O olhar dos professores e alunos da rede pública de Navegantes e Penha/SC sobre indisciplina no ambiente escolar
William Sterchele Barcellos
Pós-graduando em Competências Metodológicas para a Educação Básica, licenciado em História (Univali), professor do Ensino Médio e do Fundamental na rede estadual e municipal em Navegantes/SC
Valéria Becher
Professora orientadora, mestra em Educação
O presente estudo aborda a temática da indisciplina no ambiente escolar. Ao nos remetermos à indisciplina, entendemos tratar-se de um tema polêmico devido a sua grande incidência nas escolas. Entendemos, assim, que a indisciplina escolar se configura como um desafio aos professores, pois instiga o repensar das práticas pedagógicas, a fim de que revejam seus conceitos, propondo transformações nas escolas. Nesse sentido, concordamos com Garcia (1999), quando ele menciona que a indisciplina tem algo a dizer acerca desse ambiente, evidenciando a necessidade de avanços institucionais.
A incidência da indisciplina nas escolas nos instigou à pesquisa, pois sentimos a necessidade de debatermos a respeito das suas causas geradoras. Desse modo, nos questionamos sobre quais seriam essas causas e qual seria o papel da escola e do professor diante delas?
A partir desses questionamentos, traçamos os objetivos que pretendemos atingir aqui, observando especialmente essa indisciplina nas escolas municipais e estaduais situadas nos municípios de Penha e Navegantes/SC.
Com a finalidade de enriquecer a investigação, realizamos pesquisa bibliográfica qualitativa, buscando embasamento teórico para a realização da outra pesquisa. Fundamentamos nossos estudos em autores que tratam do tema indisciplina escolar: Amado (2001), Garcia (2002) e Vasconcelos (2001; 2004). Foi realizada também uma pesquisa de campo, por meio de questionário aplicado a 100 alunos de três escolas de Ensino Fundamental e Médio localizadas nos municípios mencionados e com dez professores de diferentes áreas, dois diretores de escola e dois orientadores educacionais. Os resultados obtidos mostram que as situações ocorrem por várias razões e de formas distintas, com suas peculiaridades, envolvendo diferentes níveis de problemas e inúmeros sujeitos em ação. Um dos maiores problemas da escola atual está na resolução de questões relacionadas à disciplina, que interferem na qualidade da educação e prejudicam o ensino/ sujeito. Entendemos ainda que não existem receitas prontas ou ferramentas capazes de solucionar definitivamente a questão, mas compreendemos que a educação necessita de mudanças urgentes, capazes de cumprir verdadeiramente com a sua finalidade: formar estudantes para o exercício da cidadania.
A indisciplina na escola: alguns conceitos
Ao nos remetermos ao conceito de indisciplina escolar é possível observar uma diversidade de conceituações acerca desse tema. Para explicitar essa diversidade, apresentaremos o posicionamento de alguns estudiosos.
Conforme Campos (1987), a indisciplina na escola tem suas causas e elas podem ser atribuídas a diversos agentes desencadeadores, dentre eles destacamos a estrutura familiar. A dissolução familiar é fato cada vez mais latente e a educação informal, oriunda do lar, passa a compor o currículo oculto das instituições de ensino.
Para Passos (1996), a indisciplina está associada a significados, como: ousadia, criatividade, inconformismo e resistência. Isso não implica desconsiderar a importância da disciplina, mas colocá-la em um plano secundário para que se fortaleça o que está em um plano anterior a ela: a aprendizagem e o saber. A autora destaca a importância de se analisar os múltiplos aspectos envolvidos na temática, como as estruturas de poder da escola, as pressões e as expectativas dos pais, além das concepções dos professores em relação à construção do conhecimento. Ou seja, é importante analisar o agir de sujeitos e instituição, e suas ligações com o contexto social, pois são essas interações que comporão as dimensões educacionais a serem analisadas quando se estuda a dinâmica expressa no cotidiano escolar.
Assim, destacamos que a indisciplina escolar também tem sido caracterizada como hostilidade, desinteresse e perturbações da ordem, sendo compreendida como uma quebra das regras preestabelecidas pelo professor ou pelo regulamento da escola, assim como desrespeito ao ambiente e ao outro. Também pode ser caracterizada como apatia, decorrente do desinteresse e da falta de participação do aluno, sendo considerada um dos componentes de ações agressivas (Vasconcellos, 2001).
