Recursos tecnológicos para promover e preservar o ensino e a cultura tradicional do povo Xukuru de Ororubá em Pesqueira/PE

Ana Luiza Pinheiro de Lima

Profissional de Educação Física

Wemilly Yngred Cunha de Melo

Profissional de Educação Física

Solange Maria Magalhães da Silva Porto

Graduada em Educação Física (UFPE), mestra e doutora em Nutrição (UFPE)

A etnia Xukuru do Ororubá é uma comunidade indígena localizada em Pesqueira, no agreste de Pernambuco. A resistência dos ensinamentos e a cultura da etnia são suas maiores riquezas. Os rituais, as crenças e suas atividades mantêm a ancestralidade e os conhecimentos ativos e hereditários. Com o avanço global das tecnologias e a urbanização das comunidades indígenas, a internet tem alcançado essas áreas por meio de dispositivos tecnológicos como computador, celular e smartv. Nesse contexto, as redes sociais exercem influência direta sobre as tradições, podendo ser utilizadas principalmente para valorizar, preservar e promover a cultura e a educação por meio digital.

Este estudo consiste em uma revisão qualitativa e introdutória da literatura, motivada pela carência de dados e informações acerca dessa etnia. Seu principal objetivo é analisar os recursos tecnológicos como meio de prevenção e promoção do ensino e da cultura tradicional do povo Xukuru do Ororubá, localizado em Pesqueira/PE.

A necessidade de evidenciar os povos originários, respeitando e valorizando os ensinamentos para indígenas e não indígenas, justifica a escolha do tema, além de promover e ampliar a visibilidade da sua cultura.

Fundamentação teórica

A comunidade indígena Xukuru do Ororubá está situada no município de Pesqueira; conta com uma população aproximada de 12.500 habitantes, distribuídos entre 24 aldeias, conforme dados disponíveis no site do IBGE (2010). Em virtude de inúmeros conflitos – tanto internos quanto externos –, os povos indígenas foram compelidos a abandonar seus territórios nativos, ocasionando distanciamento de suas tradições e culturas ancestrais. Foram impostas restrições aos rituais e à convivência em habitações coletivas, bem como à utilização da língua materna, resultando na preservação de apenas cerca de oitocentas palavras e expressões. Esses patrimônios linguísticos e culturais permanecem até os dias atuais como pilares essenciais para a manutenção da sua cultura original (Carvalho, 2018).

Há práticas culturais e tradições que permanecem como elementos fundamentais na comunidade Xukuru, sendo transmitidos de diversas maneiras para a juventude das aldeias. O projeto político-pedagógico (PPP) das escolas Xukuru, por exemplo, aborda uma variedade de temas, como luta pela terra, identidade e história, além de organização e interculturalidade. Os ensinamentos sobre a terra e a identidade estão estreitamente ligados ao respeito pelos guerreiros sepultados na mata; os dias letivos não se restringem apenas às horas de aula; têm como objetivo ensinar as crianças a ser Xukuru, o que inclui respeitar todas as culturas e preservar a própria. De acordo com a perspectiva do PPP Xukuru, a natureza é uma mestra e os indígenas aprendem com ela.

Além das aulas nas escolas indígenas, as atividades agrícolas, que envolvem o cultivo de plantas medicinais, as reuniões e as assembleias realizadas no dia 20 de maio (data que marca o assassinato do Cacique Xicão, uma referência na aldeia), são práticas culturais mantidas rigorosamente.

A crença na natureza como sagrada é outra influência marcante desse povo: em espaços sagrados designados pela comunidade, ocorre o contato com os encantados (guerreiros da comunidade que morreram e foram enterrados na mata), que se tornam mentores da comunidade. O Toré é a principal manifestação de fortalecimento cultural da aldeia, sendo considerado também um ato político (Ororubá, 2021).

A globalização e a rede de computadores já são uma realidade mundial, e nas comunidades indígenas não é diferente. O acesso à internet trouxe uma nova dinâmica cultural à vida já estabelecida, influenciando vários aspectos do cotidiano. De acordo com Araújo (2020), essa imersão no mundo tecnológico não deve ser dissociada das culturas indígenas; pelo contrário, deve ser colaborativa, sem enfraquecer os ensinamentos e as identidades étnicas.

Os Xukuru compartilham uma realidade globalizada, pois a maioria das tribos e postos tem acesso à internet, muitos de forma gratuita, o que auxilia na comunicação entre aldeias. Em tempos tecnológicos, mesmo passando por mudanças socioculturais como todos os povos, indígenas ou não, eles conseguiram manter sua identidade e sua cultura originárias, mas também ampliaram as possibilidades para novos costumes e a adoção da cultura digital (Bueno, 2013).

As mídias mais recentes incluem o canal Ororubá Filmes no YouTube; é produzido por quinze jovens nativos, que cobrem eventos locais e ajudam a propagar a cultura e as ações nas escolas da comunidade, fortalecendo a ancestralidade e dissipando paradigmas folclóricos de atraso e histórias distorcidas. Adicionalmente, há o podcast "OrorubáCast - um sinal de fumaça do povo Xukuru", acessível em plataformas de mídia digital, abordando fatos da cultura e da realidade nativas.

