O processo de inclusão de jovens infratores no ambiente escolar contemporâneo

William Sterchele Barcellos

Professor de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, especialista em Competências Metodológicas para a Educação Básica (Faculdade Sinergia)

A indisciplina, segundo uma visão metodológica, apresenta vários aspectos e é atribuída a agentes distintos. Vale destacar que a família tem forte influência sobre a conduta, a educação e o processo disciplinar do indivíduo; no entanto, quando são notórios o afastamento familiar e a transmissão de responsabilidade da educação informal para o âmbito escolar, cria-se o mito de que a escola pode ser um agente educador universal.

A escola é o espaço destinado à aprendizagem e compreende-se que está limitada a um currículo, cujo foco principal ainda deve ser a formação acadêmica do educando, procurando uma aliança com o âmbito didático pedagógico nos espaços informais e conscientizando a família de seu papel fundamental na formação de seus filhos para a cidadania.

A maior parte das influências que os pais exercem sobre os filhos é inconsciente, muitos pais não têm consciência de que seus comportamentos, sua maneira de ser, de falar, de andar e cumprimentar as pessoas, sua maneira de olhar para os outros e até mesmo sua maneira de carregar o filho no colo exerce influência sobre o desenvolvimento do filho. É preciso considerar que o treino que os pais submetem as crianças, de maneira consciente e deliberada, nem sempre produz o resultado esperado (Piletti, 1986, p. 274).

Olhando para os vários aspectos apontados por Piletti, vemos a divisão de responsabilidades entre casa e escola e, para compreendermos essa divisão, buscaremos pelos métodos e pelos processos para incentivar as famílias à conscientização. Importante observar a necessidade de formação continuada à equipe docente e pedagógica, a fim de primar pelo equilíbrio funcional das instituições, esclarecendo questões relacionadas às infrações disciplinares escolares. Deve-se buscar ainda ações transformadoras que contribuam para a educação não formal, principalmente no seio familiar, visando à recuperação de valores capazes de reestruturar a sociedade, para que se torne um lugar com menos violência.

A definição de ato infracional está prevista expressamente desde o Art. 103 ao 130 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). É comum no nosso dia a dia ouvir pessoas (que não entendem do mundo jurídico) falarem alto e em bom som algo como: “No Brasil, os menores podem fazer o que quiserem, cometer todo tipo de crime, porque não temos punição”. Mas será que essa premissa é verdadeira?

O Art. 103 do ECA afirma: “Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”. O Art. 105 reitera: “Ao ato infracional praticado por criança corresponderão as medidas previstas no Art. 101, o qual vem definir as seguintes punições explícitas em seus incisos”:

I - Encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de Ensino Fundamental; IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente (redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016); V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII - acolhimento institucional  (redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) em vigência (Brasil, 1990, p. 20).

Qual é a diferença entre um menor infrator e uma conduta indisciplinar? Um ato infracional é um crime cometido por um menor de dezoito anos de idade, conforme previsto no ECA. Uma conduta indisciplinar, de acordo com De La Taille (apud Alves, 2006, p. 17), “não se deve essencialmente a falhas psicopedagógicas, pois está em jogo o lugar que a escola ocupa hoje na sociedade”, ou seja, a indisciplina não necessariamente está intrínseca ao jovem, mas as ações pedagógicas corroboram o desdobramento de ações vistas como indisciplinares.

Desse modo, a indagação que propõe a impunidade ao jovem infrator pode ser entendida como uma falácia proposta pela crença no senso comum, sem valor postulado pela confiabilidade de estudos acadêmicos ou por métodos de pesquisa científica. Para Freire (1996, p. 32), "não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro". Ao ensinar, o professor também aprende, e ao aprender, o aluno também ensina. Essa perspectiva desafia a visão tradicional de uma relação hierárquica entre professor e aluno, valorizando a troca de conhecimentos e experiências. Entende-se que não cabe ao professor julgar o jovem infrator, mas assegurar-lhe o direito à educação, oferecendo-lhe oportunidades de aprendizado e buscando compreender os seus desafios e contextos.

A importância da inclusão dos menores infratores na escola pode parecer pavorosa pelo fato de incluir um jovem “delinquente” no seio do âmbito escolar, pois em pleno século XXI ainda impera o preconceito em relação aos educandos que cometeram atos infracionais. Conforme Pantaleão e Marcochi (2004, p. 8) afirmam em artigo, o homem pode ser influenciado pelo crime de acordo com o ambiente no qual está inserido. “Cumpre-nos analisar, assim, o homem e o crime por ele perpetrado e determinar se o meio social em que ele vive é capaz de torná-lo criminoso”. Partindo dessa premissa, conclui-se que o ambiente externo pode influenciar o sujeito a cometer um crime. Não é a intenção, aqui, que tal fato justifique a ação infracional do adolescente, mas ao afastá-lo do direito à educação não estamos potencializando a sua probabilidade de cometer novos ilícitos? Desse modo, estamos negando ao sujeito um direito previsto em lei, pois todos merecem uma segunda chance. A escola é um espaço de construção do conhecimento, portanto, fundamental como um espaço capaz de fornecer não apenas informações acadêmicas, mas também ferramentas e oportunidades para o desenvolvimento pessoal e social dos jovens, desempenhando papel crucial na formação de indivíduos conscientes e responsáveis, capazes de tomar decisões informadas e construir um futuro melhor para si mesmos e para a sociedade.

