Mediação pedagógica: uma análise para além da mera utilização dos recursos digitais
Ianny Moreira de Oliveira
Graduada em Ciências Biológicas (UEG), pós-graduada em Planejamento e Gestão Ambiental (UFG), mestranda em Educação Linguagem e Tecnologias (PPG-IELT/UEG)
Raimundo Márcio Mota de Castro
Graduado em Pedagogia (UVA), pós-graduado em Metodologia do Ensino Superior (Fibra), mestre em Educação (Uniube), doutor em Educação (PUC-Goiás), pós-doutor em Educação Escolar e Religião (PUC-PR), professor titular na UEG, coordenador da unidade universitária de Senador Canedo, professor no Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu Interdisciplinar em Educação Linguagem e Tecnologias
Com a pandemia da covid-19, o mundo vivenciou várias mudanças em diferentes contextos. Essas mudanças geraram consequências como o isolamento social, a obrigatoriedade do uso de máscaras, a proibição de aglomerações de pessoas e maior frequência de perdas de pessoas queridas (lutos). Aulas remotas e visitas deixaram de ser recomendadas. As pessoas foram obrigadas a modificar suas rotinas e o contato físico passou a ser evitado. Todos se adequaram à nova realidade, que se mostrou bastante implacável e cruel.
Felizmente, as vacinas chegaram trazendo esperança de que dias melhores viriam e, paulatinamente, a situação calamitosa começou a amenizar-se. Mesmo que o vírus ainda circule, as mortes se estabilizaram, tornando-se menos frequentes. Nesse contexto, as pessoas começaram a voltar à rotina. As festas, as missas e os cultos retornaram à normalidade e o comércio também voltou às suas atividades corriqueiras. No contexto escolar, a normalidade também aconteceu. Nesse cenário, o presente artigo faz discussões, momento em que os alunos retomam às suas ocupações escolares, depois de mais de um ano privados do ambiente escolar presencial.
Contexto educacional na pandemia
Nesse período, as metodologias das aulas mudaram. Para isso, as ferramentas que envolvem tecnologia começaram a ser usadas e os professores tiveram que se reinventar, aprendendo outras formas de ensinar.
No contexto brasileiro, as tecnologias digitais foram ressignificadas e sua utilização, potencializada. Tanto no convívio social, em que o isolamento e o distanciamento social foram adotados como fatores essenciais para evitar o contágio, quanto nos processos educacionais e laborais, as tecnologias digitais se tornaram artefatos essenciais em nosso cotidiano (Goedert; Arndt, 2020, p. 107).
É notável que os jovens se sintam atraídos e empolgados em usar recursos tecnológicos, visto que desde o nascimento tem contato com aparelhos celulares, internet etc. No entanto, nesse novo cenário mundial, os alunos, assim como todas as pessoas, ficaram carentes de contatos físicos e vínculos afetivos. Com base nisso, é de se esperar que os alunos tenham necessidade de interação e que sintam a falta de contato com seus colegas e professores.
O presente artigo visa relatar uma experiência vivenciada em uma escola estadual de tempo integral da cidade de Goiânia/GO, que consistiu na criação de um jornal escolar. A experiência relatada teve como objetivos: estimular o hábito da leitura e da escrita, a comunicação oral, o anseio pela descoberta e pela pesquisa, o desenvolvimento/ampliação do senso crítico, a proatividade e o protagonismo discente.
Além da introdução e das considerações finais, este artigo está organizado em outras duas seções: na primeira, apresenta-se o movimento de criação do jornal escolar, destacando a sua importância no exercício do protagonismo discente. Na sequência, se evidenciou como foi realizada a mediação pedagógica para a construção de sentidos nos usos da tecnologia em sala de aula.
Criação do jornal: construção do protagonismo estudantil
O jornal é fruto de um projeto criado para uma disciplina eletiva de uma escola estadual em tempo integral de Goiânia/GO. A escola possui sete turmas de Ensino Fundamental II. Além das disciplinas do núcleo comum, a escola conta com disciplinas do núcleo diversificado, dentre elas as eletivas Iniciação Científica e Protagonismo Juvenil.
No último semestre de 2021, a unidade escolar ofertou sete eletivas para que os alunos escolhessem uma para participarem duas vezes na semana durante o semestre. Assim, cada professor passou de sala em sala divulgando sua eletiva, elencando seus objetivos, suas metodologias e convidando os alunos com interesse em suas disciplinas: Dança, Capoeira, Futsal, Teatro, Música, Robótica e Comunicação e Informática.
