A literatura como estratégia para as práticas de letramento bilíngue para os surdos

Aline C. Porto Silva

Doutoranda em Difusão do Conhecimento (UFBA/UNEB/IFBA/UEFS/Senai Cimatec/LNCC), professora efetiva no IF Baiano

Aloísio S. Nascimento Filho

Doutor em Modelagem Computacional e Tecnologia Industrial (Senai Cimatec) Departamento de Sistemas e Computação, atua no Centro Universitário Senai Cimatec

Ivonete Natividade C. Cunha

Neuropsicopedagoga, especialista em Educação Especial e Inclusiva e AEE, professora na Apada/BA

Neste artigo são apresentadas reflexões sobre a importância do contato com a literatura em Língua Brasileira de Sinais (Libras) como estratégia para ensinar a escrita da língua portuguesa a partir de práticas de letramento bilíngue para estudantes surdos, visto que a Libras é considerada a sua língua de instrução e a língua portuguesa, na modalidade escrita, sua segunda língua.

Acreditamos que a literatura em Libras é essencial para os surdos apresentarem a sua língua. Tendo contato com a leitura e com a interpretação dos textos literários, podem usar a língua para criar, imaginar, ampliar o repertório linguístico e, sobretudo, desenvolver o prazer pela literatura.

Conforme afirma a pesquisadora norte-americana Rose Heidi (2006), a literatura em Libras une língua, imagens visuais e dança, sendo um misto de sinais e gestos. Ou seja, a literatura do corpo e a literatura performática são importantes para os surdos, cuja língua é gesto-visual. Diante disso, é essencial que eles tenham acesso aos diferentes gêneros textuais e literários em diversos formatos, a fim de valorizar a identidade e cultura surdas.

Com isso, o objetivo geral deste estudo é utilizar os textos literários como estratégia para as práticas de letramento bilíngue desses alunos. Dentre os objetivos específicos destacam-se: apresentar diferentes gêneros textuais e literários em Libras aos estudantes surdos; ampliar vocabulário em Libras e em português escrito, proporcionando o contato significativo com a literatura em Libras e a literatura surda; e, por último, refletir sobre as possibilidades que os textos literários em Libras podem gerar para a visão de mundo dos surdos.

O Brasil reconheceu e regulamentou a Libras por meio da Lei nº 10.436/02 e do Decreto 5.626/05. Assim, no Artigo 1º da Lei se estabelece como meio legal de comunicação e expressão a Libras – e outros recursos de expressão associados a ela. Entende-se como Libras: a forma de comunicação e expressão na qual o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema de transmissão de ideias e fatos oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.

Entretanto, é importante destacar que no Art. 4º, Parágrafo Único, afirma-se que a língua “não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa” (Brasil, 2002), e essa disposição vincula a escolaridade das pessoas surdas ao letramento em português escrito.

No entanto, historicamente, o desenvolvimento da aquisição da linguagem pelos surdos, em sua grande maioria, acontece tardiamente, causando atraso linguístico que implica o aprendizado das estruturas gramaticais das duas línguas, a primeira gesto-visual e a segunda a língua verbal escrita da pátria.

Diante disso, este estudo intentou conceder aos alunos surdos práticas de letramento bilíngue significativas, estabelecendo o diálogo a respeito de como o trabalho da literatura em Libras interfere no processo de letramento da Libras e no seu aprendizado. A aquisição da Libras como língua de instrução é de vital importância para o desenvolvimento dos surdos, pois é por meio dela que acontecem as interações e as aprendizagens.

As línguas naturais têm a importante função de suporte do pensamento, função está frequentemente ignorada por especialistas envolvidos na educação do surdo que consideram a Língua apenas como meio de comunicação [...]. As línguas de sinais, por serem naturais e de fácil acesso para os surdos, são extremamente importantes para o preenchimento da função cognitiva e suporte do pensamento (Brito, 1993, p. 34).

Desse modo, faz-se necessário que haja uma sistematização para que o ensino da Língua Portuguesa, a partir da educação bilíngue, aconteça significativamente. Segundo Brito (1993, p. 12), numa linha bilíngue, o ensino do Português deve ser ministrado para os surdos da mesma forma como são tratadas as línguas estrangeiras, ou seja, em primeiro lugar devem ser proporcionadas todas as experiências linguísticas na primeira língua (língua de sinais) e, depois, sedimentada a língua majoritária (língua portuguesa) como segunda língua.

