A Educação do Campo como espaço de aprendizagem coletiva, resistência e fortalecimento identitário

Helena Amaral Sant Ana

Historiadora (UFOP), mestranda (UFJF)

A Educação do Campo como ato político

A Educação do Campo desempenha papel fundamental não só na promoção da aprendizagem dos alunos, mas também como ato político em face do atual modelo educacional e das circunstâncias enfrentadas pelas comunidades rurais. Essas instituições de ensino buscam alcançar aqueles indivíduos que residem em áreas distantes dos centros urbanos, onde as atividades agrícolas, pecuárias, extrativistas, artesanais, manufatureiras e outras desempenham papel central. Essas comunidades incluem populações camponesas, ribeirinhas, quilombolas, indígenas, caiçaras e uma variedade de outros grupos.

Os profissionais que atuam nessas escolas têm a responsabilidade de incorporar constantemente as especificidades da vida de seus alunos ao currículo escolar, integrando a cultura local e as atividades econômicas ao processo de aprendizagem. Essa abordagem visa não apenas proporcionar conhecimentos acadêmicos como também valorizar as tradições e experiências únicas dessas comunidades. Ao fazer isso, a Educação do Campo reconhece e fortalece a identidade dos estudantes como agentes de transformação, tanto em seu meio quanto na sociedade como um todo.

A Educação do Campo oferece grandes diferenciais em relação à grade curricular convencional, uma vez que proporciona aos alunos oportunidades de desenvolvimento para além do currículo comum. Essas escolas incorporam diversas disciplinas práticas que buscam garantir um aprendizado diretamente relacionado às atividades regionais. Dessa forma, os jovens podem aprimorar suas habilidades e se destacar dentro de seus meios de vida. Além disso, muitas dessas escolas disponibilizam alojamentos, levando em consideração as dificuldades de acesso enfrentadas em algumas regiões, como a distância e a locomoção.

No entanto, é importante ressaltar que o número de escolas rurais em proporção à população camponesa no Brasil ainda é bastante reduzido. Essa disparidade evidencia a necessidade de investimentos e políticas públicas mais abrangentes, visando ampliar e defender o acesso à Educação do Campo. Ao expandir o alcance dessas escolas, será possível atender às demandas educacionais das comunidades rurais, promovendo mais oportunidades e fortalecendo o desenvolvimento socioeconômico dessas regiões.

Em uma análise inicial, é evidente que a Educação do Campo e as escolas rurais apresentam diversos aspectos importantes na escolarização, proporcionando formação escolar aliada ao desenvolvimento profissional, além de contribuírem para a permanência e o aprendizado dos alunos. No entanto, assim como todo o sistema educacional público no Brasil, a Educação do Campo tem sido frequentemente afetada por desmontes relacionados a cortes de verbas públicas, falta de apoio estatal, desvalorização dos profissionais envolvidos e constantes ataques. Em alguns casos, a manutenção dos espaços e das práticas pedagógicas dependem do trabalho voluntário. Diante dessa realidade, a educação rural se configura como um verdadeiro meio de resistência que busca garantir a existência desses espaços e tudo que os envolve, como a valorização dos saberes e identidades locais.

É de extrema importância destacar o papel da Educação do Campo nos assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), assim como nas comunidades indígenas e quilombolas. Esses espaços são palco de uma luta constante por território, direitos, identidade e reconhecimento de suas vozes. Os locais de trocas de conhecimentos desempenham papel fundamental ao empoderar e fortalecer essas pessoas como sujeitos ativos, garantindo a legitimidade de seus espaços. É imprescindível que haja pleno reconhecimento da importância da educação, da consciência histórica e geográfica nesses locais para que seja possível fortalecer a luta por justiça social. Com frequência, as pautas educacionais são exclusivamente associadas ao modelo curricular tradicional adotado nas áreas urbanas, assim como os investimentos tendem a ser direcionados predominantemente para essas regiões. Tal abordagem limitada acarreta sérios prejuízos, pois negligencia as necessidades e saberes específicos.

