Proposta do jogo didático Viagens pelo Universo como ferramenta pedagógica interdisciplinar de Física e Química
Bianca Rehder Mizasse
Licencianda em Ciências Naturais - habilitação em Química (IFSP, Câmpus São João da Boa Vista), ex-bolsista do Pibid (Capes/IFSP)
Tiago Donizete Alves
Licenciando em Ciências Naturais - habilitação em Física (IFSP, Câmpus São João da Boa Vista), ex-bolsista do PIBID (Capes/IFSP)
Andréia Silva Abbiati
Doutora em Educação (Unicamp), docente de Educação/Pedagogia (IFSP, Câmpus São João da Boa Vista), coordenadora de área do Pibid (Capes/IFSP)
A escola é um ambiente importante para a construção do conhecimento científico, de modo que o estudante o compreenda como inerente à sua realidade e aplique os conhecimentos adquiridos e desenvolvidos para a transformação da sociedade em que está inserido. As crianças, nos anos iniciais da vida escolar, anseiam pelos saberes e são fascinadas pela Ciência, o que acaba por ser modificado em sua adolescência, quando são convencidas de que a Ciência não é para elas (Sagan, 2006).
Durante o Ensino Fundamental, os estudantes são instigados à curiosidade a respeito do mundo científico, mas ao chegarem no Ensino Médio são alvos de uma grande frustração quanto aos saberes de Física e da Química, apresentando dificuldades na aprendizagem (Silva et al., 2018). Isso pode ser justificado, dentre outros fatores, pela ausência da interdisciplinaridade, pois a escola permite que o conhecimento tenha um caráter fragmentário. Isso faz com que ele se afaste das vivências dos estudantes (Fazenda, 2015), impedindo a formação integral dos sujeitos, tornando a aprendizagem difícil. Esse caráter fragmentário pode estar presente em todas as etapas da Educação Básica, o que vai ao encontro dos dizeres de Sagan (2006, p. 14), ao afirmar que em sua época de escola primária e secundária “a divisão pormenorizada era ensinada como uma receita culinária, sem nenhuma explicação sobre como essa sequência específica de pequenas divisões, multiplicações e subtrações conseguia conduzir à resposta certa”.
Fazenda (2015) alerta para que a formação escolar de um estudante na sociedade contemporânea deva ser pensada a partir da interdisciplinaridade, pois o mundo globalizado está se dirigindo, cada vez mais, para uma complexidade na qual as disciplinas isoladas e puras são insuficientes, impossibilitando uma compreensão adequada da realidade.
Diante da necessidade de um conhecimento holístico para entender o mundo é preciso ocorrer a integração entre as diferentes áreas do saber as quais, por meio da colaboração, possuem um objetivo em comum. Esse é o papel da interdisciplinaridade que, além de visar à totalidade do conhecimento e proporcionar a interação entre as áreas do saber, de acordo com Champangnatte e Castro (2021, p. 164), sustenta-se por princípios que “visam fomentar a atitude crítica, reflexiva e articuladora que transcende o pensamento disciplinar e dogmatizado”.
A interdisciplinaridade pode ser mais bem efetivada quando o educador repensa sua prática pedagógica e dispõe de ferramentas ativas, como o jogo didático (Champangnatte; Castro, 2021; Fazenda, 2015), o qual Bulhões et al. (2021) ressaltam ser um instrumento pedagógico fundamental para proporcionar autonomia e protagonismo na construção de um conhecimento que compreenda o todo, promovendo a interação entre as diferentes áreas do saber. Além dessa conquista cognitiva, Prado (2018, p. 34) afirma que “o jogo didático lida com a conquista emocional, moral e social”, aspectos que Barros, Miranda e Costa (2019) especificam como: emocional, pois o aluno desenvolve a sensibilidade, a motivação e o interesse, além da moral, uma vez que há a produção de valores e atitudes e social, dado o seu caráter de cooperação e amplificação dos contatos sociais. Dessa forma, tem-se a formação integral do estudante, a partir da interdisciplinaridade, que pode ser fomentada pelo jogo didático, possibilitando não somente a construção do conhecimento científico, mas também dos aspectos imprescindíveis para a prática cidadã no século XXI.
Considerando o exposto, o presente estudo relata a experiência de dois bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), Câmpus São João da Boa Vista (SBV), na criação de um jogo didático como proposta de ferramenta pedagógica interdisciplinar entre Física e Química para possível aplicação no ensino-aprendizagem das temáticas universo e tabela periódica.
