Reprovação escolar em uma escola de referência em Ensino Médio: impactos da proposta de ensino integral

Carlos Eduardo Gomes da Silva

Mestre em Educação (PPGE/UPE), gestor escolar da rede estadual de Ensino de Pernambuco, membro do grupo de pesquisa Políticas Educacionais, Sujeitos, Docência e Currículo

Doriele Andrade Duvernoy

Doutora em Educação (Université Lumière Lyon 2), livre-docente (UPE), professora no curso de Pedagogia e no Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE/UPE), líder do grupo de pesquisa Políticas Educacionais, Sujeitos, Docência e Currículo

A reprovação escolar está inserida na escola como um elemento pertencente ao fracasso escolar, mas tem se movimentado nesse espaço de forma múltipla. Para os professores a reprovação pode ser utilizada como estratégia de controle e punição, para os familiares, como momento de crise e readaptação de rotinas e, para os estudantes, como uma oportunidade de levar os estudos mais a sério, aprender de forma mais organizada e realizar um reforço de responsabilização individual.

A estrutura escolar, apesar de ter adotado estratégias como ensino seriado por ciclos e progressões parciais, ainda eleva a reprovação a um patamar único nos processos de avaliação. Um estudante que é reprovado representa aquele que não se esforçou, que tem problemas cognitivos ou que não se adequou às estratégias de ensino-aprendizagem. Ele é pouco visto como um sujeito que, ao ser observado em sua integralidade e de forma continuada, pode passar por um processo gradativo que evita ou diminui a sua reprovação. Esse processo requer tempo, exigindo um olhar cuidadoso ao contexto em que o estudante está inserido, observando-se a sua readequação à rotina, além da participação das famílias, dos professores e da gestão escolar. Que escola é possível construir para facilitar a implantação dessas práticas?

Este artigo é resultado de uma pesquisa-ação diagnóstica em uma escola pública de tempo integral. Ele tem por objetivo defender que o estabelecimento de uma educação de tempo integral, que considere o estudante em sua integralidade, contribui para repensar os processos de fracasso escolar, diminuindo a reprovação nas escolas. Para isso, foram analisados dados de reprovação de uma escola pública da cidade do Recife no período de 2001 a 2018. Em paralelo, criou-se um grupo focal com estudantes considerados prioritários, com o acompanhamento dos seus rendimentos durante um ano. O acompanhamento desses estudantes foi fundamental para a aprovação ou para a sua progressão parcial, contribuindo para a criação de um método de monitoramento de rendimento escolar que considera o núcleo gestão escolar-docentes-discente-família como responsáveis pelo avanço escolar desses estudantes.

Breve histórico da reprovação escolar no ensino brasileiro

A reprovação é um dos pilares do fracasso escolar e pode ser definida como a repetição de uma etapa da escolarização que não foi completada por múltiplos fatores. É reducionista demais acreditar que a reprovação está centrada apenas nas dificuldades cognitivas do estudante. Existem raízes históricas para entendermos a reprovação como um fenômeno, situando-a historicamente a fim de compreendê-la em sua relação com fatores sociais e econômicos.

No período republicano, eclodiu no Brasil o ideário político liberal. Nessa época se encontra um dos fundamentos para explicar as diferenças de rendimento escolar entre as classes sociais. Para Patto (1999), finalizado o trabalho escravo e observando-se o nascimento da categoria social do trabalhador criam-se as condições para que os indivíduos se distribuam socialmente por meio de suas aptidões naturais. Em 1827, uma lei determinava a criação de escolas de Ensino Básico em todas as cidades, mas o Estado garantiu o desenvolvimento do ensino secundário e superior, voltados aos mais ricos, repetindo uma estrutura europeia e liberal. A educação escolar era privilégio de poucos e menos de 3% da população frequentava a escola. Em todos os níveis, 90% da população adulta era analfabeta (Patto, 1999).

