Ofensiva neoliberal e as implicações na área educacional

Renata Bento Leme

Doutoranda (PPGE/Unesp)

Marluce Silva Valente

Mestranda (PPGE/Unesp)

A oferta da educação pública sofre alterações conforme o sistema capitalista passa por suas crises cíclicas. A classe dominante, detentora dos meios de produção, encontrou no campo educacional um meio de difundir suas ideias e de perpetuar a estrutura da sociedade que é pautada no modo de produção capitalista. Os defensores do neoliberalismo acabam por desqualificar a escola pública, colocando a necessidade de renovação da escola para uma lógica mercantil e de privatização. Assim, a oferta de ensino acaba por beneficiar a classe dominante em três aspectos:

  1. ajuda a moldar a consciência dos sujeitos componentes da classe trabalhadora para colocar em prática os interesses da burguesia;
  2. o ensino compulsório profissionalizante, que qualifica precariamente para o mercado de trabalho a formação de mão de obra; e
  3. abre espaço para os empresários da Educação, e o setor privado é beneficiado tanto com a venda de material didático quanto com as verbas públicas.

Para compreender a lógica mercantil na área educacional, faz-se necessário analisar as implicações que as crises cíclicas do sistema capitalista acarretam para a educação. Sendo a escola uma reprodutora das relações de classe, o entendimento do sistema político e econômico ajuda a compreender os vínculos estabelecidos entre o Estado e os representantes da classe dominante. O notório é que o Estado tem perpassado seu papel.

De acordo com Octávio Ianni, o Estado não é um órgão apenas de mediação nas relações de classe. Ele é elemento de preservação do predomínio de uma sobre outra classe (Ianni, 1989, p. 240). Para ele, a função primordial do Estado é a garantia das condições de produção e expropriação. Porém, com os processos de estatização ocorridos no século XX, o Estado também se inseriu nas condições de produção (Ianni, 1989, p. 258), o que se convencionou chamar Estado-empresário (Novaes; Okumura, 2021, p. 162).

Como afirma Ball (2001), dentro do contexto da globalização, com as transformações econômicas fica a dúvida quanto à capacidade individual dos países na condução e gestão de suas próprias economias. A perda de autonomia dos países periféricos ocorre devido ao poder das corporações multinacionais, ao mercado financeiro global e ao avanço das indústrias dos países centrais. Como indaga Ball (2001, p.101): “Além disto, perdem também esses Estados nações individuais a sua autonomia política e econômica perante a crescente amplitude e influência das organizações supranacionais?”. Como notado historicamente, os países periféricos não possuem o controle; no caso do Brasil, nos poucos governos que adotaram mínimas políticas que beneficiavam a classe trabalhadora, houve intervenção dos países centrais – a exemplo de 1964, quando Joao Goulart foi tirado do poder, e 2016, quando Dilma Rousseff sofreu o golpe institucional.

O neoliberalismo foi formulado com base na necessidade do capitalismo de se refazer em suas constantes crises. De acordo com Novaes e Okumura (2021), com a mundialização do capital, configurada pelo desemprego estrutural, pela destruição da biodiversidade, pelo desmatamento, pelo aumento da pobreza etc., o sistema econômico passou a ter a ditadura do capital financeiro. A mundialização, inerente ao modo de produção capitalista, buscou alastrar o comércio internacional e intensificou o mercado global, aprofundou a competitividade no mercado internacional e trouxe como objetivo crucial a necessidade de mudanças que sustentaram as reformas políticas adotadas na década de 1990. A competitividade no mercado internacional, com a intensificação da mundialização, foi uma fonte encontrada para o avanço do modo de produção capitalista. Entretanto, uma nova configuração do Estado era necessária para que passasse a funcionar como um mercado, diminuindo gastos e passando para outros setores os serviços gestão dos serviços públicos. O Estado mínimo era necessário para que fosse superada a crise do capital; assim, prevaleceu a ideia de que o mercado deveria suprir as falhas do Estado para que ele fosse eficiente e produtivo.

A educação escolar é um meio de manutenção do sistema capitalista que ocorre desde moldar os sujeitos, com instruções comportamentais, até as instruções mínimas requeridas no mundo do trabalho. Além disso, a inconstância com as reformulações para a saída das crises cíclicas acaba por modificar o currículo nas escolas públicas. Os avanços do pensamento neoliberal sustentam a nova gestão pública por meio das parcerias público-privadas; mais precisamente, a publicização tem sido o meio de empresários tomarem posse da gestão escolar.

