O potencial transformador da educação pautada nos valores democráticos

Thiago de Souza Modesto

Mestre em Direito (Unesa), especialista em Relações Internacionais, Geopolítica e Defesa (UFRGS), coordenador do Curso de Direito no Centro Universitário de Barra Mansa

Maria Cristina Alves Delgado de Ávila

Mestra em Direito (Unesa), advogada

A sociedade contemporânea é marcada pela globalização e pelos impactos da política neoliberal que massifica a disputa pelo poder, a competição por altos salários e postos de trabalho, indo ao encontro do capitalismo voraz que enaltece o “ter” em detrimento do “ser”. A essa singela e reduzida visão dos tempos hodiernos, acrescentamos que nossa sociedade altamente estratificada esbarra em um paradoxo: manter a atual estrutura que privilegia poucos cidadãos ou ressignificar valores e práticas em prol de justiça social?

Certamente a segunda opção é mais justa e se coaduna com a moral pautada numa sociedade que respeita e busca resguardar direitos fundamentais de todas as pessoas, inclusive propondo práticas que confiram igualdade aos grupos ditos minoritários. À conta disso, é certo que as práticas educativas pautadas nos valores enaltecidos pela democracia se mostram como um caminho – não perfeito, porém viável – de efetivação da dignidade de todos os seres humanos. Inclusive vale a notável frase do conservador estadista inglês Wilson Churchill (1947), mencionada por Barbosa (2020, p. 768), de que a democracia, apesar dos pesares, é “a pior forma de governo à exceção de todas as demais formas que se experimentaram ao longo dos tempos”. Logo, longe da pretensão de se considerar a democracia um regime perfeito, é louvável cogitá-la não apenas como forma de governo, mas sobretudo de exercício prático no nosso cotidiano, visto que terá o condão de resguardar o direito de ser singular. Tal possibilidade busca enaltecer o diálogo que é tão importante em uma sociedade justa, heterogênea e plural.

Assim, decerto não se pode deixar de ter em conta que, ao se falar em democracia, inevitavelmente vem à mente a necessidade de consciência política. Nessa linha de pensamento, especialmente referente aos jovens, outro dilema se instala: o desinteresse pelo fazer e crer na política. Na presente pesquisa, pretende-se analisar que a escola pode ser um importante palco para que os jovens se motivem a mudar sua realidade cotidiana mediante práticas democráticas, buscando atuar socialmente de forma plural como prática cotidiana, indo muito além de estabelecer a ideia de democracia como forma de governo. Logo, são indissociáveis os termos educação e democracia, tal como cunhado por John Dewey (2007).

Nos países da América Latina, são caras as questões afetas à democracia, qualquer que seja sua acepção; tratemos do ato de fazer política ou das práticas sociais valoradas na liberdade de expressão, o respeito às diferenças, a coibição de atos racistas e xenofóbicos, a atuação incisiva que contribuam para um meio ambiente sadio. Estas, e inúmeras outras, são algumas temáticas “efervescentes” com que a democracia se depara, beirando ora o colapso, ora sua busca inalcançável como caminho de salvação.

Nessa senda, a presente pesquisa, de cunho bibliográfico, objetiva lançar olhares sobre o papel da educação na contribuição para a democracia contemporânea. Para tanto, abordará:

  1. a centralidade da educação como contribuição para as boas práticas cotidianas;
  2. de que maneira o “fazer democracia” pode ser inserido no contexto escolar; e
  3. como tentar despertar nos jovens o interesse por atuar democraticamente no seu cotidiano, distanciando-se das questões macro de governança estatal.

O tema se justifica em virtude da crise democrática que vivemos e a descrença, sobretudo dos jovens, em uma governança que se paute na igualdade e nos valores que enobrecem uma sociedade justa e igualitária com olhar social para as mazelas sociais. Assim, o objetivo da presente pesquisa é despertar a importância da educação pautada na democracia para que a escola e os alunos possam contribuir com os ideais democráticos, atuando assim juntamente com os demais atores sociais.