Durante a Primeira República, a política repetia o caráter autoritário e elitista. Mesmo com o novo regime, o crescimento da rede pública de ensino era inexpressivo e o país possuía cerca de 75% de analfabetos. Após os quarenta anos de República Velha foram criadas perspectivas de mudanças sociais, econômicas e políticas que levariam à revolução de 30. Durante esse período a sociedade já tinha se modificado nos centros urbanos, a industrialização já era presente e havia uma crescente urbanização. Os movimentos nacionalistas, tenentistas e modernistas se apoiavam na evocação dos princípios liberais e no entusiasmo pela educação (Patto, 1999).

O otimismo pedagógico, à época, movimentado por uma ideia de sociedade igualitária, segundo Patto (1999), não resultou em mudanças imediatas na educação brasileira. Para a autora, “apesar das várias reformas educacionais ocorridas no país durante as quatro décadas desse período, as oportunidades de educação escolar das classes populares continuavam muito pequenas” (p. 83). A partir dos anos 30 a rede pública de ensino brasileira se torna uma realidade e, a partir dela, foram organizadas as estruturas de produção e avanço nos processos de ensino que levaram às análises de rendimento de fracasso escolar que historicamente são um problema a ser enfrentado pela Educação Básica.

Para quem eram atribuídas as dificuldades de aprendizagem e o fracasso escolar na história da educação do Brasil? Aspectos hereditários, disfunções de ordem cognitiva ou neurológica, racismo em relação à população negra e indígena - considerados inferiores desde sempre -, o imaginário da população rural como preguiçoso e a proliferação da imagem preconceituosa do “Jeca Tatu” (Patto, 1999). Só a partir do desenvolvimento da Psicologia e da Pedagogia, o entendimento sobre os fatores que contribuem para o fracasso escolar foram considerados, não apenas aqueles centrados no indivíduo, mas os relacionados à estrutura social, à estrutura econômica e à estrutura familiar, além daqueles relativos às perspectivas de trabalho e futuro, como a organização da escola, a formação de professores e as diferenças culturais.

Buscando uma conceituação sobre o fracasso escolar e a reprovação, a partir de um estudo do estado da arte em pesquisas no período de 1991 a 2002, Angelucci et al. (2004) conseguiram agrupar o fracasso escolar em categorias que nos ajudam a entender como ela se fez presente na educação brasileira. As autoras reuniram pesquisas sobre a forma com o fracasso escolar era compreendido no Brasil, dividindo-as de acordo com a tabela abaixo:

Tabela 1: Perspectivas do fracasso escolar a partir de pesquisas

Organização do fracasso

Atores

Concepções

Problema psíquico

Estudantes e familiares

Fracasso deve-se a incapacidade intelectual dos alunos, que prejudicam a aprendizagem escolar. E teriam inibição intelectual causada por dificuldades emocionais adquiridas em relações familiares patológicas. Não há a articulação das questões sociais, econômicas e culturais e a escola se apresenta como secundária na responsabilização do fracasso.

Problema técnico

Professor

O fracasso escolar estaria atribuído a técnicas de ensino inadequadas ou falta de formação apropriada do professor. Baseia-se na tese de que os professores são preparados para escolarizar crianças ideais e são confrontados com estudantes das escolas públicas, com muitas dificuldades de aprendizado. Acredita que os estudantes possuem dificuldades de ordem emocional e cultural que podem ser sanadas ao ser aplicada a técnica de ensino adequada pelo professor

Questão institucional

Escola

O fracasso escolar seria um fenômeno presente desde o início da instituição da rede pública de ensino no Brasil. As políticas públicas da estrutura de ensino ausentes ou excludentes são responsáveis pelos altos índices de abandono e reprovação.

Questão política

Relações de poder estabelecidas

O fracasso seria produto da lógica constitutiva da sociedade de classes, nas relações de poder estabelecidas dentro da escola. Criticam as perspectivas individualizantes do fracasso e reafirmam a constituição do sujeito aprendente como ser social, inserido numa sociedade e que organiza seus processos de aprendizado a questões econômicas, sociais, culturais, políticas, enfrentamento de violências, racismo e desigualdades.

