Variação linguística na Libras e possíveis implicações no ambiente escolar
Jerlan Pereira Batista
Doutorando em Linguística (UFSC)
A Constituição Federal de 1988, além de representar um marco para a democracia no Brasil, estabelece como língua oficial a língua portuguesa. Apenas a partir de 2002 a Língua Brasileira de Sinais (Libras) foi oficialmente reconhecida como língua de expressão da comunidade surda com a promulgação da Lei nº 10.436, de 24 de abril (Brasil, 2002). Essa data é, portanto, significativa para as pesquisas sobre a Libras no país. Elas se intensificaram com o reconhecimento da Libras como língua.
A partir de então, observa-se um crescente avanço no seu alcance e no seu uso. Essa ampliação deve-se, em grande parte, às políticas adotadas a nível federal voltadas à disseminação da Libras com o surgimento de centros de atendimento à pessoa surda, a criação de cursos de Letras-Libras e concursos para professores e intérpretes de Libras em todo o território brasileiro.
Esses avanços acarretaram socialmente um crescente número de pesquisas sobre a Libras no Brasil. Vale salientar que, de modo geral, as pesquisas sobre as línguas de sinais (LS) são recentes. Somente em 1960, com Willian Stokoe, as LS começaram a ser investigadas pela Linguística. Assim, muitos pesquisadores têm se debruçado sobre o funcionamento e o uso dessa língua. Trabalhos como os de Felipe (1989) e Ferreira-Brito (1995) marcam o início dessa investigação linguística no Brasil.
Mesmo com o avanço mencionado, decorrente das medidas sociais a partir da lei de reconhecimento da Libras, ainda são emergentes os estudos sobre ela na área da Linguística. Quando voltamos nosso olhar para a investigação na área da Sociolinguística, vemos que há menos pesquisas ainda, se compararmos com estudos sobre a língua portuguesa ou sobre outras línguas de sinais, como a ASL (Língua de Sinais Americana) e a BSL (Língua de Sinais Britânica), por exemplo.
A partir desse contexto, o presente trabalho tem como objetivo principal discutir as variações linguísticas na Libras com base nas contribuições de Labov e suas possíveis implicações no ambiente escolar. Para tanto, optamos por realizar uma pesquisa de abordagem qualitativa, do tipo bibliográfica. A pesquisa bibliográfica permite consultar, compreender e discutir dados por diversos materiais já produzidos, seja por meio de livros, artigos ou outros meios de conhecimento científico (Gil, 2002).
Diante do exposto, esperamos que as discussões realizadas aqui contribuam para o conhecimento de pesquisadores na área da Linguística, percebendo que a Libras também possui variações que podem ser vivenciadas no ambiente escolar, além de contribuir para o arcabouço das pesquisas em Língua de Sinais no país em constante desenvolvimento.
Teoria da Variação Linguística: contribuição de Labov
Desde o surgimento da Linguística como ciência, no século XIX, muitos estudiosos têm se debruçado sobre as línguas para entender o seu funcionamento e os fenômenos que as cercam. Dentre eles, Saussure que realizou um recorte metodológico, separando a língua (langue) da fala (parole), possibilitando reflexões profundas sobre o objeto de estudo dos linguistas. Segundo Saussure (1916), ao separar a língua da fala, “separa-se ao mesmo tempo: 1º, o que é social do que é individual; 2º, o que é essencial do que é acessório e mais ou menos acidental” (Saussure, 1916, p. 22). Ou seja, a língua é uma convenção social cujas regras são compartilhadas por todos os falantes, enquanto a fala é individual, uma vez que cada falante possui a sua maneira de falar.
Além disso, o genebrino afirmou que “a língua assim delimitada é de natureza homogênea: constitui-se num sistema de signos em que, de essencial, só existe a união do sentido e da imagem acústica, e onde as duas partes do signo são igualmente psíquicas” (Saussure, 1916, p. 22). Sendo homogênea, seria possível prever regras de funcionamento para a língua, enquanto a fala, sendo individual e heterogênea, estaria fora do objeto da Linguística, já que os acidentes de fala não poderiam ser previstos. Essa separação esteve presente nos estudos da Linguística estruturalista que se iniciou no Círculo Linguístico de Praga, na primeira metade do século XX.