Este texto tem por objetivo discutir as reformulações que a mundialização do capital trouxe para a área educacional; com ela, os empresários da Educação adentraram os espaços escolares. Para isso, o texto segue dividido em duas partes: a primeira analisa o avanço do neoliberalismo e a reforma do Estado no Brasil em 1995; na segunda, discute-se a relação dos empresários no gerencialismo da Educação.

O Estado e o desenvolvimento capitalista

O capitalismo, pautado no modo de produção que visa à acumulação de capital por pequena parcela da população (classe dominante), passa por constantes crises desde sua origem, as chamadas “crises cíclicas” provocadas por excesso de produção. Para entender como o próprio sistema cria mecanismos para dar continuidade à acumulação de capital via modo de produção capitalista, é preciso recorrer às correntes do liberalismo clássico e neoliberalismo. De acordo com Moraes (2001), o teórico do liberalismo clássico, Adam Smith, acreditava que a livre iniciativa era o caminho para o desenvolvimento econômico e que o Estado não deveria intervir nas relações econômicas. Segundo Moraes (2001, p. 5),

prega a necessidade de desregulamentar e privatizar as atividades econômicas, reduzindo o Estado a funções definidas, que delimitassem apenas parâmetros bastante gerais para as atividades livres dos agentes econômicos. São três as funções do governo na argumentação de Smith: a manutenção da segurança interna e externa, a garantia da propriedade e dos contratos e a responsabilidade por serviços essenciais de utilidade pública.

Dois fenômenos distintos surgiram em períodos de profundas crises econômicas em algumas regiões do mundo. Na primeira grande crise, alguns países adotaram o Estado de Bem-Estar Social para prover bens sociais para a população, pautado no keynesianismo, em que se veiculava a ideia de pleno emprego. Já o neoliberalismo surgiu após a Segunda Guerra Mundial em alguns países da Europa e na América do Norte. Seu teórico percussor foi Friedrich Hayek, com o livro O caminho da servidão, escrito em 1944, o qual buscou no liberalismo clássico o embasamento para a concepção do neoliberalismo. Configurou-se como uma reação contra o intervencionismo do Estado de Bem-Estar Social, que, para Hayek, ameaçava a liberdade econômica e política, assim como o igualitarismo promovido pelo Estado que destruía a liberdade dos cidadãos.

Uma sociedade livre, sem planejamento e sem coerção estatal, utiliza mais conhecimento e, portanto, é mais flexível, eficiente, livre, plural e criativa. Essas ideias são elaboradas por Hayek já nos anos 30, como base de sua defesa do liberalismo e como instrumento de ataque à planificação e ao intervencionismo estatal (Moraes, 2001, p. 24).

Como corrobora Anderson (1995), para o teórico Hayek as raízes das crises estavam localizadas no poder excessivo dos sindicatos e no movimento dos operários que haviam corroído as bases de acumulação capitalista com as reivindicações por melhorias de salários, condições melhores de trabalho; isso, para os defensores do neoliberalismo, era uma pressão parasitária que fazia com que o Estado aumentasse os gastos com serviços sociais. Hayek e outros teóricos ligados à escola de Chicago, Virgínia e a escola austríaca, foram os difusores do pensamento de combate ao keynesianismo e solidarismo adotado por algumas nações para reerguerem-se nos tempos de crise (Anderson, 1995, p. 10). Em suma, os governos que adotaram o sistema econômico neoliberal usaram estratégias como: contrair a emissão monetária; baixar os impostos de rendimentos mais altos; criar níveis de desemprego massivos; cortar gastos sociais; e lançar um amplo programa de privatizações.

Após a crise de acumulação de capital ocorrida na década de 1970, a burguesia adotou as políticas neoliberais como meio de superação dos problemas econômicos e de produção. A implantação do neoliberalismo trouxe fatores que impactaram as condições de vida da classe trabalhadora. Nos países periféricos, ocorreu com maior intensidade e ritmo o aumento das jornadas de trabalho, em contrapartida ao número elevado de desempregados, baixa remuneração e diminuição dos direitos trabalhistas.