Em suma, ao reconhecer a importância da educação e do ambiente externo na formação dos indivíduos, não apenas evita a probabilidade do ilícito, como cumpre com o princípio de que todos merecem uma nova oportunidade de recomeço. Ao investir na educação e proporcionar um ambiente favorável, estamos construindo as bases para uma sociedade mais justa, inclusiva e segura.

Seria incorreto dizer que menores infratores ficam impunes perante a esfera judiciária. O que de fato ocorre é que por não terem a total compreensão da natureza legal ou ilegal de seus atos, cumprem as regras do ECA sob leis constitucionais, a fim de obterem o melhor desenvolvimento possível. Para os atos infracionais praticados por criança (pessoa até doze anos de idade) são aplicadas as medidas de proteção, cujo órgão responsável é o conselho tutelar. Por outro lado, o ato infracional cometido por adolescentes (entre doze e dezoito anos) é atendido pela Delegacia da Criança e do Adolescente, devendo o caso ser encaminhado ao Ministério Público. Logo após, o juiz pode aplicar medidas socioeducativas e/ou medidas de proteção. Essas medidas visam à integridade da criança e do adolescente tanto quanto o seu processo de ressocialização.

A inclusão do jovem infrator e suas complicações pedagógicas

No contexto atual de nossa sociedade, vivenciamos diversos fenômenos contemporâneos. Dentre esses, considero dois de extrema relevância: a indisciplina e a violência. Ambos podem ocasionar atos infracionais, interferindo diretamente no processo de ensino-aprendizagem, além de colocarem docentes em situações de risco iminente.

A observância da conduta do alunado também pode ser mais bem compreendida após estudo prévio do projeto político-pedagógico (PPP) das escolas; o regimento interno dessas instituições, bem como a realidade social e cultural da comunidade escolar, pode apontar para uma situação problemática norteadora, contribuindo para a busca de soluções a médio e longo prazos. Os pressupostos teóricos aplicados às práticas docentes e pedagógicas devem conciliar diálogo e negociação no âmbito pedagógico entre o educador e o educando, tendo como meta principal a disciplina que representa a verdadeira razão do ensinar e do aprender, respeitando os valores culturais e reconhecendo as pluralidades existentes na estrutura familiar e social de cada sujeito, possibilitando, ainda, que uma educação para todos, independentemente da condição dissociativa, visando à inclusão plena de alunos em condições adversas, a fim de restabelecer a sua ressocialização.

Gosto de ser homem, de ser gente, porque sei que a minha passagem pelo mundo não é predeterminada, preestabelecida. Que o meu “destino” não é um dado, mas algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade não posso me eximir. Gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de determinismo. Daí que insista tanto na problematização do futuro e recuse sua inexorabilidade (Freire, 2002, p. 58).

A padronização dos alunos e do ensino bancário passou pela valorização da heterogeneidade humana, da diversidade e do período de ruptura paradigmática para promover um ambiente educacional inclusivo, adaptado às diferentes necessidades e características dos estudantes.

Ao analisar a obra de Bauman, por exemplo, percebemos uma narrativa análoga aos padrões sociais da atualidade, quando se contempla a questão disciplinar sob as relações de poder e as disfunções das classes sociais.

Uma diferença crucial entre líderes e conselheiros é que os primeiros devem ser seguidos e os segundos precisam ser contratados [...]; os líderes demandam e esperam disciplina; os conselheiros podem, na melhor das hipóteses, contar com a boa vontade do outro de ouvir e prestar atenção (Bauman, 2001, p. 58).

Esse critério seguramente pode ser atribuído ao ambiente escolar, em uma hipotética equivalência entre professores e alunos, em que a autoridade do docente se impõe ao corpo discente numa hierarquização, configurada pela educação bancária, levando em conta a condição do estudante infrator e a falta de cuidado do educador com esse aluno, gerando uma espécie de gatilho propulsor da violência, ainda que inconsciente da parte do educador.

No tocante à indisciplina, Aquino reconhece que esse é um antigo problema. Em termos teóricos, ele afirma que existem poucos estudos sobre a temática.

