Horta escolar: um ambiente de exploração, experimentos, convívio e cuidados

Diego Seda D’Elia

Doutor em Biotecnologia Marinha (UFF), professor de Ciências na Escola Estadual Municipalizada Fazenda Reunidas Atlântica (PMRO)

Edson Cabral Teixeira Junior

Especialista em Planejamento e Gestão Ambiental (UVA – Campus Cabo Frio), biólogo, professor de Biologia e Ciências

A Educação Ambiental teve seu início no Brasil em 1973, com o Decreto n° 73.030, que estabelece a criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA). Uma das contribuições dessa secretaria era o esclarecimento e a educação do povo brasileiro para o uso adequado dos recursos naturais, tendo em vista a conservação do meio ambiente. Com a Constituição Federal de 1988, a Educação Ambiental foi destacada como prática a ser estimulada em todos os níveis de ensino, juntamente com a conscientização pública para a preservação do meio ambiente. Contudo, somente em 1999 a Educação Ambiental foi definida pela Lei nº 9.795 como os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade (Pimenta; Rodrigues, 2011).

De acordo com o Art. 2º dessa lei, a Educação Ambiental é um componente essencial e permanente da educação, devendo estar inserida em todas as modalidades de educação de maneira formal e não formal (Brasil, 1999). Assim, a construção de uma horta em um ambiente escolar vem ao encontro da lei, porque permite o diálogo entre os conceitos científicos, as habilidades e as atividades cotidianas, unindo teoria e prática de forma contextualizada e colaborando no processo de ensino-aprendizagem para estimular o trabalho coletivo e a cooperação entre alunos e funcionários (Morgado; Santos, 2008). Segundo Fridrich (2015), a incorporação de hortas em instituições escolares possibilita aos estudantes maior interação com o mundo natural, em que a participação requer uma experimentação, uma análise e uma reflexão sobre os dados observados da natureza.

A horta escolar possibilita a prática de diversas atividades pedagógicas em laboratório vivo, onde diversas disciplinas podem conversar entre si, como orientado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) no tema transversal Meio Ambiente, categorizado em três blocos: (1) A natureza “cíclica” da natureza; (2) Sociedade e meio ambiente; e (3) Manejo e conservação ambiental (Brasil, 1998).

A horta escolar, além de abordar os temas trazidos pelos PCN com o Meio Ambiente, por meio da Educação Alimentar permite melhorar a qualidade da alimentação dos estudantes. Ao participarem ativamente do cultivo, manutenção e colheita dos vegetais e hortaliças, os alunos são estimulados a experimentar outros tipos de alimentos, trazendo para sua dieta alimentos mais saudáveis (Morgado; Santos, 2008; Siqueira et al., 2016).

Metodologia

O projeto foi desenvolvido por alunos dos anos finais do Ensino Fundamental: cinco turmas do 6º ano, três turmas do 7º ano e uma turma do 8º ano, sob a orientação de dois professores de Ciências (contratados) da Escola Municipal Inayá Moraes D’Couto, em Rio das Ostras/RJ. As atividades foram realizadas em dois momentos distintos, com alunos selecionados pelos professores-orientadores ou com a participação de toda a turma. O trabalho também contou com a participação de duas monitoras escolares, responsáveis pela manutenção dos canteiros nos dias em que os professores-orientadores não estão na unidade escolar e auxiliando no controle dos alunos no pátio da escola.

A priori, os alunos foram selecionados utilizando os seguintes critérios: interesse em participar do projeto, comportamento e bom desenvolvimento em sala de aula. Em determinados momentos e atividades, foi dada a oportunidade para todos os alunos participarem do projeto, que teve como ponto inicial um evento de abertura (sábado letivo) com a colaboração da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semap). Em continuação, o trabalho foi subdividido em duas fases: primeira fase, estrutura e manutenção das hortas horizontal e vertical, construção da estufa, composteira e minhocário; e segunda fase, cultivo e produção de mudas.

Os canteiros foram organizados nos jardins da unidade escolar, que estavam sem paisagismo. Foram utilizadas garrafas PET recicladas cheias com água tingida com corante líquido para tintas e massas para delimitar as áreas de plantio no solo. Funcionários e alunos da escola conseguiram paletes que seriam descartados. Eles foram desmontados, tratados com pintura e reutilizados na montagem de jardins verticais com garrafas PET cortadas e pintadas, para ficarem com formato de vasos de planta e presas nos paletes na posição horizontal.

