Políticas educacionais e o ensino de Sociologia: a reforma do Ensino Médio de 2017 e o cenário de consequências para o pós-ensino remoto

Emanuela Irwing da Silva Teixeira

Professora da rede particular no Rio de Janeiro, graduada em Sociologia (Unifaveni), especialista em Gestão do Trabalho Pedagógico (FF/Faveni), pós-graduanda em Política e Sociedade (IESP/UERJ) e em Sociologia Urbana (ICS/UERJ)

Em meio a um período de notáveis retrocessos dentro de vários direitos positivados com expressivos frutos à democracia e de vantajosos ganhos em direitos sociais, é possível o acompanhamento nas destituições contínuas de ações progressistas pelo uso de políticas públicas (PP) reformistas que atacam diretamente as formas de reconhecimento social do indivíduo e cerceiam os esforços de diligências com caráter emancipatório.

É nesse cenário que se dá a investigação na figuração de todo o arranjo das políticas públicas em Educação (PPE), dentro do recorte específico para a ministração de Sociologia para a Educação Básica (EB); iniciando na identificação de atores sociais ligados ao oferecimento da matéria, são evidenciadas razões para sua composição no programa educacional, assim como o percurso da matéria dentro do histórico de currículos da Educação brasileira e sua necessidade a sociedade após período pandêmico, bem como consequências da instituição de austeridade nas PPE restritivas ao oferecimento da Ciência Social.

Busca-se debater toda a problemática da descaracterização da Sociologia como matéria obrigatória dentro do currículo oficial da EB, instituída pela política pública educacional nomeada como Reforma do Ensino Médio em 2017 (REM/17) e as sequelas sociais esperadas para o momento pós-pandêmico.

Entendendo que políticas públicas de governo possuem natureza temporária, espera-se que governos futuros estabeleçam políticas de Estado que configurem compromisso real com a educação, reconheçam o poder benéfico de uma formação sociológica consolidada e permitam que o currículo da EB seja voltado de fato para a cidadania.

Assim, esta investigação tem como objetivo geral apresentar uma análise dos impactos de uma política pública de educação restritiva. Para alcance desse fim, propósitos menores se fazem presentes, como a apresentação dos atores sociais envolvidos nas PPE, a realização de uma discussão frente ao histórico de inclusão e exclusão da Sociologia na EB e, por fim, a execução de uma discussão dos efeitos de um enfraquecimento da área de conhecimento social pela REM/17 e suas repercussões sociais após o terror epidemiológico de 2020 e 2021.

Uma reflexão acerca da REM/17 no recorte da desobrigação do oferecimento da matéria e na figuração da redução da carga horária dela na EB, junto aos impactos causados à sociedade por efeito de uma desconstrução da visão esperançosa a uma escola crítica, democrática e reflexiva é urgente, pois é fundamentado na exposição de meditações dentro do tema que se oferta à sociedade, principalmente às parcelas mais carentes e dependentes do ensino público, que modificações curriculares excludentes a saberes tão necessários à formação vanguardista das próximas gerações que se evidencia o maquiavelismo envolvido para o desmonte da educação pública brasileira.

Para fundamentação desta reflexão, utilizou-se pesquisa bibliográfica, seguindo Alves (2007), que imprime o entendimento de que uma investigação por bibliografia se perfaz na busca que se avoluma em prol do saber a partir de originais já publicados em formatos de livros, artigos e periódicos, entre outros textos. A pesquisa também imprime caráter exploratório, sob uma ótica qualitativa.