Entretanto, no início da segunda metade do século XX, outra visão de língua ganha força por meio de um linguista norte-americano, Willian Labov. Labov (1972) apresenta uma visão sobre língua e fala diferente de Saussure. Para ele, o objeto da Linguística deve ser a fala. Ao refletir sobre o termo cunhado para a área da Sociolinguística, Labov (1972) afirma que esse é um “termo estranhamente redundante. A língua é uma forma de comportamento social” (Labov, 1972, p. 215). Nesse sentido, toda a Linguística deve ser social para o autor.
Nessa perspectiva, a língua não é vista como homogênea, mas heterogênea, já que as diversas variações linguísticas fazem parte dela. Isso indica que a variação é um fenômeno inerente à língua e não um mero acidente de fala. Labov (1972) critica não só essa separação feita por Saussure (1916), mas a separação feita por Chomsky (1965) ao conceituar “competência” e “desempenho”.
Assim, fazemos uma distinção fundamental entre competência (o conhecimento do falante-ouvinte de seu idioma) e desempenho (o uso real da linguagem em situações concretas). [...] Um registro da fala natural mostrará inúmeras partidas falsas, desvios das regras, mudanças de plano no meio do percurso e assim por diante. O problema para o linguista, assim como para a criança que aprende a língua, é determinar a partir dos dados de desempenho o sistema subjacente de regras que foram dominadas pelo falante-ouvinte e que ele usa no desempenho real. Portanto, no sentido técnico, a teoria linguística é mentalista, pois se preocupa em descobrir uma realidade mental subjacente ao comportamento real (Chomsky, 1965, p. 4).
Ao estabelecer essa distinção, Chomsky (1965) diz que os “desvios de regras” não são da ordem da competência, ou seja, não são linguísticos. A crítica de Labov não repousa somente na concepção de língua dos teóricos, mas em como essa visão acarreta um método de investigação inadequado. Para Labov (1972, p.19):
a Linguística, portanto, tem sido definida de tal modo a excluir o estudo do comportamento social ou o estudo da fala. A definição tem sido conveniente para os formuladores, os quais, por inclinação pessoal, preferiram trabalhar com seu próprio conhecimento, com informantes individuais ou com materiais secundários.
A questão posta aqui é de que os teóricos criticados por Labov não empregaram usos reais de fala para desenvolver suas reflexões. O método intuitivo não é bem-visto por Labov, pois se apresenta como falho; portanto, não deveria ser encarado como um dado de pesquisa. Somente a pesquisa voltada para a língua posta em uso poderia fornecer descrições e generalizações seguras sobre ela.
Labov desenvolve sua teoria voltando-se para a metodologia que deve ser empregada quando se deseja pesquisar dados reais de fala. Seu objetivo é não somente analisar a fala do ponto de vista linguístico, mas observar como fatores sociais, como classe social, idade, sexo/gênero e escolaridade podem interferir nas escolhas do falante.
O autor realizou uma pesquisa em Martha’s Vineyard (EUA). O estudo analisou a centralização de ay e aw; a primeira é a variante de pessoas mais idosas e a segunda é a de pessoas mais novas. O estudo mostrou que falantes que utilizam a variante mais conservadora têm forte identificação com o lugar que vivem, enquanto os falantes que utilizam a variante inovadora não se identificam muito com a ilha e estão mais abertos a mudanças. Labov comprovou que fatores sociais podem interferir na maneira como as pessoas falam.
Ao realizar suas investigações com dados reais de fala, o autor percebeu que há um paradoxo quando um pesquisador se propõe a coletar dados espontâneos, denominando-o “paradoxo do observador”. Isso acontece porque, quando o pesquisador está observando o falante, a fala deixa de ser espontânea, uma vez que inconscientemente o falante irá controlar sua fala, ainda que minimamente. Dessa forma, se torna impossível coletar dados totalmente espontâneos. No entanto, há caminhos metodológicos que podem interferir tanto de forma positiva quanto negativamente na tentativa de coletar dados mais espontâneos. Sobre esse fator, Labov (1972, p. 244) explica:
Com isso chegamos ao paradoxo do observador: o objetivo da pesquisa linguística na comunidade deve ser descobrir como as pessoas falam quando não estão sendo sistematicamente observadas ؘ– no entanto, só podemos obter tais dados por meio da observação sistemática. O problema, evidentemente, não é insolúvel: ou achamos maneiras de suplementar as entrevistas formais com outros dados ou mudamos a estrutura da situação de entrevista de um jeito ou de outro.
A metodologia proposta por Labov envolve desde o ambiente em que as entrevistas com os falantes acontecem, uma vez que um ambiente muito distante da realidade do falante pode intimidá-lo, até questões como o gênero textual escolhido para a coleta e a maneira como o pesquisador irá conduzir a entrevista, de modo que o falante se sinta à vontade.