Esta discussão é extremamente necessária para a valorização contínua das escolas nesses espaços, que abranjam as especificidades em seus currículos, garantindo a existência e a resistência diante dos desafios enfrentados, além do reconhecimento da diversidade cultural, da preservação dos saberes tradicionais e da importância da sustentabilidade ambiental. Ao fortalecer o debate em torno da Educação do Campo, é possível ampliar o entendimento sobre seus impactos positivos não apenas na vida dos estudantes, mas também nas comunidades como um todo. Dessa forma, contribui-se com a promoção de políticas públicas efetivas, com investimentos adequados e ações que valorizem e assegurem as escolas presentes nas comunidades distantes dos centros urbanos, reconhecendo-as como espaços fundamentais para a construção de uma razão que não deslegitima a diversidade de saberes e cosmovisões.

Debates e perspectivas diante a Educação do Campo e as escolas rurais: a importância da valorização dos saberes

Os primeiros questionamentos para a produção deste trabalho emergiram a partir da participação no grupo de estudos Gira-Campo, da Universidade Federal de Ouro Preto. Esse envolvimento permitiu um contato inicial com as diversas questões que envolvem a Educação do Campo e as escolas rurais. De maneira significativa, percebi que essas escolas não apenas representam espaços de resistência como também desempenham papel fundamental na preservação do meio ambiente e no fortalecimento das comunidades em que estão inseridas. Essa experiência despertou uma série de reflexões sobre a complexidade dos contextos rurais e a importância de uma educação contextualizada, que valorize os conhecimentos locais, a cultura e as práticas sustentáveis tradicionais, além dos desafios diariamente enfrentados, como os desmontes educacionais, a hierarquização de saberes, as ameaças aos territórios e à vida.

Maria Aparecida Fernandes, em seu trabalho Educação Ambiental no Ensino Básico: prática necessária para o desenvolvimento sustentável, aborda a urgência da conscientização ambiental no Ensino Básico como fundamental para a construção de valores sustentáveis que estão intrinsecamente ligados à convivência humana. A autora ressalta que a preservação do meio ambiente e a conduta ética do ser humano são interdependentes, sem dissociar a natureza do ser, mas reconhecendo-a como fonte de vida.

Segundo Fernandes (2016, p. 199), as escolas desempenham papel fundamental como "instrumentos socializadores e colaboradores na formação dos sujeitos", por meio de um ensino que esteja intrinsecamente ligado a práticas sustentáveis. Nesse sentido, as escolas rurais têm uma responsabilidade ainda maior, uma vez que estão inseridas em ambientes que dependem diretamente dos recursos naturais e são essenciais para as comunidades locais.

Ao conectar essa perspectiva às discussões anteriores sobre a Educação do Campo e as escolas rurais, fica evidente que a Educação Ambiental desempenha papel crucial nesse contexto. Ao promover a conscientização ambiental desde o Ensino Básico, as escolas rurais podem desempenhar papel ativo na formação de indivíduos comprometidos com práticas sustentáveis, valorizando a relação harmoniosa entre ser humano e natureza. Dessa forma, as escolas rurais se tornam não apenas espaços de resistência e de promoção do desenvolvimento socioeconômico das comunidades rurais, mas também agentes transformadores na construção de uma consciência ambiental que contribui para a preservação do meio ambiente e para a construção de um futuro sustentável. Nesse sentido, a Educação do Campo desempenha papel de grande importância ao promover uma formação consciente da unidade ser humano e natureza, em que o meio natural não é apenas fonte de recursos, mas parte intrínseca da vida.

Maria Aparecida Fernandes também destaca como as questões ambientais ganharam força nas últimas décadas. Ela ressalta que, ao serem inseridas no contexto educacional, essas causas têm poder transformador não apenas no indivíduo, mas em todo o seu meio. A Educação do Campo, ao abraçar a temática ambiental em seu currículo, possibilita aos estudantes a compreensão dos impactos de suas ações no ambiente, estimulando a adoção de práticas sustentáveis. Assim, as escolas rurais contribuem para a preservação da biodiversidade, o uso adequado dos recursos naturais, a redução do uso de agrotóxicos e a valorização dos saberes tradicionais. Essa abordagem educacional não apenas capacita os estudantes para uma vida mais sustentável, mas também os empodera como agentes de transformação em suas comunidades. Eles se tornam multiplicadores de práticas e valores ambientais, influenciando positivamente as decisões e as ações de suas famílias, vizinhos e comunidades como um todo.