A centralidade da educação na construção de uma sociedade pautada na valorização humana

A educação é um direito social expressivo, possuindo fundamento constitucional (Art. 6º da Constituição Federal de 1988). Em reafirmação de que se trata de um direito fundamental, o Art. 205 do referido texto legal prega que é um direito de todos e um dever do Estado e da sociedade promover a educação com vistas ao preparo do educando para o exercício da cidadania e de sua qualificação para o trabalho. Ademais, também o Art. 214, V, da Constituição Federal, ao estabelecer que além do conhecimento científico e tecnológico deve haver a promoção humanística, fica nítido que esse é um direito que se pauta na dignidade humana e na busca de uma sociedade que deverá formar seres conscientes, críticos e capazes de promover melhorias em seu cotidiano.

A Lei nº 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, reforça que o ato de educar abrange diversos processos formativos, não se limitando ao ambiente da casa e escola do discente. À conta disso, o “ato de educar aborda um complexo processo de construção do homem no mundo” (Santos; Bezerra, 2016, p. 4). Assim, o processo de troca entre aluno e professor desempenha reflexos para toda uma vida, fazendo ecoar na vida política, social e familiar o que foi objeto de conhecimento na escola. Estando inserida no espaço de socialização, é também na escola que a pluralidade e a heterogeneidade podem trazer certa conflituosidade, tal como na vida fora dos muros que separam a escola do restante da sociedade.

Marcon (2015, p. 388) aponta que, no contexto brasileiro, a partir da Constituição Federal de 1988 e da Lei nº 9.394/96, “as políticas educacionais reforçam dois grandes pilares: a formação para a democracia e a formação para a cidadania”. Acrescenta ainda que isso se deve às constantes lutas de alguns setores em favor de uma sociedade democrática.

Vê-se que sob o ponto de vista legislativo, a educação não é cunhada como mera transmissão de conhecimentos técnicos de um professor para seus alunos, objetivando unicamente a formação técnico-profissional para que todos sejam úteis ao mercado de trabalho capitalista e competitivo. Tratando-se de um direito social, a educação vai muito além das questões de preparação para o mercado laboral, devendo preparar o jovem para a vida em sociedade; isso pressupõe capacidade crítica e reflexiva do seu entorno com potencial transformador, o que vai ao encontro da ideia de uma democracia como forma de vida.

No âmbito internacional, a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 reforça que todos os países, por meio do ensino e da educação, devem buscar promover o respeito aos direitos e liberdades. A Declaração Mundial sobre Educação para Todos (Conferência de Jomtien) de 1990 buscou traçar ações para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem e dentre suas disposições prevê, no Art. 2º, § 3º, que “a concretização do enorme potencial para o progresso humano depende do acesso das pessoas à educação e da articulação entre o crescente conjunto de conhecimentos relevantes com os novos meios de difusão desses conhecimentos” (Unicef, 1990).

Destaca-se que “a Comissão Delors (Unesco, 1996) inseriu a educação como requisito indispensável à humanidade na construção dos ideais de paz, da liberdade e da justiça social” (Silva, 2016, p. 10). Como importante contributo, a referida comissão estabeleceu quatro pilares para a educação de qualidade:

  1. aprender a conhecer: objetivando aguçar a vontade do aluno em adquirir o saber, desenvolvendo, assim, seu senso crítico;
  2. aprender a fazer: não basta o aprendizado de conhecimento teóricos, também se faz necessário o conhecimento prático tão importante para o exercício profissional;
  3. aprender a conviver: visa a cultura da não violência, o rechaço à hostilidade, enaltecendo a descoberta e o respeito pelas diferenças; e
  4. aprender a ser: possibilita o desenvolvimento do indivíduo e de sua personalidade, cabendo à educação explorar todas as potencialidades do indivíduo (Silva, 2016, p. 10-11).