Assim, é importante que o acesso à literatura em Libras aconteça desde a Educação Infantil; desse modo, os surdos terão instrumentos para explorar o imaginário, usar a fantasia, construir sua identidade e cultura, criar/recriar e propagar sua literatura surda a partir da sua perspectiva e da sua experiência visual.

Segundo Sutton-Spence e Kaneko (2016, p. 24) expressam, “a literatura é qualquer corpo de produções baseado na linguagem que é considerado socialmente, historicamente, religiosa, cultural ou linguisticamente importante para a comunidade”. Assim sendo, seguindo Skliar (1999, p. 142), “a língua de sinais anula a deficiência e permite que os Surdos constituam, então, uma comunidade linguística minoritária diferente e não um desvio da normalidade”. Dessa forma, rompe-se com o paradigma da surdez pela língua de sinais.

Com base nos estudos recentes de Quadros (1997) e Skilar (1999), a concepção de surdez apoia-se na abordagem socioantropológica, ou seja, a surdez é compreendida como diferença linguística e cultural. Diante disso, este estudo intenta olhar para a surdez como diferença construída histórica e socialmente pelas concepções sociais, culturais e antropológicas.

Sabe-se que o letramento dos surdos envolve duas línguas; conforme afirma Soares, (2020, p. 47), “letrar” é mais que alfabetizar; é ensinar a ler e a escrever em um contexto em que a leitura e a escrita tenham sentido e façam parte da vida do aluno. Terzi (1995) afirma que a exposição da criança na pré-escola à leitura de livros infantis promove uma expansão dos seus conhecimentos sobre histórias, tópicos de histórias, estrutura textual e escrita. Logo, é relevante conceder aos surdos experiências significativas em diferentes atividades a partir de textos literários para estabelecer conexões com suas narrativas e permitir que construam as suas aprendizagens.

Diante dessa perspectiva, existem diversas possibilidades para mediar a literatura com surdos: pode-se citar o processo de contar e recontar as histórias por meio da língua de sinais, em que utilizam-se recursos visuais, seja em livros e revistas com ilustrações, dramatizações e filmes, entre outras ferramentas, priorizando a língua materna e desenvolvendo narrativas nas quais a surdez seja apresentada como uma diferença linguística e não como uma deficiência.

Desse modo, a pesquisa possibilitou olhar para as representatividades dos surdos em respeito à língua de sinais e ao ensino bilíngue para a construção da identidade, da alteridade e da cultura surda, que formam partes significativas do processo de ensino-aprendizagem.

Procedimentos metodológicos  

Foi realizada uma pesquisa que envolve o campo das relações humanas, a partilha de conhecimentos, a participação social e a construção conjunta de saberes e valores. O procedimento metodológico utilizado foi a pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso (Lüdke, 2000, p. 18), pois alguns autores acreditam que todo estudo de caso é qualitativo".

O estudo qualitativo, como já foi visto, é aquele que se desenvolve numa situação natural, é rico em dados descritivos, com um plano aberto e flexível que focaliza a realidade complexamente e contextualizada. O projeto envolveu a interação com os alunos surdos que, de forma direta e ativa, participaram do processo de construção do conhecimento, por meio das práticas de letramento.

Para proporcionar aos estudantes o acesso à literatura, respeitando a língua de instrução e com vistas ao contato e às experiências com a escrita em Língua Portuguesa como segunda língua (L2), utilizamos como técnica a observação participante e pesquisa qualitativa com intervenções pedagógicas. A pesquisa foi realizada no segundo semestre de 2022, na Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos do Estado da Bahia (Apada/BA).

Foram realizados encontros semanais às terças-feiras, com uma turma composta por oito estudantes surdos com idades entre 13 e 17 anos matriculados no atendimento educacional especializado (AEE), turno da tarde (das 13h às 15h).

Os instrumentos para coleta de dados foram: mediação dos textos literários em Libras, português escrito e articulado em momentos específicos com os conteúdos gramaticais da Língua Portuguesa, diálogos, observação das aulas e atividades realizadas nos encontros formativos com os alunos surdos. Além deles, a mediação foi realizada com uso de recursos didáticos: livros de literatura, desde os clássicos da literatura até a literatura surda, também vídeos e filmagens em Libras para o conto e o reconto das histórias, assim como filmes, peças teatrais e atividades impressas.