O trabalho apresenta a articulação da tríade ciência/interdisciplinaridade/jogos didáticos para a efetiva construção do conhecimento, recorrendo a autores como Alvarez (2017), Barros, Miranda e Costa (2019), Brandão (2021), Bulhões et al. (2021), Fazenda (2015), Prado (2018), Sagan (2006) e Silva et al. (2018). A seção da metodologia está contextualizada e é específica para a criação do jogo didático Viagens pelo Universo pelos bolsistas do Pibid do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), Câmpus São João da Boa Vista (SBV). Em seguida, discute-se como esse jogo pretende promover a interdisciplinaridade com a possível aplicação aos estudantes da 1ª série do Ensino Médio. As considerações finais e os agradecimentos são apresentados na sequência.
Ciência, interdisciplinaridade e jogos didáticos: tríade essencial para a construção do conhecimento
A Ciência é uma área do saber inerente à sociedade. Ela permite a compreensão do mundo em diversos aspectos, abrangendo desde as leis que regem a natureza até outros conhecimentos que também foram devidamente comprovados por meio do método científico. Para Sagan (2006, p. 43), a Ciência é “mais do que um corpo de conhecimento, é um modo de pensar”.
Decerto, seu uso pode ser para o bem, assim como para o mal; por esse motivo, a Ciência é considerada um objeto neutro, mas independentemente da sua aplicação, “a ciência é um meio de desmascarar aqueles que apenas fingem conhecer, é um baluarte contra o misticismo, contra a superstição” (Sagan, 2006, p. 59).
Sem a ciência, o espaço deixado por ela é preenchido pela credulidade e pela aceitação do que é imposto, sem criticidade, o que pode se tornar um perigo individual e coletivo. Essa ignorância, assumida por aquele que não se sustenta na Ciência, é a chave para a porta da destruição do ser humano, que vive em um planeta onde a crise sanitária, provocada pela covid-19, a crise humanitária, com o desemprego, a pobreza e a fome e a crise ambiental, devido ao desmatamento florestal, o aquecimento global, às mudanças climáticas, à poluição e à escassez de água, são provas mais do que suficientes de que tal credulidade gera resultados catastróficos. Alvarez (2017, p. 33) ressalta que “não entender nem o básico sobre ciências faz com que o país identifique poucos talentos, o que afeta a rotina das pessoas, influenciando negativamente sua qualidade de vida”.
Percebe-se, assim, o quanto o conhecimento científico se torna importante para o ser humano, mas é significativa a quantidade de pessoas que não atribui o devido valor à Ciência, pois imaginam que ela esteja distante de sua realidade, consistindo-se em um conhecimento destinado a poucos, ou ainda, inalcançável pelas “pessoas comuns”, e, principalmente, um conhecimento extremamente difícil (Alvarez, 2017).
Isso é observado dentro das salas de aula de Educação Básica, nas quais os estudantes apresentam dificuldades em aprender as Ciências Naturais, especificamente a Física e a Química (Silva et al., 2018). Em seu livro O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro, Carl Sagan (2006, p. 349) questiona: “Por que tantas pessoas acham difícil aprender e ensinar ciência?”. Juntamente com essa pergunta, poderia ser questionado: “Por que alguns estudantes apresentam dificuldades em aprender Física e Química?”.
Essas duas disciplinas são taxadas, erroneamente, de difíceis devido às suas teorias, cálculos matemáticos, nomenclaturas, símbolos e gráficos. Silva et al. (2018) consideram que, além das características dessas duas subáreas da Ciência, outros fatores influenciam a rejeição pelos estudantes, como quantidades insuficientes de aulas, desmotivação, tanto por parte dos estudantes quanto dos professores, persistência na educação bancária, atribuindo ao estudante o papel de sujeito passivo e receptor de informações depositadas pelo professor, desatualização dos conteúdos e distanciamento desses do cotidiano do estudante e má formação dos docentes.
No entanto, embora esses fatores busquem explicar o motivo pelo qual os estudantes se frustram com os saberes da Ciência, a fragmentação desse conhecimento existente nos currículos escolares justifica, de maneira mais convincente, essa dificuldade encontrada (Alvarez, 2017; Araújo; Félix; Silva, 2019). Para Alvarez (2017, p. 30), “o ensino é um mar sem sentidos. As coisas não se conectam. Desde os anos 1980, há um movimento para tentar ligar as Ciências ao cotidiano. A Ciência é uma forma de entender e explicar o mundo que nos rodeia, mas essa conexão não é feita”.
