Proposta de modelo de curadoria de recursos educacionais digitais para utilização na Educação Básica: uma perspectiva antirracista

Nadilene Nery de Melo

Professora de Língua Inglesa (FME Niterói e SME/RJ), mestranda em Novas Tecnologias Digitais na Educação (Unicarioca)

Bruno Virginio Neri

Professor de Matemática (SME/RJ), mestrando em Novas Tecnologias Digitais na Educação (Unicarioca)

Victor Gonçalves Glória Freitas

Professor na Unicarioca, doutor em Engenharia Nuclear (Coppe/UFRJ), mestre em Engenharia de Reatores (IEN/CNEM)

Novas metodologias e novas tecnologias da educação são criadas, recriadas e adaptadas dia após dia. Do quadro de giz à lousa digital, apreciam-se as modificações e as novas versões do ambiente escolar. Apesar dessas mudanças, o ambiente da escola pública ainda caminha a passos lentos rumo à revolução tecnológica digital da sala de aula. Lá, timidamente, percebe-se a introdução de aparatos e estratégias que perpassam o mundo das tecnologias digitais.

A base de estudo do presente artigo parte da iniciativa de professores e professoras de escolas públicas de utilizar em sua prática recursos que provêm das tecnologias digitais, que buscam imagens, vídeos e materiais diversos, como jogos digitais, folhas de atividades interativas, questões ou até mesmo material fotocopiável em ambientes virtuais para ajudá-los na prática pedagógica. A essa série de objetos digitais, criados ou não com a finalidade educacional, mas utilizados em sala de aula com esse objetivo, convenciona-se chamar de recursos educacionais digitais (RED), os quais são disponibilizados on-line de modo gratuito ou não e empregados no cotidiano escolar.

Tendo em vista tal contexto, propõe-se uma análise sobre utilização e adaptação dos RED sob uma perspectiva antirracista. A preocupação de desenvolver um estudo nesse sentido surge pela lacuna de uma regulamentação oficial quanto a esse tipo de recurso educacional, o que permite que eles sejam levados para o ambiente escolar sem estarem destituídos de elementos racistas.

Objetivos

O objetivo geral do artigo é definir critérios para melhor escolher, criar ou adaptar (modelo de curadoria) recursos educacionais digitais quando se tem por finalidade a implementação de uma educação antirracista no Ensino Básico.

Os objetivos específicos consistem em compreender educação antirracista; compreender o que são recursos educacionais digitais; conhecer modelos de curadoria de RED recomendados para o Ensino Básico brasileiro; orientar o que deve ser priorizado para selecionar RED que coadunem com a proposta de uma educação antirracista.

Os pressupostos de uma educação antirracista

No Brasil, a educação antirracista nasce como tentativa de conscientização de alunos e alunas não apenas das implicações danosas da escravização de negros e negras que tiveram sua cultura e história apagadas como também da necessidade de valorização das riquezas culturais e identitárias dos povos originários aqui residentes antes da chegada da Coroa Portuguesa. As práticas antirracistas no ambiente escolar consistem, pois, numa expressão maior de decolonialidade. Entende-se por colonialidade não a mera tomada de terras pelos colonizadores chegados de Portugal e de outras partes do mundo, mas a imposição moral, religiosa e em suma cultural de seus valores.

A colonialidade se mantém e se materializa no espaço escolar. Isso se verifica ao se priorizar “somente um determinado tipo de abordagem sobre as várias e desafiadoras questões sociais, políticas e culturais do país, da América Latina e do mundo” (Gomes, 2020, p. 232), privando os estudantes de diferentes visões e interpretações de um mesmo fato. Djamila Ribeiro (2019) descreve tal priorização epistêmica como um apagamento dos saberes constituídos pela população negra e de sua produção, um epistemicídio. Sobre esse tema, Sueli Carneiro (2005) descreve que aniquilamentos e subordinação traduzem a experiência dos racialmente inferiorizados no ambiente escolar, ocultando assim as contribuições de seus ancestrais para o patrimônio cultural da humanidade e fortalecendo o embranquecimento cultural.

