História da Educação brasileira: desigualdade social e qualidade de ensino

Carla Maria Leidemer Bruxel

Mestra em Educação nas Ciências, professora da rede municipal de São Martinho/RS

Ana Paula Rannov dos Santos

Mestranda em Educação nas Ciências, professora da rede municipal de Três Passos/RS

Jéssica Puhl Dalberto Borghetti

Mestranda em Educação nas Ciências, professora da Seduc/RS

A História da Educação brasileira está entrelaçada com a própria história da formação da sociedade desde o início da colonização no Brasil. Conhecer a História da Educação é indispensável para compreender a organização e a estrutura atual do contexto educacional na atualidade. Ao conhecer essa história é possível entender as limitações e falhas dos sistemas de ensino e os avanços obtidos em relação à escolarização das crianças, jovens e adultos.

Não há transformações significativas numa sociedade sem o desenvolvimento de processos educativos nas instituições de ensino. Assim como ensina Freire (2007), a educação por si só não transforma o mundo, mas transforma as pessoas e as capacita para a transformação do mundo. Nesse viés, o ser humano é o agente construtor da sua própria história e é responsável pelo que o mundo pode vir a ser. Por conseguinte, a educação assume papel fundamental no processo formativo do ser humano e na constituição da sociedade, fazendo parte da riqueza cultural, social e econômica do país.

Parte-se do princípio de que a educação escolar tem um compromisso social com os alunos e com a sociedade como um todo e não se pode permitir que a escola contribua na perpetuação das desigualdades sociais e da exclusão. A escola tem um papel essencial como agente transformador de concepções e de condutas e não pode se desviar da sua função como promotora do desenvolvimento integral da criança e do adolescente. Nesse sentido, a escola é o espaço no qual se deve garantir a igualdade de oportunidades para a construção de uma sociedade mais justa e democrática.

Destarte, por meio do conhecimento da evolução histórica da educação escolar brasileira é possível compreender de onde veio a estrutura e a organização atual das instituições de ensino e fazer relações entre a educação da época do Brasil colonial e os dias atuais. É essencial que os professores reflitam sobre os momentos históricos, suas marcas e influências no processo educativo escolar de modo geral no Brasil para compreender melhor a realidade atual, com a qual se deparam dia a dia no contexto escolar.

O objetivo deste artigo é analisar a História da Educação brasileira sob o prisma da perpetuação da desigualdade social no Brasil e a busca pela qualidade da educação para todos.

Procedimentos metodológicos

O caminho metodológico segue os pressupostos de uma pesquisa de abordagem qualitativa bibliográfica (Gil, 2002). Para compor o corpus da pesquisa, buscamos no portal de periódicos da Capes, produções científicas que contribuem para a compreensão da temática abordada. A consulta no Portal de Periódicos da Capes foi realizada no dia 28 de outubro de 2022.

A realização do mapeamento das pesquisas ocorreu da seguinte forma: 1) O Portal de Periódicos da Capes foi acessado por meio do acesso remoto via CAFe; 2) Na busca avançada, selecionou-se a opção “contém no título” e o descritor “História da Educação brasileira”. Como critério, a data de publicação “últimos dez anos”. Nesse panorama, foram encontradas 2.270 pesquisas.

Selecionamos apenas as que foram revisadas por pares e obtivemos 266 pesquisas, as quais foram analisadas mediante leitura rigorosa dos títulos, resumos e palavras-chave. Para compor este artigo, selecionamos as pesquisas que tratavam dos períodos históricos e do cenário educacional em cada momento histórico.

Dessa forma, identificamos quatro trabalhos relevantes para a discussão e reflexão da História da Educação brasileira. Por conseguinte, foram descartados os artigos que não contemplavam temáticas condizentes com o estabelecido anteriormente e/ou faziam referência a outras temáticas. O Quadro 1 possibilita apresentar pontos relevantes a respeito de cada artigo e sua relação com a temática abordada.