A eletiva referente às discussões foi denominada Comunicação e Informática. O objetivo básico de uma eletiva em escolas de tempo integral é que o aluno exercite o seu protagonismo no ensino-aprendizagem, ou seja, aprenda não apenas os conteúdos regulares, mas tenha uma formação mais ampla e satisfatória.
Assim, propomos a criação de um jornal escolar. Ele recebeu a denominação de França News, em homenagem ao nome da escola. Para a sua execução, várias disciplinas foram trabalhadas. Os alunos foram incentivados a realizar pesquisas em diferentes áreas do conhecimento. Dentre elas se destacam a Língua Portuguesa e a Matemática, disciplinas que proporcionam uma base para as demais. Menezes et al. (2001, p. 1) afirmam que “a Matemática e a Língua Portuguesa constituem dois pilares basilares da educação de qualquer jovem.” Na Língua Portuguesa, por exemplo, os alunos foram incentivados a realizar pesquisas, leituras, interpretações e a verificação de confiabilidade de informações. Consequentemente, tiveram melhores condições de produzir e expor seu próprio conhecimento por meio da escrita.
Observamos que se torna urgente a verificação de confiabilidade de informações. Em meio ao aumento do uso de tecnologias, as notícias falsas, chamadas fake news, vêm aumentando. Portanto, trabalhar nos alunos essa realidade é sensibilizá-los quanto à importância de compartilhamentos confiáveis.
A Matemática também foi inserida, pois exerce papel importantíssimo no cotidiano das pessoas. No entanto, muitos alunos enfrentam dificuldades nessa área do conhecimento. Ao inserir cálculos em aplicações cotidianas, como nas obtidas por meio de pesquisas, os alunos puderam analisar e interpretar os dados alcançados, usando conceitos matemáticos, com estatísticas e gráficos. Dessa forma, melhoraram seu desempenho na disciplina.
O projeto foi imprescindível para o desenvolvimento educacional dos discentes, promovendo maior integração entre escola e comunidade escolar, buscando a efetivação do trabalho interdisciplinar e o uso de algumas ferramentas tecnológicas para melhorar o processo de ensino-aprendizagem dos alunos.
A principal ferramenta utilizada foi a plataforma Canva. No entanto, outras plataformas e aplicativos como KineMaster, Vídeo Maker, CapCut, InShot e Instagram também foram usados. Por meio deles, os alunos aprenderam a fazer posts para recados no Instagram da escola, edições em vídeos e a montagem do jornal em duas versões (digital e falada).
Os objetivos do Jornal França News correspondem a estimular o hábito da leitura e da escrita, promover a comunicação oral, incentivar o anseio pela descoberta e pela pesquisa, desenvolver o senso crítico, a proatividade e o protagonismo discente, além de ampliar os conhecimentos sobre os temas transversais, com pesquisas sobre variados assuntos relacionados à sociedade, ao meio ambiente e aos direitos humanos. Valores sociais que devem transpassar os livros didáticos, a fim de promover o trabalho interdisciplinar, envolvendo disciplinas, professores,alunos e os diversos segmentos da comunidade escolar. Na criação do jornal, os alunos tiveram a oportunidade de criar, elaborar e editar, estudando sobre a história do jornal e seus objetivos, assim como puderam identificar quais são as etapas de uma notícia até que ela chegue aos meios eletrônicos (internet). Além disso, investigaram o seu alcance, averiguando os assuntos atuais, inclusive para saber se ali havia alguma fake news.
Dessa forma, ao utilizarmos a tecnologia nas aulas de Comunicação e Informática, os estudantes não só puderam se familiarizar com a tecnologia, como construíram seus conhecimentos de forma ativa e dinâmica.
Figura 1: Aula de Comunicação e Informática
Por meio do conhecimento adquirido, criaram posts e vídeos que posteriormente foram publicados no Instagram da escola. Também acompanharam e analisaram as publicações de forma a obter dados para aumentar o alcance na rede social, junto à comunidade escolar. Para a realização do jornal e por meio de uma votação, os alunos escolhiam o tema de cada edição. Depois, faziam pesquisas sobre o assunto para elaborar a pauta, bem como as demais etapas de produção. Os temas se restringiam ao ambiente escolar e a assuntos relacionados aos conteúdos estudados na escola, bem como a assuntos do cotidiano deles. Além disso, os alunos eram responsáveis pelos informes escolares, comunicando a agenda das atividades da semana.
