Algumas considerações sobre avaliação
Adelmar Santos de Araújo
Professor da rede estadual de educação de Goiás e do Instituto Federal de Goiás – Câmpus Anápolis
A presente comunicação teve como objetivo a elaboração coletiva de um conjunto de critérios para que os professores do Ensino Fundamental pudessem organizar suas atividades avaliativas em conformidade com a Coordenação Pedagógica do Instituto de Educação de Goiás. Contudo, o nosso propósito não foi compor um emaranhado burocrático que cerca o sistema educacional, mas dar consciência do jogo de poder que transita em nosso meio. Leis, pareceres e resoluções determinam a organização do ensino nas escolas, assim como regimentos e determinações regulam a ação do professor na sala de aula. Estar consciente desse jogo de poder possibilita reconstruir o sentido da avaliação.
É a partir da ação coletiva e consensual dos professores e não de uma postura recuada do “especialista de gabinete” que são construídas condições para abrolharem estudos “avaliativos inovadores” (Hoffmann, 2008, p. 90-91).
Jussara Hoffmann defende a avaliação como prática indissociável da ação educativa, mas para que assuma dimensões mais amplas a avaliação deve vir “em decorrência de uma nova concepção pedagógica”, conforme escreve Haydt (1996, p. 7). Onde podemos encontrar uma nova concepção pedagógica? A pergunta é pertinente e difícil de ser respondida. Talvez o cotidiano seja o horizonte mais largo para o qual o olhar deva ser direcionado. A avaliação educacional ou escolar está diretamente ligada à aprendizagem. Nesse sentido é prudente repetir a pergunta de Sarita Schaffel (2008): “avaliação da aprendizagem ou para a aprendizagem?”.
É fato comum que escolas e professores passam grande parte do tempo avaliando, julgando e classificando o aluno. Segundo Piletti (2000, p. 160), numerosas avaliações chegam a causar prejuízos para a aprendizagem, “pois desenvolvem no aluno um autoconceito negativo, uma consciência de que é incapaz, quando se sabe que todas as pessoas são capazes e querem aprender sempre mais”.
Os profissionais da Educação têm se preocupado cada vez mais com a avaliação. É uma questão delicada, complicada e polêmica. Alguns estudiosos chegam a importar modelos “alienígenas”, outros sugerem a substituição de notas por conceitos, outros mais extremados defendem até mesmo o fim da avaliação. Eugênio Pacelli Leal Bittencourt (2007), em seu livro Avaliar para aprender: vivências de um professor reflexivo, escreve um artigo argumentando a favor da notação numérica, demonstrando como é difícil se desvencilhar desse recurso que a escola utiliza para configurar sinteticamente o desempenho do aluno por meio de provas, trabalhos individuais ou em grupo, além das diversas tarefas avaliativas de caráter somatório. Para o autor, a nota atribuída ao aluno é o resultado de uma construção que, por meio de metáforas, busca sensibilizar a categoria docente, assim como nas duas metáforas de Bittencourt.
Da faca
O fio da faca que fere, perfura, sangra e pode até matar é o mesmo que poda a roseira, que descasca a manga, que parte o pão, que opera o corpo, que prepara os pratos finos, típicos, corriqueiros... (2007, p. 81).
Se jogamos fora a faca, mesmo sabendo que ela fere, sangra e até mata, porque haveríamos de comê-la junto com a manga que descascou, com o pão que partiu ou com os pratos alimentícios que ajudou a preparar? Ora, se nem a colher que levamos à boca engolimos, por que haveríamos de comer a faca? (2007, p. 100).
Da fila
No Brasil, um imigrante aprendeu rapidamente a não gostar do fato de que para tudo que precisava fazer na rua precisaria enfrentar uma fila. Com frequência longa e demorada: fila para receber seus rendimentos, para pagar as contas; para cortar o cabelo, para estacionar o carro, para comprar ingressos... Enfim, para tudo fila, fila, filas. Bastante chateado, resolveu pôr fim a esse flagelo social. Decidido, fez um comício em movimentada praça, conclamando a população para um abaixo-assinado que enviaria ao presidente da República, com o fito de acabar com as filas. Sua incandescente oratória atraiu e convenceu a multidão que se juntou para ouvi-lo. Ao final, arrematou:
– Somente nos resta assinar o pedido. E façamos todos, já!
Foi aquele alvoroço. Cada um queria ser o primeiro, queria logo assinar o tal documento (Não dava para esperar muito, tinham os seus compromissos, precisavam cuidar da vida, os filhos esperavam suas mães em casa etc.). Após alguns longos minutos de balbúrdia, com direito a atropelos, cotoveladas e machucados, aquele ousado imigrante capitulou. Pediu calma à população nestes termos:
– Calma! Calma! Vamos fazer o que precisa ser feito, mas, de forma ordeira. Para isso, organizemo-nos em fila. Façamos fila, por favor! (2007, p. 82).
