Desenhos: transposições interdisciplinares para o ensino de Ciências
José Nunes dos Santos
Doutor em Ensino de Ciências e Matemática (Unicamp) e pós-doutor em Formação de Professores (UFSCar), professor QPM de Biologia e Ciências da rede estadual paranaense
Daniel Macedo Lanes
Graduando em Artes Visuais (UEM)
O presente trabalho descreve o percurso de uma estratégia didática desenvolvida por um professor de Ciências e um acadêmico de Arte Visuais com base em um conjunto de atividades de caráter interdisciplinar, no processo de ensino-aprendizagem de Ciências sobre depredação do patrimônio escolar, com o auxílio da arte contemporânea. As atividades foram desenvolvidas em uma escola estadual do Núcleo Regional de Educação de Maringá (NRE/M), noroeste do Paraná.
O diálogo das Artes Visuais com a Ciência possibilita elaborar propostas didáticas que permitem ponderar as especificidades das diferentes linguagens artísticas, instigam a conversa e a interseção entre as disciplinas, além de proporcionar diálogos interculturais nos quais saberes não acadêmicos e acadêmicos dialogam em similaridade. A proposição da atividade aqui descrita é o diálogo da Ciência com a Arte, pois “ciência e arte são como margens de um mesmo rio” (Couto, 2011, p. 60).
Essa propendida interdisciplinar e intercultural possibilita o refinamento das práticas de ensino e aprendizagem das ciências, por isso atende à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBEN), Lei n° 9.394/96 (Brasil, 2015); incorpora conteúdos e metodologias referenciados na BNCC (Brasil, 2017), a qual menciona a proposta interdisciplinar, uma vez que o documento visa orientar maneiras da disposição “interdisciplinar dos componentes curriculares e fortalecer a competência pedagógica das equipes escolares para adotar estratégias mais dinâmicas [...] em relação à gestão do ensino e da aprendizagem” (Brasil, 2017, p. 12). Com base nesse contexto e ponderando a possibilidade de trabalhar de forma interdisciplinar, é imperativo procurar mudanças como escolhas que propiciem e contribuam com uma nova forma de ensinar o conhecimento, isto é, o trabalho pedagógico de maneira interdisciplinar combina maior socialização durante a realização das ações práticas escolares pelo diálogo entre as diferentes áreas de conhecimento. Dessa forma, partilhamos com Santos (2018, p. 39) a ideia de que o trabalho pedagógico pelo “diálogo interdisciplinar deve ser ponderado como uma necessidade e não um modismo educacional”, pois, para o autor, “não é correto considerar o pensamento interdisciplinar como uma salvação para os problemas do ensino”.
Pensando nisso, o ressignificar dos conteúdos temáticos, intercedido pelo diálogo entre a Arte e a Educação Científica para abordar questões socioambientais como depredação do patrimônio escolar pode se configurar não apenas como uma possibilidade de formação humana e cultural, mas também como caminho para a constituição de aprendizagens mensuráveis, isto é, espaço em que professores e estudantes arquitetam juntos, na sala de aula, o ensino e a aprendizagem com base no engajamento coletivo em prol do direito coletivo – conservação do ambiente escolar.
Como campos do saber que estimulam para o novo e para a eficácia criativa, pensamos a interação entre a Arte e a Ciência como caminho para a abertura dialógica e pedagógica do processo formativo discente/docente e para uma educação científica comprometida com as questões socioambientais. Dessa forma, a utilização de estratégias diferenciadas de ensino e aprendizagem pode gerar uma atitude reflexiva por parte do estudante, possibilitando modalidades de participação nas quais é vivenciada uma abundância de experiências, disposições, julgamentos para chegar a conclusões. Nessa expectativa, entendemos que o fazer e o refletir artísticos consentem um caminho também diferenciado do ensinar.