Garantindo um lugar de aprendizado múltiplo, educadores e educadoras têm mais chances de tornar a sala de aula um ambiente que acolhe e aceita as diferenças. Para tal, eles e elas devem assumir que o racismo é um imperativo ainda existente no país e compreender sua desvantagem “para o desenvolvimento das relações sociais entre negros e brancos – com a penalização dos cidadãos negros” (Cavalleiro, 2021, p. 142).

Diversos trabalhos reafirmam a importância de professores e professoras nesse processo ao reconhecerem que a sociedade brasileira é racista, algo que exige uma mudança de mentalidade, uma vez que a sociedade é levada a crer no mito de democracia racial que induz à não existência de preconceito e entraves decorrentes da diversidade racial brasileira. Esse reconhecimento os levará a encarar o desafio de desenvolver métodos de ensino para o combate ao racismo.

Eliane Cavalleiro (2021) escreve sobre a necessidade de uma educação antirracista nas escolas brasileiras. Ela defende que é necessário criar no espaço educacional um ambiente que atenda a três demandas particulares dos alunos negros:

  1. reconhecer que o problema racial faz parte da sociedade,
  2. formular métodos de ensino que fortaleçam a igualdade racial e a visão positiva dos alunos negros por alunos não negros e, finalmente,
  3. prover possibilidades para elevar o autoconceito e autoestima de educandos negros, motivando-os, assim, a desenvolver projetos de vida.

Recursos educacionais digitais: classificações

Os RED são frutos das tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC); sem elas não seria possível a disseminação tão veloz de um conteúdo ou ferramenta que pode ser utilizado com propósito pedagógico em qualquer parte do globo. De acordo com o Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB, 2022, p. 40), os RED consistem em “conteúdos, ferramentas e/ou plataformas em formato digital para fins educacionais (pedagógicos e/ou administrativos), que facilitam, potencializam e apoiam as atividades de docentes, estudantes e gestores/as”.

Na tentativa de ajudar gestores escolares a identificar os tipos de RED existentes, o CIEB (s/d), na plataforma Edutec, os divide em 20 classificações, sendo 18 delas consideradas tipos de software e duas, tipos de hardware.

Para este trabalho, o termo RED será atribuído notadamente a estas três classificações: objeto digital de aprendizagem (ODA); jogo educativo e repositório digital.

Objeto digital de aprendizagem (ODA)

Por definição, os objetos digitais de aprendizagem (ODA) consistem em “recursos digitais que são usados, reutilizados e combinados com outros objetos para formar um ambiente de aprendizado rico e flexível” (Antonio Junior; Barros, 2005, p. 4). Esse objeto pode se materializar em ferramentas e plataformas diversas. São exemplos de ODA: questões, atividades, infográficos, imagens, vídeos, apresentações, áudios, aplicativos, animações, tutoriais e até mesmo simulações. Tal objeto pode ser desenvolvido especialmente para o contexto educacional ou para outros fins, mas adaptado para o contexto educacional.

Jogos educativos

O jogo educativo, por sua vez, é um “software lúdico desenvolvido ou utilizado com finalidade pedagógica intencional, que expanda conceitos e/ou reforce o desenvolvimento do aluno. Pode estar contido em diferentes ferramentas e plataformas” (CIEB, s/d, p. 4). Coutinho e Alves (2016, p.16) os conceituam como “um conjunto de experiências estética, narrativa, tecnológica, lúdica e cultural com a capacidade de despertar significados naqueles que jogam”. Ademais, em um jogo educativo, há necessariamente a figura do jogador, regras a serem seguidas, desafios a serem encarados e recompensas a serem conquistadas; além disso, pode ser jogado individualmente ou em grupos.

É importante mencionar, por fim, que, assim como os ODA, os jogos digitais podem atender necessidades diversas dos estudantes, uma vez que, enquanto alguns alunos aprendem em detalhes ao ouvir, outros aprendem ao ver ou ao serem estimulados por meio de movimentos corporais; “os jogos digitais podem ajudar os alunos que optam por qualquer um desses estilos de aprendizagem, porque os jogos trabalham com vários sistemas ao mesmo tempo” (Almeida, 2020, p. 18).