Logo, seja no âmbito internacional ou nacional, a educação possui centralidade no papel de desenvolver as potencialidades humanas, tanto as de natureza tecnicista quanto as humanísticas. Porém sabe-se que a previsão normativa, muitas vezes, caminha em descompasso com a realidade social, e em uma “sociedade imediatista e capitalista, em que valores como: ética, estética, alteridade (um olhar ao outro), não tem tido espaço para reflexão no cotidiano humano” (Santos; Bezerra, 2016, p. 2), faz-se necessário que a escola encontre formas de discutir essas e outras temáticas, fomentando nos jovens não só o respeito ao outro, mas o debate plural, colocando-os como protagonistas no sistema de fazer democracia, inclusive de forma comunitária e com potencial de transformar seu próprio entorno.

Constantemente, o debate sobre a urgência na melhoria da qualidade da educação é travado em nosso país. De forma unânime, todos aqueles que são pró-educação argumentam que ela deve ser capaz de promover a melhoria do meio social e da qualidade de vida dos povos, gerando maior desenvolvimento humano. Porém ainda existem inúmeros desafios a serem enfrentados para que a educação no Brasil seja efetivamente pautada nos valores de uma sociedade justa, a começar mesmo pelas dificuldades do próprio campo educacional. Nesse sentido, cita-se a desvalorização do professor e dos demais atores do ambiente escolar com sua contratação a preço vil, a falta de recursos tecnológicos e de suporte que possam de fato transformar aquele ambiente em um espaço inclusivo, capaz de agregar os mais vulneráveis (Vasconselos, 2020). Acrescenta-se aos fatores citados, nas palavras de Paro (2000, p. 3), o descomprometimento da escola na contribuição social, pois ela,

prendendo-se a um currículo essencialmente informativo, ignora a necessidade de formação ética de seus usuários, como se isso fosse atribuição apenas da família, ao mesmo tempo que deixa de levar em conta o marcante desenvolvimento da mídia e a consequente concorrência de outros mecanismos de informação que possam desenvolver com vantagens funções anteriormente atribuídas à escola. Mas, sem dúvida nenhuma, a principal falha hoje na escola com relação à sua dimensão social parece ser sua omissão na função de educar para a democracia.

Acerca do processo educativo, em especial na escola fundamental, Paro (2000) argumenta que os objetivos devem ser pautados em duas dimensões: individual e social. A dimensão individual se refere à preparação suficiente para que o próprio aluno se autodesenvolva, objetivando satisfazer-se no seu bem-estar. Em linhas gerais, seria capacitar o jovem para a própria busca de uma vida digna e condizente com os valores humanos. Porém não basta um educar para se autossatisfazer; somos seres gregários e vivemos em sociedades cada vez mais plurais; portanto, a dimensão social da educação está relacionada com a capacidade de o aluno-cidadão contribuir com seu meio social. Aqui, o primordial é o bem-estar coletivo.

Com referência à dupla acepção mencionada, a democracia está diretamente ligada às noções de educação com capacidade de transformar os alunos em cidadãos conscientes não apenas de seus próprios direitos e liberdades, mas do respeito e da luta pela qualidade de vida do seu semelhante, sobretudo daqueles que sequer têm possibilidade de buscar tais melhorias.

A democracia como práxis escolar

Dadas as inúmeras mazelas sociais enfrentadas especialmente nos países da América Latina, “é compreensível que se pense que o momento atual é mais governado pelo desespero do que pela esperança” (Stevenson, 2018, p. 152). Para além da ideia de governança, precisamos ter em mente que a democracia é uma proposta de vida que pode refletir no exercício não apenas da política como de todas as questões sociais. Acrescenta Stevenson (2018, p. 155), com forte influência de Dewey, que “a democracia não se reduz ao ato de votar, constitui também um modo de vida”.