A estrutura de sustentação da estufa foi feita com toras de eucalipto e ripas de madeira cobertas com telas para sombreamento (sombrite). A composteira e o minhocário foram montados utilizando manilhas de concreto com 60cmx50cm. Tanto a estufa como a composteira e o minhocário foram construídos por um marceneiro com o auxílio dos professores-orientadores e sugestões dos alunos. A manutenção constou da irrigação dos vegetais, extração de ervas daninhas e varrição dos canteiros e proximidades.

Na segunda fase, as hortaliças, os temperos e os vegetais cultivados foram ampliados e realizados no plantio de sementes e mudas com o transplante das mudas para os canteiros. As mudas serão produzidas e mantidas na estufa construída na unidade escolar.

Esse trabalho foi desenvolvido com recursos do Governo Federal captados por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), Escola Sustentável. O projeto foi inscrito pela direção da unidade escolar e uma professora de Ciências efetiva do município lotada naquela unidade, mas que se encontrava de licença maternidade. Os recursos foram utilizados na compra de materiais e contratação de profissionais para trabalhos específicos. Ademais, materiais reciclados, como garrafas PET, paletes e pneus foram arrecadados por alunos e funcionários da escola.

Resultados

A primeira fase do projeto foi desenvolvida entre os meses de agosto a dezembro de 2017. As atividades foram realizadas durante os tempos de aulas dos professores nas turmas (3h/aula por semana), divididas entre os conteúdos curriculares e as habilidades trabalhadas no projeto. Nessa dinâmica, os professores revezavam as turmas para a realização dos trabalhos na horta. Quando a demanda não suportava a execução de tarefas pela turma inteira, alguns alunos eram escolhidos, enquanto os demais ficavam com alguma atividade dentro de sala, supervisionados pelos agentes escolares. A escolha dos alunos ocorreu seguindo alguns critérios: nível de interesse no projeto, comportamento em sala de aula, realização de tarefas, notas ou observação de habilidades encontradas em determinados alunos que pudessem ser aproveitadas a fim de estimular e despertar o seu interesse por meio da prática.

A criação da horta teve início no dia 19 de agosto de 2017, num sábado letivo, com a atividade temática de Ciências e a colaboração de um biólogo, servidor da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semap) (Figura 1A). Para a ocasião foram preparados seis canteiros (Figura 1B) e no dia foram plantadas mudas de algumas hortaliças e temperos doados pela Semap (Figura 1C).

Figura 1: Início do projeto no sábado letivo de 12 de agosto de 2017. A) Colaboração da Semap no início do Projeto Horta na escola. B) Canteiros da horta escolar. C) Plantação de mudas

Após a inauguração do projeto, foi realizada a delimitação dos canteiros com a utilização das garrafas PET preenchidas com água e corante (Figura 2A e B). Para esse trabalho, os alunos foram organizados em grupos com funções diferentes: tingimento da água, abastecimento das garrafas, escavação do solo, inserção e organização das garrafas nos canteiros. Concomitantemente, construímos os jardins verticais com paletes e garrafas PET reutilizadas. Para essa montagem, os alunos desenvolveram as seguintes tarefas com a orientação e supervisão dos professores: desmontagem dos paletes, tratamento das madeiras, remontagem da estrutura, pintura e instalação dos vasos de garrafa PET (Figura 2C). Por último, os jardins verticais foram instalados nas paredes dos canteiros.

Figura 2: A) Preparo das garrafas com água colorida para delimitar os canteiros. B) Canteiros da horta com a delimitação das garrafas PET coloridas. C) Produção dos jardins verticais

A estrutura da estufa foi construída por um marceneiro no local desenhado no escopo do projeto. A colocação da tela de sombreamento e a pintura da bancada de trabalho foram feitas por alunos e professores (Figura 3A, B, C). A estufa foi usada para abrigar as primeiras mudas compradas e as recebidas de doação. Em um segundo momento, haverá a base para a germinação de sementes e para a produção de outras mudas.

