A Álgebra no cotidiano: identificando a materialização do conteúdo matemático nas atividades da comunidade quilombola de Barreiros de Itaguaçu da Bahia

Jefferson Nascimento de Brito

Graduando em Educação do Campo com habilitação em Matemática (UFRB)

Magno Souza de Oliveira

Graduando em Educação do Campo com habilitação em Matemática (UFRB)

Soraia Bastos de Carvalho

Graduanda em Educação do Campo com habilitação em Matemática (UFRB)

A presente pesquisa relata uma atividade do Tempo Comunidade (TC) da componente curricular Álgebra II do curso de Licenciatura em Educação do Campo com Ênfase em Matemática da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), desenvolvida pelos estudantes de nível superior da 11ª etapa, pertencente à Comunidade Quilombola de Barreiros, lócus da atividade. Nessa direção, teve-se por objetivo analisar os estoques de quatro mercadinhos da comunidade quilombola de Barreiros de Itaguaçu da Bahia; construir matrizes algébricas com os dados coletados; gerar material didático que possa servir de base para nossa formação.

Itaguaçu da Bahia pertence à mesorregião Vale do São Francisco da Bahia, que fica situada na microrregião de Barra. Sua área territorial é de 4.310,238km2, com população estimada, em 2017, de 14.718 habitantes, segundo o censo do IBGE. A distância da capital Salvador é de quase 550km. O município faz limite com as cidades de Sento Sé, Jussara, Central, Ibipeba, Gentio do Ouro e Xique-Xique. A comunidade de Barreiros sobrevive predominantemente da agricultura familiar e de pequenos comércios locais, como açougues, padarias, lanchonetes, bares e os mercados nos quais foi feita a pesquisa. Os nomes dos mercados são: Mercado Confiança, Mercado Carvalho, Mercado Rodrigues e Mercado Silva.

Este trabalho se justifica por ser uma das partes do tempo formativo dos discentes da Licenciatura em Educação do Campo; esse período permite que os estudantes coloquem em prática todo o conhecimento apreendido durante o Tempo Universidade (TU) e desenvolvam possibilidades de ensino diferenciado baseado na realidade dos estudantes do campo/cidade. Esse material produzido durante o curso é muito útil na construção das práticas de ensino voltadas a esse contexto.

É necessário compreender que a realidade dos povos do campo não está somente condicionada ao plantio ou à terra; envolve diversas questões culturais, sociais e econômicas, entre outras, que moldam a vida daquela população. Ou seja, não podemos objetificar os povos do campo e dizer que trabalhamos com a realidade dos estudantes do campo somente por tal coisa estar no campo e o sujeito conhecer; há várias outras nuances que perpassam essa realidade; é preciso desconstruir a visão de um campo único, a diversidade que existe numa comunidade quilombola não é a mesma de uma aldeia indígena; fundo e fecho de pasto são realidades distintas, cada uma com suas especificidades, cultura e identidade própria, possuem formas próprias de compreender a História, Ciência, Geografia e Matemática.

No que tange à Álgebra, os órgãos governamentais competentes para organizar a grade curricular e propor as habilidades e competências do pensar algebricamente, como definem os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), ressaltam que assuntos como os de Álgebra podem ser apresentados nos anos iniciais, porém é no Ensino Fundamental II que o conteúdo é trabalhado de forma aprofundada. Assim, trabalhando a exploração de situações problema, eles já terão mais propriedades de funções algébricas, equações, estabelecimento de relação entre grandezas, entre outros conhecimentos que servem de base para a Álgebra. Esse encaminhamento dado à Álgebra, com base na generalização de padrões, e o estudo da variação de grandezas possibilitam a exploração da noção de função nos terceiros e quarto ciclos (atualmente do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental). Entretanto, a abordagem formal desse conceito deverá ser objeto de estudo do Ensino Médio (Brasil, 1998, p. 50-51).

A Educação do Campo busca trabalhar conteúdos como esses de Álgebra, utilizando mecanismos que atraiam e façam parte do contexto no qual o sujeito está inserido para que aquilo tenha algum sentido, principalmente na materialização do conhecimento no seu cotidiano. Para Caldart (2010), uma das contribuições das práticas e reflexões da Educação do Campo para pensar a transformação da escola, e talvez mais significativa, relaciona-se à discussão de suas finalidades educativas, desencadeadas pelo reconhecimento da especificidade dos sujeitos concretos a que essas práticas se destinam.

Dessa forma, a pesquisa leva a compreender a relação da Matemática com o cotidiano, demonstrando a importância da Matemática para a vida das pessoas, facilitando as questões financeiras de entrada e saída de tudo que esteja à sua volta, além da importância da relação entre o Tempo Comunidade e o Tempo Universidade a partir do trabalho de campo.

Metodologia

A metodologia usada neste trabalho é de cunho qualitativo e se dá a partir do método da pesquisa-ação; deve se encarar a pesquisa-ação como uma das muitas formas de investigação-ação, a qual é sucintamente definida como toda tentativa continuada, sistemática e empiricamente fundamentada de aprimorar a prática. Nesse processo metodológico, o(a) pesquisador(a) está inserido(a) no contexto, no processo de investigação.

