Trajetória do município de Maricá na implementação do sistema de educação na perspectiva inclusiva

Ironéa das Dores Gomes Sabino

Pedagoga, mestra em Diversidade e Inclusão (UFF)

Viviane de Oliveira Freitas Lione

Bióloga, doutora em Biociência, professora adjunta da Faculdade de Farmácia da UFRJ e do Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão (UFF), coordenadora do Grupo de Estudos do Transtorno do Espectro do Autismo (Getea/UFRJ) e da Coordenação de Acessibilidade UFF/UFRJ

O tema da inclusão ainda é pertinente na contemporaneidade. Percebe-se a necessidade de falar de inclusão, porque não vivemos em uma sociedade inclusiva. Ainda é preciso lembrar que há grupos que foram historicamente excluídos e que a ausência de políticas públicas que contemplem essa clientela compromete qualquer ação pedagógica que vislumbre a educação na perspectiva inclusiva.

A inclusão plena e efetiva de todos os alunos nas escolas ainda não é uma realidade em muitos lugares. Embora tenham ocorrido avanços significativos na legislação, ainda há desafios que demandam ações de políticas públicas, a fim de equiparar as situações de aprendizagem. Tendo em vista os prejuízos causados na sociedade pelo período denominado como exclusão, segregação e integração da pessoa com deficiência ao sistema de ensino, verificamos que esses períodos deixaram marcas que estão presentes em nossa sociedade e que se expressam atualmente na forma de estigma e preconceito.

Referencial teórico

A educação efetivamente inclusiva não será conquistada em um passe de mágica. A inclusão escolar busca garantir que todos os alunos tenham igualdade de oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento. Entretanto, traçar um plano de ação a fim de que haja equidade nas situações de aprendizagem é fundamental (Mantoan, 2003; Delou; Fernandes, 2021).

No sentido de garantir o direito de todos à educação, o Plano Nacional de Educação (PNE) foi elaborado em 2014 com o objetivo de apontar diretrizes, metas e estratégias para a educação no Brasil no período de 10 anos. A Meta 4 trata especificamente dos alunos público-alvo da Educação Especial. Corroborando a Meta 4 do PNE, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, aprovada no Brasil em 2015 e que entrou em vigor em 2016, estabelece direitos e garantias para essas pessoas, visando promover sua inclusão social e seu exercício pleno da cidadania (Brasil, 2015). A LBI traz uma visão mais abrangente dos direitos e garantias em diferentes áreas da vida da pessoa com deficiência, como saúde, trabalho e acessibilidade, entre outros, enquanto o PNE, na Meta 4, tem foco específico na educação. Considerando a relevância das duas legislações, ambas as diretrizes devem ser aplicadas e implementadas como políticas públicas e ações efetivas, garantindo a plena inclusão das pessoas com deficiência em todos os aspectos da vida em sociedade (Brasil, 2014; 2015).

Visando alcançar a meta nacional, foi implementado o Plano Municipal de Educação (PME), um plano de ação elaborado pelos municípios brasileiros de acordo com as particularidades e as necessidades locais. O documento estabelece metas, estratégias e ações a serem alcançadas na área da Educação em determinado período, geralmente com duração de 10 anos. Nesse sentido, o PME é considerado um instrumento importante para orientar a gestão educacional do município, norteando as políticas públicas na área da educação e assegurando a qualidade e a equidade na oferta educacional para todos os cidadãos (Delou; Fernandes, 2021).

O Plano Municipal de Maricá sinaliza metas e estratégias contemplando o público da Educação Especial que ganhou destaque na oferta da Educação Inclusiva. Com base em documentos legais como a LBI e o PNE, indicamos a trajetória do município de Maricá no cumprimento da meta do decênio.

Metodologia

Para este estudo usamos a metodologia de estudo de caso no enfoque qualitativo. Segundo Lüdke e André (2015), esse tipo de pesquisa visa à descoberta e enfatiza a interpretação em contexto, buscando retratar a realidade de forma completa e profunda. As observações do estudo de caso foram realizadas em maio de 2022, e a etapa contou com registro em diário de bordo e imagens.

Foi utilizada a ferramenta de coleta dos dados, etapa considerada importante na pesquisa, pois visa comprovar os dados levantados. Para a pesquisa documental foram analisados os seguintes trabalhos: Relatório da Linha de Base de 2018, Censo Escolar de 2021, Plano Municipal de Educação e Manual Orientador da Educação Inclusiva do município.