Quadro 1: Produções científicas que integram o corpus da pesquisa

Artigo

Autores/Ano

Título

Objetivos

Resultados

1

Ivashita; Coelho,

2019

Periodização da História da Educação brasileira: dimensões teóricas das concepções de tempo histórico

Analisar as articulações existentes entre os pressupostos teórico-metodológicos que orientam a escrita da História da Educação e as suas implicações no processo de periodização nesta área.

Conclui-se que a periodização da História da Educação deve considerar as múltiplas representações de tempo desenvolvidas em diferentes momentos históricos e em distintos espaços de produção da cultura, expressando rupturas e permanências sociais e culturais historicamente constituídas.

2

Veiga, 2017

Discriminação social e desigualdade escolar na história política da educação brasileira (1822-2016): alguns apontamentos

Demonstrar os movimentos cíclicos das conquistas educacionais associados aos golpes políticos de sua subtração, de modo a melhor subsidiar os debates educacionais atuais, no contexto de imposição de governo por golpe parlamentar e recrudescimento do conservadorismo político-social.

Mostrou-se que apesar da precariedade na efetivação da escolarização brasileira, ocorreram importantes mobilizações sociais, com vistas ao estabelecimento de políticas inclusivas e de repudio a discriminações, possibilitando conquistas democráticas e de direitos.

3

Tiballi, 2016

A dualidade da escola brasileira na primeira

metade do século XX: registros do INEP

Explicitar as explicações da dualidade da escola brasileira formuladas pelos intelectuais e pesquisadores do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos

(INEP), na primeira metade do século XX.

Evidenciou-se, a partir das pesquisas, na origem da escola pública brasileira e na desigualdade social atual, a persistência histórica da desigualdade educativa e da dualidade da escola brasileira.

4

Martinazzo;

Silva; Luft,

2020

A atualidade do diagnóstico e da crítica de Darcy Ribeiro (1922-1997) à educação brasileira

Explicitar o diagnóstico e a crítica de Darcy Ribeiro em relação à educação e à escola pública brasileira, tomando como referência principal o seu livro Nossa escola é uma calamidade (1984).

Concluiu-se que Ribeiro publicou obras significativas para a percepção e análise do processo civilizatório do Brasil; destacou-se como gestor e criador de projetos educacionais inovadores; influenciou na aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96).

Para possibilitar maior compreensão, apresentaremos as reflexões acerca das questões que envolvem a História da Educação brasileira e suas marcas como promotora da desigualdade social, assim como dos esforços produzidos na busca pela qualidade do ensino.

Reflexões sobre a História da Educação brasileira

As produções científicas selecionadas traçam discussões em torno de movimentos que interferem na constituição e na estruturação do ensino público no Brasil ao longo de sua história. A compreensão das questões que envolvem a estruturação do ensino é fundamental no processo formativo docente, visto que possibilitam mudanças de concepções, condutas e ações no contexto educativo, interferindo no modo de condução das práticas pedagógicas. A partir disso, conforme Ivashita e Coelho (2019), na História da Educação brasileira devemos considerar as múltiplas representações de tempo que foram se constituindo em diferentes momentos históricos e em diversos espaços de produção da cultura, expressando rupturas e permanências sociais e culturais que foram historicamente constituídas e influenciaram a organização da educação brasileira. Diante disso, 

é sabido que a área educacional comporta um entrelaçamento com a esfera política, todavia entende-se que, se recortamos o passado sempre pelo mesmo viés – político/econômico – teremos uma explicação no campo educacional que tende a privilegiar o que é externo à história do sistema escolar (Ivashita; Coelho, 2019, p. 8).

Dessa maneira, a organização da educação brasileira sofre influência da esfera política/econômica em que ela se desenvolve, mas também há outros fatores envolvidos no processo. Nesse viés, corrobora Veiga (2017) ao problematizar a discriminação social e a desigualdade escolar presente na história política da educação brasileira. Segundo a autora, “o preconceito social imperou na história política da educação brasileira” (Veiga, 2017, p. 160) e até hoje persiste e marginaliza as classes sociais menos favorecidas. Diante disso é importante salientar que a partir da análise da História da Educação brasileira é possível observar avanços e retrocessos, visto que,

apesar da precariedade na efetivação da escolarização brasileira, ocorreram importantes mobilizações sociais, com vistas ao estabelecimento de políticas inclusivas e de repúdio às discriminações, possibilitando conquistas democráticas e de direitos, como é o caso dos movimentos dos anos 1920 e início 1930; 1950 e início de 1960; 1990 e 2000. Nesse percurso, percebemos claramente a dinâmica dialética do processo histórico, onde, conquistas sociais e políticas são permanentemente postas em questão por grupos que se sentem ameaçados por elas (Veiga, 2017, p. 177).