Na linha interacionista, Andrade (2012, p. 42) relata a importância do trabalho com diversos gêneros textuais e a ampliação das possibilidades para a compreensão e o uso da língua. Sabe-se que, para os surdos, é significativo proporcionar o ensino da L2 por meio da L1 (a língua gestual-visual espacial). Assim, nessa perspectiva, Andrade (2012, p. 37) afirma que,

considerando que a segunda língua é aprendida de forma sistemática, ou seja, é necessária a utilização de estratégias formais de ensino para a aprendizagem ocorrer, então, o ensino do Português para surdos não pode ser realizado da mesma forma que para os ouvintes que são falantes dessa língua.

No primeiro momento foi oferecido aos estudantes um texto literário impresso cujo objetivo era identificar palavras que fossem conhecidas e que deveriam ser circuladas para explicar o significado, bem como para identificar quais eram as classes de palavras que eles já conheciam e/ou já tinham visto. O texto continha palavras grifadas e em negrito, uma estratégia para ampliar o repertório linguístico em Libras e na escrita da Língua Portuguesa proposta em cada aula.

A partir desse retorno, organizamos o planejamento com as estratégias metodológicas para ensinar língua de sinais e a escrita da Língua Portuguesa. Os recursos didáticos utilizados foram: texto impresso em tamanho A4 e em A3, lápis, quadro, caneta pilot, dicionário, dicionário trilíngue, vídeos e livros didáticos.

Conforme Cavalcante e Torres (2020, p. 10), “o processo de letramento para surdos deve ser desenvolvido com base em três eixos, que vão ao encontro do ensino bilíngue: o sinal, a imagem e a palavra em L2” (L2 é a Língua Portuguesa como segunda língua). Desse modo, é essencial oportunizar aos estudantes surdos as práticas de letramento em Libras e no Português escrito. Desse modo, as aulas foram constituídas de forma sistematizada e significativa a partir da educação bilíngue.

Com o tempo, as aulas mediadas aos estudantes surdos proporcionaram contato com diversos gêneros literários em Libras. Para algumas histórias em Libras, os estudantes surdos apresentavam conhecimento geral; no entanto, as histórias que despertavam mais interesse eram as apresentadas nos vídeos, sobretudo quando realizadas em contraposição às histórias cujas narrativas versavam a respeito da surdez. A prática lhes interessava, pois com ela estabeleciam entrelaçamento significativo da literatura surda com a língua de sinais.

Em concordância com Karnopp (2006), o texto literário produzido em sinais feitos pelos surdos e direcionados a eles é caracterizado como literatura surda e tem como principal objetivo salvaguardar a identidade linguística e a cultura surda.

Segundo a base teórica de Fernandes (2006), alguns princípios metodológicos que podem nortear o letramento bilíngue de surdos são:

  • mediação pela língua de sinais — Libras;
  • estratégias visuais (destacar a Libras — ampliar o repertório linguístico);
  • o letramento tem a leitura e a escrita como processo complementar e dependente (para os alunos surdos, o português é o que o aluno lê/vê);
  • considerar a leitura e a escrita inseridas sempre pelas práticas sociais significativas;
  • há diferentes tipos e níveis de letramento, dependendo das necessidades do leitor/escritor em seu meio social e cultural.

Tais princípios contribuem para que as práticas de letramento bilíngue com surdos estejam relacionadas a contextos diversos de leitura, com possibilidades de construir a escrita significativa da segunda língua.

A seguir apresentamos um quadro descritivo com as atividades realizadas com surdos para o letramento bilíngue numa perspectiva visual, por meio de diversos textos literários. Seu objetivo é a mediação da literatura em Libras para a incursão no mundo da leitura e da escrita da Língua Portuguesa.

Para realizar o planejamento das aulas, buscou-se utilizar pesquisadores da área da surdez que dialogam sobre a língua de sinais, a literatura em Libras e o ensino-aprendizagem dos estudantes surdos. Desse modo, foram utilizadas as seguintes pesquisadoras: Ana Claudia Lodi et al. (2014), com Letramento e minorias; Ronice Quadros (2006), com Ideias para ensinar o português aos surdos, Sueli Fernandes (2006), com Letramento na Educação dos Surdos; e Rachel Sutton-Spence (2021), com a obra Literatura em Libras.

