Apontamentos sobre a Educação Infantil na rede pública de Niterói/RJ em tempos de pandemia da covid-19

Agada Rafaella Meliande Monte Alves

Professora de Educação Infantil da rede municipal de Niterói/RJ, pós-graduada em Educação, na área de Supervisão da Educação e Orientação Educacional (UERJ), graduada em Pedagogia (UFRJ)

Alessandro Jatobá

Professor doutor do mestrado em Novas Tecnologias Digitais na Educação da Unicarioca

Marcos Monte de Oliveira Alves

Professor mestre do Colégio de Aplicação da UFRJ

Verônica Elói de Almeida

Professora doutora do mestrado em Novas Tecnologias Digitais na Educação da Unicarioca

Primeiros apontamentos

O presente artigo tem como objetivo compartilhar uma pesquisa realizada com 23 docentes que atuam na Educação Infantil, em áreas de vulnerabilidade social, de modo a conhecer a realidade da educação de crianças da Rede Pública de Niterói em tempos de covid-19.

A pandemia impactou o cenário educacional, político e social do Brasil em março de 2020. Desde então, a população precisou se proteger e tomar as medidas necessárias para evitar o contágio da doença.

Em meio à preocupação durante o período de isolamento social, os professores, afastados do ensino presencial, precisaram inventar formas outras de fazer educação.

A pandemia confere à realidade uma liberdade caótica, e qualquer tentativa de aprisionar analiticamente está condenada ao fracasso, dado que a realidade vai sempre adiante do que pensamos ou sentimos sobre ela. Teorizar ou escrever sobre ela é pôr as nossas categorias e a nossa linguagem à beira do abismo (Santos, 2020, p. 13).

Estudos de Santos (2020) discutem que escrever sobre a pandemia colocou as nossas certezas à beira do abismo. As conversas com os docentes participantes da pesquisa nos permitiu constatar que a plataforma mais utilizada por eles à época foi o Facebook, entendida como a principal rede social das famílias com acesso.

No entanto, a opção esbarrava em algumas problemáticas, como o fato de a rede social ser regulamentada com o cadastro de perfis acima dos 13 anos de idade, segundo a Lei de Proteção à Privacidade Online para Crianças dos Estados Unidos e a ausência do acesso à internet em muitos lares brasileiros. Com a adoção do Facebook, instituiu-se que os professores não teriam nenhum contato direto com as crianças e os pais ficariam encarregados da mediação em suas casas. Entretanto,pouquíssimos responsáveis acessaram a plataforma e/ou deram algum retorno do trabalho realizado. Estudos de Goudard, Pessanha e Macedo (2021, p. 89) apontam que:

A problematização dessas questões remete-nos à emergência de um cenário de inúmeros paradoxos e incertezas. Os novos contextos parecem nos desorientar e dificultar o olhar, e nos convoca a rever os referencias teóricos, éticos, pedagógicos com os quais a educação das crianças pequenas construiu o seu pensar e compreender as infâncias.

Com base nos estudos recentes dessas autoras, ressaltamos que novas pesquisas precisam ser realizadas para construir formas de se pensar e construir novos modelos de educação em tempos de isolamento social.

De acordo com Freire (1987), a figura desumanizadora do opressor se impõe no oprimido para manter os interesses e o poder das classes dominantes sobre as dominadas. Nessa conjuntura, o oprimido tende a acatar a posição de inferior, uma vez que sua identidade social é desvalorizada.O questionamento culmina na segregação parcial de acesso ao conteúdo informacional, pois entendemos que isso pode prejudicar os educandos das classes menos favorecidas, limitando sua leitura de mundo a ponto de comprometero acesso à cultura escolarizada.

Ambientes violentos, com pouco ou nenhum acesso à cultura e ao lazer, escolas precarizadas e contato insuficiente com as tecnologias de informação, são aliados da condição de subalternidade econômica e social, reforçada pelo sistema capitalista para a manutenção do status quo, onde cada um "vale o que tem". Assim, se constrói na criança pobre uma consciência identitária inferiorizada, dificultando uma aprendizagem crítica.