Resultados e discussões

O município de Maricá está localizado na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população da cidade chegou a 197.300 pessoas no censo de 2022, representando aumento de 54,87% em comparação ao censo de 2010. O território municipal se estende por 362,480km², dividido em quatro distritos: Maricá (sede), Ponta Negra, Inoã e Itaipuaçu. Possui 46km de costa litorânea com a cidade de Niterói.

No passado, a principal fonte de renda do município era a pesca. Atualmente, por conta da Bacia Petrolífera de Santos, que se encontra em seu litoral, o município se destaca na produção de petróleo, recebendo royalties. Outra atividade que vem ganhando força é o turismo, pois o município é de grande beleza (Gama, 2022).

Com o avanço econômico, Maricá é considerado um dos municípios de maior ritmo de crescimento populacional do estado, abrigando cada vez mais uma população de origem metropolitana. Esse crescimento populacional também é sentido nas unidades de ensino, pois sofrem alterações em suas estruturas físicas, estando em fase de construção de mais dez creches para comportar os alunos do município.

Tabela 1: Escolas por dependências administrativas

Ano

2017

2018

2019

2020

2021

Total

91

99

99

104

104

Federal

1

1

1

1

1

Estadual

9

9

9

10

10

Municipal

55

60

60

64

64

Privada

26

29

29

29

29

Pública

65

70

70

75

75

Fonte: Dados educacionais da plataforma QEdu.

Analisando os dados da Tabela 1, observamos o impacto do crescimento populacional nas unidades de ensino municipal nos últimos cinco anos. A esfera federal se manteve com uma escola, a esfera estadual inaugurou uma escola, a rede particular de 2017 até 2018 aumentou em três unidades. Por outro lado, a rede municipal se destacou com a ampliação de suas unidades de ensino, inaugurando nove unidades.

Corroborando os dados da Tabela 1, temos na Tabela 2 o quantitativo de alunos matriculados no município de Maricá no período de 2017 a 2021. O segmento que mais se destaca é a creche, que compreende a primeira etapa da Educação Infantil, atendendo crianças de 0 a 5 anos de idade. Essa etapa escolar nas unidades municipais tem subdivisões: Berçário I e II, Maternal I e II e Pré I e II.

Tabela 2: Alunos matriculados nos últimos cinco anos

Segmento

2017

2018

2019

2020

2021

Creches

697

835

1.215

2.186

2.668

Pré-escolas

2.657

2.933

2.847

2.651

3.388

Anos iniciais

9.144

9.721

9.757

10.066

11.040

Anos finais

6.156

6.685

7.018

7.855

9.171

Ensino Médio

3.359

3.714

4.643

5.481

6.171

Educação de Jovens e Adultos

1.432

1.587

1.420

1.522

1.565

Escola / Educação Especial

867

770

925

1.086

1.303

Fonte: Dados educacionais da plataforma QEdu.

Entendemos a primeira infância (0 a 6 anos) como a etapa fundamental do desenvolvimento humano, a fase de maior plasticidade neuronal, quando a criança é desafiada a aprender, aprende muito e de forma rápida. Nesse sentido, consideramos o investimento do município em ampliar a oferta no atendimento do segmento como assertiva, tendo em vista que nessa primeira fase se constrói a base neural para o desenvolvimento infantil, sendo o momento mais propício para se desenvolver a educação numa perspectiva inclusiva.

A matrícula dos alunos público-alvo da Educação Especial no período também chama a atenção. De acordo com o dado do censo escolar de 2018 divulgado pelo Ministério da Educação, o município tem 90% do total de alunos que necessitam do atendimento educacional especializado (AEE) atendidos pela rede municipal, contra 6,5% da rede estadual e 3,5% das escolas particulares. Com esse número, o município é o segundo melhor do país em acessibilidade (INEP, 2018).

PNE x PME de Maricá: aproximações e desafios

A implementação do sistema de Educação Inclusiva em Maricá é considerada nova, pois se iniciou em 2009. No entanto, as estratégias adotadas em um espaço curto de tempo – nove anos – colocam o município em posição de destaque. A LBI, assim como o PNE, sinaliza caminhos para universalizar a inclusão dos alunos público-alvo da Educação Especial na rede regular de ensino.

