O intérprete de Libras como suporte ao trabalho docente: parceria de trabalho visando ao discente surdo

Jonas Bento de Godoi

Professor colaborador: tradutor e intérprete de Libras/Língua Portuguesa na FAED/Udesc, mestrando em Educação (PPGE/Udesc)

Alan Marlon de Mattos

Professor colaborador: tradutor e intérprete de Libras/Língua Portuguesa na Unicentro, mestre em Letras (PPGL/Unicentro)

Lourival José Martins Filho

Professor titular de Alfabetização e Didática da Udesc, bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq 2

Este artigo é fruto de pesquisa desenvolvida por integrantes de programas de pós-graduação do Sul do Brasil. Retratamos o papel dos tradutores intérpretes de língua de sinais (TILS) em sala de aula; doravante chamaremos de intérprete educacional. Lacerda (2009) enfatiza que recebe essa terminologia por ser um profissional atuante no contexto educacional, sendo importante fazer a diferenciação em relação aos demais profissionais tradutores intérpretes que atuam em outras áreas. Pretende-se compreender de que forma podem auxiliar os professores na construção de um currículo adaptado para atender as especificidades dos discentes surdos.

Compreendemos, então, a importância de esse profissional estar inserido no ambiente escolar e fazer parte dos planejamentos pedagógicos, principalmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental, pois é a base do processo educacional, e sua presença é significativa para que ocorra o processo de ensino-aprendizagem, influenciando e motivando os estudantes surdos, incluindo as técnicas utilizadas pelo professor e pelo intérprete para transmitir as informações, oportunizando uma diversidade de estilos de aprendizagem. É importante destacar que o processo de ensino-aprendizagem pode ser adaptado e personalizado para atender às necessidades e características individuais desses alunos. Portanto, se torna necessária uma prática conjunta e incessante entre os docentes e os intérpretes educacionais.

Assim, no primeiro momento discutimos a importância da presença do intérprete educacional nos anos iniciais do Ensino Fundamental, refletindo sobre o seu papel. Em um segundo momento, abordamos a atuação desse profissional no contexto escolar de modo geral, para promover uma reflexão da prática docente tanto dos professores como do intérprete, na defesa de uma parceria para alcançar a aprendizagem significativa dos estudantes surdos. Ao findar, espera-se que seja compreendida a importância dessa discussão no que tange ao trabalho de parceria entre docentes e intérpretes educacionais.

O papel do intérprete de Libras em sala de aula: contexto histórico e político

A interpretação é uma atividade antiga na história; os primeiros intérpretes de línguas orais estavam presentes já na Antiguidade; eram os chamados hermeneutas, que buscavam interpretar a voz divina. Antes do Renascimento, os intérpretes eram pouco mencionados e não recebiam o tratamento nem o conhecimento adequado para exercer suas funções (Lacerda, 2015).

Na Antiguidade não havia distinção entre os intérpretes como se vê na Modernidade, em que são classificados de acordo com as suas funções – por serviços prestados ao Estado, igrejas, conferências, palestras, enfim diversos papéis, de acordo com o lugar onde o intérprete realiza seu trabalho (Lacerda, 2015).

Do final do século XIX até meados do século XX se realizavam no Brasil as primeiras iniciativas específicas para a escolarização dos surdos com caráter filantrópico e assistencialista (Lacerda, 2015). Durante esse período, grupos de surdos também estavam no ensino regular, contudo sem ter acesso a atendimento diferenciado. Ou seja, imperava a lógica da integração, na qual cabia ao próprio indivíduo adaptar-se às características desse sistema educacional.

Embora Dom Pedro II tenha criado em 1857 o Imperial Instituto de Surdos-Mudos, atualmente Instituto Nacional de Educação para Surdos (INES), foi somente a partir de 1980 que se iniciaram os trabalhos profissionais dos intérpretes em contextos religiosos, com o objetivo de evangelizar os surdos (Cruz, 2016).

No ano de 1988 realizava-se o I Encontro Nacional de Intérpretes de Língua de Sinais, que propiciou trocas de experiências entre os intérpretes. Tal evento foi importante para o fortalecimento da comunidade surda, pois a partir dele os intérpretes foram sendo valorizados e os surdos começaram a ter maior visibilidade na sociedade (Quadros, 2004).

Na década de 1990, as propostas que objetivavam a inclusão dos surdos no ensino regular passaram a ser reformuladas com base em uma perspectiva voltada para reconhecer e considerar suas especificidades na elaboração de propostas pedagógicas (Guarinello et al., 2006). Com o amparo da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), foram estabelecidas nesse mesmo período as unidades intérpretes.