Em se tratando de estrutura, a partir da década de 1960, as redes públicas de ensino municipal e estadual adotaram políticas para repensar a não reprovação anual e outras perspectivas de progressão. A partir dos anos 1980, o sistema de ciclos foi adotado em muitos estados e as progressões continuadas se disseminaram. Essa mudança se deu a partir da compreensão de processos mais plurais, envolvendo o aprendizado e visando a democratização do ensino. Para Jacomini (2010), mesmo com essa mudança de visão, a exclusão, o baixo desempenho escolar, a evasão e a posterior reprovação ainda aconteciam, mesmo nas escolas onde havia a progressão continuada, pois essas escolas não garantiam os recursos necessários à sua realização. A autora realizou uma pesquisa com pais e estudantes da rede pública de ensino no estado de São Paulo e concluiu que pais e estudantes pesquisados enxergam na reprovação uma perspectiva punitiva ou de chance de melhora, sendo favoráveis à reprovação anual em estruturas seriadas.

Em outro estudo sobre reprovação escolar, Santos e Sant’ana (2013) investigaram as concepções de estudantes a respeito da reprovação escolar por meio de suas trajetórias, após vivenciarem a repetência. Para as autoras, a primeira constatação foi perceber que a reprovação é vista como necessária e como estratégia de controle dos processos escolares, sendo utilizada pelos(as) docentes como perspectiva de punição. Os estudantes acreditam na reprovação como nova possibilidade de aprendizado e uma maneira de se conscientizar sobre suas dificuldades. Os adolescentes entrevistados tinham convicção de que a reprovação os faria obter melhores resultados na série repetida e se responsabilizariam totalmente pelo fracasso. As autoras concluem que os sentidos para a reprovação flutuam entre ser aceita como responsabilidade única do estudante e ser vista como perda de tempo por aqueles que almejam um avanço na caminhada escolar.

A reprovação não é vista, portanto, nem por alunos nem por professores, como um indicativo de fracasso escolar individual nem como única responsabilidade do professor e/ou do aluno. Quais são as estratégias que podem ser pensadas para que a reprovação seja inserida na discussão do fracasso escolar não como possibilidade, mas como indicativo de que a estrutura escolar pode modificar fatores internos e externos?

Os fatores externos partem do entendimento do fracasso escolar e da reprovação como questões sociais (Carraher; Schiliemann, 1983) que exigem um olhar mais responsável da família, dos contextos econômicos e políticos (em que o estudante está inserido) e que devem ser considerados no processo de avaliação da Educação Básica. É possível pensar também que os fatores internos devem ser repensados e incluir a organização de um processo de progressão parcial democrático, também a criação de uma jornada de ensino semi ou totalmente integral para garantir um local de estudos que oferte a oportunidade ao aprendizado, à alimentação e ao lazer, assim como uma organização curricular que incentive e favoreça o estudo individual e os processos diversificados para o acesso à cultura, aos projetos e ao protagonismo no ambiente escolar. Todos esses são elementos-chave para diminuir ou eliminar a reprovação.

Educação integral e reprovação escolar

O estabelecimento de uma educação de tempo integral que considere o estudante em sua integralidade, contribui para repensar os processos de fracasso escolar e diminuir a reprovação nas escolas. Um indicativo dessa tese é a organização da educação pernambucana que vem se modificando para estabelecer políticas públicas, com o objetivo de disseminar a Educação Integral no estado. Pernambuco conta, segundo o censo escolar publicado pelo INEP em 2017, com 147.171 matrículas no Ensino Médio, em escolas estaduais urbanas no regime parcial e 140.472 matrículas no Ensino Médio, em escolas estaduais urbanas em regime de tempo integral (INEP, 2018).

