A recuperação de áreas degradadas como ferramenta de campo na Educação Básica
Bruno Luiz Laport
Mestrando em Ensino de Geografia (Profgeo/UERJ)
Revisão teórico-conceitual
De acordo com a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) é necessário o desenvolvimento, em caráter permanente, da educação ambiental nas escolas do Brasil, em todos os níveis e modalidades de ensino. A Lei n° 9.795 (Brasil, 1999) reforça a importância da Educação Ambiental (EA), afirmando que se trata de um “componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não formal”.
É importante que a juventude entenda que questões ambientais estão diretamente ligadas à existência humana, a sua forma de pensar e agir e de se relacionar com o outro e com a natureza. Portanto, a intenção desse trabalho é colocar os estudantes no centro do processo de reconstrução da paisagem. A BNCC (2016) afirma a importância da EA na escola, dizendo que ela revela uma atividade intencional, contribuindo para o desenvolvimento individual e para o caráter social.
Utilizamos a metodologia de visitas ao pré-campo, ao campo e ao pós-campo. Essa metodologia foi realizada por professores, pela secretaria de meio ambiente, por alunos, pela secretaria de agricultura e pela ONG Não Corte, Plante! Nessas etapas se estabeleceu a área de plantio, as aulas para fundamentar os conceitos e as teorias e a produção de itens como croquis, composteiras, bolas de sementes, bioferilizante, as fases do plantio, gotejadores automáticos, gotejadores georreferenciamento e a formação de um grupo responsável pela manutenção da área.
Para a efetivação científica da pesquisa foi necessária a aplicação teórica e metodológica, como afirma Serpa (2006), da qual não se pode haver separação entre os conceitos e a sua operacionalização, por meio do trabalho de campo. As atividades desenvolvidas baseiam-se nessa lógica teórico-metodológica.
Candiotto (2009) afirma que nas idas a campo, o aluno se depara com inúmeras situações vivenciadas no dia a dia, pouco entendidas e explicadas didaticamente. Com a orientação do professor, o aluno tem a oportunidade de associar a observação ao que é trabalhado em sala de aula. Por isso, a encosta nos arredores da escola relaciona o lugar de vivência e o trabalho de campo (TC) para a produção de conhecimento.
Segundo Claval (2017), o TC é uma importante ferramenta para a formação cidadã de crianças e jovens. Ele leva ao conhecimento do mundo, assim como ele é, e à compreensão da organização particular de cada espaço. Os conteúdos trabalhados, em sala de aula, são abstratos para os alunos, dificultando a compreensão. O TC torna-se o laboratório a partir do qual a teoria estudada em sala de aula será experimentada. Cavalcanti (2011) diz que essa ferramenta é formadora de conhecimento geográfico e por meio dele as informações são trabalhadas para um melhor entendimento teórico, quando as teorias são testadas.
Lemos (2021) relata que o campo é uma ferramenta pedagógica importante para a produção do conhecimento geográfico. O TC é importante na Educação Básica, porque permite que o aluno tenha uma experiência direta com o mundo, com os conhecimentos preexistentes e com os conhecimentos produzidos na escola. Alves (1997) afirma a necessidade do TC como ferramenta do geógrafo para a produção de conhecimento, instrumento significativo dentro do pensamento geográfico.
Radaelli (2002) afirma que a Geografia contribui para articular o conhecimento que os alunos têm a respeito do seu lugar de vivência, do seu cotidiano, do que lhe é comum e do que diz respeito ao modo como o professor age, sendo um articulador desse conhecimento unindo a teoria à prática.
O estudo do meio, outra ferramenta pedagógica importante para o ensino-aprendizagem como recurso para alinhar teoria e prática, apropria-se das fases pré-campo, trabalho de campo e pós-campo para executá-lo. Pontuschka et al. (2009) dizem que uma das etapas importantes do estudo do meio é o trabalho de campo. Informa que ao sair da escola, um novo olhar é criado. O aluno pode ser orientado a utilizar todos os seus sentidos para conhecer melhor o meio, usar a observação, os registros e as falas de diferentes pessoas.
O trabalho de campo é uma ferramenta que permite explorar o conceito de lugar, categoria tão importante na Geografia humanística, que coloca em destaque, como define Cavalcanti (2011), o espaço que se torna familiar ao indivíduo, espaço da vivência, do experienciado. A autora fala sobre a peculiaridade do lugar e de existência do indivíduo, onde pode-se partir para o entendimento da sua totalidade.
Descrição da área de estudo
A área de plantio consiste em um espaço de 500m2 em uma região de platô, no alto da elevação geográfica. O solo é recoberto por gramíneas e afetado por processos erosivos avançados em estágio de ravinamento. A encosta se localiza no bairro Jardim Nazareno, em Magé/RJ, em frente à escola e próximo à Serra do Mar, a qual dinamiza o clima local com precipitação elevada, empobrecendo o solo desprotegido de cobertura vegetal e promovendo o processo de lixiviação. A cobertura de gramínea está associada à baixa existência de nutrientes.
Figura 1: Encosta, escola e Serra do Mar
Produção de mapas mentais
Os alunos produziram os mapas mentais da área de estudo dispondo a localização dos elementos que circundam a encosta. O objetivo dessa atividade foi desenvolver a noção espacial e pontuar as estruturas existentes naquele recorte.