Um importante avanço político para a inclusão das pessoas surdas ocorreu em 2002, com a aprovação da Lei n° 10.436 (Brasil, 2002) que reconheceu a Libras como língua legal de comunicação, com estrutura gramatical própria. O regulamento dessa lei se deu em 2005, com o Decreto nº 5.626 (Brasil, 2005), que aponta o tradutor/intérprete de língua de sinais como o responsável pela interpretação de uma língua para outra.

A história dos intérpretes de Libras, diferentemente dos orais, ainda está em construção, tanto no campo da política e da formação profissional como da própria categoria. Isso ocorre porque até pouco tempo não eram considerados profissionais e não havia qualquer tipo de remuneração para o trabalho exercido.

No que envolve as políticas de formação para exercício da profissão, cabe considerar que somente em 2010 foi reconhecida nacionalmente a atuação desse profissional, por meio da Lei n° 12.319 (Brasil, 2010). Apesar de tardia, tal política possibilitou um avanço no reconhecimento no trabalho profissional dos TILS, pois apresentou as competências para o exercício da profissão.

O Plano Nacional de Educação (PNE) (Brasil, 2014), em sua meta 4, ressalta a inclusão das pessoas com deficiências a partir dos quatro anos de idade na rede regular de ensino, ofertando a elas atendimentos especializados de acordo com suas necessidades, além de falar na formação de professores para o trabalho inclusivo. Destaca-se a importância do PNE ao ressaltar a inclusão como um direito da criança com deficiência.

Cabe considerar o Estatuto da Pessoa com Deficiência, pela Lei n° 13.146 (Brasil, 2015), que assegura no contexto da escola inclusiva a educação em Libras para surdos por meio do intérprete de Libras. A inclusão de alunos surdos na escola se encontra atrelada à defesa da inclusão do aluno deficiente na sociedade.

De acordo com Lacerda (2006), a partir da década de 1990 se difundiu a defesa de uma política educacional de inclusão dos sujeitos com necessidades educativas especiais. Notamos isso a partir da Declaração de Salamanca (1994), como um marco importante na história para que as pessoas com deficiências tivessem posteriormente sua inclusão no ensino regular.

Como reflexo dessas mudanças, os Arts. 58 e 59 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) (Brasil, 1996) estabelecem as condições para a inclusão da criança na escola:

Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender as peculiaridades da clientela de Educação Especial. [...]

§ 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns do ensino regular. A oferta da Educação Especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a Educação Infantil.

Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica para atender às suas necessidades.

Como vimos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996) garante o acesso e a permanência do aluno com deficiência na escola, preferencialmente no ensino regular. Atualmente, todo o avanço que envolve a inserção de surdos no contexto escolar ocorre com um movimento muito amplo de luta para a participação do surdo em diversos contextos sociais, inclusive a escola.

A Língua Brasileira de Sinais (Libras), por ter semelhança com as línguas orais em sua composição gramatical, foi oficializada Língua no Brasil, por ser a primeira língua utilizada pela comunidade surda (Brasil, 2002). A partir disso, pode-se refletir sobre o quão importante é que se priorize primeiramente o ensino dela para os surdos, visto que é o meio natural de comunicação e expressão do sujeito, sendo “fundamental, pois, sem ela, as relações mais aprofundadas são impossíveis, não se pode falar de sentimentos, de emoções, de dúvidas, de pontos de vistas diversos” (Lacerda; Santos, 2013, p. 56).

A Política Nacional de Educação Especial (Brasil, 2008) aborda o reconhecimento da língua de sinais e a garantia das formas de apoiar seu uso e difusão. Tais avanços em relação à inclusão do aluno surdo não se realizaram sem um longo caminho percorrido pela comunidade surda na busca de estabelecer direitos de inclusão social.

Nesse processo de inclusão, nota-se a importância da atuação do intérprete de Libras em todos os contextos, principalmente no ambiente educacional. É bem recente essa conquista: somente com a regulamentação da Lei da Acessibilidade, pelo Decreto n° 5.296/04 (Brasil, 2004) começou a ser priorizado o atendimento às pessoas surdas por meio do intérprete.

Cabe considerar aqui a importância dos movimentos sociais na luta para a inclusão dos estudantes surdos no âmbito escolar, não apenas visando a integração do sujeito, mas na defesa de uma real inclusão que possibilite a aprendizagem dele.