A partir do exposto é possível dizer que, com o estabelecimento do Programa de Educação Integral no estado, os índices de reprovação no Ensino Médio diminuíram. Qual a contribuição dessa política pública para o aumento do engajamento e da permanência dos estudantes na escola? Voltar o olhar para uma escola de Ensino Integral e suas práticas pode dar um panorama de como políticas públicas e práticas pedagógicas atuam para a diminuição do fracasso escolar?

O processo de formação de um programa de ensino integral em Pernambuco teve início a partir de uma parceria público-privada no ano 2000. O Centro de Ensino Experimental Ginásio Pernambucano foi escolhido para ser o projeto piloto de um modelo educacional proposto por um grupo de empresários. A parceria reestruturou a parte física da escola e organizou um modelo de gestão com vieses empresariais (Benittes, 2014). No período de 2007 a 2010, segundo Dutra (2013), o Governo do Estado criou, para as Secretarias Estaduais de Saúde, Segurança e Educação, um mapa estratégico de acompanhamento mensal das ações desenvolvidas por meio do Programa de Modernização da Gestão Pública.

Para a Secretaria de Educação, estabeleceram-se dez eixos estratégicos cuja meta se centralizava na criação do Programa de Educação Integral, a fim de reestruturar o Ensino Médio no estado. Críticas ao novo modelo de ensino, implantado em Pernambuco, tem sido feitas por Nora Krawczyk (2014). Para a autora, o modelo de escolas de Ensino Integral traz uma “política universalista, nem sempre acompanhada de reforma física das escolas nem de reformulação curricular, mas sempre partindo de reformulações na gestão das escolas e nas condições de trabalho docente” (p. 29). Para Dutra (2013, p. 16),

o referido programa priorizou a melhoria da qualidade da educação, tendo como uma das metas a ampliação de matrículas no Ensino Médio Integral. Contou com o reordenamento da Rede Estadual, criando as Escolas de Referência em Ensino Médio (EREM) e as Escolas Técnicas (ETE), exclusivas de Ensino Médio.

Nas EREM são adotadas as concepções da Educação Interdimensional e o Protagonismo Juvenil, ideias que norteiam a proposta educacional de Antonio Carlos Gomes da Costa (2007) e que contempla ações para quatro dimensões do humano: logos (racionalidade), o pathos (afetividade), o eros (corporeidade) e o mytho (espiritualidade). A pedagogia da presença e a resiliência são conceitos que também fazem parte do processo de construção da proposta pedagógica e estão presentes em todas as formações continuadas promovidas pela Secretaria de Educação do estado (Morais, 2013).

Para a implantação do modelo de Ensino Integral, é preciso observar que a maioria das escolas estaduais do estado oferecia o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Foi necessário, então, haver uma reestruturação para que as EREM passassem a oferecer, exclusivamente, turmas de Ensino Médio.

Pernambuco realizou a implantação das Escolas de Referência oferecendo dois tipos de modalidades: as escolas de jornada integral, que funcionavam em dois turnos com 9 horas-aula diárias e as de jornada semi-integral, que funcionavam semanalmente em cinco turnos e dois contra-turnos, com 5 horas-aula em cada turno. A carga horária mínima obrigatória foi ampliada e passou de 2.400 horas para 4.500 horas para as escolas de jornada integral, com 4.000 horas para as escolas de jornada semi-integral (Dutra, 2013).

Atualmente está sendo implantada no estado uma nova modalidade: a escola semi-integral de dois turnos, com 7 horas-aula por turnos – 1º turno das 7h às 14h e 2º turno das 14h20 às 20h40 – com o objetivo de atender aos estudantes que necessitem trabalhar, oferecedo a esse público a oportunidade de estar numa escola de referência ainda que em exercício profissional, por meio de empregos informais, estágios ou parcerias com programas semelhantes ao Menor Aprendiz.