Com base nos estudos realizados sobre uso de alguns movimentos da arte contemporânea como auxílio para o ensino de Ciências, propusemos atividades que consistiram na construção de conhecimentos científicos sobre questões socioambientais, principalmente a depredação do ambiente escolar. Diante desse fato, foi necessário buscar respostas a estas questões: que acontecimentos contribuem para que a depredação ao patrimônio público ocorra? Como está a nossa escola?
Para tentar responder às questões norteadoras deste trabalho, tivemos como objetivo verificar as possibilidades do uso do grafite e da pichação como forma de favorecer o processo de ensino-aprendizagem de Ciências, trazendo o desenho como mediador do processo.
Sobre interdisciplinaridade: integração entre Ciências e Arte
Para fins didáticos, os debates desenvolvidos no Brasil na década de 1970 não foram suficientes para nortear um desenvolvimento teórico da interdisciplinaridade, pois não era admissível abordar o estudo da ação interdisciplinar exclusivamente pela educação ou pela etimologia da palavra. Advertimos que os debates epistemológicos também são essenciais para compreender a procedência do conceito e suas distintas vertentes, para que os pesquisadores e educadores não incidam a utilizá-la como modismo educacional, colocando em prática algo que nem mesmo sabem esclarecer. A interdisciplinaridade no significado da etimologia é associada por estes termos: o prefixo “inter”, que significa ação recíproca; “disciplinar”, que diz respeito a disciplina, a um conjunto de preceitos para nutrir a ordem e o desenvolvimento natural das atividades num determinado grupo (Aiub, 2006).
Assim, focalizando o campo da Epistemologia, se acolhe como alvo de estudo o conhecimento em sua elaboração, reconstrução e socialização; a Ciência e seus paradigmas; e o procedimento metódico como intermédio entre indivíduo e a realidade (Thiesen, 2008). Dessa forma, determinar o que é interdisciplinaridade não é dos afazeres mais fáceis no campo da Educação Básica; nos enunciados de Pombo e colaboradores (2006 p. 13), é “uma tarefa ingrata e difícil – quase impossível”, pois “existem vários conceitos acerca dessa palavra no âmbito escolar”. Pesquisadores como Japiassu (1976), Fazenda (2011) e Pombo (2004), entre outros, apresentam definições do que é a interdisciplinaridade.
Fazenda (2011) aponta o fato de a interdisciplinaridade não ter ainda uma definição única e constante. No entendimento da autora, a interdisciplinaridade é um neologismo, ou seja, nem sempre ela é entendida da mesma maneira, seu significado nem sempre é o mesmo e seu papel nem sempre é compreendido da mesma forma. Para Japiassu (1976), a interdisciplinaridade assinala-se pela amplitude das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das diferentes disciplinas. Esse autor salienta que a interdisciplinaridade não perde o sentido da disciplina em si, mas há expectativa de afinidades entre as diferentes áreas de conhecimento, isto é, uma disciplina possibilita procurar subsídio nas demais – fornecendo relações disciplinares para o preparo do conhecimento. Assim, pelo campo pedagógico, os debates sobre interdisciplinaridade podem ser norteados pelas questões práticas metodológicas e curriculares de estratégias para guiar o processo de ensino-aprendizagem (Thiesen, 2008).
Desse modo, percebemos que a estratégia interdisciplinar ganha nova abordagem na Educação Básica, o que permite pôr um repensar reflexivo do professor, para que se acione, nos andamentos educacionais, a construção coletiva do conhecimento científico que, quando disposto numa estratégia interdisciplinar, permite aos estudantes a construção significativa do conhecimento da Ciência e proporciona aos educandos explicar e entender os fenômenos científicos e suas aplicações no cotidiano. Nessa direção, Fazenda (2008, p. 11) salienta que a interdisciplinaridade pode ser “considerada uma nova atitude diante da questão do conhecimento, [...], ou seja, uma nova maneira de olhar as questões de ordem [...] metodológica e axiológica vivenciada pelos professores no seu cotidiano nas escolas”, porque a interdisciplinaridade é fundamentalmente um procedimento que carece ser desempenhado na sala de aula.