Essa proposta de conceber a democracia não apenas como forma de governo, mas também de um modo de vida é discutida por muitos pesquisadores. Marcon (2015) aponta que, no contexto brasileiro, essa discussão tem especial relevância devido a três razões centrais: a) temos uma experiência recente e precária com a política democrática, dado o histórico de políticas autoritárias e ditatoriais; b) o aparecer de discursos falaciosos, que tentam imputar à democracia a ideia de governo fraco e anárquico, querendo fazer crer que a melhor forma de superar os problemas socioeconômicos e políticos é por via autoritária; e, por fim, c) há dificuldade das classes dominantes em conviver com a diversidade tão presente em nossa sociedade, inclusive havendo apoio de setores midiáticos para a segregação. Nesse contexto, diante das mazelas sociais em um país tão desigual, o autor aponta ainda que vemos certos setores clamarem por intervenções autoritárias, razão pela qual se faz urgente tal debate.

Ao ligarmos a TV e lermos jornais, vemos que essa preocupação possui razão, pois a polaridade no campo político e a busca pelo enfraquecimento dos já vulneráveis têm sido uma constante. Sob o discurso de busca por uma economia forte, a educação pautada nos valores humanísticos e com vistas a formar cidadãos conscientes e críticos de seus direitos e deveres, como respeito ao outro, torna-se uma mera retórica. Nesse contexto, ganham espaço a monetização das relações de trabalho e sociais e a precarização da moradia, do trabalho e da vida digna, gerando disputas e rupturas no sistema democrático. Essa cultura de supervalorização do capital promovida pelo mundo altamente globalizado e de vertente neoliberal induz que “a educação tem menos a ver com aprendizagem e troca crítica e mais a ver com ganhar um passaporte para adentrar o mercado de trabalho” (Stevenson, 2018, p. 154).

À conta de tantos problemas e desafios, restringir a democracia a forma de governo torna a visão da pluralidade de pensamentos e o debate civilizado de ideias reducionistas, fazendo a falsa percepção de que vivemos em esferas herméticas de vida política, vida social e vida familiar. Transitamos em todas as esferas, e a forma de enxergar o outro e o respeito aos direitos e liberdades influencia toda nossa vida. Para Benevides (1996), a democracia aproxima-se do respeito aos direitos humanos. Logo, se falamos em educação pautada na formação humanística, no postulado da dignidade da pessoa humana, também não podemos nos afastar da ideia de democracia como caminho de vida.

Assim, a educação que busca enaltecer os valores democráticos, e não populistas, vai além do ensino teórico e técnico que capacita o jovem para o mundo do trabalho, passando pela “formação dos cidadãos para que pensem e participem na elaboração das políticas públicas e no julgamento dos resultados” (Marcon, 2015, p. 386). Assim, a formação de um cidadão capaz de participar ativamente das questões sociopolíticas possibilita o progresso como humanidade, reduzindo o risco de retrocesso de direitos e garantias conquistadas ao longa da história.

No que tange aos desafios para esse despertar de consciência democrática por meio de uma participação ativa, a educação como processo de formação de cidadãos responsáveis e em cotejo à ideia de formação humanística não deve ser pensada apenas como prática de aceitação do diferente, “mas, juntamente com as estruturas externas, transformar as estruturas internas que o impedem de ver o diferente como não perigoso ou não tão humano” (Farinon, 2018, p. 130).

Portanto, o potencial transformador da educação não só com o respeito à condição do outro, mas com capacidade reflexiva e propositiva de debater e fomentar políticas públicas em prol daqueles que mais tem seus direitos violados encontra respaldo na democracia.

