alunos. No entanto, ao pensar em autoridade, remetemos ao sentido de ter responsabilidade pelo mundo. Nesse sentido, o docente passa a ter papel diferente, como se fosse representante dos habitantes adultos do mundo que aponta as coisas para seus alunos, dizendo: "Eis aqui o nosso mundo" (Arendt, 2011, p. 43).

Esse é o significado da autoridade, que não deve ser exercida pelo sistema opressor que utiliza meios falsos para impor a realidade de um grupo que deseja subjugar o outro. A autoridade não pode ser exercida na vida política e pública, mas é exigência responsável de cada um pelo curso do mundo. Assim, quando o adulto perde a autoridade sobre as crianças e jovens, rejeitando o seu papel no mundo, ele deixa de assumir a responsabilidade que lhe cabe e contribui para a falta de liderança na educação e na sociedade.

Na educação […] a atual perda de autoridade não pode existir. As crianças não podem recusar a autoridade dos educadores, como se estivessem oprimidas por uma maioria adulta […]; dizer que os adultos abandonaram a autoridade só pode, portanto, significar uma coisa: que os adultos se recusam a assumir a responsabilidade pelo mundo em que colocaram as crianças (Arendt, 2011, p. 44).

Observa-se que a criança não pode ser vista nesse cenário como uma minoria oprimida, da forma como a prática educacional tenta mostrar, pois essa visão acaba por tirar a responsabilidade do adulto pelo mundo das crianças e delega a elas a governança na construção de seu mundo. Esse mundo infantilizado pelo adulto é uma realidade produzida por sombras, que não dá às crianças o direito de conhecer o verdadeiro conhecimento e a crise no mundo.

A falta de autoridade do professor ou do adulto em relação à criança é uma forma de negar a realidade do mundo e de impedir que os filhos ou alunos assumam compromisso com ele. Nós, como adultos, podemos não ser culpados pelo processo histórico racial no Brasil, por um sistema racista condenatório e excludente, mas temos responsabilidades e não podemos permitir que crianças e jovens sejam indiferentes a essas situações.

Arendt (2011) nos situa nesse contexto de autoridade e busca pelo conhecimento, a fim de voltarmos a uma experiência original de nos conectar novamente ao mundo e restituir o sentido de direcionar nossas ações para a verdade, sem fake news e sem o controle opressor de um Estado que se assemelha a um governo tirânico. Na Segunda Guerra Mundial, a verdade e a ideologia do nazismo difundidas por Hitler e legitimadas por grande parte da população levaram a um dos maiores massacres da história, não apenas contra judeus, mas também contra negros e homossexuais.

Embora não sejamos culpados pelo processo histórico racial no Brasil ou por sistemas excludentes, como o racismo, temos responsabilidade de não deixar crianças e jovens indiferentes a essas situações. Os adultos, sejam pais ou professores, são responsáveis por mostrar o mundo já existente, mas que eles não conhecem. A escola não é o mundo, mas é a transição da criança para o mundo real. Caso contrário, perde-se o sentido da educação.

Referências

ARENDT, H. A crise na educação. In: ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2011.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2010.

EMPOLI, Giuliano Da. Os engenheiros do caos. Trad. Arnald Bloch. 1ª ed. 3ª reimpr. São Paulo: Vestígio, 2020.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. Trad. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2018.

Publicado em 14 de maio de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

COQUI, Alexandre Dijan. Um ensaio reflexivo sobre verdade, autoridade e busca pelo conhecimento na crise da educação na obra de Hannah Arendt. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 16, 14 de maio de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/16/um-ensaio-reflexivo-sobre-verdade-autoridade-e-busca-pelo-conhecimento-na-crise-da-educacao-na-obra-de-hannah-arendt

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