No que diz respeito à relação entre indisciplina escolar e agressividade, é importante salientar que a sua complexidade, somada à diversidade conceitual, pode reforçar a associação com a violência. Cabe ressaltar que a indisciplina escolar, de acordo com Estrela (1992), pode, sim, manifestar-se por meio da violência, mas na maior parte dos casos ela não se caracteriza dessa forma. Ao remeter à indisciplina, Freire (2001) aponta que estudos realizados em diferentes contextos têm demonstrado que grande parte desses comportamentos observados se caracteriza pela trivialidade: rir, fazer os colegas rirem, balançar na cadeira, ficar distraído e não fazer as atividades, entre outros. Assim, a maioria das situações de indisciplina em sala se relaciona a comportamentos que prejudicam mais pela sua frequência do que pela sua gravidade.
Garcia (2002) define indisciplina como negação, divergência ou não reprodução por parte dos alunos às orientações, às expectativas e às oportunidades que a escola apresenta, por meio de condutas, relacionamentos, modos de socialização, atitudes e desenvolvimento cognitivo inadequados demonstrados por eles. Sob essa perspectiva, a indisciplina se refere às atitudes e aos modos de socialização, relacionamentos e desenvolvimento cognitivo que tendem a não reproduzir, divergir ou mesmo negar as orientações, expectativas ou oportunidades apresentadas pela escola.
Ainda segundo o autor, há a necessidade de superação do conceito tradicional de indisciplina como algo restrito apenas à dimensão comportamental, uma vez que existem diversos aspectos psicossociais envolvidos que precisam ser considerados. Um deles refere-se à necessidade de “situar a indisciplina no contexto das condutas dos alunos nas diversas atividades pedagógicas, seja dentro ou fora da sala de aula” (Garcia, 2002, p. 376).
Nesse sentido, consideramos importante destacar a dimensão dos processos de socialização e de relacionamentos exercidos pelos alunos na escola. Por fim, considerar a indisciplina a partir do contexto de desenvolvimento desses sujeitos. Essas perspectivas apontam para uma concepção de indisciplina como um fenômeno da aprendizagem.
Segundo Amado (1999), a concretização da indisciplina acontece por meio da falta de cumprimento das regras que presidem as condições das atividades em aula, além do desrespeito às normas e aos valores que fundamentam o convívio entre os colegas e, também, a relação com o professor como indivíduo e autoridade. O autor também aponta que os fenômenos de indisciplina escolar não são novos, mas fenômenos que adquirem diversos graus de intensidade, gravidade e consequências, com diversas funções dentro do contexto das vivências pedagógicas.
Dessa forma, a indisciplina escolar está intimamente ligada a tudo que diz respeito ao ensino, aos objetivos, às práticas e às perspectivas que a orientam, além dos “condicionalismos próprios da aula, da escola, da comunidade e do sistema” (Amado, 2001, p. 43). O mesmo autor ainda destaca que os fatores relacionados a ela são de ordem social, familiar e pessoal, além de escolar. Ao serem desdobrados, se constituem em:
- fatores de ordem social e políticos, interesses, valores e vivências de classes divergentes e opostas, racismo, desemprego e pobreza;
- fatores de ordem familiar: valores familiares diferentes dos valores da escola;
- fatores institucionais formais: espaços, horários e currículo desajustado aos interesses e ritmos dos alunos;
- fatores institucionais informais: interação e lideranças no interior do grupo-turma que criam um clima de conflitos e de oposição às exigências da escola e de certos professores; e
- fatores pedagógicos: métodos e competências de ensino, regras e inconsistência na sua aplicação, estilos de relação inapropriados.
Mediante os fatores apontados por Amado (2001), destacamos em Arroyo (2004) a menção de que os alunos, na atualidade, já não são os mesmos. Não encontramos mais nas escolas aqueles sujeitos que idealizamos como símbolos da perfeição.
O que vem tornando as escolas e salas de aula inadministráveis é o fato de terem piorado brutalmente as condições de viver a infância e adolescência enquanto não melhoraram as condições de exercer a docência (Arroyo, 2004, p. 39).
Nesse sentido, entendemos que há um abismo paradoxal. De um lado, temos os alunos que apresentam preceitos distorcidos do que seria a vivência da infância e da adolescência, vindo às escolas com inversão de valores e com falta de noção de comportamentos básicos, como respeito, solidariedade e compreensão. Por outro lado, os atributos não cumpridos pelo sistema educacional, com destaque para a ausência de capacitação e formação docente, a renovação dos métodos e currículos aplicados, as práticas pedagógicas arcaicas, a desinformação dos profissionais que compõe a educação, o descumprimento, pelos gestores governamentais, do que preveem a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) ou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) ou mesmo os projetos político-pedagógicos das escolas, assim como os demais documentos norteadores que primam por uma educação de qualidade.