É preciso que as práticas colaborativas de integração interdisciplinar na Educação Básica surjam na escola a partir dos ânimos dos próprios professores e não como receita milagrosa (Pombo et al., 1993). Nesse sentido, nos debates sobre a expectativa pedagógica para o ensino de Ciências, pesquisadores como Santos (2018) e Gebara (2018), entre outros, abordam essencialmente assuntos de caráter curricular e estratégias de ensino-aprendizagem, com suas melhorias e limitações. Para Santos (2018), a interdisciplinaridade no ensino de Ciências permite um processo de ensino formativo por meio de ações pedagógicas para a construção do conhecimento sobre determinado conteúdo temático com o subsidio de diferentes disciplinas envolvidas.
Nas aulas de Ciências, assim como nas de Arte, há conteúdos temáticos que consentem o diálogo entre as disciplinas numa perspectiva de encaminhamento metodológico orgânico, em que o conhecimento científico, as práticas e a fruição artística e científica sejam presentes para a construção do conhecimento, pois “há muitas maneiras válidas de valorizar e fertilizar o diálogo entre a ciência e a arte” (Cachapuz, 2013, p. 2). Nessa perspectiva, para o desenvolvimento da interdisciplinaridade, é fundamental que haja diálogo e participação dos docentes na construção de um projeto comum destinado à superação da fragmentação do ensino e de seu processo pedagógico (Fazenda, 2008).
Neste ponto de nossas reflexões, as razões para buscar uma conexão entre Arte e Ciência podem ser muitas; dependendo de o sujeito querer descobri-las ou não, nos deparamos com autores que abordam a questão de maneira mais objetiva, quando, por exemplo, apresentam a acuidade do desenho/ilustração para o desenvolvimento do conhecimento científico. Nesses caminhos, o desenho é um domínio gráfico que se desenvolve “num campo de intervenção bastante vasto, diversificado e motivador, conciliando a Ciência e a Arte” (Correia, 2011, p. 255). A técnica de desenho pode consistir em grande perspicácia para o desenvolvimento do conhecimento científico.
Na escola, a prática interdisciplinar pode ser geradora de conhecimentos. A escola básica, sem muitos parceiros, precisa traçar rumos interdisciplinares para não se constituir como instituição social de mera transposição didática de conteúdos sem significados para o estudante. Diante do exposto, buscar uma ligação rica e produtiva no ensino da Educação Básica entre Arte e Ciência pode ser uma forma de analisar e transformar a sociedade em que vivemos. Para que se concretize uma proposta de atividade de interligação entre Ciência e Arte, é expressivo entender que a Arte não deve ser utilizada apenas como ferramenta de transmissão dos conteúdos da Ciência, mas uma forma de dar aos estudantes uma visão integral dos fenômenos científicos, apresentando-os como expressões de cultura que fazem parte de determinado momento.
Desse modo, na seção a seguir serão trazidas algumas informações imprescindíveis para posicionar o desenho, o grafite e a pichação como elementos de transposições didáticos interdisciplinares para o Ensino de Ciências.
Desenho, grafite e pichação: transposições interdisciplinares para o Ensino de Ciências
Nos conteúdos temáticos da disciplina de Arte, seguramente o desenho, o grafite e a pichação têm papéis preponderantes nos processos de ensino e aprendizagem; o desenho é um dos principais componentes da disciplina, porém, em outras, seu uso pode ser assinalado muitas vezes como adicional, e buscar seu emprego para além disso pode ser uma estratégia didática promissora.
Diante disso, quando se busca utilizar o desenho, o grafite e a pichação além da visão simplista de acessórios, bem como buscar uma abordagem interdisciplinar, faz-se necessário pensar em como esses elementos podem contribuir para o processo de ensino-aprendizagem e como isso pode ser feito buscando um formato que relacione as disciplinas – neste caso, Ciências e Arte.