Repositórios educacionais digitais

O repositório digital é uma plataforma necessariamente acessada por meios virtuais; tem a função de sistematizar “conteúdos com diferentes propósitos, agregados por sistema de indexação e busca, de forma a permitir que sejam acessados, baixados e/ou utilizados em outras plataformas ou ferramentas” (CIEB, s/d, p. 20).

Os repositórios educacionais digitais abrigam uma série ordenada de RED. De fato, os ODA e os jogos educativos podem estar contidos em repositórios digitais e, quando reunidos em termos de ano de escolaridade, tipo, conteúdo, palavras-chave ou qualidade, podem facilitar muito o trabalho de planejamento de aulas do ou da profissional de Educação e tornar as atividades propostas em sala mais dinâmicas e atualizadas. Nesse sentido, Fabre, Tamusiunas e Tarouco (2003, p. 82) salientam que os RED "são mais eficientemente aproveitados quando organizados, catalogados e armazenados em um repositório".

A iniciativa pública e a privada vêm aos poucos aderindo à ideia de criação de repositórios que podem ser utilizados por qualquer pessoa. Alguns exemplos de repositórios educacionais digitais promovidos por órgãos oficiais são o Portal MultiRio, a Plataforma MEC de Recursos Educacionais Digitais (MEC/RED) e o Portal do Professor. Todos eles abrigam uma série de objetos educacionais que podem ser utilizados, reutilizados e adaptados por quem os acessa. Pode-se citar também os repositórios educacionais digitais não oriundos da iniciativa pública. As plataformas LiveWorksheets (em que é possível criar ou ter acesso a atividades educativas digitais e interativas) e Wordwall (em que é possível criar ou ter acesso a jogos digitais com propósitos educativos) se enquadram bem nessas características; em outras palavras, ambas são ferramentas de contribuição livre, em que o usuário pode utilizar as atividades disponíveis ou criá-las por intermédio dessas mesmas ferramentas e disponibilizá-las para o acesso de qualquer usuário.

É importante salientar ainda a existência de outros repositórios digitais que não foram criados com propósito educacional, mas que podem ser utilizados com essa finalidade, uma vez que disponibilizam objetos digitais passíveis de serem utilizados como material didático e com função pedagógica. As redes sociais Pinterest e YouTube são bons exemplos desse tipo de repositório. Na primeira, com uma busca simples por tópico, é possível encontrar uma série de atividades educativas, planos de aula e ideias para serem implantadas em sala; na segunda, é possível encontrar, com facilidade, vídeos nos mais diversos idiomas versando sobre uma infinidade de conteúdos que podem ser trabalhados no espaço escolar; assim, cabe ao professor ou professora o processo de curadoria do material que será usado e disponibilizado em suas aulas.

Metodologia de pesquisa

Esta pesquisa possui natureza aplicada. Ramos, Ramos e Busnello (2003) entendem esse tipo de pesquisa como aquela que traz novos conhecimentos para determinada prática. No caso deste trabalho, propõe-se a identificação de critérios de escolha para utilização e adaptação de RED em uma prática educacional antirracista no ensino público básico.

Esta pesquisa se caracteriza como qualitativa, uma vez que apresenta dados teóricos, que, por conseguinte, são mais subjetivos. Ramos, Ramos e Busnello (2003) classificam a abordagem qualitativa como aquela que não pode ser descrita por números e pode ter como resultado interpretações diversas, concebidas indutivamente pelo pesquisador ou pela pesquisadora.

Levantamento de dados

Os dados para o presente estudo foram obtidos em pesquisa bibliográfica e em pesquisa documental. Na pesquisa bibliográfica, utilizaram-se artigos científicos, livros, dissertações e matérias de cunho jornalístico publicadas em portais institucionais e em veículos de comunicação. Na pesquisa documental, foram utilizados documentos oficiais, estatísticos e arquivos institucionais.