A interdisciplinaridade é um caminho importante para a construção de uma compreensão holística do mundo, uma vez que ela “significa a convocação [...] de diferentes disciplinas em volta de um mesmo tema, área ou campo [...] e pressupõe respeito mútuo, diálogo e, sobretudo, dinâmica coletiva” (Brandão, 2021, p. 270). Fazenda (2015), assim como Brandão (2021), defende que, dentre vários outros motivos, a interdisciplinaridade deve ser trabalhada dado o caráter complexo da sociedade moderna, sendo urgente a necessidade do diálogo entre as áreas do saber.
Entretanto, um ensino-aprendizagem interdisciplinar exige mudanças nas metodologias aplicadas, um trabalho que se torna mais fácil quando o docente possui uma formação interdisciplinar (Fazenda, 2015). No entanto, para os professores com formação restrita à interdisciplinaridade, devem estar dispostos a assumir o compromisso com práticas inovadoras, exigindo, de acordo com Champangnatte e Castro (2021, p. 163), “um esforço duplo por conta do educador, o de se modificar e o de modificar a maneira de trabalhar na sala de aula dentro de toda uma lógica de ensino que não facilita a real implementação da interdisciplinaridade”.
Na mudança das metodologias aplicadas é viável a utilização de ferramentas didáticas lúdicas, como os jogos, os quais, segundo alguns autores (Barros; Miranda; Costa, 2019; Bulhõeset al., 2021), contribuem para que o estudante seja um sujeito ativo no processo de construção do saber em sua totalidade. Os jogos didáticos consistem em um recurso importante para a interação entre as diferentes áreas, facilitando o papel da escola em fomentar no estudante “habilidades e competências que o torne um cidadão completo” (Barros; Miranda; Costa, 2019, p. 2). Essa formação integral ocorre à medida que, além dos jogos didáticos desenvolverem os aspectos emocionais, morais e sociais, como afirmam Prado (2018) e Barros, Miranda e Costa (2019), possibilita o trabalho do cognitivo, uma vez que “atuam no processo de apropriação do conhecimento, permitindo o desenvolvimento de competências, o desenvolvimento espontâneo e criativo” (Barros; Miranda; Costa, 2019, p. 2).
Ademais, para Vygotsky (1989 apud Prado, 2018, p. 28), os jogos didáticos também possibilitam ao indivíduo “aprender a agir, sua curiosidade é estimulada, adquire iniciativa e autoconfiança, proporciona o desenvolvimento da linguagem, do pensamento e da concentração”, características que evidenciam o desenvolvimento integral dos estudantes, a partir da interdisciplinaridade fomentada pelos jogos didáticos, contribuindo para romper com a credulidade na medida em que desenvolve um sujeito cético e crítico, que se sustenta no conhecimento científico.
Os jogos didáticos podem ser um recurso significativo para os estudos das áreas científicas, como a Física e a Química. Isso posto, a Ciência, a interdisciplinaridade e os jogos didáticos demonstram ser uma tríade fundamental para que o estudante construa o conhecimento científico e saiba aplicá-lo nas diversas situações do seu cotidiano.
Metodologia
O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), vinculado à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), tem como objetivo geral “contribuir para o aperfeiçoamento da formação de docentes em nível superior e para a melhoria de qualidade da educação básica pública brasileira” (Brasil, 2022). Tal contribuição ocorre por meio do desenvolvimento de diversas atividades no decorrer dos dezoito meses de duração do programa.
No âmbito do IFSP, Câmpus São João da Boa Vista, uma das atividades elaboradas no Pibid foi a criação do jogo didático Viagens pelo Universo como proposta de ferramenta pedagógica interdisciplinar entre Física e Química para possível aplicação no ensino-aprendizagem das temáticas universo e tabela periódica, destinado aos estudantes da 1ª série do Ensino Médio. O jogo foi criado por dois bolsistas do programa – uma estudante do curso de Licenciatura em Ciências Naturais, com habilitação em Química, e um estudante do curso com habilitação em Física – de maneira remota, ao longo dos meses de fevereiro a abril de 2021, devido à pandemia da covid-19. Assim, utilizaram videochamadas pela plataforma Google Meet e comunicação via e-mail e WhatsApp.