Figura 2: Post publicado no Instagram da escola
Assim, o jornal foi criado em duas versões: escrita (digital) e falada (gravada com o mesmo conteúdo da versão digital).
Figura 3: Jornal na versão escrita (digital)
Como o público-alvo era de alunos, professores, pais e seguidores da conta da escola no Instagram, o jornal foi criado em forma de posts, bastante sucinto e objetivo.
Figura 4: Imagem do jornal escolar (vídeo)
A escola de tempo integral proporcionou um ambiente para que ocorresse o sucesso da implementação do jornal escolar, pois busca uma formação mais ampla, contemplando várias áreas do saber. Nesse sentido, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), em seu Art. 34, aponta para a necessidade de a educação em tempo integral ser uma formação plena aos educandos. Ferreira e Silva (2014) enfatizam que o discente não pode ser visto como alguém que não sabe, assim como o professor não pode ser visto como alguém que sabe tudo. A proposta desse tipo de ensino deve conceber a formação integral de crianças e jovens em um ambiente que promova discussões, reflexões e, consequentemente, formações para construir cidadãos atuantes na sociedade. O aluno não pode ser colocado no sistema da “educação bancária”, como citada por Paulo Freire (1996, p. 12), pois “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou sua construção”.
As eletivas buscam trabalhar de forma interdisciplinar, tanto entre as disciplinas do núcleo comum, quanto entre as disciplinas do núcleo diversificado. O ensino, quando integra várias disciplinas na ação conjunta de muitos professores, torna-se mais motivador e prazeroso ao aluno.
Quando se fala em construir conhecimento de forma mais prazerosa, as escolas de tempo integral podem ser vistas como aquelas que propiciam maior integração, comunicação e aprendizado. Hooks (2013, p. 63) afirma:
Os alunos estão ansiosos para derrubar os obstáculos ao saber. Estão dispostos a se render ao maravilhamento de aprender e reaprender novas maneiras de conhecer que vão contra a corrente. Quando nós, como educadores, deixamos que nossa pedagogia seja radicalmente transformadora pelo reconhecimento da multiculturalidade do mundo, podemos dar aos alunos a educação que eles desejam e merecem. Podemos ensinar de um jeito que transforma a consciência, criando um clima de livre expressão que é a essência de uma educação em artes liberais verdadeiramente libertadora.
As aulas das eletivas eram bastante esperadas pelos alunos. Eles se sentiam motivados a participarem. Mesmo com o planejamento prévio das aulas, elas nem sempre ocorriam como o esperado no plano. Cada aluno contribuía para que a aula fosse diferente, dando sugestões, opiniões e elaborando perguntas. Sendo assim, havia dinamismo e interação.
É fundamental que os alunos gostem do que fazem no ambiente escolar. Segundo Hooks (2013, p. 59), “os discentes precisam gostar de aprender”. De acordo com Freire (1996), não devemos aprender para simplesmente nos adaptarmos, mas para que possamos modificar e transformar a realidade.
Mediação: construção de sentidos sobre o uso da tecnologia em sala de aula
O ser humano vive cercado pelas tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC). Independentemente da nossa vontade, a dependência em relação às TDIC vem aumentando, progressivamente. Nesse sentido, Mori (2013, p. 2) enfatiza que estamos vivendo um momento “em que não é possível compreender o mundo sem uma interconexão planetária”. Devemos nos adaptar a essa nova realidade, utilizando as TDIC de forma que proporcionem bons aprendizados. Para Rodrigues, Sabota e Silvestre (2021), o uso de tecnologias digitais têm provocado mudanças na forma como a sociedade lida com situações diárias, bem como nas práticas de leitura e escrita. Entretanto, as tecnologias digitais, por meio de inúmeras plataformas, são essenciais para possibilitar aulas mais dinâmicas e com conhecimentos significativos. No entanto, de acordo com Almeida e Alves (2020, p. 2), “a implantação ou implementação dessas práticas nas relações sociais demandam o domínio de habilidades e competências do chamado letramento digital”.
Ainda de acordo com Almeida e Alves (2020), uma pessoa letrada digitalmente é aquela que utiliza as tecnologias digitais de forma a apropriar-se para estudos, produções e até mesmo comunicações de forma crítica, ou seja, a sua utilização transcende a mera aplicação e replicação. No início da implementação do jornal escolar notou-se que existiam muitos obstáculos para que o letramento digital acontecesse. O comodismo e a forma de ensino tecnicista sem dúvida se destacaram. Os alunos queriam obter as informações das pesquisas do jornal de uma forma mais rápida, querendo “copiar” os dados logo do primeiro site buscado. Diante dessa situação, esclarecemos a respeito do plágio, destacando suas consequências. Além disso, demonstramos como eles podiam utilizar informações obtidas em pesquisas de forma a preservar os direitos autorais; assim, os alunos puderam aprender como fazer citações e referências.