A criança pobre, advinda de determinadas camadas populares, muitas vezes com acesso escasso aos bens de consumo e de saúde, constantemente vive em ambiente insalubre, onde pode ter seu sono e sua alimentação prejudicados por questões de infraestrutura. Parte dessas crianças convivem ainda com micro agressões, impostas por sua condição estigmatizada, com particularidades e necessidades que vão além das educacionais e desembocam na escola: uma escola pública com possíveis defasagens em termos de conteúdos e de recursos digitais básicos, que pertence às regiões periféricas, socialmente marginalizadas. Vale ressaltar que dentro das comunidades periféricas, onde comumente se encontram as crianças arestas, alvos desse estudo, há famílias estruturadas financeiramente, com algum acesso às mídias tecnológicas e detentoras de algum capital cultural e simbólico (Bourdieu, 2007), dividindo o mesmo espaço, por vezes a mesma escola e pertencentes às mesmas comunidades. Nem toda criança pobre é uma criança aresta, mas toda criança aresta está inserida na absoluta pobreza. As opressões sofridas cotidianamente, sejam por condições precárias, estigmas ou falsas justificativas, tendem a se acomodar no interior desses pequenos indivíduos. Assim, essas crianças passam a se enxergar como pertencentes a uma condição inferior, condição tantas vezes naturalizada. A respeito dessa situação, Paulo Freire (1987, p. 47) explica:

Os oprimidos, contudo, acomodados e adaptados, “imersos” na própria engrenagem da estrutura dominadora, temem a liberdade, enquanto não se sentem capazes de correr o risco de assumi-la. E a temem, também, na medida em que lutar por ela significa uma ameaça, não só aos que a usam para oprimir, como seus “proprietários” exclusivos, mas aos companheiros oprimidos, que se assustam com maiores repressões.

Logo, não é possível reconhecer as crianças das classes desfavorecidas economicamente desconsiderando os mecanismos subjacentes que conectam fatores de diferentes âmbitos (psicológico, familiar, cultural, econômico e social). Desde a falta de infraestrutura de suas moradias até à exposição a um ambiente muitas vezes violento, essa criança chega à escola pública trazendo consigo um emaranhado de condições adversas que a fazem desenvolveruma correlação entre a escola e sua existência, sendo alvo de estigmas e, consequentemente, de questões limitantes ao seu desenvolvimento e a sua aprendizagem.

Embora as crianças com pouco ou nenhum acesso a bens de consumo, mídias tecnológicas e informação sejam também partes da sociedade, crescer em meio ao estigma do “não ter, não ser e não poder” lhes é uma imposição. As comunidades da qual fazem parte também produzem conhecimento, interação e saberes, sendo esse conhecimento importante para a convivência e a sobrevivência dessas crianças nessa estrutura social.

A criança pobre, incluída nesse ambiente, também possui cultura, leitura de mundo e conhecimentos prévios. Embora não valorizados socialmente, eles podem e devem estar presentes na prática pedagógica. Entretanto, é comum que a própria escola reforce os estereótipos e as discrepâncias sociais quando não valoriza o que o aluno traz consigo, compactuando e reforçando a permanência desse aluno sob as opressões sociais.

Faz-se necessário definir que, se a criança se encontra na ponta de um sistema que não o acolhe devidamente, elafaz parte de um agrupamento sócio-histórico e cultural no qual está ambientada não como aresta a ser aparada, mas como um ator social, construtor e participante ativo da cultura e do conhecimento.

Embora seu ambiente possa ser desestruturado e desestruturante em vários aspectos, essas características devem ser consideradas pela escola dentro de uma perspectiva social, não com o intuito de apontar defeitos a serem utilizados para justificar a segregação ou para patologizar suas condições de aprendizado, mas para auxiliá-la na construção de uma práxis que atenda a especificidades da criança excluída socialmente.

Por exemplo, o funk, a arte de rua, os saberes populares e as dinâmicas do seu lugar, embora consideradas sem valor, eles compreendem elementos valorosos ao desenvolvimento cognitivo dos sujeitos, uma vez que as interações com o meio e a valorização do conhecimento prévio consistem na possibilidade de aplicar uma pedagogia humanizante, libertadora e inclusiva.

Tecnologia, vulnerabilidade social e novas estratégias de ensino na pandemia

A dificuldade no acesso à tecnologia e a ausência da internet banda larga nos lares de muitas famílias pobres se evidenciaram em tempos de covid-19.

A internet gratuita e de qualidade para toda a população ainda é uma utopia no Brasil. Apesar do alto índice de vendas de SmartTV e smartphones, com mais de um por habitante em uso no Brasil e 234 milhões de celulares inteligentes – ao adicionar notebooks e tablets somam 342 milhões de dispositivos portáteis em junho 2020, ou seja, 1,6 dispositivo portátil por habitante (FGV, 2020) – o acesso a uma internet de qualidade continua muito caro e poucas famílias podem se dar ao luxo de pagar por um provedor.

Muitos estudantes pobres têm aparelho celular, entretanto o acesso à internet é pago, obrigando que grande parte da população tenha acesso aos conteúdos digitais quando estão em locais que disponibilizam wi-fi (shopping, lanchonetes e casa de amigos que têm internet em casa). Crianças e jovens brasileiros, apesar de fazerem uso dessas táticas para romper com a exclusão digital, não puderam ter essa opção no período de isolamento social durante o lockdown em 2020 que determinou também o fechamento de shoppings e restaurantes.