Conforme citado pela autora (Fernandes, 2016, p. 202), o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) define o desenvolvimento sustentável como a melhoria da qualidade de vida humana dentro dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas. Essa definição ressalta a existência de objetivos comuns entre a Educação do Campo e o ensino sustentável, ambos buscando alcançar uma melhor qualidade de vida. A conscientização ambiental está diretamente relacionada à consciência histórica e geográfica do indivíduo sobre o lugar onde vive. Ao adquirir esses conhecimentos, o estudante pode desenvolver um senso de pertencimento em relação ao seu meio ambiente e valorizá-lo de maneira mais profunda.

Por meio da Educação do Campo e de um ensino sustentável, os alunos têm a oportunidade de compreender a interdependência harmoniosa entre os seres humanos e os ecossistemas ao seu redor. Eles aprendem a história, as características geográficas e as particularidades socioambientais da região em que vivem. Esses conhecimentos fornecem a base para uma relação mais consciente e responsável com o ambiente, permitindo que os estudantes se tornem defensores ativos da preservação e valorização de seu local de origem. A valorização do meio ambiente vai além da apreciação estética ou exploração da natureza: ela se baseia em um profundo entendimento das relações sociais, culturais e ecológicas que moldam o ambiente em que se vive.

As escolas, aliadas à comunidade, desempenham papel fundamental ao transmitir aos alunos conhecimentos sobre o local em que vivem, incluindo aspectos geográficos e históricos. Esses conhecimentos são essenciais para que os estudantes possam se sentir parte integrante desse meio e reconhecer sua importância e papel dentro dele. Em contextos rurais, esse processo de conhecimento e reconhecimento do local está estreitamente relacionado às atividades presentes na região. Cada comunidade tem suas particularidades, incluindo, sobretudo, as formas de ensinar e aprender sobre o mundo. É extremamente necessário considerar a diversidade de atividades e cosmovisões presentes até mesmo dentro de uma mesma comunidade.

Além das práticas relacionadas à produção e ao consumo, é fundamental valorizar a multiplicidade cultural do meio em que a escola está inserida. A cultura local, as tradições, as festividades, a culinária e outras expressões são elementos que fazem parte da identidade das comunidades. A valorização desse meio cultural contribui para fortalecer a identidade dos estudantes e promover a preservação das tradições. A Educação do Campo tem a responsabilidade de integrar de forma respeitosa essas diferentes dimensões em seu currículo.

De acordo com o censo de 2018, o Brasil contava com 56.954 escolas rurais. Em seu artigo A trajetória das escolas rurais no Brasil, Darciel Pasinato destaca que, desde a década de 1927, por meio do movimento do ruralismo pedagógico, a questão da Educação Rural já era amplamente discutida. Nessa época, reconhecia-se a importância de garantir a permanência do homem no campo, e escolas que pudessem contribuir para a sua formação eram consideradas essenciais. No entanto, esses planos educacionais enfrentaram desafios devido ao avanço da industrialização e da urbanização. Muitos jovens migraram das áreas rurais para as cidades em busca de oportunidades de estudo e trabalho e permaneceram nos centros urbanos. Essa migração em massa, sobretudo em busca de empregos e melhorias de vida, em vista da desvalorização do pequeno agricultor que não conseguia competir com as indústrias, acarretou uma diminuição da população rural e gerou preocupações em relação ao futuro das comunidades agrícolas.

Apesar dos esforços iniciais para valorizar a educação rural, a urbanização e a industrialização foram vistas como contrárias a esse objetivo. O desafio era encontrar maneiras de conciliar o desenvolvimento urbano e industrial com a preservação das atividades e do modo de vida no campo. A necessidade de investimentos e políticas públicas voltadas para a Educação Rural se tornou evidente, a fim de garantir que os jovens tivessem acesso a uma formação de qualidade em suas próprias comunidades e pudessem contribuir para o desenvolvimento local e das atividades agrícolas do país.

O movimento do ruralismo pedagógico do início do século XX apresentava objetivos distintos dos atuais propósitos da Educação do Campo. Enquanto o ruralismo pedagógico buscava manter o homem no campo, oferecendo uma educação voltada para a vida rural, a Educação do Campo visa alcançar todos aqueles que vivem distantes das áreas urbanas, aliada ao objetivo de melhorar a qualidade de vida por meio da obtenção de uma Educação Básica e Profissional de qualidade, baseada na valorização dos saberes locais, aspectos que diferem da educação elitista do início do século XX, que era restrita aos jovens com condições financeiras privilegiadas. A Educação do Campo, além de garantir a aprendizagem básica para todos os estudantes, busca proporcionar a eles habilidades e conhecimentos que estejam diretamente relacionados às suas realidades e às demandas do meio rural, contribuindo assim para o desenvolvimento pessoal, profissional e para a melhoria da qualidade de vida das comunidades.