As mobilizações sociais por si só não dão conta de promover um ensino de qualidade para todos. No entanto, geram importantes conquistas e avanços no processo educativo. Apesar dos esforços, observa-se ainda um agravamento da dualidade nas escolas públicas atuais, sendo que um há uma escola do conhecimento para os ricos e uma escola do acolhimento social para os pobres (Libâneo, 2012). Esse dualismo persiste atualmente na estruturação do sistema de ensino e nele se reproduzem as desigualdades sociais.

Tiballi (2016) corrobora essas questões com sua pesquisa sobre a dualidade da escola brasileira, a partir de pesquisas produzidas pelos intelectuais do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) no período que compreende a primeira metade do século XX. Assim, conforme a autora, a década de 1930 se constituiu na história do Brasil como um marco cronológico do avanço do processo de industrialização e da entrada do Estado na definição de políticas sociais, entre elas, a criação do sistema público de ensino (Tiballi, 2016), sendo que a escola possuía a função de promover a educação para o trabalho. Conforme Romanelli (1986, p. 25),

O crescimento da urbanização que a industrialização favorece e o número cada vez maior de pessoas que esse crescimento atrai para a área de influência da civilização do consumo acabam por se transformar em mecanismo de pressão em favor da expansão da escolaridade. O sistema arcaico de ensino, seletivo e aristocrático, torna-se então um obstáculo ao sistema econômico.

O avanço da industrialização, impulsionado pela Revolução de 1930, acarretou a necessidade crescente de ampliação da oferta da educação escolar. Nesse período histórico, a educação se fundamentava na ideologia liberal que busca a igualdade de oportunidades e colocava a escola como meio de ascensão social (Tiballi, 2016). No entanto, apesar do aumento da oferta de acesso ao ensino gratuito para a população,

essa demanda foi eminentemente quantitativa, pois considerando que os padrões de educação das elites eram os que interessavam aos setores sociais emergentes, o crescimento da demanda social de educação determinou a expansão de uma escola que continuou a estruturar-se segundo o modelo vigente, ou seja, a escola acadêmica cujas raízes encontravam-se na pedagogia jesuítica (Tiballi, 2016, p. 1.105).

Ao analisar a História da Educação brasileira é possível observar que vários fatores interferiram na estruturação do ensino público no Brasil, entre eles: a herança cultural, a ordem política e o sistema econômico, fatores que influenciaram na definição do tipo de ensino requerido pelos diversos estratos sociais e na definição do tipo de ensino a ser-lhes oferecido (Tiballi, 2016). Segundo a autora, outros fatores também influenciaram e contribuíram para a estruturação e a ampliação dos sistemas nacionais de ensino, entre eles a mobilidade geográfica e social que ocorreu em função da industrialização e da ação do Estado e da Igreja, na concorrência pela instrução popular. Ademais, a influência reivindicativa da classe operária contribuiu para a estruturação e a ampliação das instituições educacionais no Brasil (Tiballi, 2016).

Contudo, essa estruturação e a ampliação dos sistemas nacionais de ensino público mantiveram a desigualdade social em nosso país. Apesar do aumento da oferta no período da industrialização, a educação ainda estava a serviço das classes sociais dominantes. As camadas sociais menos favorecidas recebem pouca atenção dos governantes nesse período histórico (Tiballi, 2016). Diante disso, ressalta-se que a luta pela escola pública gratuita e de qualidade, ainda que tenha contribuído para o acesso das camadas sociais menos favorecidas, foi insuficiente no que se refere à qualidade a ao atendimento das demandas educacionais dessa população.

