Mural flutuante como práxis pedagógica inclusiva na comemoração ao Dia das Mães
Raphael de Andrade Ribeiro
Mestre em Ensino (UFF), professor da Seeduc/RJ
Karina Hernandes Neves
Doutora em Ciências Sociais (UFJF), mestra em Gestão e Avaliação da Educação (UFJF), professora de Língua Portuguesa do EBTT/IFF
Este relato de experiência tem como objetivo geral apresentar as vivências das turmas de 1ª a 3ª séries do Curso Normal de Formação de Professores em Nível Médio da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (Seeduc/RJ) no Colégio Estadual Waldemiro Pitta, situado na zona rural – 2º Distrito do Município de Cambuci/RJ.
O Curso Normal tem como premissa a formação do discente em suas diversas extensões. Assim, o professor que irá desempenhar suas funções na Educação Infantil e no primeiro segmento do Ensino Fundamental precisa ter maior abrangência de conhecimentos no que tange ao processo de ensino-aprendizagem desses segmentos da Educação Básica (Seeduc/RJ, 2023). Nessa conjuntura, o Curso Normal de Formação de Professores em Nível Médio é entendido como “um curso no qual a dialogicidade no percurso formativo dos estudantes integra os conceitos, as teorias, os valores e as crenças por meio das experiências e vivências durante o estágio supervisionado e a própria formação” (Seeduc/RJ, 2023).
Em abril de 2023, fundamentados na disciplina Prática Pedagógica e Iniciação à Pesquisa (PPIP), no projeto político-pedagógico escolar e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), os alunos desenvolveram como práxis didático-pedagógica o “mural flutuante”, com culminância na semana em que se comemora o Dia das Mães. Essa prática de construção emocional tende a trazer à tona o que muitas vezes os alunos querem dizer aos seus cuidadores, mas que, por diversas situações, não verbalizam.
Cabe ressaltar que, na cultura local da comunidade escolar, na data em que se comemora o Dia das Mães, os alunos da Educação Infantil e do primeiro segmento do Ensino Fundamental têm o hábito de escrever cartas para suas mães. A proposta é que eles personifiquem seu afeto por suas cuidadoras. Muitas crianças escrevem “Eu te amo, mãe” e fazem um desenho dela com vários corações. Os alunos entregam suas cartas quando se comemora o Dia das Mães a cada ano.
O presente relato tem como parâmetro o reconhecimento e a significação das datas comemorativas e festas desenvolvidas pelas escolas, sendo elas festejadas no ambiente familiar ou comunitário (Brasil, 2017). Também promove a reflexão sobre a ideia da data comemorativa do Dia das Mães, considerando os discentes que não têm suas mães presentes. Diante desse contexto, os docentes da disciplina PPIP do Curso Normal de Formação de Professores em Nível Médio reformularam a data com a idealização de uma data comemorativa intitulada “Quem cuida de mim?”.
A ideia surgiu porque, ao pensar na data em que se comemora o Dia das Mães, a escola, como instituição inclusiva, deve atentar para a situação de todos os discentes. Foi nesse contexto que os professores, em conjunto com os futuros docentes, elaboraram a práxis didático-pedagógica mural flutuante, na qual todos os alunos poderiam comemorar a data com as pessoas que são importantes para suas vidas e que cuidam para que eles se tornem seres humanos mais críticos, amorosos e empáticos.
A atividade foi planejada em abril e sua culminância aconteceu na sexta-feira anterior ao Dia das Mães, com as três turmas do Curso Normal de Formação de Professores. Seu desenvolvimento foi planejado a partir das seguintes inquietações: todos os alunos têm suas mães presentes? Dos que têm mães, nessa data de comemoração, todos os alunos gostariam de agradecer somente a elas? Como a escola pode contribuir para que os alunos manifestem sua gratidão a outros cuidadores?
Camargo (1999, p. 10) acredita que “o estudo da emoção, em particular, tem se submetido a essa regra que remonta aos tempos em que se separavam as ‘faculdades da alma’, e estas, do corpo, da matéria, e não levavam em conta as interações sociais”. Partindo das inquietações apresentadas, foram trabalhadas questões que envolvem a emoção, a afetividade e o sentimento de gratidão com os alunos, no intuito de valorizar os sentimentos que têm por todos que cuidam deles.
Inicialmente foi perguntado a cada discente como eles homenageavam as pessoas que cuidavam deles. Como eles não souberam responder com clareza, este autor se dirigiu ao quadro e escreveu os seguintes termos: emoção, afetividade e sentimento de gratidão. Feito isso, foi explicado aos alunos como esses sentimentos se manifestam no ser humano. A explanação foi realizada mediante roda de conversa, com duração de duas aulas de 50 minutos cada.
A função da emoção no aprendizado e na relação dentro e fora do ambiente escolar exige o pensamento de educar tais emoções para que elas possam se manifestar no dia a dia dos alunos durante o relacionamento com seu pai, sua mãe, seus tios, seus avós. Trabalhar as emoções é dar possibilidades para que elas possam se manifestar e, com isso, gerar potencial para tomar decisões internalizadas.