O grafite e a pichação são duas linguagens da arte de rua pertencentes ao vasto repertório de possibilidades da arte contemporânea. Essas manifestações artísticas têm como característica essencial o espaço urbano e público, podendo se apresentar também por meio da dança, da música, do stencil, do lambe-lambe e outros. Em uma ação constante de convidar o espectador a pensar a respeito dos espaços formalizados e legitimados como espaços de arte, os artistas representantes dessa vertente buscam tornar mais acessíveis o contato, a contemplação e a relação dos indivíduos com as obras de arte.
As produções da arte de rua tomam como suporte os espaços da cidade, vão para as ruas, para os muros, para as fachadas das edificações, pontos de ônibus e postes de iluminação. Nessa direção, as intervenções visuais urbanas são cada vez mais presentes nos diferentes ambientes das cidades; assim, pesquisadores como Silva (2010), Paixão (2011) e Verano (2013) têm debatido a pichação e o grafite como formas (ou não) de arte, construindo problematizações no que concerne às grandezas artísticas nesse tipo de intervenção. A despeito dos focos díspares nesses campos analíticos, tanto a pichação quanto o grafite abordam com predominância aspectos sociais como o racismo, a desigualdade, a conscientização ambiental, questões de gênero e sexualidade e a desvalorização dos próprios artistas e da arte de rua, sempre provocando a reflexão e impulsionando atos de reivindicações acerca de tais temas.
Figura 1: Exemplo de grafite urbano
Fonte: Arquivo pessoal dos autores.
Esteticamente, alguns elementos diferenciam o grafite (Figura 1) da pichação (Figura 2). No grafite há predominância do uso de cores as mais variadas possíveis; além da presença de representações figurativas nas composições, os artistas podem criar cenários imagéticos elaborados, complexos e de dimensões variadas; geralmente painéis de grandes proporções são realizados em muros ou edifícios.
Figura 2: Exemplo de pichação urbana
Fonte: Arquivo pessoal dos autores.
A pichação (Figura 2) é caracterizada por uma estética de letras muito singulares, as intervenções são mais simples que as do grafite, trazem frases predominantemente na cor preta e nem sempre são inteligíveis. Em razão de sua estética peculiar, os artistas pichadores costumam utilizar o piche também como forma de ser notados ou para se comunicar com outros pichadores.
Por se distanciar do contexto empresarial e institucional do mercado da arte, as manifestações artísticas da arte de rua são constantemente marginalizadas, subjugadas e associadas à depreciação dos espaços. Nesse cenário, a arte de rua evidencia conflitos entre situações de diferentes excitabilidades sociossensoriais, submergindo práticas legitimadas e não legitimadas (Jacques, 2010), seja em sua grandeza estética, seja no aspecto da política.Em âmbito artístico, ao discutir a arte de rua entendemos que o caráter “marginal” e “criminoso” atribuído socialmente a ela atua como elemento fundante das práticas desenvolvidas pelo seu movimento.
Ocupar os espaços da cidade, mesmo que de forma ilegal, é fator de grande significância para as manifestações desse tipo. Nesse sentido, contrariar, resistir, desestabilizar, polemizar e problematizar normas e regras estabelecidas acerca do ambiente urbano são algumas das ações que representam os artistas de rua ao grafitar e pichar pelas cidades, buscando dar visibilidade e valorização ao seu trabalho e tudo que ele simboliza.
Com base nisso, ao adentrar o ambiente escolar, a arte de rua se depara com um conjunto de regulamentações que determinam a organização e o funcionamento de um local institucionalizado. Por essa razão, consideramos que proporcionar que a arte de rua ocupe a escola é um ato potencialmente pedagógico, dadas as condições pretendidas pelo regimento escolar, as quais poderiam optar por impossibilitar a ocorrência de tal prática dentro dos espaços educacionais.