Percebe-se que tanto professores quanto alunos apresentam dificuldades na utilização das tecnologias digitais de forma crítica e reflexiva. Nós somos o resultado de um sistema de aulas que visa à memorização para obter sucesso escolar.
Se nos perguntarmos o porquê desse fato, encontramos em algumas situações, por exemplo, a convicção de que o papel da escola em todos os níveis é o de "educar" seus alunos - entendendo por "educação" transmitir um conjunto organizado e sistematizado de conhecimentos de diversas áreas, desde a alfabetização, passando por matemática, língua portuguesa, ciências, história, geografia, física, biologia e outras, até aqueles conhecimentos próprios de uma formação profissional nos cursos de graduação de uma faculdade – e exigir deles memorização das informações que lhes são passadas e sua reprodução nas provas e avaliações (Masetto, 2013, p. 133-134).
O letramento digital deve ir além do espaço escolar, ultrapassando a simples leitura e replicação de conteúdo. É necessário que chegue mais longe para que a sociedade, de fato, seja mais atuante. Masetto (2013) afirma que, quando os professores buscam por inovações na sala de aula, a fim de romper com paradigmas ultrapassados, eles estão dialogando com suas funções como profissionais da Educação.
Assim, a relação professor-aluno também muda, acontecendo maior interação motivação, tanto de alunos como de professores. A criação do jornal escolar é exemplo de utilização dos recursos digitais de forma a proporcionar aulas mais dinâmicas e dialógicas na construção do saber. No decorrer da implementação do jornal, podemos notar que alunos antes apáticos e pouco participativos, passaram a demonstrar interesse nas atividades propostas.
Estamos em constante processo de evolução e desenvolvimento. É necessário não só pensarmos, como atuarmos de forma crítica. Assim sendo, o professor deixa de ser um promotor de replicações para ser um orientador, um consultor ou facilitador da aprendizagem. Alves (2015, p. 842) dialoga sobre essa relação professor-aluno da seguinte maneira:
Nesse círculo ecossistêmico, os sujeitos que ensinam aprendem ao ensinar e os sujeitos que aprendem ensinam ao aprender. Cada espaço de ensino-aprendizagem é repleto de emoções, afetividade, energia e trocas dialógicas entre ensinantes e aprendentes. Assim, lembramos que para ensinar, é necessário aprender como o outro aprende ou mesmo estabelecer sinergia entre linguajares. Ensino-aprendizagem é sempre uma via de mão dupla. Para que haja mudança de comportamento, é necessário que haja um novo acoplamento, um novo modo de ressignificar, mesmo que mínimo, do que é percebido. E, quem percebe, percebe pelo olhar que lhe pertence.
A tecnologia é um instrumento usado para colaborar no processo de ensino-aprendizagem. No entanto, se for usada de forma correta poderá ajudar. Ela não resolve sozinha os problemas da educação. As TDIC são ferramentas muito importantes na contemporaneidade, mas sem que haja a presença do professor fazendo a mediação são quase ineficazes. Dessa forma, a mediação pedagógica é um processo de diálogo entre professores e alunos. Nessa ação conjunta ambos podem contribuir para o processo de aprendizagem de forma mútua. Sendo assim, tanto professores quanto alunos, ensinam enquanto aprendem. Ambos podem auxiliar nesse processo de construção do conhecimento.
A mediação pedagógica deve promover o envolvimento, a participação, o respeito, a interaprendizagem, além do amadurecimento intelectual, epistemológico e emocional do educando, uma vez que propicia a aquisição e significação de novos conceitos no desenvolvimento das capacidades formadoras, individuais e coletivas do sujeito (Mori, 2013, p. 4).
Quando ocorre a mediação pedagógica o professor é responsável por problematizar e desafiar a reflexão, estimulando o protagonismo do aluno, ou seja, possibilitando ao estudante a formulação do seu próprio conhecimento. Sendo assim, o gosto pela busca da aprendizagem é despertado.