A presença do intérprete educacional no contexto escolar é imprescindível, pois por meio dele ocorre o primeiro contato com a língua de sinais e o aprendizado dela. Desse modo, o contato com essa língua dependerá de usuários de Libras – sua língua oficial para acesso à linguagem e, em muitos contextos educacionais, da presença do intérprete de Libras (Lacerda, 2015).

A presença do intérprete educacional, tanto na Educação Infantil como no Ensino Fundamental, possibilita ao surdo uma aprendizagem significativa que poderá se desenvolver de forma integral, seja em seu processo de ensino, seja na aquisição de sua língua, seja em outros aspectos de conhecimento do seu próprio mundo. No contato com sua língua materna, a criança surda encontra no intérprete um auxílio para o desenvolvimento da sua comunicação. O intérprete proporciona ao surdo a apropriação de uma língua que para ele é natural. Sem a presença do intérprete na escola, o discente não pode desenvolver a sua formação integral.

Outro ponto a se considerar é que a falta do intérprete na escola potencializa a dificuldade do estudante em se comunicar; isso pode afetar o comportamento do aluno surdo. Assim, os resultados da falta de comunicação, de compreensão de si mesmo e do mundo à sua volta podem gerar comportamentos de indisciplina e até mesmo de agressividade, devido ao fato de não entender e não ser entendido.

O trabalho do intérprete educacional na escola é extremamente importante e significativo, pois afetará o futuro dos surdos. Destaca-se neste texto a importância desse trabalho nas fases iniciais, pois, se for bem desenvolvido, é provável que nos próximos anos os escolares terão poucas dificuldades na compreensão e na assimilação de conteúdos.

A preocupação do intérprete no ambiente escolar não está somente na questão pedagógica, como aponta Lacerda (2015, p. 28): “não basta o profissional ter apenas conhecimento da língua de sinais, [é importante] ele ter boa fluência e ser versátil para interpretá-la para a língua portuguesa e vice-versa”. Ou seja, é necessário que ele realmente saiba as atribuições que envolvem o escopo do seu trabalho; destacam-se o auxílio ao surdo no pertencimento à comunidade surda, a valorização e o conhecimento de uma cultura, uma língua que valoriza o aluno, bem como a interpretação para a língua de sinais. Para tanto, se faz necessário que esse profissional possua fundamentos sólidos em conhecimentos que envolvem a educação, ressaltando os processos de alfabetização e letramento, a organização curricular, didática e a pesquisa, entre outros fundamentos necessários para a formação do intérprete educacional.

A presença do intérprete nesses contextos é importantíssima para que o surdo se entenda e se aceite como surdo e parte integrante de uma comunidade. Cabe considerar que quanto mais cedo essa inserção aconteça mais o aluno surdo é favorecido na formação de sua identidade, pois vai desenvolvendo sua comunicação e conseguindo se expressar. Com isso, barreiras existentes são quebradas; afinal, estará com alguém que o compreenda e busque encontrar meios para a construção de uma aprendizagem com significado.

Tudo isso só é válido quando os professores e o intérprete falam a mesma língua, ou seja, quando há real parceria para a aprendizagem do surdo ser significativa. Tanto o intérprete quanto os professores precisam abrir espaço para sugestões e ideias que levem mais significação ao surdo; do mesmo modo, é necessário contemplar as adequações para que o aluno seja formado em sua totalidade.

Para que as finalidades da escola sejam alcançadas, é preciso fazer com que ele tenha conhecimentos básicos para compreender a si mesmo e o mundo à sua volta. Vale considerar que tais finalidades envolvem principalmente a aprendizagem significativa e desenvolvem a comunicação e a linguagem do surdo.

Para que as finalidades de aprendizagem da criança surda sejam atingidas, cabe aos docentes compreender o papel do intérprete em sala de aula. A partir disso é necessário que a visão sobre esse profissional não seja a de que ele é um fiscalizador da aula, como afirmam Lacerda e Santos (2013, p. 195): “devemos lembrar que esse profissional possibilitará o acesso às informações e aos conteúdos ministrados pelo professor ao estudante surdo, traduzindo e interpretando da língua de sinais para língua portuguesa e vice-versa”.

De acordo com a Lei nº 12.319/10 (Brasil, 2010) o intérprete de Libras é aquele qualificado por meio do exame de proficiência para fazer a interpretação simultânea ou consecutiva de duas línguas. Com fluência na Língua Brasileira de Sinais, o intérprete é capaz de realizar a comunicação em diversos ambientes entre surdos e ouvintes, surdos e surdos, surdos e surdos-cegos, surdos-cegos e ouvinte, por meio da Libras para língua oral e vice e versa.