Figura 3: Estufa para berçário e desenvolvimento de mudas. A) Construção da estufa. B) Pintura das bancadas. C) Estufa montada

A composteira foi montada com manilhas de concreto de 60cmx50cm em duas alturas diferentes, uma contendo apenas uma manilha e a outra com duas manilhas, uma sobre a outra (Figura 4A e B). A composteira foi criada em duas alturas devido às diferentes alturas dos alunos, uma vez que a escola atende estudantes do primeiro e do segundo segmentos do Fundamental. O fundo dessas manilhas foi isolado para não haver contaminação do solo por chorume e, em seguida, preenchido com terra. Periodicamente, as cascas de alimentos do preparo das refeições da cozinha e papéis inservíveis da secretaria foram recolhidas, descartadas na composteira e misturadas, criando um composto de terra e material orgânico em diferentes estágios de decomposição. O composto era frequentemente mexido para homogeneizar o material.

 

Figura 4: Montagem da composteira e do minhocário. A) Pintura das manilhas. B) Estrutura da composteira e minhocário

O minhocário foi montado utilizando uma manilha de concreto com 60x50cm, com o fundo isolado do solo por concreto. Foi adicionada terra adubada e composto produzido pela composteira da escola. Em seguida, depositamos as minhocas para o cultivo. A adição do composto à terra do minhocário aumenta a quantidade de nutrientes disponíveis para as minhocas.

A manutenção da horta foi realizada prioritariamente pelos alunos do projeto, orientados pelos professores-orientadores nos dias em que estavam em aula na unidade escolar e pelos monitores escolares nos dias em que os docentes estavam ausentes da escola (Figura 5A, B e C). As atividades que envolviam a manutenção dos canteiros eram: a rega das plantas, a retirada de ervas daninhas crescendo na zona de plantio e a varrição das áreas próximas ao canteiro. As tarefas seguiram um roteiro agendado, visando a melhor manutenção dos vegetais, as aulas dos alunos e professores e as demais atividades das monitoras.

Figura 5: Manutenção dos canteiros (rega e limpeza dos canteiros). A) Realizada pelos alunos. B) Por um dos professores-orientadores (Edson Cabral). C) Por uma das monitoras escolares (Kátia Reis)

Para aproveitar o material reciclado arrecadado e proteger os canteiros do pisoteio dos demais discentes da escola, foram produzidas cercas vivas – cercas montadas com pneus de carro cortados ao meio presos em toras de eucalipto e plantados com espécies ornamentais. Além disso, foi construído um jardim ornamental que poderia ser utilizado como objeto de estudo prático em algumas habilidades de Ciências, como as de formação e cuidados com o solo (Figuras 6A, B, C e D).

Figura 6: Montagem da cerca com a utilização de pneus. A) Pintura dos pneus. B) Montagem das cercas com a colocação de mudas de espécies ornamentais. C) Colocação dos pneus para a construção do morro (relevo). D) Jardim ornamental

O projeto teve que ser interrompido ao final daquele ano, uma vez que os professores eram servidores do município em regime de contrato. Dessa forma, a continuidade do trabalho ficava comprometida. A escola deixou de oferecer vagas para os anos finais do Ensino Fundamental, ficando apenas com os anos iniciais em função de mudanças organizacionais das unidades escolares da cidade.

Os professores voltaram a trabalhar no ano seguinte em outra unidade próxima. Contudo, pela distância e incompatibilidade entre os horários de aula, não houve como propor uma parceria para que fosse possível dar continuidade ao projeto. Esse fato poderia ter sido mitigado, caso os profissionais fossem efetivos do município ou houvesse interesse público em fomentar atividades/projetos práticos para o corpo discente.

No ano de 2018, um dos professores trabalhou sob o regime de contrato em uma das escolas piloto de ensino integral, ofertando uma oficina de Educação Ambiental. Um dos objetivos seria resgatar o trabalho feito no ano anterior na outra escola. Entretanto, por diversos motivos administrativos e físicos, não houve sucesso. A disciplina acabou ficando apenas na escola integral e a horta, sob os cuidados da nova gestão escolar.

Do ponto de vista educacional, os alunos se envolveram muito com o projeto. As atividades diversificadas, desde os trabalhos artesanais/manuais de pintura, lixamento de madeira, produção das peças do jardim vertical até os vasos de PET e as atividades de jardinagem, todos despertaram a curiosidade e o interesse dos estudantes em diversos assuntos. Durante as aulas, percebemos melhora no comportamento de alguns estudantes, assim como aumento no rendimento das turmas durante as diversas avaliações bimestrais, formativas e somativas. A média de algumas turmas (durante o semestre em que aconteceram os trabalhos do projeto) chegou a aumentar mais de 0,5 ponto (Tabela 1).