Em 1974, registrou-se pela primeira vez a estagflação – um misto de inflação alta e estagnação que afetava o conjunto dos países capitalistas desenvolvidos. Crescia o mercado financeiro paralelo que desafiava as regulamentações nacionais: comércio de ações, de títulos públicos, de divisas, as formas de riqueza intangível e líquida do capitalismo de papel. Mas ainda seriam necessários alguns anos de crise e de insistente pregação para que o novo ideário impusesse sua hegemonia (Moraes, 2001, p. 16).

Como corroboram Novaes e Okumura (2021), no Brasil o governo ditatorial entre 1964 e 1985 deu início à barbárie inerente ao sistema capitalista. Ao mesmo tempo que ocorria a ascensão de governos neoliberais pelo mundo, como Margareth Thatcher 1979 na Inglaterra e Ronald Reagan em 1980 nos Estados Unidos, os países periféricos passavam por governos autoritários que desmontaram a democracia parlamentar, perseguiram opositores da esquerda, torturaram trabalhadores que não aceitavam as políticas austeras adotadas pelos militares apoiados pelos EUA.

A rigor, porém, as primeiras grandes experiências de "ajuste" neoliberal foram ensaiadas na América Latina: em 1973, no Chile, com Pinochet, e em 1976, na Argentina, com o general Videla e o ministério de Martinez de Hoz. Nos anos 80, os programas neoliberais de ajuste econômico foram impostos a países latino-americanos como condição para a renegociação de suas dívidas galopantes. Daí se passou à vigilância e ao efetivo gerenciamento das economias locais pelo Banco Mundial e pelo FMI: 1985, Bolívia; 1988, México, com Salinas de Gortari; 1989, novamente a Argentina, dessa vez com Menen; 1989, Venezuela, com Carlos Andrés Perez; 1990, Fujimori, no Peru. E, desde 1989, o Brasil, de Collor a Cardoso (Moraes, 2001, p. 16).

No Brasil, o Estado neoliberal se fixou num momento em que o país passava por um processo de conquistas de direitos dos trabalhadores. Desde então, as políticas públicas vêm passando por mudanças no que se refere à implementação e à gestão. A grande ofensiva neoliberal ocorreu no início da década de 1990; no primeiro momento, considerando o Estado ineficaz e parasitário, os representantes da burguesia alegavam que era preciso reduzir a intervenção do Estado ao mínimo possível para que ocorresse o funcionamento do mercado. As agências multilaterais, como Banco Mundial (BM), Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) etc., pressionaram para que ocorresse a reforma do Estado na segunda metade da década de 1990. Surgiu a ideia de que o Estado poderia ser reformado e que a sociedade civil seria a parceira para atuar nas áreas sociais, ou seja, um “terceiro setor” seria o responsável por suprir as necessidades básicas da população menos favorecida, pois o Estado não deveria prover os bens sociais.

Um outro dado que merece ser levado em consideração é que o terceiro setor ressurge num contexto de crise econômica em que muitas das entidades são organizadas para responder ao desamparo dos trabalhadores e das suas famílias frente ao desemprego e ao processo de reestruturação produtiva. Isso, no entanto, não significa que haja competição entre o Estado e o terceiro setor.  Há, pelo contrário, uma interdependência que pouco tem mudado nestes últimos anos, embora permaneça uma certa ambiguidade nessa relação, em que limites entre o Estado e o terceiro setor ainda não estão claros, o que tem refletido, dentre outras, a tensão do Estado nas suas opções de intervenção no campo econômico e social (Santos, 1998).  Portanto, é importante o alerta de Petras (1996) para o papel ideológico que cumpre a valorização do terceiro setor na legitimação das políticas neoliberais nos países periféricos (Silva, 2001, p. 3).

De acordo com Silva (2001), no Brasil, o marco institucional da reforma do Estado ocorreu com a “criação Ministério da Administração e Reforma do Estado e a elaboração do Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado”. O governo de Fernando Henrique Cardoso assumiu o discurso de que o pressuposto do modelo de Estado interventor na economia e nos gastos públicos tinha gerado uma crise e por isso havia necessidade de reformar o Estado. O ministro Bresser Pereira apresentou uma proposta de Estado social-liberal; nessa proposta, o Estado não seria nem social-burocrático referente a contratações, nem neoliberal que se desresponsabiliza de prover os bens sociais.