Iniciando a parte textual, vêm o resumo da pesquisa e a parte da introdução, em que é apresentada de forma sintética toda a conjuntura da investigação. Dentro do corpo textual bruto apresenta-se partição do estudo científico em cinco títulos estruturantes de abordagem do tema, iniciando com Grupos sociais e políticas públicas: identificação de atores sociais, em que é apresentada a figura de atores envolvidos na formação e aplicação de PP e se faz relação com as PP dentro do nicho específico da Educação. Outro título é Encargos da Sociologia no desenvolvimento do aluno da Educação Básica, em que são trazidas ao debate as possibilidades engrandecedoras que a ciência carrega consigo quando empregada dentro da sala de aula na EB; o título posterior é Rota da Sociologia como matéria na Educação Básica, no qual é apresentada uma linha cronológica da conturbada tentativa de solidificação da matéria no EB em razão de alterações curriculares paulatinas. É seguido pelo título Importância do ensino de Sociologia após o período de ensino remoto, no qual é trazida à reflexão a necessidade fundamental do investimento em Educação para a cidadania e a busca de uma ruptura ao retrato social trazido pela pandemia da covid-19. Finaliza com o título Consequências de uma política pública educacional restritiva, que expõe resultados de curto e longo prazo à fragilidade da Educação brasileira, por estar ainda hoje suscetível a políticas de governo. Seguindo o estudo, fecha-se a obra na conclusão, em que são apresentadas respostas aos pressupostos e objetivos da pesquisa.

Grupos sociais e políticas públicas: identificação de atores sociais

O aporte da Sociologia é de expressiva significância para uma investigação analítica dos impactos aos grupos sociais assistidos, esses que são recortes da sociedade vistos sob uma perspectiva comum entre os mesmos elementos do conjunto que estão diretamente conectados a diversos outros grupos sociais dentro da sociedade. Grupos sociais, nessa questão, são os atores coletivos envolvidos no agrupamento geral da sociedade.

Historicamente, um dos primeiros objetivos da Sociologia, desde os clássicos, foi realizar investigação em face das estratificações da sociedade. Atualmente, na Sociologia contemporânea, os esforços estão direcionados para uma análise investigativa das PP, em que elas estão recortadas em duas linhas. A linha de identidade social, pautada no emprego de estudos para a composição dos grupos sociais que carecem ou demandarão de PP, ou de o grupo social ter aptidão para ser objeto dessas PP, conforme Muller e Surel (2002). A segunda linha de pesquisa se perfaz nos atores, que, segundo Cohen e Arato (2003), estariam ainda repartidos em atores estatais e societais. Os atores estatais estariam ocupando cargos dentro do Estado, seja no Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário; os atores societais se segmentariam ainda em atores sociais, membros da sociedade relacionados à sociedade civil trabalhadora, e os atores de mercado, associados à parte da sociedade com ações e pensamentos alinhados a uma economia de mercado.

Para todos os atores coexistirem na sociedade, pauta-se o pensamento sociológico de interconexão entre eles, a teoria das redes sociais. Ela é um dos vieses da Sociologia e se encontra investigada desde os anos 1980, sendo defendida por autores como Castell (1999), McAdam (2003) e Melucci (2001). Para eles, os atores da sociedade estariam entrelaçados como pontos conectados de uma rede de pesca e, ainda que houvesse limites distanciadores entre esses atores societais e estatais, todos estariam conectados. Esse enquadramento não limitaria toda a possibilidade da existência de atores divergente desses modelos. No interior das redes existentes haveria ainda relações entre atores individuais e coletivos dentro das conexões, seria a situação de comunidades de políticas agindo em contextos de afinidade de rede para políticas voltadas a um público social específico, sendo elas apresentadas em áreas específicas abraçadas por nichos temáticos em redes, também particionadas por subtemas.

Dentro dessa complexidade de conexões em teia das redes sociais, há uma inter-relação de manutenção da conjuntura social pelas normas sociais, em que as redes sociais e as normas sociais se entrelaçam para atribuição de regras e de expectativas para ações convencionadas a uma certa lógica cognitiva para atuação institucional de conduta e, assim, estabelecer um arcabouço estrutural ao sistema de políticas públicas, ao passo que o estabelecimento de redes atribui um certo posicionamento hierárquico social, o que facilita a significação, a assertividade e a eficiência no exercício do entendimento positivado no regramento estabelecido. As normas sociais conduzem ao alicerce e servem de guia comportamental tanto para atos do particular quanto para ações do coletivo.

Circundados na teoria das redes sociais e na teoria da escolha racional, é possível a interpretação de que as normas sociais, tema tão caro nas publicações de Economia e Sociedade, de Weber (2014) e Da divisão social do trabalho, de Durkheim (1999). A instituição de limites e de possíveis sanções aos atores que imprimissem divergências aos interesses do Estado, como um certo interacionismo simbólico, desumanizaria um ator revolucionário e coibiria qualquer insurgência existente, seja pelo modo de pensamento, seja por ações anárquicas.