Sem se furtar dos dificultadores dessa nobre missão da educação, Marcon (2015) aponta que a construção de uma escola que prepara seus alunos para a capacidade reflexiva e crítica da sociedade não é caminho fácil. Fazem-se necessárias a preparação qualificada dos professores e a superação da educação meramente formal, que prioriza transmissão de conteúdos e a busca de resultados apenas quantitativos. Não menos importante: não só os alunos precisam ser preparados para a democracia, mas também os educadores, visto que as divergências e pluralidades de pensamentos pautadas no respeito mútuo são incitas à ideia de democracia. Além do mais, ela pressupõe a “socialização e o confronto de diferentes pontos de vista” (Marcon, 2015, p. 392).

Stevenson (2018) acrescenta que, em virtude do capitalismo, a competição tornou-se um hábito, enquanto a pobreza tem sido vista como fracasso pessoal. Essa reflexão pode ser percebida sobretudo no ambiente escolar, que possui uma forma meramente quantitativa de avaliação dos alunos, na qual aqueles que não atingem as notas mínimas para aprovação são segregados, julgados como incapazes. Além dessas métricas, o processo de ensino-aprendizagem precisa levar em conta habilidades e competências capazes de transformar o aluno em cidadão crítico e com senso de justiça social. Aqui, valemo-nos das palavras desse autor:

Uma sociedade mais democrática, em que os cidadãos se tornam leitores habilidosos do mundo, tem menos probabilidade de aceitar algo com base em valores superficiais e requer formas de letramento que vão além do que um sistema de ensino orientado para o sucesso de poucos provavelmente produzirá (Stevenson, 2018, p. 162).

Infere-se que a escola afastada das ideias democráticas faz parte de um processo desdemocratizador imposto pela ótica neoliberal de precarização e monetização das relações. Barbosa (2020, p. 762) acrescenta que a neoliberalização

empobrece o ser humano, a vida política e a própria democracia. Provoca despolitização, reduzindo tudo ao econômico, quando não ao psicológico [...]. Não são raras as vezes que podemos observar os currículos escolares mais preocupados com o homo oeconomicus em detrimento do homo politicus e do homo socialis. A formação eminentemente tecnicista e acrítica dos fenômenos sociais, passando ao largo da realidade que nos afeta, se reflete na macro e na microgovernança, formando seres altamente conectados às questões tecnológicas, porém pobres de empatia e capacidade resolutiva.

Barbosa (2020) ressalta que o aluno educado na ótica neoliberal se torna egoísta e excessivamente despreocupado com o cuidado para com o outro. Essa situação se reflete não só nas práticas cotidianas de desprezo e de desrespeito pela condição do outro, mas também na falta de protagonismo de pessoas que lutem pelos direitos dos desvalidos.

A descrença em uma democracia verdadeiramente capaz de enfrentar os problemas sociais, aliada à desmotivação do aluno no ambiente escolar em ser ator principal na mudança de sua comunidade, pode ser apontada como fator preocupantes de desmotivação dos jovens pelo projeto democrático. Currículos engessados e falta de estímulo, de troca de ideias e de fomento a projetos sociais estimulam e engendram a ordem neoliberal, que confere proeminência ao capital em detrimento do ser humano.

Por causa disso, surge o desafio: como motivar os alunos a praticar a democracia? Sinteticamente, é preciso despertar o ativismo nos jovens. Barbosa (2020) aponta a falta de interesse ao apoliticismo, cabendo à escola gerar consciência coletiva pautada em ações práticas que podem e devam ser desempenhadas pelos alunos, numa espécie de “fazer comunitário”. Porém é necessário ressaltar que as ações sociais não podem ter cunho eminentemente assistencialista; devem ser capazes de estimular o discente a refletir sobre o porquê de tal ação a ser realizada, bem como as questões subjacentes, discutindo políticas públicas, direitos humanos, economia, cidadania e política, dentre outros temas.

Ademais, a visão de uma democracia perfeita deve ser desconstruída. Algo perfeito não necessita de aprimoramento. Logo, se faz necessário conhecer os problemas, as críticas à democracia e os demais regimes de governo para que então se compreenda que, dentre as opções, esta é a melhor forma de superar as desigualdades sociais.