O Decreto n° 5.626/05 (Brasil, 2005) discute a formação do tradutor e intérprete de Libras, enfatizando que ela deve se efetivar por meio de curso superior em interpretação e tradução, com habilitação em Libras/Língua Portuguesa, ou pela banca examinadora de proficiência. A função do tradutor e intérprete de Libras é diferente da dos professores de área; dessa forma, podemos aqui ter referência de que o intérprete não é um professor, ele é apenas um canal de comunicação entre as línguas.

No ambiente educacional, a presença do intérprete educacional é extremamente importante para que o surdo tenha condições favoráveis de aprendizado, pois é ele a ponte de comunicação entre o surdo, os professores e demais pessoas, sendo fundamental no processo de ensino-aprendizagem. Partindo da necessidade e da compreensão da importância no processo de ensino-aprendizagem desse profissional, a Lei nº 12.319/10 (Brasil, 2010) vem regulamentar a profissão do tradutor e intérprete de Libras para que pessoas qualificadas desempenhem essa função, visando realmente à aprendizagem significativa do discente surdo.

Além de amparar a profissão do tradutor e intérprete de Libras, a Lei nº 12.319/10 (Brasil, 2010) também ressalta a função que esse profissional deve desempenhar, destacando o rigor técnico e ético na interpretação, passando todas as informações sem omitir, alterar quaisquer que sejam elas, sendo fiel na transmissão. Podemos encontrar também no Código de Ética informações a respeito do real papel do tradutor e intérprete de Libras, enfatizando o que as outras leis apontam como sua função.

A partir disso, entende-se que o papel do intérprete educacional é essencial para o surdo compreender claramente as informações passadas e os conteúdos ensinados pelos docentes. Dessa forma, é necessário que a escola e os agentes que atuam nela conheçam o real papel do intérprete para que, assim, juntos possam incluir o estudante surdo no contexto de forma que ele realmente se sinta pertencente a uma sociedade. A partir disso, pode-se então afirmar que de fato estamos em um processo real de inclusão e não somente de integração do aluno no ensino regular.

Parceria entre docentes e intérprete educacional na preparação de um plano de aula adaptado

É necessário que o intérprete educacional reflita a respeito de sua prática para que possa atender à real necessidade do surdo. Interpretar não é apenas um ato de sinalizar; vai além disso: é necessário pensar na maneira como se interpreta, se o nível de sinalização está correspondendo às necessidades dos surdos. Para tanto, é preciso que o tradutor não traduza palavra por palavra, e sim que busque coerência no discurso (Dolet, 2006).

Quando se trata de interpretar na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, precisa-se de um cuidado maior para não correr o risco de confundir, visto que o surdo, nesse caso, ainda não possui o domínio da língua de sinais, não compreendendo alguns sinais e o contexto de interpretação.

O intérprete precisa, além do conhecimento teórico e de boa fluência na Libras, conhecer o surdo para o qual está interpretando, de modo que assim obtenha mais significação no processo de ensino-aprendizagem (Lacerda, 2006). As várias questões que envolvem a profissão do intérprete, além de técnicas e pedagógicas, moldam-se ao nível do surdo, facilitando a realização do processo de aprendizagem, pois, conhecendo o estudante juntamente com os docentes, ele saberá quais são as ferramentas adequadas para desenvolver o trabalho, promovendo o ensino-aprendizagem do surdo.

O currículo adaptado ou plano de aula adaptado não é um conceito teórico que serve apenas para explicar esse mundo em que se está inserido, também consiste em uma ferramenta de regulação das práticas pedagógicas. Assim, entende-se o currículo não apenas como um conhecimento a respeito da cultura e da realidade; ele também é um instrumento que orienta a prática pedagógica.

O currículo dá forma à educação, pois retrata a realidade vivenciada, sendo submetido às práticas dominantes do momento. Desse modo, podemos compreender que o currículo deve ser adaptado quando necessário. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (Brasil, 1998) propõem adaptações curriculares quando necessário.

A flexibilidade e a dinamicidade do currículo regular podem não ser suficientes para superar as restrições do sistema educacional ou compensar as limitações reais desses alunos. Desse modo e nas atuais circunstâncias, entende-se que as adaptações curriculares fazem-se, ainda, necessárias (Brasil, 1998, p. 59).