Além dessas questões, Labov também se preocupou com a estratificação dos dados. Quando uma variável social é investigada, é necessário que uma amostra significativa de falantes represente aquela variável. Se a pesquisa envolve as variáveis sexo e idade, deve-se coletar dados de homens e mulheres de três faixas etárias, um homem e uma mulher de cada faixa etária, para que cada variável seja representada. Nesse caso, seis pessoas irão formar uma célula de investigação, ou seja, um grupo com um representante de cada item do cruzamento das variáveis. Labov indica que uma estratificação segura deve conter pelo menos cinco células para que a análise não seja comprometida.
Há ainda variáveis que são regionais, chamadas diatópicas. Segundo Coelho et al. (2012, p. 76) “é a variação diatópica, também conhecida por regional ou, ainda, geográfica, a responsável por podermos identificar, às vezes com bastante precisão, a origem de uma pessoa através do modo como ela fala”, ou seja, a variação regional identifica o falante em relação ao lugar a que ele pertence. A variação regional não diz respeito somente a diferentes estados de um mesmo país. Para Coelho et al. (2012, p. 76),
a variação regional pode ser estudada colocando-se em oposição diferentes tipos de unidades espaciais: podemos dizer que existe variação regional entre Brasil e Portugal (dois países), entre o Nordeste e o Sul do Brasil (duas regiões de um mesmo país), entre Paraná e Santa Catarina (dois estados de uma mesma região), entre Chapecó e Florianópolis (duas cidades de um mesmo estado) e mesmo entre falantes do Centro de Florianópolis e falantes do Ribeirão da Ilha (dois bairros de uma mesma cidade). É comum também que se analise variação regional entre zonas urbanas e zonas rurais ou do interior.
Quando Labov (1972) afirma que as línguas são heterogêneas e variam, isso significa que dentro de uma mesma língua, a depender da comunidade linguística em que o falante está inserido, ele poderá se expressar de inúmeras maneiras. Com a língua de sinais não é diferente. Os sinais variam nos diferentes níveis da língua de acordo com o contexto social que cerca o falante.
A língua de sinais
A língua de sinais é a língua natural das comunidades surdas. Contrariando o que muitos imaginam, as línguas sinalizadas não são apenas mímicas e gestos desmotivados utilizados pelos surdos para facilitar a comunicação, mas uma língua autêntica, com estrutura gramatical própria e possibilidade de expressão em qualquer plano de abstração (Skliar, 2000), promovendo uma comunicação tão eficaz quanto qualquer língua oral.
Segundo Baker e Padden (2005), as unidades da língua de sinais são movimentos específicos e configurações de mão, braços, olhos, face, cabeça e postura corporal. Estudos realizados no Brasil (Quadros, 1997; Ferreira, 2010) revelam que as línguas de sinais são adquiridas pelos surdos com naturalidade, possibilitando o acesso a uma linguagem que permite uma comunicação completa.
Stokoe (1960) afirma que o surdo está incluído em um grupo único na sociedade por causa de sua relação não usual com a comunicação e, consequentemente, da dificuldade de interação em um mundo social em que a comunicação interpessoal se dá pela língua oral. Isso faz com que o surdo se isole dos ouvintes e forme grupos minoritários unidos por propósitos sociológicos, dentre eles o uso da língua de sinais. O autor afirma que a LS não deve ser vista como oposta às línguas orais, mas como uma antecessora.
Segundo Morales-López et al. (2005), a principal diferença entre as línguas de sinais e as línguas orais é o caráter visual das unidades linguísticas daquelas e o espaço neutro (em frente ao corpo) das línguas sinalizadas. Johnson e Liddell (2010) afirmam que a diferença mais óbvia e imediata entre as línguas orais e as línguas sinalizadas reside na forma como são produzidas e percebidas. Falantes de línguas orais coordenam uma série de articuladores relacionados ao trato vocal e produzem grupos de sons reconhecíveis como palavras. Já os falantes de línguas sinalizadas coordenam atividades das mãos, braços, tórax, rosto e cabeça para produzir grupos de gestos físicos, visíveis e reconhecíveis como sinais.