Entretanto, havia quatro problemas a serem enfrentados pelo governo para que se viabilizasse a reconstrução do Estado: “o tamanho do Estado, a necessidade de redefinição do papel regulador do Estado; a recuperação da governança e governabilidade” (Silva, 2001, p. 5). Para resolver tais problemas, o governo realizou as parcerias público-privadas, com programas sociais que descentralizavam a administração para esferas subnacionais em parceria com o terceiro setor. Com essas medidas, a reforma do Estado foi formulada em três eixos: privatização, publicização e terceirização: “O terceiro eixo básico é a terceirização através da qual o Governo transfere para o setor privado, mediante contratos, serviços auxiliares ou de apoio como a limpeza, o processamento de dados e o transporte” (Silva, 2001, p. 6).

Com a mundialização, fenômeno que marcou a década de 1990, no Brasil ocorreram mudanças no papel do Estado no que diz respeito à capacidade de prover serviços sociais que amenizassem os efeitos da acumulação de capital. Uma das formas encontradas para reformular a acumulação de capital foi pautada na chamada “terceira via”, inspirada na sociologia de Anthony Giddens. Sua proposta apontava para novas atribuições da sociedade civil e do Estado no que se refere a políticas sociais e educacionais. A terceira via foi uma forma encontrada para flexibilizar alguns dogmas do neoliberalismo; paradoxalmente, foi disseminada por partidos políticos tidos como “progressistas” e “de esquerda”.

Como afirmam Groppo e Martins (2008), a sistematização da doutrina política de Giddens tinha como proposta contrabalançar (e não combater) o poder do mercado; a atuação do Estado com parceria da sociedade civil poderia ser composta por sujeitos individuais ou associações voluntárias, como as organizações não governamentais (ONG), que atuariam na execução de políticas de assistência social e de educação. Como meio de colocar em prática a lógica neoliberal de que o Estado não deve prover serviços sociais públicos, encontram-se meios de descentralizar a responsabilização; a sociedade civil, por meio de organizações sociais, passa a suprir as necessidades da população. Advoga-se que o sujeito deve ser apto e capaz de assumir a responsabilidade por seu meio de sobrevivência, mas isso é apenas uma forma de adequar a população a novos meios no modo de produção capitalista para acumulação de capital.

Ele foi quem mais a assumiu e organizou como ideologia política, ao mesmo tempo que explanou, em linguagem coloquial, o neoliberalismo da terceira via. Essa discussão ocupa a maior parte do texto, passando por um olhar sobre a teoria sociológica de Giddens e, em especial, suas propostas de contrabalançar – mas nunca combater – o poder do mercado pela atuação “positiva” do Estado e da “sociedade civil”. Esta [é] composta por atores individuais e associações voluntárias do tipo organizações não governamentais (ONG), cujas atribuições incluiriam a parceria com o Estado na execução de políticas sociais, em especial na área da assistência social e da educação (Groppo; Martins, 2008, p. 216).

A partir da reforma do Estado, as parcerias público-privadas intensificaram a oferta dos serviços públicos. O papel do Estado como provedor de serviços foi redefinido, pautado na lógica de que a intervenção do Estado ameaçava a liberdade econômica e política. Assim, a partir do Plano Diretor (1995), idealizado pelo então ministro Bresser Pereira, as políticas sociais foram repassadas para as organizações sociais. A propriedade estatal foi deslocada para o chamado público não estatal. Há uma nova configuração: a propriedade continua sendo pública, mas com parceria privada para gestão. A relação entre público e privado muda, e assim é redefinido também o papel do Estado. As consultorias de empresas privadas têm sido usadas para demonstrar a ineficácia do Estado.

Montaño (2002) observa que o objetivo de retirar do Estado (e do capital) a responsabilidade de intervenção na questão social e de transferi-los para a esfera do terceiro setor não ocorre por motivos de eficiência (como se as ONGs fossem naturalmente mais eficientes que o Estado) nem apenas por razões financeiras: reduzir os custos necessários para sustentar essa função estatal. O motivo é fundamentalmente político-ideológico: retirar e esvaziar a dimensão do direito universal do cidadão quanto a políticas sociais (estatais) de qualidade; criar uma cultura de autoculpa pelas mazelas que afetam a população e de autoajuda e ajuda mútua para seu enfrentamento, desonerar o capital de tais responsabilidades, criando, por um lado, uma imagem de transferência de responsabilidades e, por outro, a partir da precarização e focalização (não universalização) da ação social (Novaes; Okumura, 2021, p. 177).