Figura 1: Evolução do quantitativo de EREM em Pernambuco nos anos de 2006 a 2013

Fonte: Dutra, 2013.

A rede estadual de Pernambuco, em 2018, antecipou a meta do Plano Nacional de Educação para 2024, oferecendo 51% das vagas do Ensino Médio em escolas em tempo integral, contando com uma rede de 372 escolas nessa modalidade, sendo 332 EREM e 40 Escolas Técnicas.

Diante do exposto, a partir do cruzamento do estabelecimento do Ensino Integral e da implantação das Escolas de Referência em Ensino Médio, com a diminuição dos índices, a presença dessa política pública educacional foi um dos fatores para a diminuição dos índices e para a desaceleração do processo de evasão escolar no estado de Pernambuco, já que há no estado mais de 320 escolas de tempo integral em funcionamento. Considerando o fenômeno da evasão escolar como complexo e multifacetado, o estabelecimento e o cumprimento das políticas públicas garantem o acesso, mas é injusto admitir esse fator como única possibilidade para diminuição ou eliminação da evasão escolar.

Entendendo que afirmar que apenas cumprir a jornada integral, mantendo os estudantes na escola durante dois turnos, não é o suficiente para sustentar a hipótese anteriormente descrita, devemos avançar para a análise da escola como objeto de estudo. Nas discussões sobre a reprovação escolar, para além dos números, é necessário lançar um olhar para a comunidade escolar como um todo, tornando o currículo um construto colaborativo e participativo de toda a comunidade.

É necessário também envolver os estudantes e os professores em um projeto de construção de significados para os três anos de formação do Ensino Médio. Além disso, a estrutura física deve ser adequada para comportar de forma confortável a comunidade escolar e ela deve servir como ponto confluente para promover ações que também aproximem os agregamentos familiares e os moradores do entorno da escola.

A perspectiva de monitoramento do rendimento escolar também se apresenta como estratégia, não só de acompanhamento da rotina escolar dos estudantes, mas também como uma ferramenta de mudança. O estudante monitorado e acompanhado de perto deixa de ser um potencial aluno reprovado e passa a ser um sujeito cuja comunidade escolar está interessada em aceitar, em promover um melhor rendimento e um avanço para a série subsequente.

A EREM Professor Trajano de Mendonça e a reprovação: pesquisa-ação diagnóstica

Localizada no bairro de Jardim São Paulo, a Escola de Referência em Ensino Médio Professor Trajano de Mendonça foi fundada no ano de 1957. Em todos esses anos de sua história já foi escola de Ensino Regular. Em 2010, ingressou no rol das escolas de jornada semi-integral e, em 2017, migrou para a jornada integral. A escola, considerada de pequeno porte, conta com 14 turmas e possui ensino noturno na categoria Educação de Jovens e Adultos (EJA). Sua estrutura conta com biblioteca, quadra de esportes, laboratório de informática, laboratório de Ciências e Matemática, sala de recursos multifuncionais e grêmio estudantil organizado. Possui internet banda larga acessível para estudantes e professores e em seu quadro docente há especialistas, mestres e doutores. A referida escola foi escolhida como lócus da pesquisa e a metodologia utilizada foi dividida em dois momentos: uma pesquisa quantitativa, utilizando dados de reprovação da escola no período de 2001 a 2018, e uma pesquisa-ação diagnóstica.

A pesquisa-ação educacional é uma estratégia utilizada por professores e pesquisadores que utilizam a metodologia para aprimorar seu ensino, podendo ser utilizada em processos gerenciais que envolvem estudantes, professores e equipe gestora. A pesquisa-ação é um tipo de investigação-ação que possui um ciclo que se movimenta entre o agir e o investigar no campo da prática. O professor é o pesquisador e o ator dos processos e os estudantes são atores e pesquisadores do processo (Tripp, 2005; Thiollent, 1986). O planejamento da pesquisa-ação aplicada neste estudo seguiu o esquema detalhado na Figura 2.