Os atores envolvidos no recorte específico do nicho temático voltado a uma EB e formativa para os jovens de uma próxima geração de trabalhadores e cidadãos votantes, da mesma forma que Sócrates em 399 a.C. (Platão, 2003), seriam acompanhados de perto por outros atores da sociedade em seu ofício de publicizar a possibilidade da discussão de temas sociais dentro do saber da Sociologia, em que há constantemente debates junto aos jovens sob um objetivo basilar de construção de pensamento progressista e questionador da sua realidade, pautado em interações sociais sobre si próprio, sobre o outro e sobre o todo na sociedade.

Encargos da Sociologia no desenvolvimento do aluno da Educação Básica

A partir do acréscimo de Sociologia à grade curricular do Ensino Médio (EM) no ano de 2008, com a aplicação da Lei nº 11.684/08 (Brasil, 2008), fundamentada nos princípios a ela direcionados e nas diretrizes e orientações didáticas determinantes das especificidades e da natureza do saber sociológico a ser trabalhado dentro das etapas escolares finais do EB, estruturas condicionadoras para o ensino de Sociologia no Ensino Médio em que se destaca a verificação diretiva dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), que, em acordo com o MEC (Brasil, 2000), é por intermédio de um saber sociológico que o estudante poderá edificar sólidas reflexões em sua vivência e sua realidade social. Tendo um entendimento claro do que o rodeia e de seu lugar dentro deste ambiente, a Ciência Social oportuniza ao educando um entendimento do qual ele pode ser mais dinâmico e fundamental às mudanças evolutivas tanto para si quanto para sua comunidade em prol de uma personificação mais justa e solidária da sociedade.

Para além dos PCNEM, também pode-se dar destaque às Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (OCNEM), que, conforme o MEC (Brasil, 2006), afirmam que a Sociologia no programa de matérias das séries finais do EB tem gerado bastante discussão, pois é compreendido que o estudo da Ciência Social traz consigo muito mais que a impressão inicial ajuizada na construção de visão crítica no jovem. Ela ambienta seu saber no debate de temas fundamentais à sociedade, sejam para adversidades sociais de outras épocas por meio dos clássicos, sejam nos dissabores contemporâneos com pensadores sociais da atualidade. Além dos debates, a matéria estica ao estudante a motivação por leituras diversas sobre a mesma temática ao abrigo de uma visão de diversos autores em que a conversação e a discussão entre os pensadores sobre determinado eixo temático trazem mais clareza à visão espacial do educando para que forme sua opinião sem preconceitos ou restrição ideológica. Afora isso, os impactos diretos e indiretos positivos da oferta dessa ciência carregam consigo, quando oportunizadas às próximas gerações, a obtenção de um crescimento educativo plural. Esses impactos repercutem e beneficiam a sociedade em aspectos diversos, indo desde a economia local, as relações étnico-raciais, o valor da cultura até questões gênero e sexualidade, instituições e atores sociais, religião e família e a importância de políticas sociais para justiça social.

Com essas publicações e tais entendimentos, verifica-se o estabelecimento de nexo forte com o que expressa a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 20 de dezembro de 1996 (Brasil, 1996) no que se refere a uma formação plena da cidadania ao estudante, entendendo que o norte da Sociologia seja a promoção de um agigantamento do indivíduo para com a realidade social em que esteja inserido e instigue o jovem a tomar decisões que permitam a evolução própria e do coletivo social.

Rota da Sociologia como matéria na Educação Básica

Os diversos atores envolvidos na Educação, sejam eles de contato direto com os discentes, como os professores, sejam os de menor proximidade, mas ainda assim de presença relevante à promoção de conteúdos voltados a essa parcela de estudantes, são de fundamental existência para a teórica conteudista, para a elaboração de parâmetros curriculares, para orientações na prática do magistério ou acolhimento de dados para identificação e avaliação de PPE, todos imprimem relevância considerável à fluidez executiva do magistério no EM.