Para que ocorra a desmoralização da eficiência dos serviços públicos, há inúmeros documentos de consultorias de empresas privadas que, aliadas a governos, são contratadas para dar prestígio ao setor privado ao mesmo tempo que trazem em seus diagnósticos a ineficácia dos setores públicos.

O Estado e o gerencialismo da educação

Os chamados reformadores empresariais da Educação apresentam-se como a forma adequada de consertar o sistema educacional via iniciativa privada. Como afirma Freitas (2012), nos EUA, o movimento surgiu em 1980 com a publicação do relatório Nation at Risk pela National Commission on Excellence in Education, em 1983. No relatório estava descrita a situação de caos em que as escolas estadunidenses se encontravam, o que os empresários, definiam como grande comprometimento na competitividade dos rankings internacionais. A vinculação de empresários às políticas educacionais transformou o novo sistema educacional norte-americano, pautado em testes padronizados, em um negócio lucrativo.  Para isso, foi criada uma crise dentro de um contexto específico que colocou os educadores como os causadores do caos educacional. As técnicas usadas para avaliar a situação das escolas eram questionáveis, os métodos e a análise de dados eram enganosos, o que ocasionou distorção dos resultados de relatórios e consequentemente esquemas equivocados para reformar a educação; tais esquemas só trariam prejuízos ao sistema educacional. De acordo com Ball (2013, p. 178),

há agora várias manifestações de heterarquias políticas na Educação, em muitos contextos diferentes (diferentes partes do setor público, setores de Educação, regiões e localidades, Estados-nações – alguns são transnacionais), trabalhando e mudando o processo das políticas e as relações delas, cada um dos quais combina elementos de desestatização, e que envolvem uma gama limitada de novos jogadores, partes interessadas e interesses na educação estatal, planejamento e tomada de decisão na educação e conversações sobre política educacional.

Em 2006, o governo do então presidente Luis Inácio Lula da Silva trouxe os empresários para participar ativamente da elaboração de políticas educacionais. Parecido com o movimento dos EUA, surgiu aqui no país o Movimento Todos pela Educação, formado por grandes instituições privadas e tendo como presidente Jorge Gerdau, do Grupo Gerdau. Tal movimento disputa a hegemonia do pensamento educacional; é uma tentativa de levar uma lógica mercantil de educação para as escolas públicas. O discurso dos empresários da Educação está em confluência de uma série de ciências, entre elas a Psicologia Behaviorista, as Ciências da Informação e a Neurociência. A partir desses campos, constrói uma cultura de auditoria que se refere a uma emergência de sistemas de regulação nos quais a qualidade está subordinada à lógica administrativa, tendo como foco o controle do controle.

Fundações, institutos e ONGs ganham enorme poder — como aparelhos privados de hegemonia — na formulação, implementação e avaliação de políticas públicas educacionais. Todos pela Educação, Instituto Ayrton Senna, Fundação Lehman, entre tantas outras, passam a controlar espaços estratégicos do Estado (Novaes; Okumura, 2021, p. 72).

De acordo com Ball (2013), surgiram novas narrativas sobre o que é a boa educação articulada e validada, foi estabelecida então a narrativa de solução empresarial e empreendedora como meio de salvação para o setor educacional. A imagem de eficiência do setor privado passou a ser incorporada à implementação da gestão privada em setores públicos. A gestão gerencial/empresarial escolhida pelos reformadores traz a noção de que a gestão empresarial é a ideal para que a escola pública tenha bom desempenho. Na realidade, essa foi uma forma de os empresários da Educação adentrarem os espaços educativos e trazerem elementos da terceira via e do terceiro setor mediante articulações das políticas educacionais. Como afirma Ball (2013, p. 181),

o setor público geralmente é influenciado e transformado por esses novos atores políticos, de fora para dentro e de dentro para fora. Uniões e alianças em torno de preocupações com as políticas se cruzam entre o setor público e privado. Novos valores e modos de ação são, portanto, criados e legitimados, e novas formas de autoridade moral são estabelecidas, e novamente outros são reduzidos ou ridicularizados.