Assim, qual será a lição que tiramos dessas duas metáforas? Ora, a exemplo da faca, a fila não é ruim nem boa, mas dependendo do contexto será necessária. É fundamental que se leve em conta a realidade na qual a escola e o aluno estão inseridos e se a avaliação passa pelo crivo da nota ou de outra forma. O que se deve levar em conta é o que fazer com o resultado daquele aluno que não alcançou um “nível satisfatório de aprendizagem”, fazendo algo de tal forma que esse nível possa ser alcançado, visualizando a aprendizagem em uma pedagogia para a inclusão (Bittencourt, 2007, p. 83).
Entretanto, o discurso inovador é desmentido pelo cotidiano da escola. Segundo Hoffmann (2008, p. 62), a criança e o jovem não são considerados “a partir de suas possibilidades reais [...]. A avaliação assume a função comparativa e classificatória, negando as relações dinâmicas necessárias à construção do conhecimento”. A avaliação deve ser encarada como um movimento de transformação, como um processo dialético e no lugar que se manifesta o contraditório. Assim, é uma prática coletiva que exige consciência e responsabilidade de todos na problematização das questões e no encarar as situações.
Segundo Haydt (1996, p. 13-14), a avaliação é um processo contínuo e sistemático; não pode ser esporádica nem improvisada. O amplo processo de ensino-aprendizagem do qual a avaliação faz parte exige que ela seja constante e planejada. O planejamento da avaliação possibilita fornecer ao aluno o feedback e permite a recuperação imediata, sempre que necessária. Trata-se de uma educação que renova não apenas os métodos de ensino, mas que também influi sobre a concepção de avaliação – que não só deve diagnosticar e verificar em que medida os objetivos propostos para o ensino-aprendizado foram alcançados, como também se refletem a atitude do professor e suas relações com o aluno.
Nesse sentido, avaliar vai além do ato de medir, embora um não aconteça sem o outro. De acordo com Piletti (2000, p. 161-163), a avaliação é um processo que começa já no planejamento: momento em que se estabelecem os objetivos a serem atingidos pelos alunos, na escolha das atividades que poderão levar os alunos a alcançar esses objetivos. Conforme acrescenta Piletti, duas perguntas devem ser respondidas no planejamento: o que devem saber fazer os alunos no final do processo? Quais atividades podem levá-los a aprender? O segundo passo tem a ver com a realização das atividades planejadas. Ou seja, se ficou planejado que os alunos ao final do processo devem saber escrever ou somar e se durante o processo de aprendizagem devem realizar atividades que possam levá-los a esse objetivo. O terceiro passo consiste em o professor verificar, por meio de vários instrumentos de avaliação, se os alunos aprenderam ou não. As três etapas – planejamento, realização e verificação – têm importância fundamental no debate com os outros professores, com os técnicos da escola e com a participação dos alunos.
Cabe à comunidade escolar a construção de uma avaliação capaz de dialogar não só com os que estão diretamente envolvidos no processo educacional, mas também com a complexidade do real. Do ponto de vista mais prático do seu fim último, a avaliação deve ser elaborada, sentida e vivida como reorientadora da caminhada de quem ensina e de quem aprende, do contrário ela não faz sentido.
Referências
BITTENCOURT, Eugênio Pacelli Leal. Avaliar para aprender. Vivências de um professor reflexivo. Belém: Editora da UFPA, 2007.
HAYDT, Regina Célia Cazaux. Avaliação do processo ensino-aprendizagem. 5ª ed. São Paulo: Ática, 1996.
HOFFMANN, Jussara. Avaliação. Mito e desafio: uma perspectiva construtivista. 39ª ed. Porto Alegre: Mediação, 2008.
PILETTI, Nelson. Avaliação da aprendizagem. In: PILETTI, Nelson. Psicologia educacional. 17ª ed. São Paulo: Ática, 2000. p. 160-177.
SCHAFFEL, Léa Sarita. Avaliação da aprendizagem ou para a aprendizagem? In: SCHAFFEL, Léa Sarita; GOMES, César Júlio (org.). Avaliação: uma questão em aberto. Rio de Janeiro: Centro de Estudos de Pessoal, 2008. p. 39-49.
Publicado em 30 de julho de 2024
Como citar este artigo (ABNT)
ARAÚJO, Adelmar Santos de. Algumas considerações sobre avaliação. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 27, 30 de julho de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/27/algumas-consideracoes-sobre-avaliacao
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