Pesquisa na escola básica: possibilidades do cotidiano escolar

Adelmar Santos de Araújo

Professor da rede estadual de educação de Goiás e do Instituto Federal de Goiás - Câmpus Anápolis

Em primeiro lugar, a pesquisa não é privilégio de cientistas e/ou universitários – ao menos não deveria ser. A pesquisa deve ser entendida como um processo contínuo iniciado na escola básica. Todavia, os limites e estágios devem ser respeitados, pois seria incoerente cobrar de um estudante do Ensino Fundamental a técnica de um cientista. Mas isso não impede que o jovem aprendiz obtenha noções básicas de pesquisa já nos anos iniciais de sua escolarização; nada impede que ele aprenda a diferença entre copiar e pesquisar; ele pode tranquilamente ser informado de que a cópia, seja ela em resumos ou fichamentos, é parte da pesquisa, mas não um fim; um texto encontrado na internet, por exemplo, é material de pesquisa desde que trabalhado com uma finalidade específica, respeitando os direitos autorais, no sentido de extrair dali as informações necessárias e desejadas para construir um novo conhecimento, ainda que esse novo seja apenas uma maneira particular de ver e discutir o já conhecido por muitos.

Do ponto de vista da história, sabemos que as respostas para as questões nem sempre são as mesmas, embora sejam parecidas em muitos casos. As pessoas têm experiências e visões de mundo diferentes. Nessa perspectiva, o trabalho docente ganha proporções e horizontes ampliados, flexibilidade na transmissão dos conteúdos e democratização na construção do saber. O aluno não é uma tábua rasa nem o professor um poço de sapiência.

O cotidiano escolar traz consigo múltiplas possibilidades para o ensinar e o aprender mútuos. Certamente o caminho da pesquisa, embora seja sinuoso, não deve ser abandonado. Ora, a pesquisa, de modo mais amplo, é um conjunto de realizações voltadas para a busca de determinado conhecimento, mas, para que ela receba o qualitativo de científica, deve ser feita de maneira sistematizada, com a utilização de um método – fator determinante para distinguir a pesquisa científica de qualquer outra modalidade de pesquisa (Rudio, 1985, p. 9).

Parte-se, portanto, do pressuposto de que são vários os pontos de partida de um trabalho de pesquisa e que a sala de aula, o espaço escolar como um todo e a continuação da aula que professores e alunos levam para casa possibilitam revelar as contradições entre o saber especializado e o saber cotidiano, mas também podem desvendar o seu ponto de encontro.

Nessa perspectiva, é necessário e possível despertar no aluno o interesse pela pesquisa já nos anos iniciais da escola básica. É imprescindível construir a cultura da pesquisa; nesse processo, cabe buscar o que é indissociável entre pesquisa e cultura. Trata-se de uma relação dialética na qual a escola recebe o aluno e respeita os conhecimentos trazidos por ele, prepara-o para identificar os conhecimentos especializados com os conhecimentos do cotidiano e relacioná-los; juntos, professores e alunos trabalharão para construir conhecimentos novos.

A herança cultural – ou, nos dizeres de Pierre Bourdieu, o habitus adquirido – “determina” o comportamento do aluno na hora do recreio, na escolha da turma. As atividades específicas, como laboratório de informática ou filmes de cunho pedagógico, demonstram isso claramente. É verdade que o adolescente é impaciente por natureza, sente necessidade de movimentar-se o tempo todo, mas os que receberam uma educação diferenciada em casa tornam isso explícito por seu comportamento na escola. Basta ver, por exemplo, a experiência de passar um filme. Por mais que não esteja agradando, alguns alunos conseguem abstrair as explicações prévias do professor e relacionar as imagens e o conjunto do filme ao conteúdo trabalhado em sala e ao próprio movimento da história, enquanto outros não conseguem, seja por indisciplina, seja porque não foi educado o suficiente para enfrentar situações como essa.

“Eu estava pensando em trabalhar um filme, mas agora que vi como eles se comportam na sala de vídeo... desisti” – essa foi a reação de uma jovem professora em início de carreira quando presenciou uma atividade que realizamos com alunos do 7º ano de um colégio estadual em Goiânia/GO. Uns poucos que não gostaram do filme bastaram para agitar a turma e desestabilizar a atividade pedagógica. Infelizmente, ainda predomina na mentalidade, sobretudo de alunos do Ensino Fundamental, a associação entre filme e lazer.

Por esse e por outros motivos, o trabalho do educador deve ser desenvolvido com perspicácia e insistência, pois, como bem sabemos, há realizações que se não fizermos ninguém mais as fará, pelo menos do ponto de vista pedagógico, da escola no trato com o contato, a transmissão e a produção de conhecimentos.