Essa disciplina, que surgiu na EB antes mesmo de as Ciências Sociais (Antropologia, Sociologia e Ciências Políticas) chegarem às universidades como cursos de Ensino Superior, sempre tiveram sua existência no currículo formativo das etapas finais do ensino regular demasiadamente dificultada, embora o caminho da cadeira de Sociologia no EM esteja intrinsicamente conectada à consolidação das faculdades de Ciências Sociais (CS) nas cátedras brasileiras. Historicamente, só após 1933 foi detectada alguma produção de origem acadêmica dentro da área de Educação e ensino voltadas às Ciências Sociais ou à Sociologia, empregando entendimento de que o ensino das CS era praticado de maneira autodidata e voltada exclusivamente aos liceus de educação direcionados à formatura do magistério, as escolas normais (Silva, 2010).

Essas condições iniciais de existência das CS no ensino brasileiro condicionam, porém não inabilitam o debate frente à adaptabilidade da Sociologia na EB. Assim, é possibilitada a compreensão de que as escolas são campos apropositados especificamente para o desenvolvimento de pessoas para o coletivo social. Essa compreensão de estreitamento das vinculações com as instituições de Ensino Superior fomenta continuamente a base teórica da Ciência Social, enquanto um insulamento da academia para com a vivência diária dentro do ateneu escolares faz do professor da EB um elemento decisivo para o alicerçamento da matéria.

Esse assentamento da matéria, dentro do histórico educacional brasileiro, ainda não ocorreu por múltiplas motivações, caracterizadas por diversas reformas de cunho educacional com lastros em agendas político-partidárias e em oposição a pressões emancipatórias de origem nas mobilizações organizadas por grupos de movimentos sociais (Santos, 2004) e torna verificável a observação de um choque de interesses de viés classista na alternância continuada em diversas ações de inclusão e exclusão da ciência da sociedade para dentro do programa curricular oficial da EB.

É uma trajetória iniciada em 1891, momento em que a Sociologia entrou na grade curricular no ainda nomeado secundário e teve sua primeira retirada em 1942, ano de abertura da primeira lacuna de apartação da Ciência Social com caráter obrigatório da ementa formativa basilar, lapso temporal que durou 39 anos, até que em 1982 a matéria voltou a ser inserida, ainda a conta-gotas, na ementa da Educação Básica (Santos, 2004). Em 2008 houve a inclusão efetiva em caráter obrigatório nas salas de aula dentro dos anos finais do ensino regular da formação básica, período que se estabeleceu por quase uma década, até que em 2017 foi promulgada lei revogatória do caráter obrigatório da Sociologia no arcabouço educacional da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Boneti, 2018).

Em acordo com essa segmentação cronológica de ações de inserção e exclusão da matéria na grade curricular da EB, o Quadro 1, construído por Silva (2007), elucida e reforça as atribuições do ensino de Sociologia, em concordância com modelos curriculares variáveis por tipos de escola, etapa escolar e cadeira científica, guardando relação com contextualizações e recontextualizações ocorridas em épocas diferentes e com governos de caráter divergente.

Quadro 1: Modelos curriculares, tipos de escolas, Ensino Médio, Sociologia

Fonte: Silva, 2007, p. 409.

O paralelismo ocorrido dentro do quadro apresentado se dá no estabelecimento da arrumação do currículo clássico-científico entre 1891 e 1941, intervalo em que a Sociologia foi legitimada na grade curricular; o currículo regionalizado tecnicista de 1942 a 1982 é marcado pela ausência do saber sociológico; o currículo regionalizado por competência, com estrita ligação atual à reestruturação educacional apresentada pela LDBEN de 1996 e o currículo científico, com conexões recentemente abraçadas aos PCNEM e aos OCNEM. Ambas são etapas posteriores a 1982 e chegam até os dias de hoje, com a manifestação de gradativa recolocação da matéria nos ciclos disciplinares da Educação Básica.

importância do ensino de sociologia pós-período de ensino remoto

Estabelecimentos normativos instituídos através de ações em políticas públicas da Educação voltadas à existência ou não da obrigatoriedade ou desobrigação da Sociologia na EB trazem consigo consequências e reflexões, a mais inconveniente ao expressar lucidez e tornar visível a realidade de diversos grupos sociais, principalmente de grupos menos abastados, imprimindo saberes que expõem cenários incômodos a estratos da sociedade deslocados ao retrato não tão agradável da representação do resultado de políticas de austeridade fiscal a um financiamento da educação brasileira (IBGE, 2019), junto a um histórico de políticas econômicas que, mesmo com momentos de crescimento na Fazenda nacional, são marcadas pela não aplicação efetiva de investimento na qualidade da educação pública e o posicionamento dela como eixo central para o desenvolvimento do Brasil e o encurtamento das desigualdades sociais (Marques, 2017).