O Quadro 1 traz um descritivo das atividades desenvolvidas em sala de aula com esses estudantes.

Quadro 1: Relação descritiva de atividades

Tema e conteúdo

Objetivos e estratégias

Recursos

História do surdo

Discutir na escrita a cultura surda e as questões de interculturalidade.

Reproduzir narrativa escrita sobre a história do surdo, usando diferentes recursos.

Criar uma linha histórica dos fatos envolvendo a história dos surdos.

Assistir ao vídeo sobre a história e a trajetória dos surdos no Brasil.

Conhecer a trajetória da cultura surda ao longo do tempo.

Vídeo

Mapa mental

Desenho impresso

HQ

Texto narrativo impresso

Roda de conversa

Poesia narrativa:

As Brasileiras, de Klícia de Araújo Campos e Anna Luiza Maciel

Assistir ao vídeo.

Explicar o vídeo.

Recontar a poesia.

Compreender o que é a poesia narrativa.

Assistir ao vídeo e reescrever.

Estudar o vocabulário.

Vídeo em Libras

Papel

Caneta

Computador

A borboleta, de Vinicius de Moraes, traduzido por Wilson Santos

Conhecer o poema.

Conhecer o autor.

Ampliar os significados das cores e da borboleta.

Vídeo em Libras

Texto em língua portuguesa escrita

Leitura e escrita de A borboleta

Produzir textos.

Ampliar repertório.

Texto impresso

Dicionário

Conto africano:

A onça e o veado; gramática (adjetivo e substantivo); escrita criativa

Conhecer as produções literárias da comunidade surda e ouvinte.

Reescrever o texto mudando cenário, os nomes e as características do personagem.

Ampliar o vocabulário em Libras.

Apresentar o vídeo do conto em língua de sinais.

Leitura e interpretação do texto.

Reconto da história em Libras e em seguida texto escrito.

Vídeo em Libras

PowerPoint

Livro de História

Exercícios impressos

Cultura surda

Gramática: verbos

Produção textual

Estudo do vocabulário, ampliando os sinais em Libras e o repertório da escrita de língua portuguesa.

Construção do mapa mental dos fatos mais relevantes da história das pessoas com surdez. Recorte temporal.

Dispositivos eletrônicos

Filme: E seu nome é Jonas

PowerPoint com imagens

HQ

Imagens

Surdez e o cotidiano

Discutir situações vividas pelos surdos na sociedade em contextos diversos.

Filme: Série Crisálida

Fotos impressas

Poema: Lei de Libras, de Anna Luiza Maciel e Sara Theisen Amorim

Poesia: O modelo do professor surdo

Conhecer os poemas em Libras.

Conhecer os autores dos poemas.

Ler o poema escrito em português.

Discutir o poema.

Vídeo em Libras

Texto impresso

Fonte: Elaborado pela autora (planejamento realizado a partir das obras de Lodi et al. (2014), Quadros (2006), Fernandes (2006) e Sutton-Spence (2021).

O Quadro 1 apresenta temas, objetivos e estratégias e recursos das aulas e algumas atividades desenvolvidas com os estudantes surdos sob a perspectiva do letramento bilíngue, alinhado às teorias tecidas neste estudo. Abordar o ensino do Português como segunda língua para sujeitos surdos é de suma importância e tem sido defendido por muitos pesquisadores que acreditam e apoiam o ensino bilíngue para surdos (Lodi et al., 2014).

Por isso, é significativo para os estudantes surdos que os professores utilizem diferentes estratégias e diversos recursos visuais para ensinar, possibilitando que ampliem seus níveis de fluência na aquisição da Libras e do aprendizado da segunda língua, bem como o seu desenvolvimento cognitivo.

Resultados e discussões

No entanto, sabe-se que existem perspectivas múltiplas para apresentar a literatura em Libras aos surdos, considerando a linguagem visual e o uso de diversos recursos visuais, permitindo-se compreender que a literatura é possível e permite aos surdos criar e divulgar suas expressões literárias, além das inúmeras possibilidades para a aquisição de conhecimento.

Dito isso, todos os encontros permitiram experiências diversificadas. Pôde-se perceber os olhos atentos, visualizar criações poéticas a partir de narrativas surdas com a participação coletiva, ver o despertar pelo prazer que a literatura em Libras proporciona aos estudantes, ampliando seu repertório linguístico com as diversas práticas de leitura e escrita, por meio das interações sociais que, conforme afirma Vygotsky (2007), traduz a linguagem – que é um evento social que se desenvolve a partir das interações sociais nas relações interpessoais.