Nesse ponto ecoam algumas vozes para dizer que a escola está saturada, ultrapassada, arcaica. É verdade que a escola precisa adequar-se à nova realidade. Mas o que significa necessariamente esse “adequar-se”? Como elencar as mudanças ocorridas na sociedade de modo geral e que não chegaram até o chão da escola? Em primeiro lugar, é fundamental não esquecer que a escola não está fora da sociedade. Nessa perspectiva, somos levados a um raciocínio lógico: se a sociedade muda, a escola deveria acompanhar tais mudanças. Porém há uma ilusão: o mundo da tecnologia e da informação tem avançado de forma estrondosa, sobretudo nas últimas décadas. Programas de computador de última geração e a internet têm acelerado a propagação do conhecimento, o que tem feito com que a escola busque se equipar, montar laboratórios de informática e outras mídias. A questão passa por saber como as inovações tecnológicas estão sendo trabalhadas na escola, já que jogos eletrônicos, computador e internet não são mais novidades para muita gente. Assim, torna-se insustentável a tese de que, para ser atraente, a escola precisa ter computador com internet, entre outros recursos tecnológicos. O que importa é a qualidade com que se manuseiam as ferramentas. E deve estar clara a finalidade para a qual se utiliza determinado meio.

Na verdade, o que a escola mais necessita é de professores orientadores que não abram mão de seu papel fundamental: orientar a aprendizagem de seus alunos, “mostrar os caminhos, mas também orientar o aluno para que desenvolva um olhar crítico que lhe permita desviar-se das bombas e reconhecer, em meio ao labirinto, as trilhas que conduzem às verdadeiras fontes de informação e conhecimento” (Bagno, 2008, p. 15).

Sonhamos com uma escola de boa estrutura, com amplo espaço para atividades recreativas, com quadra, biblioteca com excelente acervo, recursos de última geração. Mas às vezes estamos mais preocupados com nossa comodidade como professores do que com o processo de aprendizagem dos alunos. Cobramos trabalho de pesquisa sem ao menos refletirmos sobre o assunto, sobre o que vem a ser a pesquisa, o significado dessa palavra e o que ela implica.

Como é fácil perceber, a pesquisa é, mesmo, uma coisa muito séria. Não podemos tratá-la com indiferença, menosprezo ou pouco caso na escola. Se quisermos que nossos alunos tenham algum sucesso na sua atividade futura – seja ela de qual tipo for: científica, artística, comercial, industrial, técnica, religiosa, intelectual... –, é fundamental e indispensável que aprendam a pesquisar. E só aprenderão a pesquisar se os professores souberem ensinar (Bagno, 2008, p. 21).

Certamente não há maneira melhor de aprender a pesquisar do que pesquisando. O professor é um agente social. O aluno também. Ambos se movimentam na prática em meio a múltiplas relações num contexto “sociocultural e profissional”. As relações de troca são importantes e negá-las significa limitar olhares e perspectivas; significa, portanto, negar a autonomia. Pensar na autonomia é pensar no espaço-tempo da possibilidade da construção coletiva de saberes; reinventar quadro e situações; ressignificar palavras, coisas e práticas. Isso tem a ver com o trabalho cotidiano do professor, que lida consciente ou inconscientemente com o complexo.

A sala de aula é um espaço complexo e, por sua vez, não está desvinculada da complexidade planetária. Os seres humanos, no interior de cada nação, também se identificam e se organizam em torno de um idioma. E não interessa que idioma seja esse; o que importa, conforme Roland Barthes, é que os homens “tenham várias línguas” e que elas sejam respeitadas. Essa compreensão na sala de aula é fundamental para que o coletivo consiga encontrar seu caminho e atingir seus objetivos. Que seja, portanto, uma construção da inteligência na qual o professor, que está mais preparado no momento, conduza democrática e abertamente o processo de ensino, aprendizagem e pesquisa. Desse modo, evitaremos seguir, conforme Demo (2003), posições de professores que se prendem a uma educação de simples repasse, realizando uma transmissão de cópia.

Trabalhar com a pesquisa na escola significa romper a simples transmissão de conteúdos. É fundamental que o professor trabalhe com a perspectiva do ensinar a aprender. “Ensinar a aprender é criar possibilidades para que uma criança chegue sozinha às fontes de conhecimento que estão à sua disposição na sociedade” (Bagno, 2008, p. 14).

Desenvolver a pesquisa na escola é gratificante, sobretudo porque se tem a oportunidade de mostrar aos alunos que existe na escola o anseio de acompanhar as transformações que estão ocorrendo dentro e fora da sala de aula. O aluno se sente valorizado e compreende que no processo de ensino-aprendizado não está agindo como mero receptor, mas trabalha com a certeza de contribuir com a produção de conhecimento.

Referências

BAGNO, Marcos. O que é pesquisa. Como é e como se faz. 22ª ed. São Paulo: Loyola, 2008.

BARTHES, Roland. Aula. Trad. Leila Perrone-Moisés. São Paulo: Cultrix, 1996.

BOURDIEU, Pierre. Introdução a uma sociologia reflexiva. In: BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 10ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.

DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. São Paulo, 2003.

MOREIRA, Herivelto. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

RUDIO, Franz Victor. Introdução ao projeto de pesquisa. 10ª ed. Petrópolis: Vozes, 1985.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23ª ed. São Paulo: Cortez, 2007.

Publicado em 02 de julho de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

ARAÚJO, Adelmar Santos de. Pesquisa na escola básica: possibilidades do cotidiano escolar. Revista Educação Pùblica, Rio de Janeiro, v. 24, nº 23, 2 de julho de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/23/pesquisa-na-escola-basica-possibilidades-do-cotidiano-escolar

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