Por fim, os alunos precisam ser motivados a refletir sobre situações que, além de factuais, são pungentes em nossa sociedade. Várias questões estão na pauta do momento: mudanças climáticas, imigração, corrupção endêmica, desvalorização dos direitos humanos, ultranacionalismo e efeitos da pandemia da covid-19 para os mais vulneráveis, dentre outros.

Assim, uma educação para a democracia, fazendo sentido no presente, não poderia passar ao lado dos desafios envolvidos nessas problemáticas, como é o caso da possibilidade, e da necessidade, de evoluirmos para democracias multiétnicas nas quais se cumpra o preceito da igualdade democrática no que concerne à liberdade de opções culturais, mas sem criar, por essa via, mosaicos de comunidades étnicas ensimesmadas nas suas tradições e nos seus modos de vida, vivendo vidas paralelas e com poucas ou nenhumas comunicações (Barbosa, 2020, p. 769).

Esse fator motivacional é mencionado como chave para o despertar do “fazer democracia” por parte dos alunos. Portanto, a educação não pode esquecer seu papel ativo na construção de uma sociedade mais justa e que visa justiça social para todos, cabendo à escola o papel de despertar em seus alunos a capacidade crítica e o senso coletivo para que assim possamos conviver de forma mais equilibrada e sem o véu do fazer ao outro apenas por caridade, mas sim por atuação de um protagonista empenhado em redesenhar as estruturas de um mundo precário e paradoxal.

Considerações finais

Conforme apontado, se faz necessária a construção de escolas democráticas. Porém, muitos estudantes querem se ver longe do protagonismo de atuar em favor de alguma causa. Por vezes, isso se deve ao fato de a ideia de democracia ser transmitida como algo utópico e distante de nossa realidade, algo a ser tido como preocupação apenas dos políticos do alto escalão e no nível da governança global. Acrescenta-se o descrédito, principalmente dos jovens, em acreditar na política inclusiva e efetivamente igualitária. Assim, a escola precisa aproximar a prática democrática dentro de seu espaço deixando de propagar ensino meramente formal e tecnicista, passando então a alterar seus currículos, discutir direitos humanos, trabalhar temas transversais em projetos sociais e extensionistas e abdicar da omissão quando valores tão caros para nossa sociedade sejam atingidos.

Para tanto, a democracia caminha ao lado dos direitos humanos. Pode-se afirmar que há necessidade de a educação ser pautada na formação humanística, posto que a mudança cultural no que se refere à conscientização do “fazer democracia” terá o condão de mudar as estruturas sociais impregnadas pelos valores neoliberais. Além disso, paulatinamente terá potencial de assegurar direitos às populações mais vulneráveis e historicamente silenciadas.

A sociedade contemporânea, ainda que não tenha alcançado patamares minimamente ideais, já compreende que a cultura do diálogo, do respeito e da promoção dos valores humanos é peça-chave para a redução das desigualdades e o enfrentamento dos problemas sociais. Para atender esses anseios, a arte de educar precisa ser constantemente renovada.

Portanto, vislumbra-se que cada vez mais precisamos construir um espaço do saber democrático, ainda que haja dificuldades nessa empreitada, pois, se ficarmos apenas observando como mero espectadores, nenhuma mudança concreta terá potencial de alterar a realidade social existente. Logo, cabe avançar nas políticas públicas em prol da educação reflexiva, crítica e condizente com os valores democráticos, fazendo com que os alunos se motivem a participar de forma efetiva no processo de democratização com vistas a uma sociedade plural, multiétnica, igualitária e justa.

Referências

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Publicado em 11 de junho de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

MODESTO, Thiago de Souza; ÁVILA, Maria Cristina Alves Delgado de. O potencial transformador da educação pautada nos valores democráticos. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 20, 11 de junho de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/20/o-potencial-transformador-da-educacao-pautada-nos-valores-democraticos

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