Martinazzo, Silva e Luft (2020) corroboram essas reflexões ao apresentar o diagnóstico e a crítica de Darcy Ribeiro em relação à educação brasileira. Eles ressaltam que Ribeiro (1984) se destacou como antropólogo, educador e político brasileiro. Em suas obras há subsídios para a compreensão da realidade latino-americana e a respeito da participação dos índios, dos negros e dos mestiços no processo de formação e desenvolvimento sociocultural do povo brasileiro. Assim, Darcy Ribeiro apresenta as causas históricas que estão na gênese dos níveis de desenvolvimento e de desigualdade no Brasil (Martinazzo; Silva; Luft, 2020).

Com o intuito de explicitar o diagnóstico e a crítica de Darcy Ribeiro em relação à educação e à escola pública brasileira, Martinazzo, Silva e Luft (2020) usam o livro Nossa escola é uma calamidade, escrito por Ribeiro em 1984. Nesse livro, Ribeiro analisa a situação da educação e da escola pública brasileira no final do século 20. A partir dessa obra, Martinazzo, Silva e Luft (2020) buscam considerar os avanços e os recuos da atual educação brasileira em relação às problemáticas apresentadas no final do século 20.

Nesse período e ao longo de sua história, o Brasil passa por um grave cenário educacional. Darcy Ribeiro (1984) buscava uma explicação para essa situação e se questionava a respeito das causas do fracasso escolar, querendo entender os motivos da educação ser tão precária. As possíveis respostas para as causas do fracasso escolar residiam “nas camadas mais profundas do nosso ser nacional e dizem respeito ao caráter de nossa sociedade” (Ribeiro, 1984 apud Martinazzo, Silva e Luft, 2020).

A sociedade brasileira, desde os primórdios, já se caracterizava pela desigualdade e pela injustiça social, a escola em muitas ocasiões é reprodutora dessas condições. Acerca dessa questão, Martinazzo, Silva e Luft (2020, p. 486) se referem a Ribeiro (1984) ao afirmarem que

ele alertava, ainda, que a escola primária era seletiva e elitista, pois, mesmo que grande parte das crianças que a escola recebia era de classes populares, essas eram educadas da mesma forma que as crianças dos setores privilegiados. A exclusão ocorria, portanto, não apenas por falta de escola e de possibilidade de frequentá-la, mas pela problemática da desigualdade e da exclusão social que ocorre em escala mais ampla.

Ressalta-se a preocupação de Darcy Ribeiro (1984) com a educação recebida pelas classes populares. Atualmente, nota-se que o processo de exclusão ainda persiste quando as escolas adotam currículos fechados que não atendem as necessidades e os anseios das classes sociais menos favorecidas. O currículo escolar é concebido a partir do “conhecimento dos poderosos”, ou seja, é definido por quem detém o conhecimento (Young, 2007).

Segundo Martinazzo, Silva e Luft (2020), a situação dos educadores também era preocupante, pois tinham sobrecarga de trabalho, eram mal remunerados e se sentiam desestimulados e não suficientemente qualificados para desempenhar as suas funções. As críticas mais evidentes de Ribeiro se referem “à dificuldade de democratizar o ensino público, à falta de incentivo aos professores, à má aplicação dos recursos financeiros e aos gastos com materiais didáticos e audiovisuais na tentativa de promover a modernização do sistema educacional” (Martinazzo; Silva; Luft, 2020, p. 487). Em relação aos processos educativos atuais,

temos excesso de informação que não se traduz em conhecimento. É necessário saber acessar e processar tais informações. Os fatos, os dados, as notícias, são disponibilizadas em forma de publicações físicas ou on-line. No passado as informações eram precárias: hoje, há um excesso delas e é preciso saber selecioná-las e processá-las. Nesse ínterim, precisamos nos precaver e sempre questionar se o fato é fake news e, até mesmo, sobre a veracidade de montagens fotográficas, que podem ser falsas. Para haver conhecimento é preciso saber processar essas informações (Martinazzo; Silva; Luft, 2020, p. 493).