Com a ausência no acesso à internet, os estudantes foram impossibilitados de baixar aplicativos de videoaulas ou frequentar, de forma sistemática, o ensino virtual, a única forma de acesso ao conteúdo obrigatório em tempos de pandemia. Esse impacto de exclusão foi sentido por muitos estudantes e a escola buscou outras estratégias para garantir que nenhum aluno ficasse sem aula. Houve escolas que distribuíram apostilas e/ou utilizaram o WhatsApp como forma de diálogo, já que esse aplicativo exige menos dados de internet para se obter o acesso. No entanto, o acesso não foi realizado de forma democrática para todos os estudantes.

Esses dados puderam ser confirmados nas inúmeras tentativas do cancelamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) por meio de campanhas populares e do cancelamento do vestibular da UERJ, entendendo que os jovens pobres de todo o Brasil não tinham a possibilidade de concorrer em nível de igualdade com estudantes oriundos de famílias classe média/alta que continuavam obtendo acesso ao ensino. Entre as pautas de reivindicação para o cancelamento do Enem/2020 estavam: “mais desigualdades para os mais vulneráveis”, entendendo que a classe popular brasileira vive em situação de vulnerabilidade social, quando comparada às classes A e B, e que, além da exclusão no acesso à internet, a população está a margem também em termos de moradia e alimentação de qualidade.

Estudos de Nelson Pretto (1998) defendem a universalização e a democratização do acesso à internet. Assim, é necessária uma legislação que garanta, nos momentos de privatizações, o acesso digital à população que não tem poder aquisitivo para adquirir de forma paga esse ingresso no mundo da comunicação online (virtual). Em julho de 1997, aprovou-se a Lei n° 9.472, conhecida como a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) e foi instaurado um fundo para a universalização de serviços. No entanto, muitas famílias brasileiras ainda não vivenciam a existência desse fundo no seu cotidiano. Esse fundo, já aprovado, caso regulamentado, serviria para viabilizar o acesso de estudantes das classes populares ao conteúdo digital em tempos de crises de saúde pública, como o que o país enfrentou no contexto atual da covid-19. Para Pretto (1998, p. 1), “não precisamos de internet nas escolas, mas sim de escolas na internet (...) diferença básica de concepção. Fortalecer as culturas locais e disponibilizá-las na rede mundial é fortalecer o cidadão”.

Pouco depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhecer a pandemia do novo coronavírus, o Ministério da Educação (MEC) autorizou, em caráter excepcional, por meio da Portaria nº 343, de 17 de março de 2020, que as instituições de ensino optassem pela “substituição das aulas presenciais em andamento, por aulas que utilizasse meios e tecnologias de informação e comunicação” (Art. 1º, caput). Essa prática passou a ser denominada como ensino remoto, deixando claro que essa nova forma de estudo não tinha a pretensão de substituir o modelo de Educação a Distância (EaD).

A partir da determinação do Governo Federal, os governos estaduais e municipais começaram a se organizar para criar novas estratégias de ensino, cabendo às instituições a reorganização dos calendários e a dinâmica de dias letivos; algumas escolas optaram pela alteração do calendário de férias, na esperança de que a pandemia fosse breve e pudéssemos voltar à normalidade no mês seguinte. No entanto, a realidade se estendeu mais do que o previsto e as escolas precisaram reorganizar seus calendários e suas aulas diante de uma realidade de incertezas e preocupações. Em junho, o MEC editou a Portaria nº 544, permitindo a realização do ensino remoto até o dia 31 de dezembro de 2020.

Cabe destacar que a realidade em questão chegava de surpresa para todos e principalmente para docentes que precisaram adaptar suas práticas para atender às novas demandas educacionais, sem uma formação adequada que lhes garantisse o suporte necessário ao desenvolvimento das atividades àquele momento.

Observamos que em 2020 houve pouco planejamento para a manutenção das aulas pelas secretarias de Educação. Algumas escolas mantiveram seus vínculos com os estudantes e suas famílias pelo WhatsApp, por plataformas gratuitas no Google e pelas apostilas entregues na própria instituição, produzidas pelos professores. No entanto, em 2021, em virtude do avanço da pandemia, o secretário de Educação de Niterói determinou o início das aulas para 25 de março pela modalidade remota a todos os alunos do Ensino Fundamental. Para a Educação Infantil, determinou-se a manutenção de vínculos afetivos, com atividades lúdicas, sem nenhum apoio tecnológico para os docentes e suas famílias. O ensino remoto contou com a ‘Niterói em Rede’, uma plataforma pedagógica para aulas online, vídeos, fotos e textos. O ambiente virtual podia ser acessado a partir de celular, tablet, notebook ou computador. Login e senha foram disponibilizados aos responsáveis pela unidade de ensino da criança e a escola também foi responsável por distribuir o caderno pedagógico Caminhos de aprendizagem, produzido a partir das sugestões dos professores. Nesse mesmo período, tablets foram prometidos aos alunos do Ensino Fundamental pela mesma Secretaria de Educação, mas nunca foram entregues.

