Arte em transformação: uma viagem do Renascimento à atualidade
Laís Chrystina da Silva Firmino
Especialista em Docência para Educação Profissional e Tecnológica, pós-graduada em Prescrição Farmacêutica, graduada em Farmácia
Maria Natália dos Santos Braz
Técnica em Análises Clínicas na Educação Profissional e Tecnológica, graduanda em Odontologia
Luana Gabriele dos Santos Silva Henriques
Especialista em Docência para Educação Profissional e Tecnológica, licenciada em Biologia
Patrícia Santos Cordeiro Dantas
Mestre em Educação, licenciada em Artes
Érika Suely de Sousa Silva
Licenciada em Física, graduanda em Pedagogia
Pensar interdisciplinarmente é permitir o diálogo de qualquer disciplina com as demais do currículo escolar, promovendo um trabalho contextualizado, buscando a criação de um novo conhecimento que proponha uma visão da totalidade, a fim de que os estudantes percebam que a escola traz conhecimentos que podem ser unificados, tornando o aprendizado mais efetivo quando aplicado à vida cotidiana (Caldas et al., 2017).
Dentro desse contexto, a Arte surge como forma de transformar as relações existentes entre as disciplinas presentes no currículo. De acordo com Felipe Caldas et al (2017), a função da Arte está relacionada à expressão, à possibilidade de dar forma e colorido à imaginação, ao modo de ver o mundo e desenvolver o saber estético e artístico do aluno. Partindo desse entendimento, a pergunta norteadora para o desenvolvimento desse projeto é a seguinte: como a Arte pode ser trabalhada de modo interdisciplinar para que os estudantes se apropriem dos conhecimentos ligados à área e desenvolvam suas competências e suas habilidades?
Há exemplos de como a Arte pode ser explorada. A Arte pode ser usada na representação fiel da natureza. Para isso, o artista deve estudar as Ciências Naturais, as figuras e formas matemáticas, bem como as suas dimensões. Essa amplitude do conhecimento se evidencia também em toda a História Geral da humanidade, quando um período da história é abordado, fato que ocorre no presente projeto com o estudo do Renascimento e suas contribuições para a atualidade.
Considerando o exposto, o projeto apresenta a oportunidade de disciplinas eletivas fortalecerem a interdisciplinaridade que transita entre a Arte as demais disciplinas, a partir do conhecimento da História de Leonardo da Vinci, quando o artista e o cientista se fundem, proporcionando aos estudantes uma viagem no tempo, do Renascimento à atualidade.
O objetivo geral do projeto é apresentar a cultura maker na disciplina eletiva para fortalecer a interdisciplinaridade que transita entre a Arte as demais disciplinas, a partir do conhecimento da história de Leonardo da Vinci, do momento do Renascimento até as suas contribuições para a atualidade.
Os objetivos específicos são ampliar a diversidade dos cenários de ensino-aprendizagem; promover a interdisciplinaridade nas demais áreas do conhecimento; explorar a e o aspecto do “fazer você mesmo”; produzir obras artísticas baseadas nas obras de Leonardo da Vinci; compreender as contribuições da Arte de Leonardo da Vinci; oferecer uma visão do Renascimento à contemporaneidade.
Desenvolvimento
Os impactos do processo tecnológico no cotidiano nos levam a refletir sobre a importância da alfabetização científica quando se debate sobre como esses aspectos sobre o meio ambiente e como, a partir do uso responsável das novas tecnologias, podemos tornar o mundo um lugar mais democrático e sustentável.
Dentro dessa realidade, se faz necessário planejar o uso de estratégias ou recursos que ampliem o modelo de ensino-aprendizagem com base na Ciência, a fim de despertar a curiosidade e desenvolver um olhar diferenciado sobre ela, entendendo a necessidade de as pessoas resolverem as suas dificuldades mais básicas. A cultura maker foi pensada para atender a esse novo paradigma, uma eletiva baseada na construção de soluções.
Os espaços maker estão mudando a forma como podemos aprender, permitindo imaginar um futuro melhor e perceber que somos livres para fazê-lo. De acordo com Dougherty (2016), o movimento maker sinaliza para uma transformação cultural, social e tecnológica, convidando todos a participar como produtores e não apenas consumidores.
Outra importante iniciativa para a evolução e a difusão da educação cientifica e do processo de interdisciplinaridade está presente no estudo das obras de Leonardo da Vinci (Vinci, 1452-Amboise, 1519), que trazem contribuições significativas, dialogando com todas as demais áreas do conhecimento, inclusive se interrelacionando, de modo direto, com o curso técnico ofertado pela ECIT Professor Lordão.