Nessa perspectiva, o Estado assumiu caráter gerencialista que prioriza a eficiência, reduz gastos com o setor público, controla e introduz métodos avaliativos de desempenho individual. O gerenciamento está embasado no controle de qualidade que visa estabelecer padrões; o gerenciamento se divide em dois tipos: controle cotidiano por meio de processos repetitivos, que requer planejamento e execução; o outro visa a construção da organização, busca a melhoria dos processos e do enfrentamento à competição.

No contexto do gerencialismo, a lógica do mercado se inseriu, cada vez mais, nos espaços públicos, num processo em que o setor público tem incorporado na sua dinâmica de funcionamento aspectos da cultura empresarial competitiva. Têm-se, dessa forma, as bases do gerencialismo que irá orientar a reorganização do trabalho, tanto no setor produtivo, no mundo da produção e circulação de mercadorias, quanto na organização e funcionamento do Estado no contexto da globalização e do avanço do ideário neoliberal (Silva; Carvalho, 2014, p. 217).

O campo educacional sofreu com essas novas formas de gestão. Os ministros da América Latina reconheceram, na Declaração de Quito (1991), que a Educação teria alcançado importante avanço na expansão educacional, porém as formas tradicionais dos sistemas educacionais estavam esgotando as possibilidades de alinhar quantidade com qualidade. Houve necessidade de refazer a gestão para que se permitisse articular a educação com as demandas econômicas, sociais e políticas.

Aqui, é importante frisar que a política educacional e a política de qualificação acompanham a desestruturação do mercado de trabalho. Elas são muito fortemente determinadas pelas mudanças do mundo do trabalho, num país onde o capitalismo é dependente e associado (Novaes; Okumura, 2021, p. 74).

A escola pública estatal sofreu alterações no currículo, nas formas de avaliação e de organização do trabalho educativo: “o Estado avaliador e, consequentemente, o Estado regulador, está presente de várias formas na realidade educacional, mas, principalmente, nas avaliações externas” (Silva; Carvalho, 2014, p. 220). As avaliações tornaram-se meio de regulação da educação. Os instrumentos avaliativos seguem a lógica do “quase mercado” e colocam critérios de eficiência, produtividade e competitividade nos espaços educativos. Os resultados são privilegiados, e a classificação da escola nos testes padronizados aparece como uma amostragem falaciosa de meritocracia. A qualidade está ligada e subordinada à competitividade, que considera apenas os aspectos quantitativos descarta, através de testes padronizados, as verdadeiras causas dos problemas enfrentados pelas escolas públicas, pois o objetivo é apresentar em números a ineficiência do serviço público.

A formulação, implementação e avaliação das políticas educacionais passa progressivamente para as mãos do chamado terceiro setor. Como ele não consegue se apropriar de todo o sistema educacional estatal, passa a direcionar o sentido das escolas estatais e em alguns ganhos controlar esses sistemas educacionais (Novaes; Okumura, 2021, p. 180).

Entretanto, os professores perderam o controle do que ensinam em sala de aula, a Educação passou a ser mais pautada na competência humana. Diferencia-se o comportamento dos resultados do próprio comportamento, sendo necessário um reforço (premiar) para que se obtenham “resultados com valor”. O comportamento acaba sendo um fim para obter “sucesso” nas salas de aula, não é o meio para se alcançar o ensino-aprendizagem, ele é a própria aprendizagem. Busca-se o bom comportamento dos alunos, ao invés de lhes oferecer conteúdo. Os sujeitos são moldados e instruídos a adentrar um mercado de trabalho precário que, para se tornar atrativo, busca a modificação das nomenclaturas.

Como parte do processo de mundialização do capital, um novo dicionário do capital foi criado. Termos como empregabilidade, flexibilidade, competências, sociedade do conhecimento, indústria 4.0, empreendedorismo, sustentabilidade, responsabilidade social, aprender a aprender passam a dar a tônica do debate na educação em geral, em especial na Educação Profissional (Novaes, Okumura, 2021, p. 180).

Somado aos resultados dos testes padronizados, a escola tornou-se uma mera formadora de mão de obra para inserir sujeitos com pouca instrução, somente a necessária, como saber ler e escrever, no modo de produção capitalista. De acordo com Saviani (2011), no neotecnicismo o processo educativo é reorganizado a fim de torná-lo objetivo e operacional; inspirado no princípio da racionalidade, eficiência e produtividade, o processo define a função do professor e do aluno, partindo do pressuposto da neutralidade científica.