Figura 2: Etapas da pesquisa

Fase exploratória

Iniciando o percurso metodológico, após uma revisão bibliográfica exploratória a respeito do tema, utilizamos documentos e dados para entender o processo de reprovação da escola em questão. Utilizamos dados estatísticos e o Projeto Político Pedagógico (PPP) da EREM (2018).

Para situar os dados da escola com o contexto da região em que ela está inserida, buscamos no censo escolar os dados da escolas públicas de Pernambuco, apresentados na Tabela 2.

Tabela 2: Dados do censo escolar sobre o fluxo escolar do EM nas escolas públicas urbanas em Pernambuco

Ensino Médio

 

Reprovação

Abandono

Aprovação

1º ano EM

10,8%

(11.476 reprovações)

1,9%

(2.019 abandonos)

87,3%

(92.760 aprovações)

2º ano EM

7,1%

(6.147 reprovações)

1,3%

(1.126 abandonos)

91,6%

(79.301 aprovações)

3º ano EM

3,6%

(2.795 reprovações)

1,0%

(777 abandonos)

95,4%

(74.053 aprovações)

Fonte: Censo Escolar 2017, INEP, 2018; www.qedu.org.br, 2018.

Os dados de reprovação da escola foram fornecidos pela plataforma Sistema de Informações Educacionais de Pernambuco (Siepe) e compreendem os anos de 2010 a 2018, sendo o ano de 2010 o ano em que se deu a implantação do sistema na escola (Tabela 3). Para obtenção dos dados dos anos anteriores ao Siepe foi realizada uma pesquisa nas atas dos resultados finais.

Tabela 3: Dados de reprovação do 1º ano do Ensino Médio da EREM Professor Trajano de Mendonça nos anos de 2001 a 2018

Ano

Percentual de reprovação

2001

65,5

2002

62

2003

67,3

2004

68,4

2005

68,4

2006

75,8

2007

63,4

2008

74,6

2009

59,2

2010

46,3

2011

28,4

2012

25,7

2013

25,1

2014

17,0

2015

21,5

2016

22,8

2017

14,6

2018

8,8

Fonte: Siepe.

Entre os anos de 2001 a 2009, quando a EREM funcionava apenas na modalidade de Ensino Regular, observamos que os índices de reprovação foram altos em 2010. A escola passou a oferecer jornada semi-integral, mas contava apenas com as turmas de 1° ano na modalidade. Nesse ano foi possível observar uma queda significativa no número de reprovação. Em 2017, a escola passou a ofertar aos alunos do 1º ano a jornada de tempo integral e já nesse ano observamos uma queda no percentual de reprovação, ainda considerado alto se comparado à taxa nacional de 15,3%, divulgada pelo INEP, com dados do Educacenso de 2017. Observamos uma queda significativa no ano 2018, depois de uma intervenção realizada por esse estudo.

Tabela 4: Percentual de reprovação por tipo de modalidade de ensino da EREM Prof. Trajano de Mendonça

Reprovação no 1º ano do Ensino Médio

Jornada

Reprovação

Regular

67,18%

Semi-Integral

26,69%

Integral

11,70%

Fonte: Siepe.

Fase planejamento

A partir dos dados do Siepe foram considerados como estudantes prioritários para estabelecimento de um grupo focal 26 estudantes do 1° ano em 2018. Os estudantes foram apontados pelos professores em reunião pedagógica e considerados a partir dos seguintes critérios: baixa frequência, quantidades de disciplinas com resultados abaixo da média, média no bimestre, participação em conflitos na sala de aula e reprovações anteriores.

Os estudantes foram informados que estariam sendo acompanhados e as suas famílias foram convidadas para comparecer à escola para tomar conhecimento do acompanhamento por meio do grupo focal. Nessa ocasião, os estudantes receberam o instrumento de acompanhamento elaborado, incentivando-os a se organizarem para estudar em casa, acompanhados por suas famílias e pela equipe gestora da escola.