A partir disso, entende-se que o papel da escola consiste em ensinar ao aluno a selecionar e a construir seu conhecimento ao analisar, comparar e refletir sobre essas informações. Trata-se de uma tarefa complexa que exige olhar para o conhecimento como processo que está se construindo e reconstruindo constantemente. Diante disso, a escola se constitui como espaço de produção e de socialização do conhecimento e por isso ela precisa cumprir com sua função social. Nesse sentido, cabe à escola o papel de ensinar o aluno a pensar de forma crítica e consciente sobre a própria realidade para que possa agir com consciência, promovendo as mudanças necessárias para uma sociedade mais justa, democrática e igualitária.

Periodização da História da Educação brasileira

A origem das instituições escolares no Brasil ocorreu em 1549, com a chegada dos jesuítas, que fundaram a primeira escola. Antes desse período não havia registros sobre educação escolar no Brasil (Saviani, 2008). Com a educação jesuítica, os estudos iniciais foram dirigidos aos indígenas com a finalidade de convertê-los à fé cristã e conquistá-los para ajudar nos trabalhos. Os jesuítas perceberam que para catequizar os índios deveriam ensiná-los a ler e a escrever (Souza, 2018). Depois da expulsão dos jesuítas do Brasil, surgiu a reforma pombalina que se caracterizava pelas aulas régias. O Quadro 2 esboça a periodização da educação brasileira segundo Geraldo Filho (2013).

Quadro 2: Periodização da História da Educação brasileira

Período histórico-político

Duração do período

Características do período

A educação aristocrática no Brasil Colonial

1549-1808

Na educação jesuítica, a leitura, a escrita e o cálculo estavam nos programas de catequese.

Com a expulsão dos jesuítas no período pombalino, foram criadas as aulas régias.

A educação no período joanino

1808-1822

O ensino elementar não sofreu alterações, a preocupação continuava com o ensino superior, deixando as camadas menos privilegiadas praticamente abandonadas.

A educação de elite no período Imperial

1822-1889

As escolas de primeiras letras tiveram pouca ascensão, quase foram abandonadas e não havia interesse político; o ensino superior para a elite teve prioridade.

A República Velha e a educação

1889-1930

A necessidade de ler e escrever para executar as novas funções urbanas não foi percebida; nenhuma reforma mexeu com os privilégios do ensino superior, nem se criou uma estrutura sólida de ensino primário para as camadas populares.

A Era Vargas e as transformações na educação

1930-1945

Eliminar o analfabetismo passou a ser a palavra de ordem; era preciso preparar o trabalhador urbano para o concorrido mercado de trabalho. No entanto, ainda havia um sistema dual: escolas preparando para carreiras universitárias e outras para o mercado de trabalho.

Educação e democratização

1946-1964

A criação da Lei nº 4.024/61 estabeleceu os fins da educação com base nos princípios de liberdade, solidariedade, compreensão dos direitos e deveres, respeito à dignidade e liberdades humanas, fortalecimento da unidade nacional, solidariedade internacional, entre outros.

A educação nos governos militares

1964-1985

Com a construção de mais escolas, as pessoas mais pobres passaram a ingressar na escola pública. As novas ideias pedagógicas foram mal interpretadas e os conteúdos passaram a não ter importância. As escolas estavam superlotadas.

A educação na transição democrática e no início do século XXI

1985 até os dias atuais

A Constituição de 1988 estabeleceu novos rumos para a educação. A LDBEN aprovada em 1996 estabeleceu as diretrizes que orientam o ensino até dias atuais. A BNCC propõe um currículo nacional comum.

Fonte: Adaptado de Geraldo Filho, 2013.