Após trabalhar as emoções em cada turma, o processo de elaboração do mural flutuante foi delineado a partir das inquietações expostas pelos próprios discentes: como os nossos colegas de turma que não tem mães se sentiriam ao ver os demais alunos homenageando as suas? Como poderíamos fazer uma ação inclusiva em que todos nós pudéssemos homenagear quem cuida da gente? Mediante as inquietações dos alunos, cada discente criou seu próprio mural flutuante, sob a orientação dos três professores de PPIP.
Nesse contexto, Antunes (2008) assevera que o docente muitas vezes é quem pode ajudar o aluno, fazendo com que ele desenvolva e descubra qualidades e talentos, chegando a se surpreender com as situações que lhe forem reveladas, com a responsabilidade que lhe foi dada, com disciplina e empenho atribuído, e a felicidade como resultado. Por conseguinte, ressalta-se que, mediante a elaboração de cada item que se tornou o mural flutuante, observamos melhorias na autoestima de todos os alunos. De acordo com Santos (2014, p. 13), “a realização manual de objetos tem um papel fundamental na autoestima e no bem-estar dos indivíduos e traz resultados positivos para o aumento da capacidade de concentração”.
Os elementos fundamentais para a construção do mural flutuante foram: a foto escolhida por cada discente, a cartolina, uma folha A4 com linhas, além de fios de náilon e cola quente. Inicialmente, a cartolina foi cortada no tamanho maior que a folha A4. De um lado, foi colada a foto de quem os alunos consideram ser seus cuidadores e, no verso, foram transcritas muitas emoções que por momentos não foram verbalizadas para cada pessoa que estava na foto. Feito isso, utilizou-se cola quente para fixar o fio de náilon no teto e em cada produção socioemocional confeccionada de forma artesanal. Paulatinamente, cada mural flutuante foi se consolidando, como pode ser visto na Figura 1.
Figura 1: Mural flutuante
Após a concretização dos murais flutuantes, inserimos um painel com a seguinte inquietação: Quem cuida de mim? (Figura 2).
Figura 2: Painel “Quem cuida de mim?”
Finalizado o projeto, no dia em que o colégio realizou a comemoração do Dia das Mães, todos os que cuidam de nossos alunos estavam presentes. Em determinado momento, cada aluno retirou seu mural e entregou àquele a quem atribuiu os valores emocionais.
Vale destacar que o espaço do mural flutuante foi apresentado para cuidadores, pais (e não só à mãe) e para toda a comunidade escolar. No que diz respeito aos alunos, ficou perceptível para os docentes de Pedagogia como todo o contexto da práxis pedagógica descrita neste relato influenciou suas atitudes. Posteriormente, eles começaram a elaborar as novas práticas pedagógicas com mais vigor e alegria, ajudando o colega caso algum demorasse a terminar a atividade.
Conclusão
No projeto descrito neste relato, as atividades desenvolvidas no mês anterior à data em que se comemora o Dia das Mães foram repensadas de forma inclusiva. Em suma, o mural flutuante foi uma práxis didático-pedagógica exitosa e significativa para os discentes, que passaram a manifestar gratidão, felicidade, amor e reconhecimento para com as pessoas que cuidavam deles, diferentemente de antes, quando os alunos tinham dificuldade em falar sobre emoções.
Outrossim, deve ser considerado todo o processo de construção do mural flutuante. Ele foi composto de emoções, valores, reconhecimento, mérito etc. atribuídos às pessoas que são importantes na vida e para a vida dos estudantes.
Após a culminância, foi possível analisar, mediante os registros feitos durante todo o processo de elaboração do mural flutuante, o crescimento das habilidades cognitivas, pessoais e emocionais dos alunos com os momentos vivenciados. É possível reconhecer que, após terem compreendido a emoção da forma correta, os alunos se tornaram mais críticos mediante problemáticas que envolvem a inclusão e as emoções. Isso foi percebido pelos professores da disciplina de PPIP desde o início do projeto até sua culminância.
Após o projeto foi feita outra roda de conversa, na qual cada aluno teve seu momento de fala, expondo o que sentiu e como foi importante essa experiência para a vida pessoal e escolar dele. O fato de cada um se abrir perante os demais já demonstrou isso.
Referências
ANTUNES, C. Como ensinar com afetividade. 2ª ed. São Paulo: Ática, 2008.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Curricular Comum (BNCC). Brasília: MEC, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 9 jun. 2023.
CAMARGO, D. D. Emoção, primeira forma de comunicação. InterAção, Curitiba, v. 3, p. 9-20, jan./dez. 1999.
SANTOS, M. C. C. A importância da atividade artesanal no desenvolvimento de alunos com perturbações intelectuais. 2014. 313f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Educação) – Escola Superior de Educação João de Deus, Lisboa, 2014.
SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO (SEEDUC/RJ). Novo Ensino Médio. Curso Normal – Formação de Professores. Rio de Janeiro: Seeduc/RJ, 2023. Disponível em: https://novoensinomedio.educacao.rj.gov.br/curso-normal-formacao-de-professores.php. Acesso em: 9 jun. 2023.
Publicado em 21 de maio de 2024
Como citar este artigo (ABNT)
RIBEIRO, Raphael de Andrade; NEVES, Karina Hernandes. Mural flutuante como práxis pedagógica inclusiva na comemoração ao Dia das Mães. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 17, 21 de maio de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/17/mural-flutuante-como-praxis-pedagogica-inclusiva-na-comemoracao-ao-dia-das-maes
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