Segundo Monte Mor (2017), para alcançarmos o sucesso educacional devemos continuar tentando, pois erros devem surgir. O importante é permanecer tentando, buscando fazer o melhor. Com base em Mori (2013), a aprendizagem não acontece de forma involuntária. É necessário que haja pessoas favorecendo e facilitando essa aprendizagem. Nesse cenário, cabe aos professores, bem como à escola, que se apropriem das tecnologias da informação e da comunicação (TIC), a fim de que ocorra a inovação escolar. De acordo com Mori (2013, p. 6),
a inovação, portanto, está na postura do professor em relação à sua prática pedagógica, no envolver o aluno numa relação de cooperação, de incentivo, de motivação, para que ele seja sujeito ativo neste processo, empregando as TIC na educação, a fim de tornar mais significativa a aprendizagem de conteúdos e o desenvolvimento de habilidades intelectuais. Introduzir aparatos tecnológicos na escola não se trata apenas de propiciar aos professores esse contato e a aquisição de habilidades informáticas. A introdução das tecnologias na educação precisa estimular a desconstrução de suas estruturas arcaicas e priorizar uma educação questionadora, crítica, emancipadora, criativa.
Quando se fala na desconstrução das estruturas arcaicas, nota-se que é necessário que haja o rompimento de paradigmas e a construção de novas formas de ministrar aulas. Nesse caso o professor deixa de ser o “detentor” do conhecimento e passa a ser uma figura relevante na mediação. Assim, não é mais necessária a memorização de conteúdo, pois o aluno tem a liberdade de elaborar seus próprios conceitos de forma crítica e participativa. Como afirmado por Rodrigues, Sabota e Silvestre (2021), o ser humano contribui e intervém nas transformações ocorridas na sociedade.
No decorrer das aulas de Comunicação e Informática buscou-se trabalhar de forma interdisciplinar, de maneira a inserir outras disciplinas da matriz curricular. Mesmo que o termo interdisciplinaridade esteja em constante uso no espaço escolar, ele ainda é pouco praticado. Muitos professores não se sentem motivados a preparar suas aulas em conjunto. Certamente, há outros motivos que corroboram para que isso ocorra. Dentre eles, a formação acadêmica (há professores que trazem uma formação tecnicista), o comodismo, a falta de tempo (para se reunir com os seus colegas), a jornada extensa de trabalho e o medo do “novo”.
Sant’Ana, Suanno e Sabota (2017, p. 172) salientam que “esta educação envolve resiliência, a busca pelo novo, a visão de todo e não de disciplinas isoladas. O objetivo final é que o estudante busque caminhos e conteúdos e aprenda por conta própria”. Partindo dessa premissa, percebemos que é necessário que ocorram mudanças estruturais, bem como mudanças nas formações de professores. Aulas interdisciplinares visam à promoção de momentos dinâmicos e interativos, de forma a religar conteúdos e conceitos necessários à vida em sociedade.
Peixoto et al. (2015) apontam que é necessário que existam mais cursos de formação de qualidade. No entanto, os autores destacam que estudos indicam ligações entre programas formativos e interesses mercadológicos. Assim,os cursos de preparação para os professores ficam comprometidos e não priorizam a aprendizagem crítica dos docentes, mas os interesses governamentais e capitalistas.
Outro fato ocorrido durante a implementação do Jornal França News foi o incentivo e a realização das aulas práticas. De acordo com Moraes (2015, p. 188), a práxis tem o objetivo principal de promover o ‘desenvolvimento humano’, ou seja, de contribuir com o ensino-aprendizagem de forma ampla, visando à formação humana. Ao tratarmos a respeito do desenvolvimento humano, o termo transdisciplinaridade vem à tona. E o que o termo tem a ver com essa formação? A educação transdisciplinar transcende as disciplinas, estando entre, através e além delas. Desse modo, o que está para além das disciplinas? Os seres humanos. Nós estamos além delas.
Partindo desse pressuposto, quando buscamos uma educação transdisciplinar estamos rompendo com a educação tecnicista, colocando o ser humano em primeiro lugar na direção de uma educação realmente transformadora (Moraes, 2015). Dessa forma, o ser humano é considerado em sua complexidade, pois somos o resultado de nossas vivências. Essas vivências não são objetivas. Elas têm suas particularidades.