Crasborn (2008) se refere à diferença mais marcante entre as línguas orais e as de sinais: o uso de dois articuladores simétricos, dois braços e duas mãos. Baker e Padden (2005) afirmam que a população desenvolve línguas de sinais para que um surdo se comunique efetivamente com outro surdo. Assim como em qualquer comunidade linguística, a LS é a principal característica identificadora de pertencimento de seus membros à comunidade. Da mesma forma que as línguas orais, a LS é particular de cada comunidade e está diretamente relacionada à cultura do local. Além disso, de acordo com McCleary e Viotti (2011), assim como nas línguas orais, língua e gesto coexistem nas línguas de sinais.
Segundo Gesser (2008), não há dúvidas de que na comunidade surda confere ao surdo uma libertação dos moldes e das visões (até então patológicos), pois desvia a concepção da surdez como deficiência para uma concepção de diferença linguística e cultural. Padden (1980) acrescenta que se pode considerar uma “comunidade surda” quando os sujeitos surdos compartilham características, entre elas, a língua de sinais e participam como grupo. Para ela, os valores do grupo cultural são representados nas atitudes e nos comportamentos que o grupo considera mais importantes.
Os estudos da Sociolinguística envolvem a reflexão sobre o desenvolvimento e os diferentes usos da língua e da linguagem humana, considerando o fluxo contínuo e ininterrupto no qual os seres humanos se apropriam e se utilizam das possibilidades comunicativas e reflexivas ligadas a essa área do conhecimento.
Nesse sentido, investigar o uso de uma língua é também investigar a enorme variação linguística que decorre do seu uso particular (cada indivíduo tem uma forma peculiar de apropriar-se da língua em uso), bem como do uso coletivo e social dessa língua. Como o uso difere da dimensão individual da dimensão coletiva, muitos são os fatores que influenciam essas mudanças e variações observáveis em uma língua viva: classe social, faixa etária dos usuários (crianças, jovens, idosos), gênero, contexto social de uso da língua, religião e minorias, entre outros.
Atualmente, a Libras tem status de língua. Mesmo antes desse reconhecimento positivado, foi necessária certa acuidade para verificar as mudanças linguísticas, seu regionalismo e suas variações. Esse processo histórico tem que ser visto tanto pela perspectiva temporal, quanto pela espacial, já que tempo e espaço são variáveis para uma língua.
Observa-se que toda variação linguística deve ser respeitada e tratada como um fenômeno natural dentro da língua, já que esse processo ocorre de forma natural, atrelado à história que a língua traz consigo. Os novos sinais ou sinais diferentes daquele habitual de determinada região trazem a riqueza da língua e permitem que se partilhem experiências e conceitos diferentes para um dado sinal que, embora distinto em sua forma, possui um mesmo significado.
A comunidade surda é de grande importância para a socialização da língua, da cultura, das experiências e da forma de estar no mundo. A língua é atrelada à cultura. Strobel (2009) apresenta características da cultura surda, e sua língua é um fator de elo, pois a Libras é uma das principais marcas de identidade de um povo surdo, por ser uma das peculiaridades da cultura surda. A interação na comunidade surda produz mais sobre a língua quando estabelece um fortalecimento de identidades compartilhadas, lutando pelo resgate da sua língua e de tudo que foi negado historicamente aos surdos.
Variações na Língua Brasileira de Sinais e implicações na sala de aula
As comunidades linguísticas de falantes de língua de sinais apresentam variações no uso da língua. Essas variações são motivadas por fatores externos a ela, como a incorporação de sinais utilizados por outras comunidades linguísticas mais desenvolvidas no seu léxico, substituindo sinais equivalentes. As relações estabelecidas entre os falantes de uma comunidade provocam variações peculiares, constituindo um padrão e um perfil linguístico próprio daquela região.
A análise da variação e da mudança linguística, tarefa seminal da Sociolinguística laboviana, descreve os diferentes usos da língua pelos grupos que compõem a sociedade e explica como as mais distintas inserções individuais no meio social induzem a diferentes usos da língua, estabelecendo o padrão e o perfil de cada comunidade linguística (Santos; Vitório, 2011, p. 13).
A Língua Brasileira de Sinais passou por diversas mudanças até se tornar a língua falada hoje em dia. Essas mudanças aconteceram diacronicamente, mas vale salientar que as variações em Libras também acontecem no campo sincrônico. Falantes de regiões diferentes podem apresentar mudanças no léxico ou no nível fonológico. Xavier (2006) afirma que discutir variação linguística em língua de sinais requer considerar as variáveis existentes no que diz respeito às condições de aquisição de língua, entre outros fatores.
No que concerne à aquisição da língua, muitas vezes os surdos têm desenvolvimento tardio por não receberem estímulos externos de forma natural, o que os leva a ter um primeiro contato com a língua no ambiente escolar com os seus pares ou com os profissionais que detêm o conhecimento linguístico da língua de sinais.