Nesse sentido, entendemos que a escola deve trabalhar a disciplina como uma possibilidade de compreender o aluno como sujeito, indivíduo capaz de pensar e transformar a sociedade em que vive, levando em conta os princípios da moral e da ética. Para tanto, deve-se realizar uma reflexão profunda a respeito do trabalho desenvolvido na escola. Segundo Franco (1986, p. 63),
a disciplina está indissoluvelmente ligada ao processo de transmissão e assimilação dos conhecimentos elaborados historicamente pelo homem. Deixa, assim de ser alguma coisa que diz respeito somente ao aluno, para transformar-se em preocupação permanente da comunidade escolar, em uma exigência da escola.
Mediante essas observações, entendemos que a indisciplina exige novas respostas teóricas e avanços efetivos na prática docente.
Indisciplina nas escolas de Navegantes e Penha/SC: o que dizem os professores e os alunos?
Conhecer e analisar os problemas que emergem do espaço escolar é de fundamental importância para o desenvolvimento de uma educação de qualidade. Refletindo sobre assuntos relacionados aos fatores que prejudicam o processo de ensino-aprendizagem, identificamos a questão indisciplinar como um motivo de preocupação para a comunidade escolar, em especial aos educadores.
Na pesquisa realizada em escolas municipais e estaduais localizadas nos municípios de Navegantes e Penha/SC sobre a temática, constatamos, por meio da aplicação de um questionário, que se trata de uma questão legitima. Percebemos que o significado atribuído pelos alunos à indisciplina é de natureza pedagógica, denunciando a fragilidade da prática de regras e do currículo escolar, como nos gráficos.
Gráfico 1: Respostas dos alunos
Com os dados coletados, destacamos que os entrevistados relatam a existência de indisciplina escolar nas escolas. Segundo Aquino (2000), a indisciplina é geralmente compreendida em três segmentos que podem estar interligados entre si:
- ausência de desenvolvimento moral do aluno, transmitindo tal responsabilidade e função ao professor;
- tentativa de revolta diante da antiga ideologia autoritária presente na instituição escolar, marcada pela opressão e submissão dos alunos aos professores;
- manifestação do desinteresse dos alunos pelos conteúdos produzidos no passado, incitando à interpretação e à análise crítica das informações e a transformação delas em conhecimento, se contraposto à transmissão de informações focadas no presente, por meio de aparelhos de comunicação (televisão, rádio, internet etc.).
Ao analisarmos o Gráfico 1, percebemos que, nas escolas pesquisadas, alunos, professores e equipe pedagógica apontam para a existência da indisciplina, mencionando a sua presença de modo geral, assim como isoladamente em turmas específicas. Segundo dados do gráfico, a indisciplina apresenta menor intensidade em algumas disciplinas curriculares, apontando para a existência de práticas pedagógicas condizentes ao interesse do corpo discente.
Gráfico 2: Causas da indisciplina segundo os alunos
Ao analisarmos o Gráfico 2, percebemos que os alunos, quando questionados, dividem sua opinião entre a necessidade de mudança do modelo de aula aplicada e a rigidez do professor em sala de aula, apontando a existência do método tradicional, fundamentado no professor como transmissor e o aluno como receptor, limitando-se à transmissão de informações (Scaramelli, 1931, p. 32).
Assim, compreendemos que a indisciplina ocorre mediante o desencontro entre a cultura escolar e a cultura dos alunos, levando-os a apresentarem resistência ao que lhes é requisitado em termos pedagógicos e curriculares.
Os alunos ainda mencionam a necessidade de utilização das tecnologias no processo de aprendizagem. Nesse sentido, compreendemos que a escola precisa alterar sua proposta pedagógica, utilizando de várias técnicas e metodologias, visando proporcionar novos recursos e ferramentas de aprendizagens, pois lida-se diariamente com crianças imersas na Internet e nas tecnologias digitais.
Entendemos, desse modo, que a integração das Tecnologias da informação e comunicação (TIC) ao processo de ensino-aprendizagem será uma conquista de significativas transformações nos espaços de aprendizagens. Entretanto, destacamos que a maioria dos professores são “imigrantes digitais”, isto é, pessoas analógicas, que atualmente precisam se adaptar à realidade digital, fazendo uso de tecnologias em suas práticas pedagógicas. Mediante essa necessidade de transformação, Vasconcellos (1995, p. 53) menciona que "educadores devem se comprometer com o processo de transformação da realidade, alimentando um projeto comum de escola e de sociedade".