Encaminhamentos metodológicos
O presente relato de experiência didático se encontra orientado pela investigação qualitativa (Lüdke; André, 1986) de caráter descritivo. Para Triviños (2010, p. 110), “o estudo descritivo pretende descrever com ‘com exatidão’ os fatos e os fenômenos de determinada realidade”. Dessa forma, o desenvolvimento deste relato de experiência didático analisou uma proposta didática em perspectiva interdisciplinar. Diante desse fato, é necessário buscar respostas a estas questões: que acontecimentos contribuem para que a depredação ao patrimônio público ocorra? Como está a nossa escola?
Para tentar responder às questões norteadoras deste trabalho, tivemos como objetivo verificar as possibilidades do uso do grafite e da pichação como formas de favorecer o processo de ensino-aprendizagem de Ciências, trazendo o desenho como mediador do processo.
Assim, para o procedimento de análise de dados do relato da experiência didática, optamos pela descrição das atividades desenvolvidas num colégio estadual localizado em um município da região noroeste do Estado do Paraná, em uma turma de 9° ano do Ensino Fundamental. Participaram das atividades aproximadamente 30 estudantes, um acadêmico do curso de Artes Visuais e o professor de Ciências. As atividades foram desenvolvidas durante o segundo trimestre do ano letivo de 2022.
Para a análise e a interpretação de dados, como recomendam Marconi e Lakatos (2003), é importante considerar aspectos como a construção de tipos ou modelos ligados aos conceitos teóricos, a realização de comparações pertinentes à teoria e a metodologia para selecionar as possibilidades de interpretação.
Nessa direção, as ações didáticas previstas foram organizadas em sequências de acontecimentos de ensino (AE). Para tanto, a organização dos processos de ensino em formato de AE “é o agrupamento de aulas por tema/assunto trabalhado em sala de aula” (Santos, 2013, p. 86).
Dessa forma, para a organização das atividades pedagógicas em termos de modelo didático, descrevemos os encaminhamentos das ações pedagógicas em AE. Assim, no Quadro 1, sintetizamos os cinco acontecimentos de ensino adotados durante a fase de coleta de dados realizada com os instrumentos descritos anteriormente.
Quadro 1: Etapas de coleta de dados
1º AE |
Formação dos grupos de estudantes e pesquisa sobre depredação e conservação do ambiente escolar. |
2º AE |
Aula sobre poluição, depredação, desenho, grafite e pichação. |
3º AE |
A percepção do estudante em relação aos tipos de depredação e vandalismo no ambiente escolar. |
4º AE |
Processo de criação: realização de desenhos para compor a arte de um mural interativo de grafite. |
5º AE |
Conservação do ambiente escolar: construção de um mural interativo de grafite. |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Resultados e discussões
A ação interdisciplinar exigiu a confluência entre Arte e Ciências. Portanto, a proposta didática esteve ancorada no pressuposto de conhecimentos de que o objeto final permite “a produção de uma síntese no que diz respeito ao objeto comum” da aprendizagem (Pombo, 2004, p. 38). Embora as duas disciplinas constituam-se em especificidades diferentes, a interatividade elegeu o desenho como objeto comum de estudo.
1º acontecimento de ensino: pesquisa sobre depredação e conservação do ambiente escolar
No 1º AE, a turma participante foi separada em grupos compostos por cinco alunos. Para cada grupo, durante as aulas de Ciências, foi solicitada uma pesquisa escrita sobre depredação e conservação do ambiente escolar, a fim de ajudá-los a ter ideia de por onde começar a elaboração de painel de conscientização para a preservação do ambiente escolar.
2º acontecimento de ensino: aula sobre poluição, depredação, desenho, grafite e pichação
O 2º AE consistiu em dois momentos em sala de aula para discussões a respeito de poluição visual, depredação, desenho, grafite e pichação. No primeiro momento, foi apresentado pelo professor de Ciências, aos estudantes, situações de vandalismo, de depredação e tipos de poluição visual em diferentes ambientes escolares. O objetivo do segundo momento foi uma aula desenvolvida pelo acadêmico de Artes Visuais sobre conceitos de desenho, grafite e pichação. Foram apresentadas informações, como características formais e estéticas, e mencionados artistas que trabalham com essas técnicas, a fim de contextualizá-las dentro e fora do ambiente escolar.