A primeira etapa da atividade consistiu na escolha do tipo de jogo, público-alvo e objetivos. Optou-se pelo jogo de tabuleiro por ser uma ferramenta milenar que ainda possui contribuições significativas para a educação, uma vez que, com a utilização dos jogos de tabuleiro, o estudante “desenvolve tanto a parte cognitiva como a afetiva, dentro do contexto e da cultura em que existem. Eles trabalham a disciplina, a concentração, a interação e estratégia” (Tavares, 2021, p. 85). Ainda nos dizeres de Tavares (2021, p. 87), a definição de jogos de tabuleiro envolve pessoas e regras básicas, encaixando-se na categoria de jogos intelectuais, “posto que neles encontramos a presença da sorte e da inteligência, da estratégia e da sagacidade, assim como a mistura dos dois”.
Para a criação do próprio jogo, os bolsistas utilizaram algumas características dos jogos de tabuleiros modernos, tais como: “regras simples, duração rápida, alto grau de interação entre jogadores, componentes em boas condições de uso, ênfase na estratégia em preferência à sorte, temas bem definidos, [...] e mecânicas inovadoras” (Tavares, 2021, p. 89).
O objetivo definido para o jogo didático diz respeito à construção dos conhecimentos sobre o universo e a tabela periódica, a partir de uma perspectiva interdisciplinar entre Física e Química, promovendo a formação integral do indivíduo, desenvolvendo o cognitivo, o emocional, o moral e o social, tornando-o cético e crítico a fim de que se baseie no conhecimento científico diante de suas vivências.
Na segunda etapa, os bolsistas realizaram um estudo do Currículo Paulista do Ensino Médio, o qual está alinhado com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e verificaram que a temática escolhida pertence à área Vida, Terra e Cosmos, sendo necessário o desenvolvimento da habilidade interdisciplinar entre Física e Química, a qual se caracteriza por
analisar a evolução estelar associando-a aos modelos de origem e distribuição dos elementos químicos no universo, compreendendo suas relações com as condições necessárias ao surgimento de sistemas solares e planetários, suas estruturas e composições e as possibilidades de existência de vida (Brasil, 2018, p. 557, grifo nosso).
Para sustentar essa habilidade, foram selecionados os conteúdos de Física: origem e composição do universo, estrutura e composição do Sistema Solar e características dos planetas do Sistema Solar. Quanto aos conteúdos de Química, destacam-se: classificação e organização dos elementos químicos da tabela periódica a partir do número atômico, período, grupo ou família, e propriedades periódicas.
O Currículo Paulista do Ensino Médio também defende a necessidade de os conteúdos estarem articulados com pelo menos um dos quatro eixos estruturantes: investigação científica, processos criativos, mediação e intervenção sociocultural, e empreendedorismo (São Paulo, 2020). Dessa forma, foram escolhidos os eixos investigação científica e mediação e intervenção sociocultural para contribuir na formação interdisciplinar dos estudantes.
Para a próxima etapa, os bolsistas selecionaram as referências, a fim de estruturar o jogo de tabuleiro, estudando livros didáticos de Física e Química; Currículo em Ação: Matemática, Ciências da Natureza e suas Tecnologias; artigos científicos indexados ao Google Scholar e sites da internet para a elaboração das cartas, e utilizaram a plataforma Microsoft PowerPointpara o layout. Após finalizado, o jogo recebeu o nome Viagens pelo Universo.
O jogo didático Viagens pelo Universo
O jogo é constituído por um tabuleiro (Figura 1) com 35 casas intercaladas em quatro subtemas; sete casas se referem ao subtema Universo, sete casas dizem respeito aos Conhecimentos Gerais do Sistema Solar, dezesseis casas se referem aos Planetas do Sistema Solar, quatro casas envolvem Curiosidades da temática e uma casa para partida e chegada dos jogadores. Há também um dado, dois pinos e duas tabelas periódicas.
Figura 1: Tabuleiro do jogo
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
O jogo ainda conta com 72 fichas, divididas em 36 fichas com perguntas interdisciplinares e 36 com as respectivas respostas sobre cada subtema: Universo, oito fichas; Conhecimentos Gerais do Sistema Solar, oito fichas; Planetas do Sistema Solar, dezesseis fichas; Curiosidades, quatro fichas. Todas as peças do jogo estão disponíveis no link: https://drive.google.com/drive/folders/1n1-unfkm-0fyAjSUgqv-XU-UCjGXSper?usp=sharing.