Universalizar, para a população de quatro 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de um sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados (Brasil, 2014).

O PNE estabelece como meta a idade de 4 a 17 anos, sinalizando a idade do público para universalizar o acesso à Educação Básica. No entanto, o município de Maricá, como apresentado na Tabela 2, no período de 2017 a 2021, se destacou na oferta da Educação Infantil, ou seja, na estruturação da base por meio da primeira etapa da Educação Básica.

No intuito de destacar a importância da intervenção precoce no processo de inclusão escolar em fase crucial do desenvolvimento humano, nos propomos a investigar o processo de inclusão escolar da pessoa com deficiência no município de Maricá, contemplando a faixa etária de 0 a 6 anos.

Realizamos um estudo de caso em um dos centros de educação infantil municipal (CEIM), o Valéria Ramos Passos. A unidade foi entregue à comunidade em fevereiro de 2014. Durante esse período, passou por constantes mudanças em sua estrutura física para comportar a clientela da Educação Infantil, que cresce rapidamente no município.

A unidade escolar é um projeto do Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos da Rede Escolar Pública de Educação Infantil. Localizada no distrito de Itaipuaçu, a unidade foi idealizada para o ensino em tempo integral, com oito amplas salas de aula. Devido à demanda local, a escola foi ampliada conforme apresentado na Figura 1, ganhando um prédio anexo com mais seis salas de aula de alvenaria. Além disso, em 2023, ela recebeu 11 salas em estrutura pré-moldada para atender ao aumento da demanda. Atualmente, somente duas turmas de berçário funcionam em tempo integral.

Figura 1: Estrutura física da escola. A) Unidade de ensino em sua estrutura original na inauguração, em fevereiro de 2014. B) Mudança na fachada da escola, com a cobertura de estrutura metálica. C) Atual estrutura da lateral da escola, que tem a seu lado direito a Subprefeitura Municipal de Maricá. D) Frente da escola. E) Salas de estrutura pré-moldada da lateral direita, ainda em fase de acabamento da área externa. F e H) Salas dos fundos. G) Salas do prédio anexo construídas em alvenaria.

Nessa unidade escolar de Educação Infantil encontramos, conforme apresentado na Figura 1, um ambiente propício ao desenvolvimento infantil. O espaço conta com 25 salas de aula, sendo duas para berçário funcionando com horário em tempo integral, uma sala de recursos multifuncionais, uma sala de vídeo/biblioteca, sala dos professores, sala da orientação educacional e pedagógica, sala da direção, secretaria, cozinha, lactário e banheiros.

O espaço externo da unidade foi reduzido com a construção das novas salas. Contudo, ainda há área ampla composta por solários e espaços livres usados para recreação e as aulas de Educação Física.

Figura 2: Espaço externo da unidade de ensino. A) Parquinho usado pelos alunos do Pré I e II, localizado na parte da frente. B) Um dos espaços utilizados pelos alunos do Maternal, que está localizado nos fundos. C) Mais um parquinho na parte lateral. D) Solários que fazem parte do projeto arquitetônico inicial. E) Pergolado com grama sintética usado para recreação e aulas de Educação Física.

A estrutura física da escola é um ambiente que beneficia a plasticidade cerebral e o desenvolvimento da aprendizagem, visto que é composta por diferentes espaços que favorecem o treinamento e os estímulos às experiências, envolvendo as áreas sensório-motoras e perceptuais como mecanismos responsáveis pela reorganização estrutural e funcional do sistema nervoso humano. Diferentes áreas de representação cortical e de associação em cooperação podem ser ativadas por intermédio do estímulo sensorial (Brito et al., 2019).

As salas de aula (Figura 3) são espaços organizados para promover a aprendizagem com o brincar. Ressaltamos que o brincar na Educação Infantil é um momento de aprendizado. Em muitos alunos público-alvo da Educação Especial, como os autistas, o ato de brincar pode estar prejudicado, necessitando maior atenção do educador para motivar o aluno a desenvolver essa habilidade tão importante para o processo de ensino-aprendizagem.

A organização do espaço necessita ser algo que permita à criança observar o outro, conforme mostrado na Figura 3, oferecendo à criança um brincar direcionado ao desenvolvimento das habilidades motoras, cognitivas e afetivas.