Tendo esse horizonte metodológico como norte, houve a pesquisa de campo a partir de uma entrevista semiestruturada, feita em quatro supermercados da Comunidade Quilombola de Barreiros; obtiveram-se as informações necessárias para o desenvolvimento da atividade. Com os dados, foram geradas matrizes e, a partir disso, um material didático que pode ser utilizado durante as aulas desse conteúdo.

Dados coletados e contextualização da pesquisa

Nesses mercados foram analisados os estoques desses seguintes alimentos: arroz, açúcar e feijão. A Tabela 1 mostra como ficou o estoque dos alimentos.

Tabela 1: Estoque dos alimentos, em fardos

Mercados

Arroz

Açúcar

Feijão

Confiança

90

75

60

Shalom (Silva)

30

20

15

Rodrigues

60

50

30

Carvalho

15

10

8

A Matriz A representa os estoques analisados nos mercadinhos; é dada por:

A =

Ressaltamos que cada linha da matriz representada na Tabela 1 significa os mercados; as colunas representam os estoques de alimentos. Quando os estoques dos mercados estão baixos, é natural que os mercados se reabasteçam para que não venha a faltar o produto nas prateleiras, para não deixar os consumidores na mão. Suponha que os mercados receberam nova quantidade de alimentos para abastecer os estoques; a nova remessa dos produtos está representada na Matriz B.

B =

Agora, com o estoque da matriz A somado a essa nova remessa de alimentos representada na matriz B, geramos uma nova matriz C, ficando assim:

A + B = C

A + B =  +   =  = C

C =

Depois de fazer a soma de matrizes A+B, gerando uma nova matriz C, o passo seguinte foi identificar o preço de cada fardo (o qual equivale a 30kg) de arroz, açúcar e feijão (lembrando que o preço de cada produto é o valor do preço médio comercializado nos mercados locais, pois cada mercado tem sua política de preço). A média de preço de cada produto é calculada da seguinte forma: arroz = R$135,00, açúcar = R$120,00, feijão = R$285,00. De acordo com a média de preço, gerou-se uma matriz D utilizando os preços obtidos dos produtos.

                              D:

Feitos todos esses levantamentos de dados, geramos uma pergunta: de acordo com a pesquisa de campo desenvolvida nos mercados, qual é o valor total dos produtos em estoque correspondente a cada mercado?

C . D = V de valor total

C . D  =  .  = =

 =  = V

V =

A nova matriz V identifica o preço total de estoque de cada mercado.

Suponha-se, agora, que, após 9 semanas, o estoque dos mercadinhos da comunidade é representado pela matriz M.

   M =

Qual o número de fardos de alimentos  vendidos de cada alimento durante esse periodo? O número de fardos comercialiados durante esse periodo está representado pela matriz P.

C - M =  –  =  =

= P                           P =

Qual o valor arrecadado por cada comerciante da comunidade durante a venda desses alimentos no periodo? O resultado esta representado pela matriz R.

P . D =  .  =    =

  =  =  R

R =

Considerações finais

Esta pesquisa possibilitou o desenvolvimento de uma atividade bastante interessante, que poderá ser utilizada durante as aulas de Álgebra que envolvem matrizes; a experiência pode ser repetida em diversos contextos, permitindo ao professor e aos estudantes que a realizem a partir de sua realidade, podendo ser feita e dialogada com os diversos meios do campo/cidade, e problematizem questões do dia a dia dos estudantes que muitas vezes não são discutidas em sala ou que passam despercebidas. Assim, demonstra-se que a Matemática também pode trabalhar na perspectiva crítica baseada na vida dos sujeitos que adentram o espaço escolar.

Referências

BRASIL. MEC/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais - Matemática: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

CALDART, R. S. Licenciatura em Educação do Campo e projeto formativo: qual o lugar da docência por área? Cadernos Iterra, São Paulo, nº 15, set. 2010.

COELHO, F. U.; AGUIAR, M. A história da Álgebra e o pensamento algébrico: correlações com o ensino. Estudos Avançados, v. 32, nº 94, p. 171–187, dez. 2018. DOI: https://doi.org/10.1590/s0103-40142018.3294.0013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ea/a/6KryLd3HngCnBwJtWFHxSHj/?lang=pt&format=pdf.

‌TRIPP, D. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Research Gate, dez. 2005. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/255601809_Pesquisa-acao_Uma_introducao_metodologica/link/57065aa808ae0f37fee1da44/download. Acesso em: 23 maio 2023.

Publicado em 15 de outubro de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

BRITO, Jefferson Nascimento de; OLIVEIRA, Magno Souza de; CARVALHO, Soraia Bastos de. A Álgebra no cotidiano: identificando a materialização do conteúdo matemático nas atividades da comunidade quilombola de Barreiros de Itaguaçu da Bahia. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 38, 15 de outubro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/38/a-algebra-no-cotidiano-identificando-a-materializacao-do-conteudo-matematico-nas-atividades-da-comunidade-quilombola-de-barreiros-de-itaguacu-da-bahia

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