Regras do jogo
Inicialmente, é necessária a escolha de quatro estudantes, denominados juízes; cada um é responsável pelas fichas de um dos quatro subtemas mencionados e o restante da classe deve ser dividido em dois grandes grupos, os quais escolherão um líder para tirar a sorte de decidir qual grupo inicia a partida.
O grupo que retira o maior número, joga novamente o dado e movimenta o pino na quantidade de casas no tabuleiro. Ao posicionar-se na última casa, indicada pelo dado, o grupo deve verificar qual subtema (Universo, Conhecimentos Gerais do Sistema Solar e Planetas do Sistema Solar) a casa pertence e convocar o juiz correspondente para ler a pergunta. O grupo pode dialogar sobre a resposta e, em seguida, confirmá-la ao juiz, o qual deve averiguar a veracidade, de acordo com a ficha resposta. As casas referentes ao subtema Curiosidades não exigem a resolução de problemas, mas indicam a realização de um experimento com a colaboração de todos os integrantes do grupo e a mediação do professor na discussão.
Quando o grupo acerta as respostas, permanece na mesma casa; no entanto, se errar, retorna duas casas. As casas Curiosidades são consideradas coringas, uma vez que, ao finalizar o que se pede neste subtema, o grupo prossegue duas casas no tabuleiro. O jogo se encerra quando os dois grupos chegam à última casa, possibilitando que todos os jogadores tenham a oportunidade de responder ao máximo de perguntas e participar dos experimentos.
A interdisciplinaridade entre Física e Química fomentada pelo jogo
O objeto de conhecimento Física pode ser evidenciado na Figura 2, a qual se refere ao subtema Universo.
Figura 2: Exemplo de ficha do subtema Universo
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
Nota-se a abordagem da Física por meio de conceitos, um caráter discutido por Silva et al. (2018), que alertam para um ensino-aprendizagem dos fenômenos físicos restrito aos cálculos, provocando, consequentemente, frustração nos estudantes e bloqueio em seu processo de construção. Para esses autores, “contextualizar os conteúdos e explicar os fenômenos físicos envolvidos em um determinado conteúdo são maneiras de melhor envolver o aluno no processo e garantir uma melhor assimilação de conceitos” (Silva et al., 2018, p. 832).
A contextualização do conceito de Big Bang, destacado pela ficha, evidencia uma preocupação quanto à existência de teorias científicas em detrimento das crenças e mitos sobre o surgimento do Universo, indicando aos estudantes a presença da pseudociência no campo científico. Ao aproximar a Ciência dos estudantes, é possível minimizar a construção de argumentos alicerçados em um ceticismo perturbador, não abrindo espaços para a fundamentação nas pseudociências e negação do conhecimento científico (Sagan, 2006). Esse autor alerta sobre a predominância das pseudociências na sociedade atual, enfatizando que “não é preciso grande coisa para brincar com nossas crenças [...] é fácil enganar o público quando as pessoas estão solitárias e famintas de algo em que acreditar” (Sagan, 2006, p. 277).
Com isso, essa ficha do jogo traça uma preocupação para além da simples construção de conceitos do fenômeno físico Big Bang, envolvendo a compreensão de que a Ciência se distancia da pseudociência devido a esta estar alicerçada em opiniões, achismos e crenças, sem fundamentação teórica e/ou empírica. O desenvolvimento de um sujeito crítico se faz imprescindível para a atuação cidadã no século XXI, caráter discutido por Prado (2018) e Barros, Miranda e Costa (2019), como uma das contribuições da utilização de jogos didáticos em sala de aula.
A Figura 3 diz respeito a uma ficha do subtema Curiosidades e apresenta conteúdos relacionados à Química.
Figura 3: Exemplo de ficha do subtema Curiosidades
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
Essa ficha visa permitir aos jogadores a prática experimental para construir o conhecimento químico sobre a ocorrência de reações explosivas, relacionando-as às explosões no interior do Sol, considerando as diferenças de proporções e a existência de outros fatores que diferenciam as explosões obtidas com o experimento daquelas existentes no Sol.