No período colonial, as iniciativas dos jesuítas, as reformas pombalinas da instrução pública e as iniciativas de organizar a escola pública no período imperial, constituíram o alicerce sobre o qual o regime republicano constituiu a escola pública de hoje. De modo geral, a educação brasileira foi insuficiente em questões de qualidade e de igualdade para todos e a sua história é marcada pela dependência, exploração, violência, desrespeito às diferenças culturais. Por outro lado, também é marcada pelo favorecimento da classe social dominante em detrimento da maior parte da população (Souza, 2018). Ao analisar e refletir sobre a História da Educação no Brasil, Francisco Filho (2013, p. 100) afirma:

a marginalização educacional foi uma constante em nossa história; os grupos menos favorecidos economicamente, em todas as épocas, receberam uma educação diferenciada, oscilando do abandono à própria sorte, à preparação para o trabalho, sem perspectivas para continuar os estudos no ensino superior.

Os interesses educacionais não eram voltados para as classes populares e se limitavam à classe da elite dos dirigentes. Em todos os períodos, a educação beneficiou a população da classe dominante (Souza, 2018). Dessa forma, a educação contribuiu para formar pessoas como objetos para serem usados no trabalho no lugar de formar sujeitos construtores da sua própria história. A educação brasileira apresenta, em todos os períodos de sua história, realidades e contextos diferentes, no entanto, os modelos de uma educação planejada e organizada para a população das camadas populares não se diferem.

Assim, essas pessoas tinham acesso a uma educação que era domesticadora e apresentava condições precárias e insuficientes e não davam lugar para o sentido pleno da educação democrática, libertadora, transformadora e de qualidade para todos. Diante disso, as dificuldades e os avanços na área educacional de cada momento histórico sempre foram influenciados por questões políticas e ideológicas como, por exemplo, no final do período imperial, quando surgiu o interesse em alfabetizar as pessoas para que pudessem votar (Mortatti, 2004). No entanto, o interesse em alfabetizar as pessoas nesse período era político e não educacional.

A maior parte da História da Educação se caracteriza pelo fato de que a educação escolar sempre esteve restrita a uma minoria. Desse modo ainda hoje têm-se indícios desse descaso com a educação como direito de todos quando se realizam práticas de ensino baseadas em currículos inflexíveis que não consideram a realidade do aluno e assim muitas vezes excluem o aluno do seu processo de aprendizagem. Ao analisar a História da Educação brasileira percebe-se que a educação escolar no período jesuíta era quase a uma pequena parcela da população brasileira. De acordo com Saviani (2008) a educação escolar em grande parte de sua história era restrita a pequenos grupos e somente a partir da década de 1930 emergiu a ideia de escola para todos.

Destarte, na maior parte da História da Educação escolar no Brasil, o número de analfabetos foi sempre muito elevado. Esse quadro começa a mudar entre 1990 e 2010, sendo que a promulgação da Constituição Federal de 1988 incentivou a descentralização da gestão da educação para os municípios e estabeleceu limites mínimos de gastos com educação (Saviani, 2008). Saviani (2008) explica o avanço educacional trazendo dados das matrículas nas escolas brasileiras comparando os anos de 1930 a 1998.

E apesar do entusiasmo que marcou o início do período republicano com a criação dos grupos escolares, até o final da Primeira República o ensino escolar permaneceu praticamente estagnado, como se vê pelo número de analfabetos em relação à população total, que se manteve no índice de 65% entre 1900 e 1920, sendo que o seu número absoluto aumentou de 6.348.869 em 1900, para 11.401.715 em 1920. Em contrapartida, a partir da década de 1930 a matrícula geral saltou de 2.238.773 alunos (ensino primário: 2.107.617; ensino médio: 108.305; ensino superior: 22.851) em 1933 para 44.708.589 (primário: 35.792.554; médio: 6.968.531; superior: 1.947.504) em 1998 (Brasil, 2003, p. 106). Considerando-se que a população do país girava em torno de 40 milhões em 1933, passando a aproximadamente 167 milhões em 1998, conclui-se que, enquanto a população global quadruplicou, a matrícula escolar geral aumentou vinte vezes” (Saviani, 2008, p. 150).