Pasinato apresenta em seu histórico as diversas transformações educacionais ao longo do século XX, destacando algumas iniciativas que beneficiaram as escolas rurais e contribuíram para sua disseminação em todo o país. Um exemplo mencionado é o programa Edurural, que oferecia recursos e apoio às escolas rurais, especialmente na Região Nordeste do Brasil. A partir da segunda metade do século XX, as escolas públicas rurais passaram a ter como objetivo atender comunidades carentes e alunos que não tinham condições de se deslocar para estudar na cidade. Muitas escolas públicas foram estabelecidas em áreas rurais e bairros periféricos, buscando levar a educação mais próximo das populações rurais. No entanto, havia desafios a serem enfrentados. As escolas rurais eram marcadas por maior defasagem no ensino, com falta de profissionais capacitados, salas multisseriadas, escassez de materiais didáticos e falta de incentivo. Esses fatores dificultavam a dedicação adequada aos alunos e o atendimento às suas necessidades específicas, cenário observado até a atualidade em diversos locais.

No artigo A Educação do Campo e seus desafios, de Vânia Maria Zeferino e Cássio Cruz, é evidenciada a importância da educação no meio rural e os obstáculos enfrentados pelos alunos e pela comunidade escolar. Os autores destacam problemas relacionados à democratização da educação, ressaltando que, em suas diversas nuances, esse processo ainda está longe de alcançar plenitude. A obtenção de uma educação de qualidade não é algo comum a todos; diversos jovens não possuem acesso a uma escola, levando em consideração fatores como distância e deslocamento, a necessidade de trabalhar e outros desafios enfrentados.

É importante ressaltar a escassa capacitação dos professores na área da Educação do Campo, visto que muitas instituições de Ensino Superior não oferecem formação para lidar com as especificidades das comunidades, o que reforça a desvalorização da diversidade de formas de ensinar e aprender. Como resultado, os profissionais enfrentam grandes desafios ao se deparar com a realidade das escolas rurais. Essas dificuldades estão frequentemente relacionadas a metodologias de ensino que não se adéquam às diversas realidades encontradas, à falta de recursos pedagógicos adequados e à carência de instrumentos e materiais necessários para a prática educativa. Zeferino e Cruz acreditam que há necessidade de

um projeto transformador de Educação do Campo e de formação de educadores que esteja diretamente relacionada a um projeto transformador da sociedade (Cruz; Zeferino, 2014, p. 5).

Segundo os autores (Cruz; Zeferino, 2014, p. 6), um dos desafios enfrentados reside no preconceito enraizado do pensamento colonial de que as pessoas que vivem distantes dos centros urbanos são “culturalmente atrasadas”, resultando na crença de que a Educação Rural deve se limitar apenas ao conhecimento básico para equiparar aos jovens das cidades. Esse estereótipo está presente nas próprias comunidades rurais, onde algumas pessoas acreditam que a educação não é uma parte essencial de suas vidas. Essa percepção equivocada é apontada pelos autores como um problema significativo, pois contribui para que as escolas rurais sejam vistas mais como um "favor" do que como um direito legítimo (Cruz; Zeferino apud Hager, 2005, p. 15).

Dessa forma, é possível reiterar a natureza incessante da luta associada à Educação Rural, uma luta pelo espaço, pela educação, pela cidadania e pela identidade do povo que reside no campo. Esses preconceitos e o imaginário que se prende a um estereótipo da pessoa do campo estão intimamente relacionados à questão da identidade local, de modo que, ao não inserir as vivências no currículo, a educação se torna excludente e distante da realidade dos estudantes, além de não contribuir com a comunidade. Portanto, as escolas do campo desempenham papel fundamental no desenvolvimento da consciência histórica e geográfica, visando assim fortalecer o sentimento de pertencimento, a identidade coletiva e estimular a luta por seus direitos. O ambiente rural abriga uma ampla diversidade de sujeitos, como assentados, acampados, indígenas, quilombolas e trabalhadores assalariados, entre outros (Cruz; Zeferino, 2014, p. 7); portanto, a educação deve verdadeiramente alcançá-los por meio de suas experiências e histórias. É evidente que esses grupos sempre enfrentaram a necessidade de lutar por seus direitos de permanência e identidade, algo que se faz presente em uma educação que sirva como instrumento de transformação e resistência.