Suanno (2015, p. 51) afirma que, “nessa perspectiva, o conhecimento é construído pelo sujeito complexo e multidimensional, a partir de seu nível de realidade, de percepção, de consciências, de interpretação e de suas possibilidades de comunicação e expressão e de linguagem”. Para o ser humano (Suanno, 2013), para controlar e autorregular os processos de conhecimento, é importante que ele aumente a sua consciência, sabendo equilibrar razão, emoção e corporeidade de forma a ampliar a sapiência. Desse modo, ele provocará transformações significativas, tanto em si mesmo como no seu cotidiano. Assim, com base na autora, para alcançarmos uma visão integradora é importante que nos organizemos e nos reorganizemos em nossos saberes em processo contínuo. O pensamento complexo de acordo, com Sant’Ana, Suanno e Sabota (2017, p. 175), nada mais é do que fazer com que as certezas e as incertezas se juntem de forma entrelaçada, pois “o pensar complexo também evoca a noção de que o ser humano é, ao mesmo tempo, biológico, cultural, físico, psíquico, social, histórico e espiritual, isto é, multidimensional, sendo que estas dimensões interagem entre si”. O pensar complexo exige que o sujeito busque entender o objeto do estudo, bem como suas relações com o contexto. Desse modo, captará informações de forma não linear e mais completa (Suanno, 2015).
Os seres humanos, por pertencerem à mesma espécie, apresentam muitas características em comum, porém também são únicos em suas singularidades, como resultantes de vários fatores e vivências ímpares. Guerreiro (2010, p. 90) esclarece que
hoje sabemos que existimos, não só porque pensamos, mas porque sentimos, porque temos a capacidade de amar. Por isso, trata-se hoje de recuperar a sensibilidade, de abrir espaços ao Coração da insurgência da ternura, que permitam ao coração ser o princípio do humano, sem que este significado tenha que renunciar à razão, pois o que é sobre dar afetividade à inteligência.
Isso nos torna seres especiais, pois, mesmo quando diante de situações idênticas, reagimos e pensamos de formas distintas. Diante disso, quando ocorre a construção do conhecimento de forma coletiva, a aquisição do conhecimento se torna ampla e diversificada, pois podemos amar e ter sentimentos por coisas diferentes.
Notou-se, por meio das discussões que ocorriam nas aulas, que os alunos demonstraram maior interesse em participar das atividades em grupos. Sendo assim, pelo contexto que estavam vivendo ao longo da pandemia, essas atividades foram muito importantes, pois resgataram o contato entre eles, religando saberes, uma prática tão necessária na contemporaneidade, que busca um ensino para além da memorização.
Existe um grande desafio na educação contemporânea: a construção de ambientes de aprendizagem que propiciem a convivência de incertezas e diálogos, um espaço de construção de propostas que superem a realidade vivida (Suanno, 2015).
Considerações finais
A criação do jornal representava um exercício da práxis na escola. Percebemos que os alunos necessitavam de maior interação, tanto entre eles quanto com os professores.
Evidenciou-se a importância das TDIC no ambiente escolar como ferramentas para a busca do conhecimento. Com a criação do Jornal França News, notou-se que os alunos se sentiram mais motivados, pois puderam participar da eletiva empolgados com as atividades propostas, passando a se envolverem na rotina escolar com entusiasmo como protagonistas. Durante as aulas, houve notória mudança de comportamento e atitude em relação às disciplinas, bem como em relação à criticidade, visto que em diversas situações aprenderam a argumentar e se posicionarem.
Nesse sentido, entendemos que é fundamental um rompimento paradigmático com o ensino tradicional para a criação de novas formas de ministrar aulas. Nesse contexto, os professores têm papel importante, pois são essenciais na desconstrução das estruturas tecnicistas e arcaicas.
É inegável que as TDIC são, cada vez mais, parte de nossas vidas. Durante a pandemia, isso ficou em evidência. No entanto, apesar da sua importância, as tecnologias por si só não são capazes de provocar mudanças na educação. Elas são ferramentas que devem ser usadas para criar ambientes e condições necessárias à construção do saber.
Para a construção da escola que vislumbramos é necessário que o ser humano se reconheça e busque formações de qualidade, a fim de criarmos uma sociedade sustentável e mais justa.
É necessário que o exercício do pensar complexo e transdisciplinar aconteça para além da sala de aula. Somente assim poderemos alcançar as conquistas desejadas, compreendendo a respeito do uso das tecnologias digitais em sala de aula e exigindo que pensemos e tomemos atitudes que vão além delas.
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Publicado em 06 de agosto de 2024
Como citar este artigo (ABNT)
OLIVEIRA, Ianny Moreira de; CASTRO, Raimundo Márcio Mota de. Mediação pedagógica: uma análise para além da mera utilização dos recursos digitais. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 28, 6 de agosto de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/28/mediacao-pedagogica-uma-analise-para-alem-da-mera-utilizacao-dos-recursos-digitais
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