A indisciplina seria, talvez, o inimigo número um do educador atual, cujo manejo as correntes teóricas não conseguiriam propor de imediato, uma vez que se trata de algo que ultrapassa o âmbito estritamente didático-pedagógico, imprevisto ou até insuspeito no ideário das diferentes teorias pedagógicas (Aquino, 1996, p. 40).

O autor aponta que as dificuldades de ensino-aprendizagem ocasionadas pela indisciplina deveriam ser pautadas em estudos inseridos nas teorias pedagógicas contemporâneas, para uma melhor compreensão.

Em suas pesquisas, Estrela (1992, p. 9-12) constata que as infrações disciplinares se espalham nas escolas, preocupando os governos europeus. Isso os leva a realizar medidas para coibir os seus efeitos na prática educativa. A infração é “um dos problemas mais difíceis e aliciantes com que se defrontam atualmente as escolas dos países ocidentais”. Possivelmente, a indisciplina é uma realidade vivida em todo o mundo, inclusive nos países orientais. No entanto, dependendo dos valores culturais estabelecidos nesses países, suas manifestações podem adquirir nuances diferentes.

Para Freire (2000, p. 67), “se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. Nessa perspectiva, a educação não pode se limitar aos problemas da sala de aula. Em sua necessária dimensão ética e política, precisa contribuir para a solução do problema que se estende para além da escola ou da figura do docente. Ao observar esse contexto, podemos constatar que todos devem agir como agentes de transformação para efetivar o resgate dos excluídos, visando uma sociedade mais justa e inclusiva.

Conclusão

A partir das análises realizadas nos estudos de Alves (2006), Aquino (1996), Bauman (2001) e Freire (2000), concluímos que a inclusão de jovens infratores no ambiente escolar é um processo complexo e desafiador.

A necessidade de construção de um diálogo entre os indivíduos, com a valorização da educação e das relações interpessoais, é fundamental para a efetivação dessa inclusão. Nesse sentido, é necessário que sejam desenvolvidos mecanismos de promoção da inclusão social e educacional, para que jovens infratores possam ter acesso às ferramentas essenciais para desenvolverem seus potenciais, contribuindo para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa.

O processo de inclusão no ambiente escolar de jovens infratores na contemporaneidade é um desafio para as escolas e para a sociedade, pois exige que as partes envolvidas sejam capazes de dar as devidas condições para que infratores possam ter acesso ao sistema educacional e tenham sucesso nesse processo. Para isso, contudo, é necessário que haja uma abordagem humanizada e estimulante do protagonismo juvenil, permitindo que os jovens infratores tenham sua autoestima recuperada.

É fundamental que medidas sejam tomadas para garantir a inclusão de jovens infratores na escola. Iniciativas como a criação de projetos educacionais, acompanhamento pedagógico e assistência psicológica são importantes meios ao sucesso do processo. Além disso, é indispensável que existam ações que contribuam para o desenvolvimento de suas habilidades sociais.

Isso posto, a inclusão desses jovens é um processo complexo, mas que deve ser encarado como uma oportunidade de transformação social. É necessário, portanto, que haja uma articulação entre os diversos agentes que atuam na educação e que as políticas públicas sejam cada vez mais efetivas nessa direção. Desse modo, esse movimento inclusivo promove um passo significativo na construção de uma sociedade mais igualitária aos indivíduos.

Referências

ALVES, Cândida Maria Santos Daltro. (In)Disciplina na escola: cenas da complexidade de um cotidiano escolar. Ilhéus:  Editus, 2006.

AQUINO, J. G. (org.). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1996.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da criança e do adolescente. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 2002.

ESTRELA, M. T. Relação pedagógica, disciplina e indisciplina na aula. 3ª ed. Porto: Porto, 1992.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. Apres. Ana Maria Araújo Freire. Carta-prefácio de Balduino A. Andreola. São Paulo: Editora Unesp, 2000.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 32ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

LIMA, Amanda Correia. Inclusão do menor infrator em condições de liberdade assistida no trabalho sociocultural pedagógico, escolar e letramento. 2011. 45f. Monografia (Especialização) - Curso de Pedagogia, Universidade de Brasília, Brasília, 2011.

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PANTALEÃO, Juliana F.; MARCOCHI, Marcelo C. Violência e condição social: o homem é fruto do meio? Boletim Jurídico, Uberaba, ano 1, nº 78, 2004.

PILETTI, Nelson. Psicologia Educacional. 4ª ed. São Paulo: Ática,1986.

Publicado em 21 de maio de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

BARCELLOS, William Sterchele. O processo de inclusão de jovens infratores no ambiente escolar contemporâneo. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 17, 21 de maio de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/17/o-processo-de-inclusao-de-jovens-infratores-no-ambiente-escolar-contemporaneo

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