Gráfico 3: Causas da indisciplina segundo os professores
Entre os professores, percebemos que a indisciplina é entendida como negação da disciplina. Segundo Garcia (2000), o conceito de indisciplina estaria fortemente associado à noção de “controle sobre a conduta”. Entretanto, ao compreenderem e ao analisarem a indisciplina escolar, Carita e Fernandes (1997) propõem considerar o contexto da relação pedagógica, pois a indisciplina não pode ser vista como algo que existe em si mesma ou como algo inerente ao comportamento do aluno. Além do aluno que expressou indisciplina, há um contexto pedagógico implicado nessa relação.
Amado (2001) acrescenta que a indisciplina escolar está intimamente ligada a tudo o que diz respeito ao ensino, aos objetivos, às práticas e às perspectivas que as orientam, próprios da aula, da escola, da comunidade e do sistema. Nesse sentido, destacamos a necessidade da flexibilidade nos planejamentos dos professores, pois precisam ser inovadores e adaptarem-se à dinâmica da realidade digital.
Entendemos, ainda, que o professor também deve ser orientado a ser criativo, em sua prática pedagógica, diversificando metodologias, articulando conteúdos de forma interdisciplinar e contextualizada, trabalhando com a troca de ideias e técnicas com outros professores, planejando as aulas com diferentes técnicas e recursos, integrando as tecnologias da informação e comunicação às aulas, desenvolvendo vínculos e relações afetivas com os alunos, motivando o aluno a adquirir o desejo pela aprendizagem, trabalhando temas transversais, incentivando os alunos a realizarem trabalhos coletivos, aplicando atividades pedagógicas por meio de dinâmicas de grupo, valorizando a correção de atitudes inadequadas com elogio-crítica-elogio e trabalhando com jogos educativos a fim de desenvolver atividades que conduzam os alunos à aquisição e ao aperfeiçoamento de valores.
Indisciplina: um desafio para a escola
A indisciplina tornou-se um dos grandes desafios para a educação, constituindo-se alvo de preocupações de modo geral para gestores, professores e pais ou responsáveis. Nesse sentido, destacamos Vasconcellos (2004), que menciona os motivos da indisciplina por meio de cinco níveis: sociedade, família, escola, professor e aluno.
Assim, destacamos que, ao ser abordado o tema, o aluno é citado como o principal sujeito, sendo também responsabilizado pelos problemas da desarticulação, do desequilíbrio do ambiente e das relações sociais na escola. Ao nos remetermos a essas relações, destacamos Vasconcellos (2004, p. 3), quando elucida que o “aspecto coletivo da participação deve ser visto não como um processo despersonalizado, mas pelo contrário, como principal instrumento de construção da individualidade”, cabendo ao professor à iniciativa de romper com práticas retrógradas, cedendo lugar ao desenvolvimento de uma prática pedagógica libertadora e conscientizadora. Assim, destacamos que o professor deve usar de sua autoridade, exercendo-a de forma ética, humana e profissional.
O professor com autoridade é aquele que também deixa transparecer as razões pelas quais a exerce, mas com um compromisso genuíno com o processo pedagógico, ou seja, com a construção de sujeitos que conhecendo a realidade, disponham-se a modificá-la em consonância com um projeto comum (Luna, 1991, p. 69).
Ao nos referirmos ao papel do professor diante da indisciplina escolar, mencionamos Kammi (1986). Ele destaca que há duas formas de obter disciplina: uma por coação e outra por convicção. Elas refletem o resultado de uma educação autoritária ou de uma educação dialética libertadora. Compreendemos, desse modo, que a disciplina por meio da coação conduz o aluno à heteronomia (ser governado por outrem), ou seja, não proporciona autonomia (ser governado por si próprio), pois, “se queremos que as crianças desenvolvam autonomia, devemos reduzir o poder adulto, abstendo-nos de usar recompensas e castigos e encorajando-as a construírem por si mesmas seus próprios valores morais” (Kammi, 1986, p. 109).
Vasconcellos (2004) menciona que alunos têm necessidade de se expressarem como sujeitos no meio em que vivem. Isso posto, o professor deve mediar a comunicação e a relação interpessoal, de modo a garantir o respeito às regras e às diferenças, favorecendo experiências e aprendizados e permanecendo atento à sua prática pedagógica.
Ter respeito com os alunos é uma das necessidades da postura de um professor consciente. Deve também exigir respeito dos alunos para com os colegas e para consigo. O professor não pode exigir que o aluno goste dele ou dos colegas, mas o respeito ele pode exigir. No caso de ser desrespeitado, restabelecer os limites (não entrar no círculo vicioso do desrespeito) (Vasconcellos, 2004, p. 93).