3º acontecimento de ensino: a percepção do estudante sobre ambiente escolar
No 3º AE foi solicitado aos grupos de estudantes um relatório sobre sua percepção em relação aos tipos de depredação e vandalismo no ambiente escolar (Quadro 2). A investigação dos grupos resultou em respostas para a seguinte pergunta: quais os tipos de depredação vistos na escola?
Quadro 2: Depredações no ambiente escolar
Pergunta |
Tipo de degradação |
Ambiente escolar |
Quais os tipos de depredação vistos na escola? |
Quebra de porta/fechadura |
Porta de sala de aula. |
Quebra de vidraças |
Sala de aula |
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Quebra de vasos sanitários |
Banheiros masculinos |
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Quebra de torneiras |
Banheiros e bebedouros |
|
Quebra de lixeiras |
Pátio |
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Descarte indevido de lixo |
Sala de aula e pátio |
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Quebra de cadeiras e carteiras |
Sala de aula |
|
Uso de corretivo |
Carteira de sala de aula |
|
Pichação |
Carteira de sala de aula e paredes de vários ambientes da escola |
De acordo com as investigações dos grupos, o professor de Ciências sugeriu aos estudantes a construção de painéis interativos (Figura 3), a fim de iniciar as discussões, destacando cuidados em relação aos ambientes da escola. Para concluir as atividades colaborativas e de formato interdisciplinar, foi solicitado aos grupos que entregassem a ilustração e o material escrito e que, ao fazê-lo, apresentassem o painel para os demais colegas e comentassem as ideias de preservação do ambiente escolar. Os alunos concluíram as atividades em três aulas, pois, como a prática foi realizada em grupo e alguns alunos faltaram às aulas, o tempo para conclusão ficou comprometido.
Figura 3: Painel interativo: preservação do ambiente escolar
Fonte: Arquivo pessoal dos autores.
Dadas as especificidades para a Educação Científica, Santos (2018, p. 37) discute a interdisciplinaridade como “um movimento pedagógico que caminha para novas maneiras de organização do ensino e que procuram responder à necessidade de superação da visão fragmentada nos processos de socialização do conhecimento”. Tal iniciativa interdisciplinar oportunizou uma discussão crítica, capaz de refletir a respeito da poluição visual e depredação do espaço escolar em diálogo com as contribuições da arte.
4º acontecimento de ensino: processo de criação: realização de desenhos para compor a arte de um mural de grafite
No quarto AE, os estudantes produziram desenhos (Figuras 4 e 5) durante o desenvolvimento de duas aulas para compor uma arte em formato de mural interativo em um dos espaços da escola.
Figura 4: Desenhos produzidos durante a primeira aula
Fonte: Arquivo pessoal dos autores.
O mural foi criado a partir da estética do grafite, e a arte da composição apresentada foi pensada de acordo com as ilustrações produzidas em sala pelos alunos; o objetivo era reunir o máximo de desenhos em uma única cena visual que representasse cada um dos estudantes.
Figura 5: Desenhos produzidos durante a segunda aula
Fonte: Arquivo pessoal dos autores.
Após a realização dos desenhos, a arte do mural interativo foi feita contemplando as referências visuais apresentadas pelos alunos. Apesar de ter sido orientada a produzir sem necessariamente se remeter a uma temática específica, a turma apresentou uma infinidade de produções inspiradas esteticamente no grafite e na pichação. Acreditamos ter ocorrido em vista das discussões sobre essa temática, mobilizadas anteriormente ao momento de criação visual.
5º acontecimento de ensino: conservação do ambiente escolar: construção de um mural de grafite
No quinto AE e último encontro, os estudantes, juntamente com o acadêmico de Artes Visuais e o professor de Ciências, construíram o mural interativo em um espaço (parede) do ambiente escolar. Nesse momento, a atividade foi coordenada pelo acadêmico de Artes Visuais e teve como objetivo o uso de desenhos como forma de conscientização das possibilidades da presença da arte de rua no ambiente público escolar. Isto é, atendendo às condições de preservação do espaço escolar, foi possível levar elementos constituintes da arte de rua para os muros da instituição, sustentando mediante a interdisciplinaridade entre as disciplinas de Ciências e Artes, um debate capaz de atender às demandas especificas de cada área do conhecimento e da relação entre essas áreas.