Figura 3: Espaço interno da unidade de ensino. A) Sala de aula usada pelas turmas do berçário, um espaço amplo com banheiro e sala do soninho. B) Modelo de sala usada pelas turmas de Maternal e Pré-Escolar. C) Sala de recursos multifuncionais.

A sala de recursos multifuncionais (Figura 3C) do CEIM Valéria Ramos Passos é um espaço aconchegante, onde os alunos se sentem à vontade. A sala é um ambiente enriquecido e propício ao desenvolvimento da criança com deficiência. Encontramos no espaço jogos pedagógicos e atividades adaptadas para atender às especificidades de cada aluno atendido.

A intervenção precoce com essa clientela é essencial ao desenvolvimento cognitivo, e destacamos essa iniciativa assertiva do PME de Maricá em concordância com a LBI, contemplando todas as faixas etárias. Os recursos necessários para a efetivação dos direitos das pessoas com deficiência estão garantidos pela Lei Brasileira de Inclusão, que os prevê e os assegura no orçamento da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios (Brasil, 2015; Maricá, 2015).

A legislação também assegura que devem ser previstos recursos específicos visando à promoção da acessibilidade, seja nos espaços públicos, no transporte, na comunicação, na educação e no trabalho, entre outros setores. A Meta 4.1 do PNE trata dos recursos financeiros a serem investidos na implementação da Educação Inclusiva.

A participação do aluno com deficiência na sala de recursos significa uma nova matrícula. Dessa forma, os atendimentos devem ocorrer no contraturno, com ações do atendimento educacional especializado com o objetivo de complementar e suplementar a atividade pedagógica.

A Estratégia 4.2 do PNE observa a universalização do atendimento escolar, trazendo um elemento importante para o processo de inclusão: o profissional de apoio escolar. De acordo com a LBI, o profissional de apoio escolar é a pessoa que exerce atividades de alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência e atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessário, exceto nas técnicas ou nos procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas.

Em Maricá, esse profissional era chamado de mediador pedagógico, mas houve mudança na sua nomenclatura em outubro de 2022. De acordo com o Edital nº 1/23 da Prefeitura Municipal de Maricá, ele passou a ser chamado de agente de inclusão educacional.

O agente tem como atribuições atuar nas classes inclusivas da Educação Básica, acompanhando alunos público-alvo da Educação Especial durante o período escolar, auxiliando-os nas atividades pedagógicas e da vida diária, a fim de contribuir para a sua autonomia, aprendizagem e interação social, desenvolvendo atividades de natureza pedagógica.

Tendo em vista a relevância desse profissional para o processo de inclusão, a Estratégia 4.2 do PME sinaliza a criação do cargo e a sua contratação por meio de concurso público.

Promover, no segundo ano de vigência deste PME, a universalização do atendimento escolar à demanda manifesta pelas famílias de alunos de qualquer faixa etária, assegurando o professor mediador pedagógico ou auxiliar de ensino mediante a criação desses cargos, admitidos através de concurso público, visando atender os alunos com deficiência, transtornos do espectro autista e altas habilidades ou superdotação, observado o que dispõe a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (Maricá, 2015, Estratégia 4.2).

Em relação ao cumprimento dessa estratégia, observamos que ainda não houve no município concurso público para admissão no cargo, como prevê o PME. Visando atender o crescimento populacional, o município age em caráter emergencial e os profissionais que atuam nesse setor possuem vínculo variado com a Secretaria de Educação: hora extra para os docentes efetivos, firma terceirizada ou/e via Edital nº 1/23 da Prefeitura Municipal de Maricá em processo seletivo, visando a contratação temporária para o profissional de apoio pedagógico em regime de 40h. De acordo com os dados levantados na análise documental e diário de bordo, o ponto que ainda necessita de estruturação refere-se à regularização dos profissionais de apoio pedagógico, pois não há um quadro de profissionais efetivos.

A Estratégia 4.3 trata da implementação da sala de recursos multifuncionais. Essas salas surgem como proposta para a escola ter um profissional especializado colaborando no processo de inclusão dos alunos com deficiência. Em Maricá, a implementação das salas de recursos foi um marco para a implantação do sistema de Educação Inclusiva. As primeiras salas foram inauguradas em 2010 com recursos do Governo Federal. A partir desse período, o sistema passou a ganhar forças, pois os professores do AEE faziam no ambiente escolar toda a articulação em relação às adaptações tanto para os alunos como para assistir ao corpo docente.