Assim, compreendemos que nesse contexto o aluno demonstra seu descontentamento com a proposta pedagógica da escola ou com a metodologia do professor.
O que o aluno poderia estar tentando dizer ao professor com constantes atos de indisciplina? Possivelmente que a escola que aí está não lhe proporciona alegria, satisfação e tampouco uma aprendizagem consistente, estando dessa maneira muito distante de suas aspirações e necessidades (Franco, 1986, p. 50).
Araújo (1996) afirma que é importante que o professor crie vínculos afetivos com seus alunos para que eles se sintam seguros e motivados a agir de forma adequada. Afinal, a formação moral e intelectual de uma criança se constitui num longo e lento processo. É dessa forma que o ser humano cresce e constrói o seu ser.
A integração entre ação e o juízo moral será possível, para Piaget, quando o sujeito se sentir obrigado racionalmente por sua necessidade interna, a agir moralmente, de acordo com princípios universais de justiça e igualdade. Esse nível de desenvolvimento ideal de autonomia moral dificilmente poderá ser alcançado por sujeitos que vivam constantemente em ambientes de coação e respeito unilateral, uma vez que esse tipo de relação é irredutível à moral do bem. Somente poderão construí-lo lentamente (como possibilidade) os indivíduos que tenham oportunidade de estabelecer relações interindividuais com base na cooperação, na reciprocidade e no respeito mútuo (Araújo, 1996, p. 110).
O professor deve respeitar e compreender as diferenças, tratando cada aluno conforme as suas necessidades. Mediante essa compreensão e respeito, Guimarães (1996, p. 95) destaca que precisamos ter “uma visão abrangente, integrada e dialética dos diferentes fatores que atuam na formação do comportamento e desenvolvimento individual”, pois o comportamento disciplinado e/ou indisciplinado é aprendido. A escola desempenha importante papel no desenvolvimento desses comportamentos.
Considerações finais
Por meio da pesquisa realizada, compreendemos que a indisciplina escolar implica a necessidade de fazer uma reflexão aprofundada sobre a natureza das relações e das interações que a constituem, uma vez que ao falarmos a seu respeito, não falamos de um mesmo fenômeno, mas de fatores que contribuem significativamente para o fenômeno, como a família afastada da escola, os profissionais de educação desmotivados, os alunos expostos a situações de risco, a não intervenção estatal e a má interpretação das políticas públicas para a educação.
Por meio dos dados coletados, percebemos várias referências à indisciplina; muitas vezes os conceitos se mesclam às crenças e aos valores pessoais de cada indivíduo, talvez determinados pela noção que se tem do que vem a ser o ambiente escolar pelo senso comum. Constatamos que o desprendimento dos alunos, em se tratando de uma clientela de idade em desenvolvimento da moral, não pode ser o único responsável pela indisciplina em sala de aula. Nesse ponto, notamos que a concepção se insere ora na falta de formação continuada e má remuneração docente, ora na expectativa da família em relação ao processo educacional de seus filhos.
Compreendemos que um planejamento bem estruturado com disposição metodológica pode fortalecer o processo de ensino-aprendizagem, levando a uma possível conduta adequada dentro do ambiente escolar. Não obstante, a afirmativa da real solução, a fim de sanar a problemática não é exata. Consideramos essencial uma abordagem individualizada sobre cada caso, a fim de sanar ou minimizar o problema. Torna-se imprescindível a conscientização dos pais, professores, alunos e equipe pedagógica a respeito da questão.
Como ponto de partida para diminuir as ocorrências indisciplinares, destacamos os seguintes pontos: revisão dos projetos político-pedagógicos, formação continuada aos professores e equipe pedagógica e implementação do regimento escolar. Entendemos ainda que não existem receitas prontas ou ferramentas capazes de solucionar de forma cabal essa problemática. Entretanto, a educação necessita de mudanças urgentes para cumprir verdadeiramente com a sua finalidade: formar os alunos para o exercício da cidadania. O professor precisa instrumentalizar-se, participar de formação continuada, ser empreendedor para ter condições de exercer sua autoridade com competência, desenvolvendo uma prática pedagógica inovadora e preparar seus alunos para agirem como sujeitos das transformações sociais.
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Publicado em 28 de maio de 2024
Como citar este artigo (ABNT)
BARCELLOS, William Sterchele; BECHER, Valéria. O olhar dos professores e alunos da rede pública de Navegantes e Penha/SC sobre indisciplina no ambiente escolar. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 18, 28 de maio de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/17/o-olhar-dos-professores-e-alunos-da-rede-publica-de-navegantes-e-penhasc-sobre-indisciplina-no-ambiente-escolar
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