Figura 2: Croqui da área
Reconhecimento da área de estudo e intervenção
Essa etapa foi dividida em dois momentos. No primeiro, firmamos uma parceria entre o pessoal da secretaria municipal de meio ambiente de Magé e os profissionais da escola. No dia 24 de outubro de 2022, ocorreu a visitação de reconhecimento e a apresentação do projeto ao pessoal dessa secretaria. No segundo encontro, em 23 de junho de 2023, ocorreu a definição da área de intervenção e do apoio técnico dos engenheiros florestais.
Desenho da encosta
Essa atividade consistiu em desenhar duas encostas, uma sem cobertura vegetal e outra com a presença de vegetação, assim como observar os problemas gerados pela existência de um terreno em declividade recoberto por vegetação de gramínea e outra com as vantagens da manutenção da vegetação.
Figura 3: Encosta sem vegetação e encosta com vegetação
Construindo uma composteira de garrafa PET
Nessa atividade os alunos construíram uma composteira de garrafa PET para produzir húmus às bolas de semente e adubação das mudas no plantio, utilizando restos da merenda escolar. Essa tarefa utilizou duas garrafas PET e tesoura, como demonstra a Figura 4.
Figura 4: Composteiras com os alimentos adicionados
Oficina de bola de sementes e biofertilizante
Essa atividade consistiu em montar bolas de sementes. O material utilizado foi argila, húmus, substrato e sementes. O húmus produzido pela composteira foi o insumo utilizado na confecção das bolas. As bolas de sementes são lançadas nos terrenos e quando existem condições naturais apropriadas, as sementes brotam. Essa técnica está baseada nas pesquisas do agricultor natural e microbiologista japonês, Masanobu Fukuoka (2008). Os alunos misturam o húmus da composteira com o substrato denominado vermiculita e utilizam sementes de aroeira. A partir do chorume produzido pelo gotejamento do húmus no copo da composteira, produzimos o biofertilizante. Sua diluição consiste em uma parte de chorume para dez partes de água. Do biofertilizante pode ser colocado 100ml uma vez por semana, como mostrado nas Figuras 5 e 6.
Figura 5: Bolas de semente
Figura 6: Biofertilizante
Atividade de trabalho de campo
A aula de campo foi realizada com os alunos em dois momentos. A primeira turma realizou a visitação em 30 de junho de 2023. A facilidade de ida a campo se deu ao fato de que a encosta fica nas imediações da escola, não necessitando de transporte. O trajeto está em torno de 600 metros, da base da encosta ao topo. A paisagem foi observada e os alunos apontaram algumas referências do bairro, como a escola, a Serra, suas casas, sítios e principais comércios. A segunda turma realizou a visitação no dia 14 de junho de 2024 e os pontos de problematização e reflexão foram os mesmos. A segunda turma realizou o primeiro plantio, quandoforam plantadas quatro mudas no platô do morro. As Figuras 7 e 8 demonstram essas atividades.
Figura 7: Subida da encosta
Fonte: Mariângela Azevedo, professora de Geografía, docente da escola, acompanhou a turma durante o TC.
Figura 8: Plantio
Atividade pós-trabalho de campo
Essa etapa do projeto consistiu em apurar os resultados da fase de campo e dar continuidade ao projeto. Nela foi vista a necessidade de rega constante das mudas devido ao período de escassez das chuvas. Para isso produziram-se gotejadores automáticos que foram instalados nos locais de plantio e a formação de um grupo para manutenção e regagem, conforme observadas nas Figuras 9 e 10.
Figura 9: Gotejadores
Figura10: Abastecendo
Conclusão
As atividades de trabalho de campo e de estudo do meio trazem várias ferramentas pedagógicas que não são muito comuns no dia a dia do aluno, mas contribuem para o ensino-aprendizagem da Geografia, proporcionandoum trabalhocom teorias estudadas em sala de aula, que podem ser vivenciadas na prática.
As etapas pré-campo, trabalho de campo e pós-campo são de extrema importância quando bem planejadas entre o corpo docente participante e a equipe diretiva, a fim de obter melhores resultados nas tarefas (com a autorização dos responsáveis).
Essas atividades de aula de campo e estudo do meio sempre serão mais válidas a partir dos problemas que estão próximos aos alunos, de seu cotidiano, de seu lugar de vivência. O bairro em que a escola está inserida e seus problemas são de fácil assimilação ao estudante, porque são parte de seu saber prévio. A proposta de intervenção é outro ponto de destaque e, no âmbito desse projeto, é o reflorestamento.
O protagonismo juvenil é motivado pela perspectiva de intervenção e pela solução de problemas locais. Quando o aluno planta uma árvore e essa árvore resulta em crescimento e permanência na paisagem, o estudante se enxerga como principal articulador desse processo, replicando a sua história e as suas ideias aos demais.
O estímulo do grupo pode ser verificado por meio da aplicação de questionário direto aos alunos no pós-campo. O questionário avalia os resultados alcançados, assim como auxilia nos rumos do projeto. É necessário que a escola tenha mais atividades lúdicas com seus estudantes para que promova o conhecimento de forma prazerosa.
Referências
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Publicado em 01 de outubro de 2024
Como citar este artigo (ABNT)
LAPORT, Bruno Luiz. A recuperação de áreas degradadas como ferramenta de campo na Educação Básica. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 36, 1º de outubro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/36/a-recuperacao-de-areas-degradadas-como-ferramenta-de-campo-na-educacao-basica
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