Essa conjuntura esta foi materializada para toda a sociedade brasileira dentro do período de reclusão social por questões sanitárias em que o Ministério da Educação (MEC), por meio do Conselho Nacional de Educação (CNE) em 2020 (Brasil, 2020) permitiu a continuidade das aulas na EB com a modalidade de ensino não presencial, síncrono e assíncrono durante a pandemia e continuação do modelo até 31 de dezembro de 2021, garantida pela legislação (Brasil, 2020), posteriormente alterado o texto que determinava data limite para os tipos de ensino não presenciais executados, de “até 31 de dezembro de 2021” para ”durante o estado de calamidade” (Brasil, 2020), momento que pode identificar o gigantesco abismo existente entre a educação dentro da rede particular e a rede pública, manifestada desde o atraso na adaptação e no acolhimento das resoluções para adequações ao novo formato educacional, em razão do momento atípico vivido, até o distanciamento das condições básicas de acesso e acompanhamento das aulas para os docentes e para discentes figuradas em local adequado para estudo, ferramentas tecnológicas que garantissem minimamente acesso à sala de aula virtual e continuidade do andamento das reuniões virtuais em modo qualitativo mediante fluxo estável da internet.

São impressões de um distanciamento berrante na estrutura formativa das próximas gerações de indivíduos que, em tese, deveriam ser formados para autossuficiência e reconhecimento de si e para o bem da sociedade, sob os acolhimentos de uma Educação democrática e voltada ao exercício pleno da cidadania. Essa vastidão de desigualdades sociais reafirma o quão profunda e atrasada é a relação promíscua entre o conservadorismo classista brasileiro e o pensamento colonial de aversão e enfraquecimento da difusão de princípios da justiça social (Silva, 2017).

É dentro desta fragilidade estrutural que mais se faz necessária a regular e contínua ministração da disciplina Sociologia dentro do eixo formativo da EB para o momento pós-auge pandêmico, pois, afora os reflexos atuais de um histórico conturbado de inclusão e exclusão de oferta de debates às desigualdades ainda hoje presentes em nossa sociedade, ao optar por uma manutenção nesse caminho espinhoso de apagamento científico-social, cada vez maior será o alargamento da vastidão que separa os caminhos para a possibilidade de ascensão social de jovens oriundos de uma educação pública em detrimento de outros de origem educacional de caráter particular (Unicef, 2021). Também superiores serão as evasões escolares por diversos fatores agarrados à ausência da consciência de sua posição social por desvalorização de seu grupo social pelos preconceitos e racismos estruturados em nossa sociedade, pela falta do conhecimento sobre direitos fundamentais e pela identificação da normatização de abusos e opressões nas relações sociais familiares, nas questões de gênero, de sexualidade e de diversas outras expressões de bloqueios à cidadania que as temáticas da Ciência Social garantem o debate e a evolução.

Consequências de uma política pública educacional restritiva

Meditando sobre a atribuição de Sociologia na EB, admite-se que a matéria proporciona ao educando instrumentos de uma análise holística do mundo que o cerca, partindo do entendimento de que a metodologia do saber sociológico é pautada na “desconstrução da normatividade” e no “incômodo à realidade social”, que oportunizam à juventude uma perspectiva sobre o lugar vivente sob uma lente múltipla, intersetorial e a compreensão de que fenômenos culturais, econômicos e políticos são reflexos de um encadeamento de desenvolvimentos gradativos de cunho histórico e social.

A matéria oferta a chance de uma libertação política ao educando, afastando-o da desumanização e do direcionamento restrito de uma educação rígida, mercadológica e bancária (Freire, 1987) que o educaria para ser apenas mais uma peça de fácil substituição na engrenagem do sistema econômico capitalista e somatizadora de profissionais limitados aos quadros do “exército de reserva” do mercado (Marx, 2011).