A Estratégia 4.4 do PME versa sobre a formação continuada do corpo docente, o que em Maricá acontece periodicamente por intermédio da formação em serviço e de cursos de formação continuada. O município de Maricá organiza o sistema inclusivo pelo setor de gerência de inclusão, coordenando a equipe que está subdividida por área de atuação, como mostra a Figura 4.

Figura 4: Organograma da Gerência de Inclusão

Faz parte das atribuições da equipe da Gerência de Inclusão dar suporte direto aos professores da sala de recursos e aos professores do atendimento domiciliar e hospitalar, assim como colaborar com a formação continuada e a organização do processo de inclusão nas unidades de ensino. Com essa organização, o município vem ganhando destaque na formação docente e na oferta de Educação Inclusiva.

Ainda sobre a Estratégia 4.4 do PME, que trata da formação continuada para o corpo docente nas unidades de ensino, a sala de recursos multifuncionais e o professor do AEE são peças fundamentais no processo de inclusão da rede, fazendo parte das atribuições do profissional do AEE articular todo o processo de atendimento educacional especializado dentro da unidade escolar, colaborando com a formação continuada do corpo docente. Tendo em vista a relevância desse profissional nas unidades de ensino, o município de Maricá conta com 65 escolas, 35 com salas de recursos multifuncionais. A sala de recursos com menor demanda atende à escola do entorno que ainda não possui o serviço.

Visando contextualizar os investimentos do município no cumprimento das estratégias de acessibilidade e contemplando o trabalho da sala de recursos, apresentaremos os dados da sala de recursos multifuncionais do CEIM Valéria Ramos Passos. Em 2022, dos seus 750 alunos matriculados, contabilizamos 52 em atendimento nas salas de recursos com deficiências variadas: 37 com diagnóstico de TEA, seis com diagnóstico de síndrome de Down, cinco com deficiências múltiplas, dois com deficiência auditiva, dois com diagnóstico de hemiparesia e um com deficiência intelectual, conforme mostra o Gráfico 1.

Gráfico 1: Alunos atendidos na sala de recursos do CEIM

O público predominante dessa unidade é de alunos dentro do transtorno do espectro autista. Dessa forma, observamos que grande parte dos recursos dessa sala estão voltados ao desenvolvimento dessa clientela em específico. Em relação à acessibilidade, encontramos nas unidades de ensino municipal os recursos de lousa digital, mesa interativa e do programa Tix Letramento, equipamento de tecnologia assistiva que amplia as possibilidades de acessibilidade dos alunos com deficiência.

A Estratégia 4.6 do PME prevê agir em conjunto com a Secretaria Municipal de Assistência Social e a Secretaria Municipal de Saúde, pensando na inclusão integral do indivíduo, como prevê a LBI. Sendo assim, os centros de reabilitação resgatariam a proposta inicial do Serviço de Atendimento e Reabilitação Especial de Maricá (Sarem), unindo a Secretaria de Educação e as Secretarias de Assistência Social e Saúde.

Em relação ao cumprimento da estratégia, destacamos que o município oferece fonoaudiologia, fisioterapia e psicologia aos alunos com deficiência. A oferta se dá por meio do Sarem. Para os alunos autistas acima de doze anos há a Casa do Autista, onde recebem suporte voltado à integração sensorial, além de serviços de psicologia e fonoaudiologia. Contudo, esse tipo de atendimento tem se mostrado insuficiente para suprir a demanda, acarretando longa fila de espera.

Em Maricá, encontramos registros dos centros de AEE na área da visão/baixa visão e surdez/deficiência auditiva na unidade escolar do centro da cidade, 1º distrito. A escola funciona como polo, aberta a receber todos os discentes da rede. Os alunos são atendidos por profissionais especialistas e profissionais com deficiência, na respectiva área de atuação. Contudo, a Estratégia 4.9 do PME visa assegurar estratégias de permanência na escola regular.