Apesar desse considerável aumento no número de matrículas em 1998, a história da alfabetização no Brasil é marcada por altos índices de analfabetismo e o Brasil atualmente ainda tem muitos adultos analfabetos, jovens que abandonam os estudos e crianças com dificuldades para se alfabetizar, sendo assim o desafio da alfabetização é grande. É possível perceber através da comparação da História da Educação brasileira com a realidade de hoje que a educação ainda precisa melhorar muito para contribuir com a qualidade do ensino e da aprendizagem, pois os índices apresentam alta taxa de reprovação no Ensino Fundamental.

Se a História da Educação brasileira é analisada pelo lado positivo se observa que em relação aos avanços destaca como marco inicial a promulgação da Constituição Federal de 1988, que gerou grandes mudanças no contexto educacional por meio da estipulação da gratuidade do ensino público, do Ensino Fundamental gratuito e obrigatório, da oferta da Educação Infantil por meio do atendimento em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos e da valorização dos profissionais que atuam na educação. Entre os avanços educacionais, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, houve a criação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) que dá suporte legal para garantir o direito à educação de qualidade, assegurando ao indivíduo a sua inserção consciente, crítica e cidadã na sociedade.

A lei atual vigente no Brasil — Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 —, que regulamenta a organização e o funcionamento do ensino em todos os níveis, leva o nome de “Lei Darcy Ribeiro”, em homenagem ao seu criador e organizador. A Lei foi sancionada pelo Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, em 20 de dezembro de 1996” (Martinazzo; Silva; Luft, 2020, p. 489).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDBEN) (Brasil, 1996) substitui a versão anterior de 1971 e amplia o direito à educação, assim como amplia a autonomia de ação das instituições públicas, explicitando as atribuições do trabalho docente. Segundo Martinazzo, Silva e Luft (2020), a LDBEN trouxe algumas inovações em relação às leis anteriores, como a unificação dos três níveis de ensino e a inclusão da Educação Infantil (creches e pré-escolas) como primeira etapa da Educação Básica. No entanto, a Lei ainda é omissa em relação a alguns temas, contemplando aspectos considerados já ultrapassados, não tão democrática quanto poderia ser (Martinazzo; Silva; Luft, 2020).

Para efetivar a garantia do direito à educação de qualidade, o Governo Federal elaborou os Parâmetros Curriculares Nacionais (Souza, 2018). Os PCN são as diretrizes que orientam a educação escolar no Brasil e trazem os conteúdos mínimos que devem ser trabalhados em todas as escolas brasileiras. Além das escolas públicas, a rede privada de ensino também adota os parâmetros, mas sem caráter obrigatório. Nesse sentido, os PCNs auxiliam na adoção de diretrizes universais tanto na rede pública como na privada.

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, a aprovação da LDB e a instituição dos PCN, houve avanços significativos na educação no Brasil (Souza, 2018). No entanto, mesmo que a educação brasileira tenha melhorado, ela ainda apresenta características reacionárias e alienantes, contribuindo para a formação de seres passivos, eximindo-se do compromisso de formar cidadãos ativos e conscientes. Ademais, a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) em 1968 atualmente ainda mantém vários programas que buscam proporcionar mais autonomia às escolas (Souza, 2018). Assim, o FNDE tenta suprir as carências das instituições de ensino, oferecendo aos alunos condições de acesso e permanência na escola, além de buscar o desenvolvimento de suas potencialidades.

Os programas são: Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE); Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE); Programa Nacional do Livro Didático (PNLD); Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM); Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA); e Programa Nacional de Transporte Escolar (PNTE), entre outros (Souza, 2018). Esses programas proporcionam recursos que possibilitam a oferta do ensino público, gratuito e de qualidade para todos os alunos, principalmente aos que mais precisam de atendimento diferenciado.

Em 2005, segundo Souza (2018), outro avanço importante ocorreu na educação brasileira. Foi quando foi aprovada a Lei nº 11.096, que instituiu o Programa Universidade para Todos (ProUni) bem como em 2007, quando foi promulgada a lei do Fundeb. Em 2007, houve o lançamento do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) cujo objetivo é suprir as deficiências e as carências da educação brasileira, superando um estágio de educação ainda limitado.