Fase ação

Foram realizados encontros semanais durante o 4º bimestre do ano letivo de 2018 com os estuantes do grupo focal, para o acompanhamento dos estudos realizados e das tarefas solicitadas pelos professores durante a semana. Os encontros aconteceram durante as aulas de estudo dirigidos e os estudantes apresentavam as suas dificuldades da semana, além do instrumento de acompanhamento onde ficavam registradas as atividades solicitadas e as realizadas. Os estudantes apresentavam suas diversas dificuldades aos professores que buscavam soluções para facilitar a realização das tarefas, não apenas do grupo focal como de todos os estudantes.

A dificuldades pessoais eram levadas aos professores como justificativas, solicitando um novo prazo, quando era o caso. Das dificuldades coletivas, a mais apresentada pelos estudantes era a grande quantidade de disciplinas que solicitavam a entrega de tarefas para o mesmo dia. Os professores criaram uma agenda de atividades que ficava exposta ao lado do quadro branco nas salas de aula, permitindo ao professor equilibrar a quantidade de atividades a serem entregues por dia.

Fase avaliação

Com o instrumento de acompanhamento e de autogestão do seu estudo, os estudantes exerceram o protagomismo e sentiram-se mais próximos de seus professores e da gestão da escola, que estavam mais preocupados com suas difculdades diárias e com o seu apredizado. Dos 26 estudandes que participaram do grupo focal apenas seis não fora aprovados.

A Tabela 5 apresenta os resultados de cada estudante. Em Pernambuco, o aluno é classificado para a série seguinte, mesmo que seja reprovado em até três disciplinas, sendo aprovado em progressão parcial. A progressão plena acontence quando o estudante é aprovado em todas as disciplinas.

Tabela 5: Resultado individual dos estudantes que participaram do grupo focal

Resultado do grupo focal

Aluno

Número de disciplinas abaixo da média 3º bimestre

Número de disciplinas abaixo da média 4º bimestre

Resultado

A1

5

1

Progressão Parcial

A2

7

3

Progressão Parcial

A3

8

0

Progressão Plena

A4

8

3

Progressão Parcial

B1

6

3

Progressão Parcial

B2

8

6

Reprovado

B3

6

3

Progressão Parcial

B4

10

3

Progressão Parcial

B5

6

0

Progressão Plena

B6

6

3

Progressão Parcial

C1

5

1

Progressão Parcial

C2

9

8

Reprovado

C3

8

6

Reprovado

C4

9

3

Progressão Parcial

D1

7

3

Progressão Parcial

D2

10

11

Reprovado

D3

6

1

Progressão Parcial

E1

7

0

Progressão Plena

E2

10

3

Progressão Parcial

E3

7

7

Reprovado

E4

7

8

Reprovado

E5

6

2

Progressão Parcial

E6

4

0

Progressão Plena

E7

9

2

Progressão Parcial

E8

4

2

Progressão Parcial

E9

5

2

Progressão Parcial

Do total de 26 estudantes do grupo focal, tivemos quatro com progressão plena, 16 com progressão parcial e seis reprovados.

Considerando que a escolha para a composição do grupo focal foi de estudantes prioritários, a partir dos critérios de baixa frequência, de quantidades de disciplinas (abaixo da média), da média no bimestre, da participação em conflitos na sala de aula e de reprovações anteriores, dos 26 estudantes com esse perfil de risco externo de reprovação, 20 conseguiram sucesso no final do processo.

As Figuras 3 e 4 mostram o resultado geral do 1º ano da escola e o resultado por turma, apresentando um gráfico da prévia do número de reprovação de cada bimestre. Nesse gráfico, verificamos que nos encontros realizados com os professores repercutiu não apenas o grupo focal, mas o resultado geral da escola.

Figura 3: Reprovação geral do 1º ano.