Além do material didático próprio para cada deficiência, a Estratégia 4.9 trata da adequação arquitetônica, prevendo acessibilidade às instituições públicas. De acordo com os dados do censo escolar de 2021, todas as unidades escolares têm dependências com acessibilidade, como portas alargadas e rampas para facilitar o acesso de alunos com deficiência física. Contudo, somente 76% das unidades possuem sanitários com acessibilidade. Em relação ao transporte acessível, o município disponibiliza o veículo adaptado para a rota escolar sem cobertura total para as unidades escolares.

As estratégias mencionadas a seguir tratam da ampliação da rede de apoio aos profissionais da Educação equivalentes à Estratégia 4.13 do PNE com a 4.16 do PME.

Apoiar a ampliação das equipes de profissionais da Educação para atender à demanda do processo de escolarização dos(as) estudantes com deficiência, transtornos do espectro autista e altas habilidades ou superdotação, garantindo a oferta de professores do atendimento educacional especializado, profissionais de apoio ou mediadores pedagógicos, tradutores(as) e intérpretes de Libras, guias-intérpretes para surdos-cegos, professores de Libras prioritariamente surdos e professores bilíngues (Maricá, 2015, Estratégia 4.16).

Com a implementação da Educação na perspectiva inclusiva, o estudante passou a ter o suporte necessário para se desenvolver em classe regular de ensino. Como por exemplo, os alunos com deficiência auditiva/surdez recebem o suporte na escola regular e na classe bilíngue.

As Estratégias de 17 a 19 dizem respeito à formação docente para atuar com o público-alvo da Educação Especial. Assim, não cabe mais o discurso de não estar preparado para atender ao aluno com deficiência, sendo fundamental construir uma prática pedagógica baseada nos princípios do Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA).

Nesse sentido, sinalizamos a preocupação da rede com a formação continuada da equipe pedagógica, oferecendo parceria entre as universidades e as instituições de pesquisa por meio do programa Tix Letramento, atuando na especialização dos profissionais para o uso das tecnologias assistivas com o Programa Passaporte Universitário, que consiste em oferecer bolsas de estudos aos maricaenses para ingressar em cursos de graduação e pós-graduação em universidades privadas.

As estratégias descritas a seguir constam apenas do Plano Municipal de Educação; tratam do acesso à educação para aqueles que têm algum tipo de impedimento para frequentar o espaço escolar.

Garantir que o atendimento educacional especializado em ambiente hospitalar ou domiciliar seja ofertado aos alunos impossibilitados de frequentar a unidade escolar, com professor especializado preferencialmente em Educação Especial ou nas normas estabelecidas pela LDB nº 9.394/96, pelos respectivos sistemas de ensino, a Educação Especial de forma complementar ou suplementar (Maricá, 2015, Estratégia 4.20).

Garantir, em parceria com a Secretaria de Saúde e Assistência Social, o acompanhamento de profissionais no APD (atendimento pedagógico domiciliar), quando se fizer necessário, através da criação da sala da Classe Hospitalar e promover o atendimento pedagógico (Maricá, 2015, Estratégia 4.21).

O atendimento pedagógico domiciliar e hospitalar já faz parte do programa da rede municipal de ensino. Os alunos impedidos de frequentar a escola recebem esse atendimento até que tenham indicação clínica para retornar à unidade escolar.

A Estratégia 4.22 do PME visa garantir ao aluno público-alvo da Educação Especial seu início no ano letivo com um mediador pedagógico.

Garantir, a partir da vigência do Plano Municipal de Educação, que os alunos com deficiência, transtornos do espectro autista, altas habilidades e superdotação iniciem o ano letivo com o professor mediador (professor com formação na área de Educação Especial), quando necessário, mediante avaliação pedagógica para que possa ter todas as necessidades educacionais pedagógicas atendidas (Maricá, 2015, Estratégia 4.22).

Tendo em vista o crescimento populacional do município, cumprir essa estratégia ainda se configura um desafio, uma vez que não há quadro de funcionários efetivos para a função, acarretando dificuldades para suprir a carência em tempo hábil no início do ano letivo.

Um segundo ponto a ser destacado é a possibilidade de a equipe realizar a avaliação pedagógica dando todos os direitos ao aluno que apresentar atraso no desenvolvimento cognitivo, cumprindo a oferta de equidade no processo de aprendizagem. O aluno avaliado pela equipe pedagógica a fazer jus ao AEE pode frequentar a sala de recursos multifuncionais, recebendo assistência de um agente de inclusão educacional e tendo um plano de ensino individualizado, a fim de desenvolver as suas habilidades e potencialidades.