Técnicas de análise

Em primeiro lugar, foi feita uma revisão da literatura oriunda de fontes primárias e secundárias que tangenciassem a importância de uma educação antirracista e a utilização de recursos educacionais digitais no contexto do Ensino Básico. A revisão de literatura proposta teve sobretudo caráter exploratório, à medida que leva o leitor ao entendimento do processo histórico e político que resultou na necessidade de implementação de uma educação antirracista e à compreensão teórica e prática do que são educação antirracista, recursos educacionais digitais e de que forma eles podem contribuir com esse tipo de educação.

Em seguida, foi feita a revisão de literatura para entendimento técnico dos RED, perpassando sua definição, suas especificidades e subdivisões e restringindo as nomenclaturas que este trabalho convenciona chamar de recurso educacional digital.

A análise documental consiste em “um procedimento que se utiliza de métodos e técnicas para a apreensão, compreensão e análise de documentos dos mais variados tipos” (Sá-Silva; Almeida; Guindani, 2009, p. 5). Dois tipos de documentos foram elencados para análise: oficial e institucional. A primeira fonte para análise foi oriunda do banco de dados do CIEB; selecionou-se a publicação institucional Modelos de curadoria de recursos educacionais digitais, a qual faz parte de uma série de estudos voltada para a inserção e compreensão do uso de tecnologias digitais na educação pública brasileira. Por meio da análise da publicação, foi possível constatar os principais pontos a serem considerados e valorizados para adotar RED apropriados ao contexto de instituições brasileiras públicas de ensino.

Lüdke e André (1986, p. 38) definem que a análise documental “pode se constituir numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos, seja completando as informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema”. Com a interpretação dos dados advindos da análise dos documentos propostos aqui, procurou-se elencar os fundamentos para a definição de critérios de curadoria de RED quando se tem o propósito de implementar uma educação antirracista no ambiente da escola pública brasileira.

Sobre o modelo de curadoria de RED recomendado pelo CIEB

A escolha do material didático adequado a quem dirige é essencial para que a aprendizagem aconteça de forma significativa em qualquer contexto educacional. Essa escolha se torna de extrema valia quando se trata de uma tentativa de implementação de uma educação antirracista, afinal o material acrescido ao livro didático e demais materiais já disponíveis no ambiente escolar têm a função de diversificar o conteúdo, as estratégias de ensino e trazer para a pauta questões que talvez não fossem abordadas com o uso do material tradicional existente no espaço escolar. Com a escolha apropriada de RED, o educador será capaz de oferecer ODA antirracistas ou até mesmo com elementos racistas de forma proposital para que despertem o aprofundamento de uma pedagogia crítica e ensejem, assim, um letramento racial crítico, o qual

possibilita que a professora e o professor reflitam sobre questões raciais dentro de seu próprio contexto de sala de aula e, a partir do momento que refletem a respeito, também permitem que seus alunos/os tenham consciência de sua própria identidade racial. Tal consciência permite que a aluna e o aluno se vejam representados em vários contextos (Ferreira; Gomes, 2019, p. 125).

No Brasil, em um contexto de educação antirracista como em outros contextos educacionais, cabe ao professor o papel de curador do material didático que chega até seu aluno via escola, uma vez que não existem políticas educacionais que regulem a escolha e a utilização de recursos educacionais que não sejam livros do PNLD ou apostilas criadas pelas próprias redes de ensino. Tendo em vista esse papel, é importante analisar os fatores a serem considerados no momento da escolha de RED para trabalho no ambiente escolar. Com tal intencionalidade, o CIEB (2017) publicou um documento apresentando modelos de curadoria de RED para utilização em escolas de Ensino Básico. A análise desse documento pretende elucidar os principais pontos a serem levados em conta pelo profissional para que o RED utilizado se adéque à proposta de uma educação antirracista. Tendo em vista esse objetivo, identificaram-se no estudo cinco fatores a serem considerados para um processo eficaz de curadoria: a qualidade do RED, seus ciclos de vida, a seleção de RED em escolas, o desenvolvimento de capacidades e seguir padrões em um modelo de curadoria.