Figura 4: Reprovação por turma de 1º ano da escola

Fase implantação

Os gráficos dos resultados do 1° ano mostram uma queda significativa durante o período da intervenção desta pequisa, comprovando a eficiência do instrumento de acompanhamneto e da auto-gestão dos estudos. O ano letvo de 2019 na EREM Professor trajano de Mendonça utilizou esse instrumento com os alunos prioritários. Como no início do ano os estudantes ainda não fizeram nenhuma avaliação, o grupo dos alunos repetentes formaram o primeiro grupo de alunos prioritários.

Assim, o instrumento desta pesquisa se tornou parte do processo pedagógico da escola, favorecendo tanto a pedagogia da presença como o protagonismo juvenil e podendo ser um recurso para a utilização em outra escolas.

Considerações finais

A educação de tempo integral considera o estudante em sua integralidade, contribuindo para repensar os processos do fracasso escolar e diminuindo a reprovação nas escolas.

O acompanhamento desses estudantes foi fundamental para a aprovação e/ou progressão parcial de parte do grupo, criando um método de acompanhamento escolar para considerar o núcleo gestão escolar-docentes-discente-família como responsáveis pelo avanço escolar dos estudantes.

Com o instrumento de acompanhamento e de auto-gestão do estudo, os estudantes exerceram o protagomismo e se sentiram mais próximos de seus professores, superando as dificuldades diárias.

Referências

ANGELUCCI, Carla Biancha et al. O estado da arte da pesquisa sobre o fracasso escolar (1991-2002): um estudo introdutório. Educação e Pesquisa, v. 30, n° 1, 2004.

BRASIL. Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996.

BENITTES, Valéria Lima Andrioni. A política de Ensino Médio no Estado de Pernambuco: um protótipo de gestão da educação em tempo integral. Recife, 2014.

CARRAHER, Terezinha N.; SCHILIEMANN, Analúcia. Fracasso escolar: uma questão social. Cadernos de Pesquisa, n° 45, 1983.

COSTA, A. C. G. Protagonismo juvenil: adolescência, educação e participação democrática. São Paulo: FTD, 2007.

DUTRA, Paulo Fernando de Vasconcelos. Educação integral no Estado de Pernambuco: uma realidade no Ensino Médio. Dissertação (Mestrado Profissional em Gestão e Avaliação da Educação Pública) – Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2013.

EREM PROFESSOR TRAJANO DE MENDONÇA. Projeto político-pedagógico. 2018.

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Sinopse Estatística da Educação Básica 2017. Brasília: INEP, 2018. Disponível em:https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/sinopses-estatisticas/educacao-basica.

JACOMINI, Márcia Aparecida. Por que a maioria dos pais e alunos defende a reprovação? Cadernos de Pesquisa, v. 40, n° 141, 2010.

KRAWCZYK, Nora. O ensino médio no Brasil. São Paulo: Ação Educativa, 2009.

KRAWCZYK, Nora et al. Ensino Médio: empresários dão as cartas na escola pública. Educação & Sociedade, 2014.

MORAIS, E. V. de. Utilizações das escolas de referência em Ensino Médio pelo governo do Estado de Pernambuco: uma análise do programa de educação integral. (Dissertação) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013.

PATTO, Maria Helena Souza. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.

SANTOS, Jéssica Augusta; SANT’ANA, Ruth Bernardes. Significações da reprovação escolar por alunos adolescentes de escola pública. Educação, v. 38, n° 3, 2013.

THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 1986.

TRIPP, David. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educação e Pesquisa, v. 31, n° 33, 2005.

Publicado em 08 de outubro de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

SILVA, Carlos Eduardo Gomes da; DUVERNOY, Doriele Andrade. Reprovação escolar em uma escola de referência em Ensino Médio: impactos da proposta de ensino integral. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 37, 8 de outubro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/37/reprovacao-escolar-em-uma-escola-de-referencia-em-ensino-medio-impactos-da-proposta-de-ensino-integral

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.