Hanslilian Correia Cruz Rodrigues e Hanslivian Correia Cruz Bonfim, no artigo A Educação no Campo e seus aspectos legais, afirmam que a Educação do Campo

deve ser vista não apenas como modalidade de ensino, mas também como uma política pública que garanta à população camponesa os mesmos direitos educacionais garantidos à população urbana (Bonfim; Rodrigues, 2017, p. 1374).

Conforme apontado pelas autoras, essa afirmação é fundamentada na ausência histórica de uma legislação que estabelecesse distinções claras entre a Educação Rural e a educação urbana, o que representa uma problemática significativa, uma vez que negligencia as especificidades e diferenças existentes entre esses dois contextos. Para que a Educação do Campo possa ser efetivamente implementada, é imprescindível considerar não apenas as disparidades em relação ao meio urbano, mas também adaptar-se às realidades individuais das comunidades em que está inserida, buscando assim contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população camponesa.

Dessa forma, a questão geográfica deve ser amplamente considerada no planejamento das aulas e na aplicação dos conteúdos. Leila Maria Panho, em seu artigo Educação do Campo: algumas reflexões a partir do olhar geográfico (2017, p. 6), afirma que "precisamos de uma Educação do Campo e não apenas no campo". Nesse sentido, ter escolas no espaço rural não garante, por si só, a qualidade da aprendizagem. A educação deve ser pensada especificamente para atender às necessidades do campo. A autora defende que é de suma importância estimular o reconhecimento da comunidade no local onde vive e promover a aproximação das pessoas em torno do sentimento de pertencimento comum.

As reflexões de Hugo Achugar, em seu artigo A nação entre o esquecimento e a memória: para uma narrativa democrática da nação, complementam as ideias discutidas anteriormente. Achugar ressalta que as experiências vividas pelas pessoas têm o poder de modificar sua autoimagem e o imaginário que possuem em relação a um lugar específico. É por meio do conhecimento do passado do local onde residem que as concepções são transformadas, culminando no desenvolvimento de uma consciência histórica e de um sentimento de pertencimento coletivo.

A conscientização das pessoas em relação ao lugar onde vivem cria vínculos de identidade que devem ser valorizados no ambiente escolar. Ao reconhecer e se conectar com sua história e a identidade local, os estudantes se tornam mais engajados e motivados no processo de aprendizagem, contribuindo para uma educação mais enriquecedora e significativa.

Em consonância, destaca-se que, segundo Panho, os saberes populares frequentemente são negligenciados ao considerar as características de determinado local. Para uma Educação do Campo efetiva, é fundamental que os conhecimentos geográficos e históricos abranjam também as questões sociais, culturais e econômicas presentes no contexto educacional. Dessa forma, os saberes locais devem ser colocados em prática, permitindo que os alunos fortaleçam suas identidades, laços sociais e consciência ambiental, contribuindo assim para a preservação do meio onde vivem. Desse modo, a integração dos saberes populares e a abordagem das questões contextualizadas enriquecem a Educação do Campo, tornando-a mais relevante e significativa para os estudantes e suas comunidades.

Considerações finais

Na introdução de seu artigo Da Educação Rural à Educação do Campo: conceituação e problematização, Luane Cristina Tractz Machado enfatiza a importância das escolas rurais na construção da identidade e ressalta que

entendemos que a escola é o espaço de formação social e política dos sujeitos, ao mesmo tempo que esta possui como função social a socialização dos saberes acumulados e os processos de reelaboração e produção dos conhecimentos pelos homens ao longo dos tempos. Portanto, para aqueles que vivem no campo, é também um espaço de luta e resistência (Machado, 2017, p. 18.323).