O professor encontra liberdade para fazer alterações em seu currículo quando percebe que o aluno não será contemplado em seu processo de aprendizagem com a forma do currículo normal. A partir do exposto nos PCN (Brasil, 1998), há autonomia para fazer adaptações curriculares; podemos então começar a refletir sobre essa questão referindo-se ao processo de ensino-aprendizagem dos surdos.

Essa adaptação curricular se faz necessária quando se entende que há respeito às diferentes culturas e formas individuais de aprendizagem. O currículo dominante é de cultura totalmente ouvinte, ou seja, todo o currículo e as formas de ensino são voltados ao método oral-auditivo. Podemos perceber claramente que os alunos são alfabetizados por métodos que usam a audição e a fala para reconhecimento dos sons das palavras e suas escritas.

É preciso adaptar o currículo escolar para que não exclua o surdo; os métodos orais dificultam esse processo de aprendizagem, tornando-os ainda mais lentos. Para ocorrer essa adaptação, o professor necessita do apoio do intérprete educacional, pois assim entenderá melhor como deve ser feita, já que os surdos aprendem melhor com o uso de materiais concretos e visuais.

Com a inserção de estudantes surdos no ensino regular, algumas dificuldades curriculares vêm surgindo, e o professor não está preparado para trabalhar com esses discentes por falta de conhecimento tanto da língua de sinais quanto da surdez (Lacerda; Santos, 2013). Dessa forma, entende-se quão fundamental é a presença do intérprete educacional em sala de aula, mas não apenas para traduzir a aula ou ser a voz do surdo. É preciso defender a necessidade de refletir a respeito do papel pedagógico do intérprete, ou seja, em como ele poderá auxiliar o professor visando à aprendizagem do surdo.

Para Lacerda (2006 p. 175),

a presença do intérprete de língua de sinais não é suficiente para uma inclusão satisfatória, sendo necessária uma série de outras providências para que esse aluno possa ser atendido adequadamente: adequação curricular, aspectos didáticos e metodológicos, conhecimentos sobre a surdez e sobre a língua de sinais, entre outros.

Por isso ressaltamos a importância de o intérprete não se limitar apenas a sinalizar, mas buscar conhecimentos teóricos a respeito da surdez e de como desenvolver um trabalho significativo junto ao surdo, buscar conhecimentos didático-pedagógicos, dando suporte ao professor.

Considerações finais

A presença do profissional intérprete em sala de aula é recente; no início houve resistência de alguns docentes em receber e trabalhar junto com esses profissionais, pelo fato de não compreenderem qual a função e o porquê da sua presença em sala.

Dividir a sala de aula pode ser difícil; sendo assim, cabe à escola e à formação continuada conscientizar sobre o papel do intérprete educacional não como fiscalizador do trabalho docente, mas como facilitador do processo de aprendizagem do discente surdo.

Dessa forma, é necessário haver abertura para uma parceria entre professor e intérprete. Pensar em uma educação para os surdos, em que a aprendizagem vai além da simples memorização de informações, buscando a compreensão profunda e a aplicação prática do conhecimento, deve implicar métodos e adaptações que realmente sejam acessíveis a esses estudantes. Entretanto, a falta de espaço para uma formação continuada que viabilize a profissionalização dos professores, impede e dificulta o trabalho; com o auxílio do intérprete educacional, acredita-se que a aprendizagem torne-se possível para os surdos, na busca de contemplar a formação em todos os aspectos. Mas, para isso, é necessário que haja momentos do processo de formação continuada que possibilitem uma reflexão do professor e do intérprete educacional a respeito de seus papéis.

A partir desse trabalho de parceria, pode-se obter um consenso de como adaptar o currículo para o trabalho com o surdo, enfatizando sua aprendizagem. Entende-se neste trabalho que a inclusão do surdo só ocorrerá de fato quando todos aqueles da comunidade escolar compreenderem a importância da língua de sinais, do intérprete educacional e da inclusão, visando uma aprendizagem significativa dentro das condições e capacidades que o estudante surdo apresenta.

Referências

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Publicado em 04 de junho de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

GODOI, Jonas Bento de; MATTOS, Alan Marlon de; MARTINS FILHO, Lourival José. O intérprete de Libras como suporte ao trabalho docente: parceria de trabalho visando ao discente surdo. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 19, 4 de junho de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/29/19/o-interprete-de-libras-como-suporte-ao-trabalho-docente-parceria-de-trabalho-visando-ao-discente-surdo

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