Metodologia

A metodologia empregada baseou-se em uma revisão qualitativa da literatura, cujo propósito foi fortalecer o embasamento teórico por meio da análise de estudos anteriores relacionados ao tema. Essa abordagem visa respaldar a investigação de um assunto pouco explorado, conforme destacado por Marconi e Lakatos (2010).

Foram consultados estudos publicados nos últimos vinte anos em português, utilizando bancos de dados eletrônicos como SciELO, Lilacs e Google Acadêmico, além de diversos estudos avulsos sobre o tema. Os descritores utilizados foram: “Povos Indígenas”, “Cultura Popular” e “Tecnologia”.

Resultados e discussões

A interculturalidade é a procura de incluir os povos indígenas em espaços sociais onde na sua grande maioria são marginalizados e aculturados pela sociedade atual.  Há, assim, diminuição de sua diversidade e desvalorização de sua cultura e seus conhecimentos, resultando em sua exclusão. De acordo com Coelho (2017), o uso da tecnologia favorece o povo Xukuru, pois a ocupação desses espaços sociais não apenas contribui para a luta por seus direitos como também fortalece a identidade étnica, o interesse e a participação dos jovens indígenas (Figura 1) nos saberes tradicionais e na disseminação de sua cultura (Figuras 2 e 3).

Historicamente, diversos setores políticos ignoram as demandas dos povos indígenas, como a assembleia anual do dia 20 de maio, um marco para os Xukuru (Figura 4). Os meios de comunicação associados à tecnologia são empregados para fortalecer a identidade e promover a divulgação cultural. A produção e o protagonismo da comunidade Xukuru resgatam e reafirmam sua condição de seres sociais e culturais, possibilitando a transmissão de ensinamentos e conhecimentos dentro de sua realidade, desmistificando a ideia de serem apenas figuras folclóricas (Quintero, 2021; Ororubá, 2021).

Figura 1: Promoção e estímulo aos alunos para participarem de um evento intercultural

Fonte: Google Imagens.

Figura 2: Podcast “OrorubáCast: um sinal de fumaça do povo”

Fonte: Spotify.

Figura 3: Canal Ororubá Filmes, no YouTube

Fonte: Google Imagens.

Figura 4: Audiovisual para divulgação em redes sociais

Fonte: Instagram.

Conclusões

A tecnologia é uma realidade no mundo atual e, nas comunidades indígenas, não é diferente. Compreender e se comprometer com a preservação da cultura de um povo e a transmissão do ensino tradicional para as gerações futuras pode ser facilitado e ampliado com o uso dos recursos tecnológicos disponíveis. A decisão consciente de manter os valores culturais aliados ao uso da tecnologia e os incentivos para que os jovens e a comunidade local participem desse processo fazem parte do compromisso com a preservação da identidade da etnia Xukuru.

Referências

ARAÚJO, Mateus. Tab UOL. Repórteres na rua em busca de realidade. 20 de maio de 2020. Disponível em: https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2020/05/20/com-a-covid-19-tradicional-assembleia-xukuru-passa-a-ser-online.htm. Acesso em: 8 abr. 2023.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Educação escolar Indígena. As leis e a educação escolar indígena. Brasília: MEC, 2002.

BUENO, Chris. Comunidades indígenas usam internet e redes sociais para divulgar sua cultura. Ciência e Cultura, v. 65, nº 2, p. 14-15, 2013.

CARVALHO, Solange Carlos de. A língua e o fortalecimento da identidade étnica dos Xukuru da Serra do Ororubá em busca do sentido do ser. Tese (Doutorado em Letras) – Centro de Artes e Comunicação, Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2018.

COELHO, Hélio Ferreira. Povo Xukuru do Ororubá: conflitos fundiários e nova administração no território indígena em Pesqueira e Poção/PE. Trabalho de Conclusão de Curso – Faculdade Damas da Instrução Cristã, 2017.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Indígenas. Estudos especiais: o Brasil indígena. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. Disponível em: https://indigenas.ibge.gov.br/estudos-especiais-3/o-brasil-indigena/lingua-falada. Acesso em: 8 abr. 2023.

MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Fundamentos de metodologia científica. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2010.

ORORUBÁ, Xukuru do. A Identidade Indígena no trabalho docente Xukuru do Ororubá (Pesqueira, Pernambuco). Contemporânea, v. 1, nº 3, 2021.

QUINTERO, Dina Tatiana. Comunicação comunitária indígena: o caso do Ororubá Filmes no povo Xukuru do Ororubá. 44º CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO. Anais... São Paulo: Intercom, 2021.

Publicado em 16 de julho de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

LIMA, Ana Luiza Pinheiro de; MELO, Wemilly Yngred Cunha de; PORTO, Solange Maria Magalhães da Silva. Recursos tecnológicos para promover e preservar o ensino e a cultura tradicional do povo Xukuru de Ororubá em Pesqueira/PE. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 25, 16 de julho de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/25/recursos-tecnologicos-para-promover-e-preservar-o-ensino-e-a-cultura-tradicional-do-povo-xukuru-de-ororuba-em-pesqueirape

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