A autora enfatiza que a Educação do Campo difere significativamente da Educação Rural, que muitas vezes se limitava a levar o Ensino Básico para áreas rurais com recursos e profissionais inadequados, visando à expansão do capital pelo agronegócio e negligenciando perspectivas da vida. A proposta da Educação do Campo busca oferecer um ensino de qualidade aliado à luta social, com profissionais capacitados e recursos adequados. Isso implica integrar conteúdos acadêmicos e habilidades práticas, proporcionando um ensino que valorize as potencialidades dos alunos e promova o desenvolvimento sustentável das comunidades rurais.

É crucial ampliar as perspectivas em relação à Educação do Campo, diferenciando-a claramente do mero Ensino Rural. Ambas as abordagens educacionais enfrentam desafios significativos e abrangem uma ampla diversidade de sujeitos. É fundamental lutar constantemente pela melhoria e pela continuidade das Escolas do Campo, com o objetivo de garantir cada vez mais o direito a uma educação de qualidade, que simboliza a resistência diante as formas de exploração e silenciamento. Essas instituições devem servir como instrumentos de desenvolvimento e apoio social, valorizando o papel e a trajetória dos indivíduos em toda a sua complexidade.

Em última análise, reforça-se a relevância da Educação do Campo como meio fundamental de acesso à educação, resistência, construção de identidade, preservação ambiental e fortalecimento do senso de coletividade. Nesse sentido, é crucial promover discussões que visem aprimorar as estruturas e metodologias das escolas rurais, buscando assegurar a efetividade do direito de todos os jovens de ter acesso a um ensino de qualidade. Para garantir uma Educação do Campo efetiva, é essencial promover uma abordagem pedagógica que valorize e compreenda a diversidade cultural e os saberes populares, fomentando o diálogo e a participação de todos os envolvidos de acordo com suas tradições.

Referências

ACHUGAR, Hugo. A Nação entre o esquecimento e a memória. Para uma narrativa democrática da nação. In: ACHUGAR, Hugo. Planetas sem boca: escritos efêmeros sobre arte, cultura e literatura. Trad. Lyslei Nascimento. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006.

BONFIM, Hanslivian C. C.; RODRIGUES, Hanslilian C. C. A Educação no Campo e seus aspectos legais. Formação de professores: contextos, sentidos e práticas. XIII CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, p. 1373-1386, 2017. Disponível em: https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2017/25287_12546.pdf. Acesso em: 17 fev. 2023.

CRUZ, Cássio; ZEFERINO, Vânia M. A Educação do Campo e seus desafios. Universidade Federal do Paraná, curso de especialização em Educação do Campo. Nova Tebas, 2014. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/50571/R%20-%20E%20-%20VANIA%20MARIA%20ZEFERINO.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 2 fev. 2023.

FERNANDES, Maria A. Educação Ambiental no Ensino Básico: prática necessária para o desenvolvimento sustentável. Ciência e Sustentabilidade, v. 2, nº 1, p. 200-217, 16 ago. 2016. Disponível em: https://periodicos.ufca.edu.br/ojs/index.php/cienciasustentabilidade/article/view/72. Acesso em: 11 jan. 2023.

MACHADO, Luane C. A. Da Educação Rural à Educação do Campo: conceituação e problematização. Formação de professores: contextos, sentidos e práticas. XIII CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, p. 18.322-18.331, 2017. Disponível em: https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2017/25113_12116.pdf. Acesso em: 17 fev. 2023.

PANHO, Leila, M. Educação do Campo: algumas reflexões a partir do olhar geográfico. Revista Científica Semana Acadêmica, Fortaleza, nº 101, 13 de janeiro de 2017. Disponível em: https://semanaacademica.org.br/system/files/artigos/educacao_do_campo-algumas_consideracoes_a_partir_do_olhar_geografico.pdf. Acesso em: 10 fev. 2023.

PASINATO, Darciel. A trajetória das escolas rurais no Brasil. Universidade Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Campo Estratégico y Acción en Modelos y Políticas Educativas del SUJ. São Leopoldo, 2018. Disponível em: https://www.ceamope.org/post/a-trajet%C3%B3ria-das-escolas-rurais-no-brasil. Acesso em: 23 jan. 2023.

Publicado em 23 de janeiro de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

SANT ANA, Helena Amaral. A Educação do Campo como espaço de aprendizagem coletiva, resistência e fortalecimento identitário. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 2, 23 de janeiro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/2/a-educacao-do-campo-como-espaco-de-aprendizagem-coletiva-resistencia-e-fortalecimento-identitario

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