Foi observado que os textos apresentados a partir da leitura em Libras da literatura clássica, das narrativas culturais surdas e das expressões poéticas, dentre outros gêneros textuais para os alunos surdos, tiveram melhor compreensão, interesse, envolvimento e comprometimento da turma, seja pelo empoderamento adquirido, seja pela compreensão da importância da leitura e da escrita de Língua Portuguesa no uso das práticas sociais letradas.

Segundo Fernandes (2006, p. 134), “a língua de sinais exerce função semelhante à oralidade no aprendizado da escrita pelos surdos, possibilitando a internalização de significados, conceitos, valores e conhecimentos” que medeiam “a apropriação imagética do sistema de signos escritos”. Dessa forma, o surdo pode aprender a Língua Portuguesa e não aprender necessariamente a falar essa língua.

A partir dos textos literários em Libras e das singularidades interpretativas dos surdos, percebeu-se o tempo e o lugar por meio dos quais a organização do pensamento, pelo conto e reconto, revelou um cenário propício para a imaginação, para a ficção, além de outros elementos criativos para as suas narrativas. É importante destacar que as experiências visuais dos surdos são elementos constituintes das criações literárias de surdos.

Os diferentes formatos de textos apresentados trouxeram para as aulas uma abordagem de mediação dinâmica, visto que, para as adaptações, buscou-se um olhar singular às especificidades linguísticas dos estudantes surdos para assim atribuir significados aos temas propostos, ampliando o conhecimento da língua escrita de forma contextualizada.

Desse modo, a comunicação estabelece um elo importante nessa troca e interação, visto que, no contexto dos surdos, acessar a literatura a partir da língua de sinais é algo possível para desenvolver o gosto pela leitura literária, além do contato significativo com as práticas da escrita da Língua Portuguesa. Para tanto, o conhecimento prévio sobre literatura representa o ponto de partida para as intervenções pedagógicas realizadas com o fim de ampliar as perspectivas literárias dos surdos.

Conclusão

Diante das reflexões e experiências citadas, verificamos as possibilidades diversas a partir dos textos literários e das narrativas culturais dos surdos, de vivências significativas com a literatura, além do desenvolvimento de estratégias para mediar o ensino de uma segunda língua no seu aprendizado.

Considerando os pressupostos científicos de que os surdos aprendem mais e melhor quando a Libras é a língua de instrução, a afirmação se ampara em resultado de pesquisa que, de acordo com Capovilla (2011, p. 87), mostra que os surdos aprendem mais e melhor em escolas que utilizam a Libras e a Língua Portuguesa no ensino-aprendizagem do que em escolas comuns (com Português apenas), comprovando a importância da Libras como a língua de instrução, bem como das escolas bilíngues.

Na comunicação em língua de sinais, o alunado surdo aprende o Português escrito. Por essa razão, é importante que os estudantes acessem o ensino pela perspectiva da educação bilíngue, ou seja, acessem a Libras como primeira língua e o Português escrito como aquisição de uma segunda língua. A ausência de interação em Libras dificulta a aprendizagem e o desenvolvimento das competências leitora e escritora dos alunos surdos.

Segundo Fernandes (2006), aprender o Português resultará do significado que essa língua atribui nas práticas sociais/escolares para os alunos surdos. Dessa forma, para que aprendam a Língua Portuguesa como segunda língua, será importante antes constituir sentido na língua de sinais.

Dito isso, é importante que os educadores reflitam sobre as práticas pedagógicas, priorizando a língua de sinais e atentando para a singularidade linguística e a cultura surda. Dessa forma, eles conseguirão planejar novas estratégias, incluindo novos recursos visuais e linguísticos para o processo de ensino-aprendizagem surdo.

Referências

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Publicado em 11 de junho de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

SILVA, Aline C. Porto; NASCIMENTO FILHO, Aloísio S.; CUNHA, Ivonete Natividade C. A literatura como estratégia para as práticas de letramento bilíngue para os surdos. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 20, 11 de junho de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/20/a-literatura-como-estrategia-para-as-praticas-de-letramento-bilingue-para-os-surdos

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