No ano de 2012, foram publicadas as Diretrizes Curriculares Nacionais da educação brasileira, um conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos na Educação Básica que orientam as escolas na organização, articulação, desenvolvimento e avaliação de suas propostas pedagógicas. Em 2016, iniciou-se a preparação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), um documento de caráter normativo que determina o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica. Conforme a BNCC,

no Brasil, um país caracterizado pela autonomia dos entes federados, acentuada diversidade cultural e profundas desigualdades sociais, os sistemas e redes de ensino devem construir currículos, e as escolas precisam elaborar propostas pedagógicas que considerem as necessidades, as possibilidades e os interesses dos estudantes, assim como suas identidades linguísticas, étnicas e culturais (Brasil, 2017, p. 15).

Todos os alunos têm direito ao acesso, à permanência, à aprendizagem e à educação de qualidade. A BNCC também trata das desigualdades sociais e da educação de qualidade para todos ao trazer, em sua proposta de construção de currículo, a consideração das necessidades dos alunos. Nesse sentido, a educação brasileira necessita estar atenta à diversidade cultural e às desigualdades sociais existentes. Em um país marcado por tantas disparidades, não é possível pensar em um currículo nacional que não seja flexível para atender às especificidades de cada instituição escolar. Assim, ressalta-se a importância do processo de elaboração dos currículos de cada estado e de cada município para que as demandas locais sejam contempladas.

Considerações finais

A educação ainda precisa percorrer um longo caminho para superar todos os desafios. Ainda estamos longe de ter uma educação de qualidade para todos. A organização do ensino é voltada para algumas classes sociais em detrimento de outras. Apesar das leis garantirem a obrigatoriedade do ensino gratuito e de qualidade, ainda há muitos contrastes nas escolas públicas brasileiras quanto à efetivação da aprendizagem dos alunos.

De forma mais geral, a educação brasileira ainda está longe de contemplar a todos e muitas vezes os alunos que estão à margem do sistema social apresentam diversas dificuldades na vida escolar, como: dificuldades de aprendizagem, desmotivação para os estudos, infrequência e evasão escolar. Percebe-se que há leis e projetos que pretendem sanar as deficiências da educação brasileira. No entanto, há uma enorme dificuldade na sua efetivação para que se possa minimizar a distância entre o texto legal e a realidade das escolas.

Trata-se de um processo lento, e se as leis não proporcionam mudanças efetivas, as escolas públicas continuam a padecer em suas condições de ensino. Observa-se que falta estrutura física adequada, recursos materiais e pedagógicos, valorização dos professores, capacitação, entre outros aspectos. Essas condições impedem que o Brasil supere a herança de uma educação superficial e excludente. Destarte, o Brasil necessita reescrever sua história por meio de uma educação libertadora, democrática e de qualidade.

A escola não pode ser reprodutora das desigualdades sociais, ela necessita se constituir como uma instituição responsável, acolhendo a todos e propiciando aprendizagens que auxiliem na emancipação dos sujeitos. Garantir o acesso de todos à escola não significa que todos estão incluídos no processo de educação escolar, pois a verdadeira inclusão ocorre quando os alunos são acolhidos em suas necessidades e anseios. A educação é uma prática de liberdade. Por meio dela os sujeitos se libertam e se emancipam, tornando-se capazes de interferir na própria realidade.

Nesse sentido, o currículo não pode ser pensado para as camadas sociais predominantes, mas para incluir a todos, não gerando desigualdade. Quando o aluno é acolhido pela escola, a aprendizagem faz sentido para ele e, dessa forma, ele se sente motivado a ampliar seu horizonte de conhecimentos. A escola, por meio de seu currículo, possui um verdadeiro sentido social. Ela valoriza as particularidades e atende às necessidades dos seus alunos.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 29 out. 2022.

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Publicado em 13 de agosto de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

BRUXEL, Carla Maria Leidemer; SANTOS, Ana Paula Rannov dos; BORGHETTI, Jéssica Puhl Dalberto. História da Educação brasileira: desigualdade social e qualidade de ensino. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 29, 13 de agosto de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/29/historia-da-educacao-brasileira-desigualdade-social-e-qualidade-de-ensino

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