As últimas estratégias (23 e 24) tratam de políticas públicas, visando o público da Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Estimular a formação profissional para jovens e adultos, com deficiência, transtorno do espectro autista e altas habilidades ou superdotação, observadas as peculiaridades da deficiência e as disposições legais e vigentes (Maricá, 2015, Estratégia 4.23).

Criar Educação de Jovens e Adultos diurno para atender a toda a demanda dessa modalidade de ensino e da Educação Especial (Maricá, 2015, Estratégia 4.24).

Tendo em vista o PME que contempla público de todas as faixas etárias e oferta classes de Educação de Jovens e Adultos diurnas, observamos que a EJA no município de Maricá é um segmento que ainda necessita de políticas públicas no sentido de implementar estratégias que garantam a permanência da clientela no espaço escolar, sem o caráter segregativo.

Esse cenário se agravou após o encerramento das atividades na escola especial em 2021, uma vez que os alunos foram encaminhados à escola regular noturna, ocasionando evasão deles. É emergencial a oferta de projetos em escolas diurnas inclusivas que contemplem a EJA, como sinaliza o plano municipal.

Considerações finais 

A educação na perspectiva inclusiva ainda se configura como um desafio, tendo em vista que a proposta visa uma ressignificação do sistema.

Com o intuito de garantir os direitos da pessoa com deficiência nos sistemas de ensino, se instituíram as diretrizes e as metas na LBI e no Plano Nacional de Educação, a fim de universalizar o acesso. Tendo em vista a extensão territorial do Brasil, foram implementados planos municipais de educação, a fim de cumprir as metas de acordo com a realidade local, garantindo o acesso, a permanência e o sucesso escolar dos alunos público-alvo da Educação Especial. A análise documental e observacional possibilitou mostrar a trajetória do município de Maricá no cumprimento da Lei Brasileira de Inclusão, assim como a trajetória na meta do decênio do Plano Nacional e do Plano Municipal de Educação.

Neste estudo, apresentamos a trajetória do município de Maricá na implementação do sistema de Educação Inclusiva, uma trajetória que nos últimos anos vem sendo destaque, com o investimento do Plano Municipal contemplando todas as faixas etárias, em especial o segmento da Educação Infantil, e favorecendo a consolidação do processo de inclusão nas etapas posteriores, sendo considerada uma decisão estratégica e assertiva.

O estudo de caso no mencionado Centro de Educação Infantil Municipal corroborou os resultados da pesquisa documental que apontam a evolução do município na oferta da educação na perspectiva inclusiva, com investimentos em recursos de tecnologia assistiva, com o objetivo de promover a autonomia e a acessibilidade dos estudantes, com sala de recursos multifuncionais e atualização dos profissionais, pontos de avanço no PME. Em contrapartida, registramos pontos que constam no PME e que ainda não avançaram: quadro efetivo de professores na função de mediadores pedagógicos dos alunos com deficiência e oferta de educação regular de jovens e adultos diurna, contemplando a demanda da faixa etária.

Agradecimentos

A Deus por ter nos proporcionado aprender com as diferenças, às nossas famílias, por entenderem os momentos de ausência que dedicamos à pesquisa, à Prefeitura Municipal de Maricá, por autorizar a pesquisa e nos proporcionar momentos de reflexão entre teoria e prática, ao Centro de Educação Infantil Municipal Valéria Ramos Passos, objeto de nosso estudo de caso, à Faperj pelo apoio à pesquisa por meio do financiamento do projeto de Protocolo nº E-26/211.069/2019.

Referências  

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DELOU, Cristina Maria Carvalho; FERNANDES, Edicléa Mascarenhas (org.). Planos Municipais de Educação do Rio de Janeiro: análise comparativa da Meta IV do Plano Nacional de Educação. v. 1. Rio de Janeiro. Hypatia, 2021.

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Publicado em 03 de setembro de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

SABINO, Ironéa das Dores Gomes; LIONE, Viviane de Oliveira Freitas. Trajetória do município de Maricá na implementação do sistema de educação na perspectiva inclusiva. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 32, 3 de setembro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/32/trajetoria-do-municipio-de-marica-na-implementacao-do-sistema-de-educacao-na-perspectiva-inclusiva

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