Considerações finais

Na década de 1980, o Brasil passou por intensas lutas pela redemocratização e pela participação dos trabalhadores na gestão pública. Vale ressaltar que, nesse mesmo período, o neoliberalismo se instalava fortemente no país, o que fez com que seus defensores cooptassem a luta pela gestão democrática e usassem tal bandeira na reforma do Estado para a descentralização das responsabilidades das unidades subnacionais. O neoliberalismo prega que a crise do capital é devida aos gastos e, consequentemente, ao endividamento do Estado com serviços públicos; a superação desse problema seria um Estado mínimo para execução e coordenação da sociedade, que passaria a ser gerida pelo mercado com parâmetros de eficiência e qualidade dos setores privados.

No campo educacional, a meritocracia foi posta para que o alunado passasse a ser responsável por sua aprendizagem: se não apreende conteúdos e não consegue avançar nos níveis de estudos, é culpabilizado sem que sejam analisadas suas condições (ou falta delas) que impedem tal avanço. Além disso, o movimento neoliberal acaba por desqualificar a escola pública, colocando a necessidade de sua renovação para uma lógica mercantil e de privatização. Para os defensores do neoliberalismo, o Estado não pode ser responsável pela Educação, já que ela não traz lucros para o sistema capitalista; assim, é preciso dar à oferta de educação um meio utilitarista, seja por meio de formação de mão de obra para o mercado de trabalho, seja privatizando as escolas públicas. “Nesse modelo, a educação é considerada como um bem de capital” (Laval, 2004, p. 89).

A escola perdeu sua função de formação emancipadora, e o professor tornou-se apenas um “treinador” de provas, pois a “qualidade” que os empresários buscam no ensino é medida por testes padronizados. A premiação para os “resultados com valor” leva à competição entre professores e escolas; não há ajuda mútua nos espaços educativos, pois a forma de premiar acaba por desarticular a classe de professores. A isso também é agregada a responsabilização dos sujeitos pelo fracasso escolar, assim como o sucesso escolar exposto como meritocracia, recai nos professores, alunos e escola. A responsabilização e a meritocracia têm papel fundamental para que os empresários da Educação possam se beneficiar da privatização ou da mercantilização da oferta de educação.

Uma vez em que se destrói a imagem da escola pública e coloca sobre ela um manto de ineficiência, a salvação surge da gestão privada, pois há uma visão equivocada de que as empresas privadas têm maior “sucesso” na gestão em comparação ao serviço público. Assim, o conceito público estatal e público não estatal abriram para a concessão da gestão dos serviços públicos por meio de empresas privadas e organizações sociais. As escolas continuam sendo gratuitas, porém o Estado passa a gestão para o setor privado. Outra forma de benefício dos empresários é através dos vouchers, mais conhecidas no Brasil com a terminologia “bolsas de estudos”; nessa modalidade o Estado paga determinado valor (referente ao curso escolhido pelo aluno) para escolas/universidades privadas. Ao invés de investir no aumento de vagas em universidades públicas, o Estado transfere verba pública para o setor privado de educação.

Outra questão é que, no sistema capitalista, a desigualdade é encarada como algo positivo, uma vez que prega que cada sujeito social é responsável pelo seu bem-estar e por sua condição financeira. Assim, o sujeito que não alcança determinada posição na sociedade é culpabilizado por sua condição, pois difunde-se que no capitalismo as pessoas são livres para trabalhar e adquirir os bens de consumo que lhes convêm. E quanto mais esforço um sujeito estiver apto a fazer, mais mérito terá. A essa lógica fica implícita a questão da acumulação de capital por parte de uma minoria que, consequentemente, deixa a maioria dos cidadãos sem acesso aos bens elementares à condição de vida humana.

Referências

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MORAES, R. C. Neoliberalismo: de onde vem, para onde vai. São Paulo: Editora Senac, 2001.

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Publicado em 30 de janeiro de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

LEME, Renata Bento; VALENTE, Marluce Silva. Ofensiva neoliberal e as implicações na área educacional. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 3, 30 de janeiro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/3/ofensiva-neoliberal-e-as-implicacoes-na-area-educacional

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