Tabela 1: Média do rendimento escolar de turmas participantes do projeto por semestre.

 

1º Semestre

2º Semestre

6º Ano

   

Turma 1

6,4

6,4

Turma 2

5,7

6,3

Turma 3

5,3

5,4

Turma 4

6,6

6,9

7º Ano

   

Turma 1

5,2

5,9

Alguns alunos que apresentavam boa desenvoltura durante as atividades do projeto, além de iniciativa e organização, não apresentavam bom rendimento e interesse nas aulas, mas passaram a melhorar na concentração, expressando reações de satisfação e felicidade em se sentirem inseridos em algo significativo para si e para os colegas.

Durante a execução das tarefas, o projeto possibilitou maior interação entre os alunos e com os professores e funcionários da escola, desenvolvendo espírito de cooperação; permitiu que conversas conceituais dentro das Ciências tivessem um tom mais leve, prático e observável e que assuntos transversais ganhassem igual importância e discussão, como: alimentação saudável, impacto de comidas não saudáveis na saúde, importância do autocuidado (alimentação, higiene e atividades físicas), mercado de trabalho, profissões e visões de futuro, também impactando positivamente na educação dos estudantes.

Um dos grandes desafios do projeto foi trabalhar com a turma inteira. Em turma com aproximadamente 40 alunos, nem todos estão integralmente interessados naquele propósito; logo chegam determinados momentos em que esse quantitativo começa a atrapalhar e/ou dificultar o desenvolvimento do trabalho. Nesses momentos, diferentes estratégias são utilizadas, como estimular a responsabilidade dos estudantes dando-lhes função de supervisão das atividades – que depois deveria ser repassada ao professor em conversas a respeito do impacto do projeto na escola – ou incentivando o estudante a trazer as suas ideias para o trabalho, fazendo-o parte do processo.

Conclusão

O desenvolvimento da horta trouxe para o ambiente escolar uma sensação de pertencimento, integrando alunos e funcionários ao ambiente, melhorando o convívio entre eles e o interesse dos estudantes pelo estudo das Ciências, além de desenvolver habilidades e revelar seus talentos, antes pouco observados. Os momentos de trabalho ao ar livre possibilitaram o diálogo a respeito de diferentes assuntos, relacionando a teoria à prática e relacionando aspectos da vida em sociedade ao ambiente natural.

Referências

BRASIL. Lei 9.795/99. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental. Brasília, 1999.

BRASIL. MEC. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: Meio Ambiente. Brasília: MEC/SEF, 1998.

BRASIL. Decreto nº 73.030. Cria, no âmbito do Ministério do Interior, a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) e dá outras providências. Diário Oficial da União, Seção 1, p. 1.024, 30 out. 1973.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Capítulo VI, Art. 225 - Do Meio Ambiente. Brasília: Presidência da República, 1988.

FRIDRICH, G. A. Horta escolar como alternativa para a Educação Ambiental. In: XII CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Curitiba: PUC-PR, 2015.

MORGADO, F. S.; SANTOS, M. A. A. A horta escolar na Educação Ambiental e Alimentar: experiência do projeto Horta Viva nas escolas municipais de Florianópolis. Extensio - Revista Eletrônica de Extensão, n° 6, 2008.

PIMENTA, J. C.; RODRIGUES, K. S. M. Projeto horta escola: ações de Educação Ambiental na escola Centro Promocional Todos os Santos de Goiânia/GO. In: II SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E TRANSDISCIPLINARIDADE (SEAT). Goiânia: Universidade Federal de Goiânia, 2011.

SIQUEIRA, F. M. B.; AMORIM, F. D. A. S. A.; SOUZA, F. S. C.; SILVA, A. C. V.; MARTINS, M. E. P. Horta escolar como ferramenta de Educação Ambiental em uma escola estadual no município de Várzea Grande/MT. In: VII CONGRESSO BRASILEIRO DE GESTÃO AMBIENTAL. Campina Grande, 2016.

Publicado em 03 de setembro de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

D'ELIA, Diego Seda; TEIXEIRA JUNIOR, Edson Cabral. Horta escolar: um ambiente de exploração, experimentos, convívio e cuidados. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 32, 3 de setembro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/32/horta-escolar-um-ambiente-de-exploracao-experimentos-convivio-e-cuidados

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