Com esse exemplo, identifica-se a consonância do jogo com o estudo de Araújo, Félix e Silva (2019), no qual os autores apontam a necessidade de aulas experimentais de Química, bem como a utilização de jogos com o intuito de potencializar o processo de ensino-aprendizagem interdisciplinar e despertar maior interesse dos estudantes. Tal demanda por práticas experimentais não se restringe à Química. Silva et al. (2018) defendem o quão enriquecedor pode ser o uso de experimentos em aulas de Física.
Tanto a Física quanto a Química podem ser difíceis de serem trabalhadas em sala de aula (Araújo; Félix; Silva, 2019; Silva et al., 2018). No entanto, Sagan (2006, p. 359) posiciona-se em relação à dificuldade de ensinar e aprender ciências, defendendo que isso não ocorre “porque os seres humanos não estão preparados para esse tipo de conhecimento, ou porque ela nasceu apenas por um acaso feliz, ou porque, de modo geral, não temos bastante inteligência para compreendê-la”. Para Araújo, Félix e Silva (2019), essas dificuldades podem ocorrer pela ausência de práticas educativas cujo caráter seja interdisciplinar.
Embora haja interdisciplinaridade no jogo Viagens pelo Universo com as fichas específicas de conteúdos de Física e Química, as fichas do subtema Planetas do Sistema Solar apresentam caráter interdisciplinar ao conectar os dois objetos do conhecimento, como evidenciado pela Figura 4.
Figura 4: Exemplo de ficha do subtema Planetas do Sistema Solar
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
Percebe-se o cuidado em estabelecer a relação entre a Física e a Química ao abordar algumas características do planeta Terra, como localização e temperatura, e associá-las ao efeito estufa e seus principais gases, como dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4), compreendendo sua classificação na tabela periódica. Essa tentativa interdisciplinar, mesmo que superficial, corrobora com os pensamentos de Champangnatte e Castro (2021) ao fomentar a centralidade no estudante, durante seu processo de construção do conhecimento, por meio da conexão entre diferentes áreas de saberes, visando à compreensão holística das situações vivenciadas e, consequentemente, atitudes críticas para solucionar os problemas enfrentados.
Com o diálogo entre essas duas áreas presentes na ficha da figura 4, o estudante tem a possibilidade de entender que, embora o efeito estufa seja sumamente importante para a manutenção da vida no planeta Terra, por meio da regulação da temperatura, um caráter físico, o aumento de seus gases é prejudicial aos seres vivos devido às suas características químicas.
Essa ficha do subtema Planetas do Sistema Solar valoriza a interdisciplinaridade juntamente com os eixos estruturantes investigação científica e mediação e intervenção sociocultural, defendidos pelo Currículo Paulista. O primeiro eixo visa despertar a curiosidade dos estudantes e permitir-lhes desenvolver o olhar mais atencioso aos fatos das ciências, assim como visa o letramento científico (São Paulo, 2020). Uma pesquisa sobre letramento científico brasileiro, feita em 2014 pelo Instituto Abramundo, apontou que “64% da população ficou nos níveis 1 e 2, o que significa a inexistência de letramento científico ou letramento apenas rudimentar” (Alvarez, 2017, p. 33).
É possível identificar, nos exemplos das fichas analisadas, a potencialidade do jogo em oferecer o letramento científico por meio do estudo de linguagem específica das Ciências, como nomenclaturas e símbolos dos gases dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4), sua relação com os conceitos e fenômenos físicos e químicos referentes ao efeito estufa, evidenciando a conexão entre universo e tabela periódica.
O segundo eixo estruturante, Mediação e Intervenção Sociocultural, destaca o “estudo de problemas e as soluções propostas de modo a oferecer uma intervenção significativa e respeitosa, que possa, de fato, contribuir para a promoção da melhoria da qualidade de vida de determinada comunidade” (São Paulo, 2020, p. 219). Isso pode ser constatado na Figura 4, a qual envolve os problemas da sociedade atual, como o efeito estufa e o aquecimento global, a fim de oferecer uma reflexão sobre possíveis ações a serem realizadas para minimizar os impactos no meio ambiente e melhorar a qualidade de vida das pessoas. Brandão (2021, p. 276) ressalta a importância da abordagem interdisciplinar para a “resolução de problemas sinalizados e delimitados pelos agentes sociais, culturais, econômicos e políticos, dos quais se destacam os grandes desafios da globalização”.