Levando em conta o intuito deste trabalho e o papel do professor no contexto da sala de aula, notou-se relevância em discutir os seguintes pontos abordados no documento: a qualidade dos RED e um modelo de curadoria.

A qualidade dos RED

Determinar a qualidade de um RED pode ser tarefa complicada quando se parte de fatores subjetivos para classificá-los. Por essa razão, o estudo do CIEB (2017) aponta a utilidade do uso de uma ferramenta para medição quantitativa e qualitativa de um RED: o instrumento de revisão de ferramentas de aprendizagem (learning object review instrument – LORI) (Nesbit; Belfer; Leacock, 2002). Esses autores versam sobre cada uma das dimensões consideradas em seu instrumento de revisão e como elas devem ser entendidas ao se avaliar um RED:

  1. 1. Qualidade de conteúdo: leva em conta a acurácia, a apresentação das ideias de forma coerente, o nível de detalhamento apropriado e a possibilidade de reutilização em contextos diversos. Além disso, o conteúdo é avaliado na veracidade das informações apresentadas, nas omissões que podem gerar mal-entendidos e na representação cultural e étnica diversificada e balanceada.
  2. Alinhamento com o objetivo de aprendizagem: considera o alinhamento entre os objetivos de aprendizagem, atividades, avaliações, conteúdo e características dos aprendizes. Receberão as melhores pontuações nessa dimensão os RED que se alinhem com o objetivo de aprendizagem estabelecido para o educando.
  3. Feedback e adaptação: capacidade do RED de ofertar feedback por meio de mensagens ou outras atividades, de acordo com as características e necessidades do aprendiz, como erros e acertos ou até mesmo necessidades especiais. Nesse sentido, o perfil do aprendiz influencia o comportamento do objeto de aprendizagem.
  4. Motivação: avalia o quão motivante é o objeto de aprendizagem, verificando o quão sua forma e seu conteúdo são relevantes para os interesses do público-alvo (aprendizes). Nesse sentido, o objeto pode ser considerado motivante ao oferecer escolhas, verdadeiro ou falso, experiências de vida verossímeis, interatividade, humor, drama, competições e desafio.
  5. Design de apresentação: avalia a capacidade visual e auditiva dos RED em impulsionar a aprendizagem, favorecendo o processamento mental das informações. Alguns itens são considerados nessa dimensão: legibilidade do texto, legendagem das figuras e quadros, excesso ou escassez de informação, escrita clara e concisa, ausência ou presença de erros ortográficos, cores, música e apresentação estética do objeto de forma a favorecer os objetivos da aprendizagem.
  6. Usabilidade de interação: avalia a clareza das informações prestadas pelo RED, o quão fácil é para o usuário a navegação nesse recurso e o quanto ele apresenta leiaute e estruturas consistentes e previsíveis.
  7. Acessibilidade: considera o design dos controles e formatos de apresentação para inclusão de usuários com deficiência física, intelectual e mista, entre outras.
  8. Reusabilidade: refere-se ao potencial do RED para ser utilizado em contextos diversos.
  9. Conformidade com padrões: aderência dos metadados do RED aos padrões internacionais.

As dimensões de LORI são levadas em conta em maior ou menor grau dependendo do contexto específico ao qual o RED em questão se destina (CIEB, 2017). Nesse sentido, tendo em vista as questões étnico-raciais e o conteúdo antirracista a ser abordado, é imprescindível destacar algumas características necessárias aos RED de acordo com as dimensões de LORI:

  • Veracidade das informações apresentadas no recurso educacional;
  • Ausência de omissões;
  • Possibilidade de reutilização em contextos diversos;
  • Representação cultural e étnica diversificada;
  • Alinhamento com os objetivos da aprendizagem (levando em conta as relações étnico-raciais e a educação antirracista);
  • Apresentação de experiências de vida verossímeis (retratar de forma verossímil o cotidiano do alunado é algo de extrema relevância, tornando assim a aprendizagem significativa).