À luz dessas constatações, as disciplinas eletivas fortalecem a interdisciplinaridade que transita entre a Arte e as demais disciplinas. Ademais, a partir do conhecimento da história de Leonardo da Vinci e de suas contribuições para a contemporaneidade, gera-se uma educação mais coletiva, sem individualismos, mas que soma saberes, promovendo o protagonismo juvenil.
O início da disciplina eletiva cursada se deu no momento do Feirão das Eletivas realizado em nossa escola. Por se tratar de uma proposta “mão na massa”, a eletiva teve ampla aceitação, sendo uma das mais procuradas. Um total de vinte e quatro estudantes puderam se inscrever.
Na primeira aula, ocorreu a apresentação da ementa; posteriormente, os alunos puderam expor as suas reflexões acerca do vídeo Um ensaio sobre perguntas e respostas: arte e ciência” (Faria, 2019). Nesse vídeo, o autor reflete sobre o olhar em relação à Ciência e à Arte, nos levando a pensar sobre as seguintes questões: “será que a Ciência e a Arte são coisas separadas?”, “o artista faz Ciência ou é o cientista que faz Arte?”. Essas são questões importantes para que possamos ver os fenômenos artísticos e científicos sob óticas diferentes.
No decorrer das aulas, os estudantes também foram apresentados a conteúdos como alfabetização científica e cultura maker. Para melhor avaliá-los, realizamos atividades lúdicas que abordassem o tema de forma dinâmica, conforme o modelo de atividade a seguir:
Figura 1: Atividade sobre cultura maker: mudança de paradigma
Em continuidade, a ementa elaborada pela professora foi iniciada com o estudo da vida e da obra de Leonardo da Vinci, com base no vídeo A obra e a genialidade de Leonardo da Vinci (History, 2020). Esse pequeno vídeo mostra as facetas de Da Vinci, que procurou levar até o último momento a expressão do humanismo renascentista. Os estudantes também fizeram uso do Google Arts & Culture para visitar o Museo Leonardiano di Vinci, sediado em Vinci, na Itália, cidade natal de Leonardo.
Os estudantes apreciaram de forma significativa viajar virtualmente pelos corredores de um museu.
Figura 2: Museo Leonardiano di Vinci
Fonte: Google Arts e Culture, s/d.
Seu caráter exploratório e sua curiosidade nos ensinam que, para alcançarmos o conhecimento, é crucial que a capacidade indagatória e entusiasta seja estimulada e fomentada. Dessa forma, a condução da eletiva destinou-se a despertar no estudante, a partir da cultura maker, o fazer científico, a criatividade, a sustentabilidade, a colaboração e a escalabilidade, tornando-o verdadeiro protagonista do seu aprendizado.
O caráter transdisciplinar de Leonardo da Vinci resulta da sua atuação como pintor, matemático, projetista, engenheiro e arquiteto, o que deixa em evidência seu caráter ousado, de transpor diferentes áreas do saber. Dessa forma, percebemos que em um processo de ensino-aprendizagem, inovador e dinâmico, passa-se pela relação profunda entre as disciplinas. Seus conhecimentos acerca da anatomia e suas contribuições para as Ciências da Saúde são de extrema relevância até os dias atuais, coadunando com a interdisciplinaridade nas disciplinas técnicas.
A cultura maker também colabora para a prática da interdisciplinaridade, desconstrói os padrões de atividades estanques e permite que os alunos desenvolvam seu conhecimento teórico por meio da prática. Essa prática permite que os estudantes aprendam a partir da construção de seus projetos, tornando a aprendizagem um processo prazeroso. Assim, a eletiva assumiu um caráter criativo e construtivo, pois incentiva à produção com as próprias mãos.
Como entraves ao projeto, a escola não possui um laboratório maker, nem equipamentos sofisticados, como impressora 3D e cortadora laser. Dessa forma, os estudantes fazem uso de recursos simples, materiais reciclados e doados por professores. Não possuir um espaço adequado é fator negativo para a execução do projeto, porém os estudantes trabalham juntos e produzem diversos materiais, produtos e réplicas de peças de obras de Da Vinci previamente estudadas.
Uma das obras produzidas pelos estudantes é a Escultura de Leonardo da Vinci (Figura 3), produzida unicamente com barro, fios de arame e palitos de picolé.
Figura 3: Escultura de Leonardo da Vinci produzida pelos estudantes durante a disciplina eletiva
As réplicas produzidas foram: o Paraquedas (Figura 4), a Máquina Voadora (Figura 5), a Ponte (Figura 6) e a Catapulta (Figura 7).