Woodward et al. (1976 apud Xavier e Barbosa, 2014), após analisarem sete sinais da Língua Americana de Sinais (ASL), constataram que o fenômeno de variação dizia respeito também a fatores extralinguísticos, como o local de residência. Sobre esse aspecto, Calvet (2009) assevera:
As línguas mudam todos os dias, evoluem, mas a essa mudança diacrônica se acrescenta uma outra, sincrônica: pode-se perceber numa língua, continuamente, a coexistência de formas diferentes de um mesmo significado. Essas variáveis podem ser geográficas: a mesma língua pode ser pronunciada diferentemente, ou ter um léxico diferente em diferentes pontos do território (Calvet, 2009, p. 89).
Apesar de apresentar mudanças linguísticas de região para região, a mesma estrutura gramatical de uma dada língua pode ser percebida nas diferentes variações, uma vez que as línguas possuem uma estrutura complexa e organizada composta por regras e formas lógicas que funcionam, levando em conta tais variações.
A Sociolinguística laboviana vem mostrar o caráter heterogêneo e variável das estruturas linguísticas e defender que tais estruturas têm uma organização gramatical, ou seja, seguem regras e têm formas lógicas linguísticas perfeitamente demonstráveis sendo possível seu estudo dentro do campo linguístico (Santos; Vitório, 2011, p. 19).
Independentemente da comunidade linguística de falantes de Libras, essas regras e formas lógicas serão seguidas pelos falantes fluentes na língua, pois elas não dizem respeito a uma gramática normativa, mas ao próprio funcionamento da língua. É importante considerar as variações e as mudanças linguísticas de comunidade para comunidade, não como um “erro”, mas como a comprovação de que a Libras é, de fato, uma língua viva, por isso mesmo dinâmica e, consequentemente, mutável.
Assim sendo, esperamos que o professor de Libras reconheça e aceite as possíveis variações que os alunos trazem.
O reconhecimento e aceitação de que há variação linguística e de que essa variação é condicionada tanto por fatores linguísticos quanto por fatores sociais ajuda a gerar a consciência de que não existe nenhuma comunidade linguística ou grupo social que fale mais “certo” ou mais “errado” do que outro (Santos; Vitório, 2011, p. 21).
Com base na compreensão de que as línguas variam e se modificam, seja por fatores linguísticos inerentes ao próprio sistema linguístico ou por fatores extralinguísticos/sociais, podemos aplicar ao contexto situacional a realidade dos surdos em um cenário de aquisição tardia de sua primeira língua. Vale salientar que a maioria deles são filhos de pais ouvintes que desconhecem a Língua Brasileira de Sinais e têm sua imersão no mundo simbólico a partir de sinais rudimentares ou caseiros. Muitas vezes é no espaço escolar que encontram seus pares linguísticos de diferentes faixas etárias e se constituem como utentes de sua primeira língua, o que repercute nos vários falares desses sinalizantes, reforçando o aspecto heterogêneo da língua e marcando os usos que fazem dela, de acordo com o contexto sociointeracional em que está inserida.
Considerações finais
O presente trabalho apresentou uma discussão teórica acerca da variação linguística na Libras e as contribuições de Labov para esse campo. Por meio de estudos já produzidos, percebemos a importância das mudanças e das inovações pelas quais a Língua Brasileira de Sinais passa, principalmente por demonstrar que é uma língua viva e que coloca em evidência uma cultura visual.
As contribuições de Labov aos estudos linguísticos da Libras foram importantes, apresentando características que merecem ser respeitadas. Além disso, observamos que a variação pode estar presente no ambiente da sala de aula e que é necessário um olhar minucioso, respeitando e valorizando as mudanças e os conhecimentos que os alunos surdos trazem de diferentes experiências linguísticas e sociais.
Diante disso, esperamos que as futuras pesquisas possam ser realizadas com o intuito de conhecer ainda mais os aspectos linguísticos e as questões sociais em Libras, pois sabemos que as pesquisas e os estudos estão sendo produzidos especificamente por pesquisadores surdos.
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Publicado em 30 de julho de 2024
Como citar este artigo (ABNT)
BATISTA, Jerlan Pereira. Variação linguística na Libras e possíveis implicações no ambiente escolar. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 27, 30 de julho de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/27/variacao-linguistica-na-libras-e-possiveis-implicacoes-no-ambiente-escolar
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