O modelo para curadoria de RED proposto pelo CIEB

O estudo promovido pelo CIEB (2017) apresenta também uma proposta de modelo para a curadoria de RED para escolas de Ensino Básico. Tal proposta abarca critérios para análise e quais pessoas estarão envolvidas no processo.

O Quadro 1 apresenta os aspectos a serem considerados para avaliar a relevância na utilização de um RED.

Quadro 1: Aspectos essenciais no processo de avaliação

Alinhamento com o currículo

Avaliar se o recurso educacional se coaduna com as propostas do currículo escolar da instituição.

Qualidade do conteúdo

Verificar a relevância do RED para promoção da aprendizagem e a acurácia do conteúdo que está sendo trabalhado.

Facilitação da experiência de aprendizagem

Avaliar se o RED apresenta instruções claras, se é fácil de ser utilizado e manuseado por professores e alunas ou alunos.

Reputação do autor ou instituição

A reputação do autor ou Instituição promotora do RED deve ser levada em conta, mas não considerada como único critério para seleção de determinado ODA.

Fonte: Adaptado de CIEB, 2017, p. 37.

Relevância para o currículo, consistência teórica e facilitação da aprendizagem são características notórias no processo de seleção de um RED em detrimento de outros; além disso, é essencial que ele se adéque ao plano político-pedagógico da instituição de ensino.

No caso da existência ou criação de uma plataforma oficial da instituição de ensino ou rede, o CIEB propõe um modelo de curadoria, como exposto na Figura 1.

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

Figura 1: Papéis envolvidos na classificação dos RED

Fonte: CIEB, 2017, p. 38.

O estudo sugere que em escolas públicas pode ser constituído um conselho curador formado por profissionais da escola, dentre eles professores e bibliotecários, por exemplo. Mas, para que isso aconteça, se torna fundamental a capacitação desses funcionários e a compensação financeira para o exercício desta tarefa. Aliás, o governo federal já tem atuado no sentido de oferecer meios para capacitação profissional para utilização de RED; alguns exemplos são a especialização em Mídias na Educação, da UAB, e o Portal Educapes de Recursos Educacionais Abertos; no entanto, há carência de medidas em nível de municípios e estados. Sendo assim, os RED podem ser recomendados para análise pelos diversos membros da comunidade escolar: pais, alunos e professores. Utilizando os critérios citados, o conselho recomenda ou não a adoção do RED. Sendo assim, cabe aos professores criar, endossar e recomendar recursos educacionais, e isso não seria diferente em sua própria sala de aula. Levando em conta os aspectos relacionados a qualidade, usabilidade, veracidade de informações e alinhamento com o currículo, o/a docente será capaz de selecionar RED adequados ao contexto de uma educação antirracista.

Proposta de um modelo de curadoria de RED para uma educação antirracista

Como relatado no início deste estudo, o objetivo maior da pesquisa desenvolvida é a determinação de parâmetros para que RED possam ser usados com segurança em todos os segmentos do Ensino Básico tendo em vista a implementação de uma educação antirracista. Sendo assim, o desenvolvimento da proposta de modelo de curadoria de RED para uma educação antirracista a seguir baseou-se na experiência de modelo proposto pelo CIEB (2017), que prima pela importância dos seguintes aspectos para aprovação de um RED: alinhamento com o currículo, qualidade do conteúdo, facilitação da experiência de aprendizagem e reputação do autor ou instituição.

O modelo sugerido aqui faz a releitura dos aspectos propostos pelo CIEB (2017) da seguinte maneira:

  1. Alinhamento com o currículo:
    • atividades que promovam e estimulem a equidade, a valorização de culturas diversas, não se baseando em uma perspectiva colonial, eurocentrada, mas em produções compostas de pontos de vista diversos e das mais diferentes culturas que formaram o país;
    • materiais promotores de autonomia e de empoderamento dos estudantes negros, indígenas e pertencentes a outros grupos minoritários;
    • recursos que visem ao letramento racial crítico dos estudantes e identificação do racismo estrutural presente na sociedade até os dias atuais;
    • objetos educacionais que atentem para a estrutura de racismo existente na sociedade, na literatura e nos fatos cotidianos.
  2. Qualidade do conteúdo:
    • materiais que não contenham imagens ou textos estereotipados sobre os negros ou outras minorias.
    • recursos que contenham imagens que expressem a diversidade de culturas e raças da qual o Brasil é composto;
    • objetos desprovidos de linguajar racista ou estereotipado, que não utilizem vocábulos, imagens, símbolos e demais termos que induzam a uma visão negativa do negro e da sua história;
    • conteúdos que tragam elementos da cultura africana e afro-brasileira;
    • recursos que deem voz e vez a textos produzidos fora do meio acadêmico, condizentes à realidade e ao universo dos estudantes.
  3. Facilitação da experiência de aprendizagem:
    • recursos educacionais que utilizem linguajar claro, que se acomode à realidade do público a que se destina;
    • material que possa ser utilizado ou adaptado para contextos diversos sem trazer consigo qualquer forma de preconceito por meio das imagens, das temáticas ou do vocabulário;
    • tarefas não desconexas à realidade dos educandos, que os façam sentir-se confortáveis e aptos a desenvolvê-las.
  4. Reputação do autor ou da Instituição:
    • valorização de outras vozes em materiais produzidos por autores negros ou que apresentem obras de autores negros indo contra o epistemicídio vigente;
    • recursos elaborados por instituições conhecidas pela luta contra o racismo e pelo estímulo a uma educação antirracista;
    • vídeos e outros materiais produzidos pelo Movimento Negro e seus integrantes.

Desse modo, tendo como base as premissas de curadoria destacadas pelo CIEB (2017) e descritas acima sob uma visão antirracista fundamentada nas análises feitas ao longo do trabalho, propôs-se, finalmente, o mapa mental descrito na Figura 2 como método de curadoria dos RED que visem à implementação de uma educação antirracista:

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

Figura 2: Modelo de curadoria de REDs para uma educação antirracista

Considerações finais

Vinte anos depois da primeira iniciativa governamental de impacto para combater o racismo nas escolas (Lei nº 10.639/03), muito ainda precisa ser feito e estudos precisam ser postos em prática para que a educação antirracista seja uma realidade. Desde pequenos e pequenas, negros, negras e crianças de outras raças não brancas conhecem a triste face estrutural do racismo.

O estudo apresentado aqui nada mais foi que um desejo materializado em identificar meios possíveis para facilitar o trabalho de professores e professoras que buscam cumprir o que é determinado pelas leis e tornar real a educação antirracista em suas salas de aula, tarefa árdua para profissionais que lidam com uma carga horária intensa de trabalho e pouco tempo para planejamento das atividades a serem utilizadas. Sendo assim, os RED, quando utilizados sob uma perspectiva antirracista, aparecem como possibilidade de ajudar educadores e educadoras nessa missão. Nesse sentido, a análise dos dados coletados por meio de revisão de literatura e análise documental foram essenciais para a construção de um modelo de curadoria de RED para ajudar professores e professoras do Ensino Básico a identificar se existe possibilidade de utilização ou adaptação de RED em sua prática profissional tendo como objetivo maior uma educação de fato antirracista.

Apesar de existirem muitos recursos à disposição, é necessário que o professor ou professora, curador ou curadora do material pedagógico que será utilizado nas aulas tenha um olhar atento a premissas antirracistas para que possa garantir a qualidade e usabilidade dos RED que leva para sua sala, seja adaptando o material para que atenda a esses parâmetros, descartando-os, ou, em última análise, trabalhando-os mesmo com traços inadequados para que seja feita uma leitura racial crítica com a ajuda de educandos e educandas.

Referências

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Publicado em 13 de agosto de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

MELO, Nadilene Nery de; NERI, Bruno Virginio; FREITAS, Victor Gonçalves Glória. Proposta de modelo de curadoria de recursos educacionais digitais para utilização na Educação Básica: uma perspectiva antirracista. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 29, 13 de agosto de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/29/proposta-de-modelo-de-curadoria-de-recursos-educacionais-digitais-para-utilizacao-na-educacao-basica-uma-perspectiva-antirracista

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