Figura 4: Protótipo do Paraquedas de Leonardo da Vinci produzido pelos estudantes durante a disciplina eletiva
Figura 5: Protótipo da Máquina Voadora de Leonardo da Vinci produzida pelos estudantes durante a disciplina eletiva
Figura 6: Protótipo da Ponte de Leonardo da Vinci produzida pelos estudantes durante a disciplina eletiva
Figura 7: Protótipo da Catapulta de Leonardo da Vinci produzida pelos estudantes durante a disciplina eletiva
Com essas obras, podemos notar que Leonardo da Vinci é um perfeito exemplo de interdisciplinaridade, visto que, para realizar protótipos de suas obras, não há fronteiras entre disciplinas. Seu potencial artístico e sua engenhosidade para a Ciência e a Mecânica se reflete sobre um período riquíssimo e mostrar que é possível pensar sob a perspectiva da diversidade de conhecimentos correlacionados, como ocorreu no momento do Renascimento.
Além dos protótipos de suas réplicas, os estudantes também reproduziram quadros artísticos celebres, utilizando materiais variados, com possibilidades de manipulação, explorando cores, texturas, superfícies, planos, formas e volumes tridimensionais.
Essas atividades enfatizam a Química das cores, a Física da resistencia dos materiais, a Psicologia do universo, a Matemática dos gráficos e das figuras, a Filosofia do objeto artístico, o juízo de valor na esfera crítica, a Economia do sistema da Arte e tantos outros elementos interdisciplinares.
Outras réplicas foram expostas no momento da culminância das eletivas (Figura 8), quando os estudantes compartilham o resultado concreto do trabalho realizado com o restante da comunidade escolar. Durante esse momento, os materiais confeccionados foram apresentados dentro do contexto histórico e interdisciplinar. Algumas das obras foram doadas ao público presente e outras foram leiloadas pelos próprios estudantes (Figura 9).
Figura 8: Culminância da disciplina eletiva Arte em Transformação
Figura 9: Leilão de peças confeccionadas na disciplina eletiva Arte em Transformação
Diante do projeto Arte em Transformação: uma Viagem do Renascimento à Atualidade, houve a oportunidade de as disciplinas eletivas serem observadas como propostas de fortalecimento da interdisciplinaridade que transita entre a Arte as demais disciplinas.
A partir do conhecimento da história de Leonardo da Vinci, a cultura maker cria espaços que inspiram o compartilhamento de sonhos e o relato de experiências.
Considerações finais
O presente artigo reforça a necessidade de construir novas formas de ensinar e aprender, bem como revisitar o que e para que elas devem ser construídas. Precisamos ensinar a aprender e tornar essa aprendizagem cada vez mais prazerosa. Essas questões dialogam com a questão abordada: Como a Arte pode ser trabalhada de modo interdisciplinar para que os estudantes se apropriem dos conhecimentos ligados à área e desenvolvam suas competências e habilidades?
Ao considerar o “como”, os recursos educativos e didáticos atendem à questão elencada com o uso da educação maker, uma nova estratégia de ensino que colabora de forma significativa com o ensino-aprendizagem, promovendo a autonomia e o protagonismo no desenvolvimento de competências e habilidades. À medida que o aluno percorre o seu espaço cultural e cria, é possível observar o hibridismo existente entre as áreas do conhecimento que têm potencial para construção dos conhecimentos em Arte.
A proposta demonstrou que trabalhar a cultura maker de forma interdisicplinar torna o estudante mais empoderado, construtor do conhecimento, investigador, criativo e capaz de propor estratégias para a resolução de problemas; Essas caracteristicas contribuem para a formação das novas gerações, com mudanças significativas em relação aos processos de base e ao trabalho em equipe, assim como àqueles relacionados à competição, pois há maior colaboração, tornando a interdisciplinaridade um elo entre a Arte e as demais disciplinas.
Referências
CALDAS, Felipe Rodrigo; HOLZER, Denise Cristina; POPI, Janice Aparecida. A interdisciplinaridade em arte: algumas considerações. Revista Nupeart, Florianópolis, v. 17, p. 160-171, 2017.
DOUGHERTY, Dale. Free to Make: how the maker movement is changing our schools, our jobs and our minds. [e-book]. Berkley: North Atlantic Books, 2016.
FARIA, Gabriel. Um ensaio sobre perguntas e respostas: arte e ciência. YouTube, Quebrando a Caixa. 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HlJpJF2JjfI&t=5s. Acesso em: 12 set. 2022.
HISTORY BRASIL. A obra e a genialidade de Leonardo da Vinci. 2020. YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=YyMWc5EdeKI. Acesso em: 18 ago. 2022.
Publicado em 28 de maio de 2024
Como citar este artigo (ABNT)
FIRMINO, Laís Chrystina da Silva; BRAZ, Maria Natália dos Santos; HENRIQUES, Luana Gabriele dos Santos Silva; DANTAS, Patrícia Santos Cordeiro; SILVA, Érika Suely de Sousa. Arte em transformação: uma viagem do Renascimento à atualidade. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 18, 28 de maio de 2024 Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/18/arte-em-transformacao-uma-viagem-do-renascimento-a-atualidade
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