Barros, Miranda e Costa (2019, p. 3) defendem que “os jogos didáticos se destacam como uma ferramenta dinâmica que proporciona resultados eficazes no processo de ensino aprendizagem”. No entanto, para Prado (2018), embora esse tipo de ferramenta possibilite maior prazer no processo de ensino-aprendizagem, faz-se necessário a intervenção e mediação do professor para uma melhor efetividade da construção do conhecimento.
O jogo Viagens pelo Universo pode ser utilizado como ferramenta pedagógica para desmistificar as crenças de que a Física e a Química são difíceis (Araújo; Félix; Silva, 2019; Silva et al., 2018) e mostrar aos estudantes, por meio da interdisciplinaridade, o motivo e a necessidade de estudar os conteúdos propostos e como aplicá-los nas realidades vivenciadas. Sagan (2006, p. 384) reforça a necessidade de os docentes utilizarem metodologias e ferramentas estimulantes, pois “se a Ciência é apresentada de forma divertida, as crianças vão querer aprender”.
Essa potencialidade do jogo criado em fomentar tanto a interdisciplinaridade quanto a construção dos saberes científicos, possibilitando a valorização do conhecimento e o pensamento crítico, vai ao encontro dos dizeres de autores como Barros, Miranda e Costa (2019), Bulhões et al. (2021) e Prado (2018) no que tange ao fato de os jogos didáticos consistirem em ferramentas lúdicas facilitadoras do desenvolvimento do sujeito, considerando aspectos cognitivos, sociais, culturais, dentre outros.
Considerações finais
As principais dificuldades dos alunos em relação à aprendizagem das ciências, especificamente a Física e a Química, são decorrentes, dentre outros motivos, da ausência de um conhecimento interdisciplinar, o qual promove a compreensão holística do mundo vivido. Para usar da interdisciplinaridade, faz-se necessário o docente recorrer a ferramentas como, por exemplo, o uso de jogos, nos quais os estudantes são assumidos como sujeitos construtores do seu conhecimento.
O objetivo deste estudo consistiu em relatar a experiência de dois bolsistas do Pibid do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), Câmpus São João da Boa Vista, na criação de um jogo didático como proposta de ferramenta pedagógica interdisciplinar entre Física e Química para possível aplicação no ensino-aprendizagem das temáticas universo e tabela periódica.
Intitulado Viagens pelo Universo, verifica-se que o jogo didático criado pretende uma interdisciplinar entre Física e Química na construção de conhecimentos por estudantes da 1ª série do Ensino Médio, apresentando, com sua possível aplicação, um potencial para o desenvolvimento integral do sujeito quanto aos aspectos cognitivos, sociais, morais, éticos e outros. Para além da valorização de conceitos dos fenômenos físicos e químicos, em detrimento de cálculos, o jogo fomenta o letramento científico, a resolução de problemas inerentes à realidade dos estudantes e a formação crítica pautada nas Ciências.
Relatar a experiência da construção do jogo Viagens pelo Universo abre espaços para dialogar sobre o processo de ensino-aprendizagem da Física e da Química no Ensino Médio. É urgente a necessidade de utilizar metodologias e ferramentas interdisciplinares, não somente para os estudantes saberem aplicar os conhecimentos científicos no cotidiano, mas para se desenvolverem em sua integralidade, a fim de exercerem a prática cidadã consciente, viabilizando transformações na realidade em que estão inseridos.
Portanto, os estudos de jogos didáticos para a educação científica são cada vez mais necessários, principalmente no que diz respeito aos saberes nos quais os alunos apresentam maiores dificuldades. Embora sejam aprendidos por meio de jogos, esses saberes não farão sentido se desconectados ou descontextualizados. Dessa forma, a interdisciplinaridade traz relevância como mecanismo para superar os saberes fragmentados.
Referências
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Agradecimentos
Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela efetivação do Edital nº 02/20, do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência no âmbito do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, do Câmpus São João da Boa Vista.
Publicado em 28 de maio de 2024
Como citar este artigo (ABNT)
MIZASSE, Bianca Rehder; ALVES, Tiago Donizete; ABBIATI, Andréia Silva. Proposta do jogo didático Viagens pelo Universo como ferramenta pedagógica interdisciplinar de Física e Química. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 18, 28 de maio de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/18/proposta-do-jogo-didatico-viagens-pelo-universo-como-ferramenta-pedagogica-interdisciplinar-de-fisica-e-quimica
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