Em razão de esse instrumento pedagógico de caráter emancipatório incomodar e levantar instabilidade à manutenção do status quo de alguns estratos sociais mais privilegiados, a ala conservadora representada nas casas legislativas, defensora de uma educação tradicional, vê-se constrangida e manifesta grande oposição à manutenção da matéria que gera pensamentos e ideias progressistas na juventude.

Com os eventos conturbadores no cenário político nos idos de 2016, a promoção de uma agenda neoliberal em atendimento a interesses do mercado ganhou força com o início do governo de Michel Temer, após a deposição de Dilma Rousseff da presidência e manteve-se no governo que veio a seguir. Essa agenda trouxe diversos impactos, com o avanço do autoritarismo e de pautas conservadoras que alcançaram inclusive a educação; uma manifestação direta dentro do eixo institutivo da Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 (Brasil, 2017), a REM/17, produziu estreitamento curricular para as diversas etapas formativas e comprometeu a qualidade do ensino na Educação Básica, descontinuando os avanços progressistas conquistados pela educação brasileira alinhados à LDBEN/96, aos PCNEM, às OCNEM e enfraquecendo a motivação fundamental da existência e execução da Lei nº 11.684/08, que é a instrumentalização do estudante com ferramentas básicas para compreender e interpretar a realidade que o cerca (Moura; Filho, 2017).

A apresentação legislativa de restrição educacional imprime um claro retrocesso de conquistas aos direitos sociais, pois, junto ao cerceamento da abordagem dos temas da matéria e da sua obrigatoriedade dentro da grade curricular do EM, ameaça-se também a formação crítica, humana e analítica do indivíduo para temáticas tão caras à sociedade. É desejável que haja bloqueios futuros dentro dessa agenda restritiva para que impactos negativos não se alonguem a gerações posteriores e uma escuridão tome conta da esperança de tempos de maior justiça social no território brasileiro e que alterações em políticas públicas de Educação dentro da BNCC representem progresso positivo para uma educação cidadã da juventude, e não enlaçada às conveniências do mercado econômico.

Considerações finais

Em acordo a toda a conjuntura, são preocupantes as latentes repercussões da REM/17 dentro do recorte da docência de Sociologia para a evolução educacional das próximas gerações de discentes, principalmente para a juventude que tem seu caminho formativo dependente da educação pública, visto que as transformações impelidas pela Lei nº 13.415/17 têm potencial de agigantamento das desproporções educacionais já existentes quando comparadas às possibilidades educativas ofertadas no ensino particular.

No que concerne à Sociologia, a diminuição do valor da matéria dentro da grade curricular da EB nessa reforma ataca diretamente a solidez e o avanço positivo que a Ciência Social vinha galgando Brasil adentro, rompendo os grilhões dos grupos sociais mais carentes do país, facilitando o caminho para suas emancipações e para a promoção de uma sociedade mais justa e consciente dos princípios da democracia e dos direitos e deveres do cidadão.

É desassossegador que a norma legal não tenha tratado em momento algum de questões de expressiva relevância para a promoção da qualidade da Educação e a valorização da categoria profissional; são questões preciosas como possibilidades de acesso e permanência, investimento em qualificação dos profissionais ligados à EB e instrumentalização adequada para facilitação do trabalho docente nas diversas variações de escolas brasileiras, entre outras necessidades de constante clamor na pasta da Educação. Assim, da forma que chegou e que aos poucos as assembleias legislativas estaduais vão acatando para seus estados, vê-se uma política de austeridade que se distancia dos desejos de fortalecimento da nação em razão de uma apregoação de arreios a ideais emancipatórios e de justiça social.

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Publicado em 23 de janeiro de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

TEIXEIRA, Emanuela Irwing da Silva. Políticas educacionais e o ensino de Sociologia: a reforma do Ensino Médio de 2017 e o cenário de consequências para o pós-ensino remoto. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 2, 23 de janeiro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/2/politicas-educacionais-e-o-ensino-de-sociologia-a-reforma-do-ensino-medio-de-2017-e-o-cenario-de-consequencias-para-o-pos-ensino-remoto

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