A ação pedagógica por meio da interdisciplinaridade aponta para a constituição de uma instituição de ensino colaborativa e determinante no desenvolvimento do sujeito social; porém ações pedagógicas pela interação interdisciplinar precisam ser prudentes como precisão, e não como moda/salvação educativa (Santos, 2018), pois práticas pedagógicas interdisciplinares na Educação Básica não podem ser interpretadas como receita milagrosa, mas como uma ação com base nos entusiasmos dos próprios docentes (Pombo et al., 1993).
Figura 6: Transposição de desenhos numa parede do prédio da instituição escolar
Fonte: Arquivo pessoal dos autores.
Para a arte do mural interativo (Figuras 6 e 7), foram elencados alguns elementos que se repetiam nas ilustrações; a composição criada continha uma frase remetendo ao uso de frases nos desenhos realizados pelos alunos com letras características do grafite e pichação; havia também um personagem remetendo à criação dos vários personagens idealizados nos desenhos, assim como um coração, um olho, uma lâmpada, uma borboleta e uma flor.
Figura 7: Mural interativo pronto
Fonte: Arquivo pessoal dos autores.
A mediação artística e as ações mediadoras promovidas pelo professor de Ciências e pelo acadêmico de Artes Visuais foram fundamentais para que os estudantes explicitassem suas ideias, pois deram oportunidade para eles se expressassem sobre as possibilidades do uso do grafite e da pichação como formas de favorecer a aprendizagem de Ciências.
Em termos didáticos, entendemos que o uso do desenho em aulas de Ciências pode favorecer intervenções pedagógicas bastante vastas, pois a grafia do desenho possibilita a harmonização entre a Ciência e a Arte (Correia, 2011), o desenho pode incidir em grande importância para o desenvolvimento da construção do conhecimento científico. Nessa perspectiva, o professor pode buscar a reestruturação de sua prática docente para cooperar expressivamente na formação de estudantes capazes de refletir criticamente diante das ocorrências vivenciadas em seu cotidiano.
Considerações finais
As reflexões postas aqui em diálogo são embasadas em pensamentos teóricos e práticas docentes que seguramente irão colocar em evidência a função do professor nas pesquisas colaborativas, voltadas a refletir e agir no complexo de ensino e aprendizagem e, dessa maneira, demonstrar a importância das práticas pedagógicas mais dialogadas, contextualizadas e interdisciplinares. Diante dessas considerações, uma abordagem interdisciplinar entre Ciências e Arte permite pensar a arte de rua e a depredação do espaço público de modo mais ampliado, para além de noções totalizantes que, consequentemente, nos levam a discursos recorrentes e equivocados.
Nesse viés, foi possível abordar o grafite e a pichação de forma contextualizada, cuidando para não reforçar estereótipos negativos validados socialmente em relação a esse tipo de arte. Entendemos que essas manifestações não devem ser excluídas de iniciativas pedagógicas pretendidas pela escola; o professor, juntamente com sua turma, pode buscar possibilidades a serem pensadas a partir das condições institucionais que englobam o ambiente escolar. Nenhuma temática deve ser desconsiderada e, nesse percurso, os alunos são convidados/provocados a pensar o funcionamento de determinados assuntos dentro e fora do espaço escolar.
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Publicado em 28 de maio de 2024
Como citar este artigo (ABNT)
SANTOS, José Nunes dos; LANES, Daniel Macedo. Desenhos: transposições interdisciplinares para o ensino de Ciências. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 18, 28 de maio de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/18/desenhos-transposicoes-interdisciplinares-para-o-ensino-de-ciencias
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