A primeira fase de implantação do ensino híbrido (aulas presenciais e em formato remoto) no município de Niterói, também se iniciou em março de 2021. A Secretaria Municipal e a Fundação Municipal de Educação iniciaram o formato semipresencial gradualmente, em sete escolas. Depois, expandiu essa oferta a outras unidades. A reabertura das unidades obedeceu a regras estabelecidas pelo plano de retomada das aulas, buscando garantir o distanciamento social entre os alunos, o uso de máscara de proteção obrigatória, além de um esquema de revezamento entre os estudantes.

O ensino híbrido não era obrigatório. A cada semana, novas turmas e escolas eram reabertas e as famílias dos estudantes podiam optar entre o ensino híbrido ou o ensino remoto. As unidades da rede passaram por um processo de sanitização, repetido a cada três meses, e equipadas com materiais de segurança individuais e coletivos, como álcool em gel, sabonete líquido, máscara face shield, tapete sanitizante e lixeiras com pedal. No entanto, havia muita preocupação, por parte das famílias e dos docentes, relacionada à garantia do distanciamento físico e à utilização do uso de máscaras pelas crianças.

A pesquisa, seus avanços e recuos

Construir uma pesquisa do cotidiano escolar, buscando escutar os sujeitos no processo é sempre um desafio. A intenção inicial deste estudo foi elaborar um questionário online no Google Formspara que todos os docentes, atuantes na rede pública municipal de Niterói, o respondessem, como também outro questionário direcionado às famílias dosestudantes das unidades escolares. No entanto, por não termos alcançado um número considerável de respostas, criamos uma nova metodologia para encontrar os dados da pesquisa. Percebendo que resgatar as proposições e os anseios das famílias e dos docentes representava uma análise ampla, delimitamos o estudo no sentido de compreender os desafios e os aprendizados vividos pelos docentes.

A base metodológica deste estudo foi a análise qualitativa das entrevistas direcionadas aos profissionais da educação. A pesquisa foi realizada com docentes que atuam na Educação Infantil na rede pública de educação de Niterói.

Para a compreensão do cenário da educação de Niterói, no período pandêmico, a pesquisadora conversou com 23 docentes de quatro unidades de Educação Infantil (UMEI). As conversas foram gravadas com a garantia do anonimato. A escolha das escolas se deu em virtude da sua localização. Como o objetivo principal da pesquisa era compreender a educação das crianças das classes populares,moradoras das áreas de vulnerabilidade social, os dados pesquisados se referem a escolas localizadas em regiões de favelaou regiões que atendam a essa população. A concepção de vulnerabilidade denota “a ausência ou a precariedade no acesso à renda, mas atrelada também às fragilidades de vínculos afetivo-relacionais e à desigualdade de acesso aos bens e serviços públicos” (Carmo; Guizardi, 2018, p. 2). É o conceito que caracteriza a condição dos grupos e dos indivíduos à margem da sociedade, pessoas excluídas socialmente, principalmente por fatores socioeconômicos.

Algumas das principais características que marcam o estado de vulnerabilidade social são as condições precárias de moradia, de saneamento básico e de meios de subsistência, tantas vezes inexistentes. Assim, quando o indivíduo deixa de ter condições de usufruir os mesmos direitos e deveres dos outros cidadãos, devido ao desequilíbrio socioeconômico instaurado na região onde mora, ele se encontra nesse estágio de exclusão. As pessoas que são consideradas ‘vulneráveis’ socialmente são aquelas que estão perdendo a sua representatividade na sociedade e dependem de auxílios de terceiros para garantirem a sua sobrevivência. É importante ressaltar que a vulnerabilidade social não é sinônimo de pobreza, mas uma condição que remete à fragilidade socioeconômica de determinado grupo ou indivíduo.

A esse respeito, a pesquisadora visitou o local onde a escola pesquisada está localizada. A partir da escolha metodológica por meio da realização de entrevistas com docentes que atuam nesses locais, em Niterói, buscamos verificar a viabilidade das estratégias adotadas por eles no ensino remoto emergencial na cidade. As entrevistas com as 23 professoras foram realizadas nas instituições onde atuam.

Inicialmente, de modo breve, buscamos conhecer cada docente. A pesquisadora se apresentou às unidades de Educação Infantil descrevendo os objetivos iniciais da pesquisa. As respostas dos docentes participantes foram gravadas em arquivos digitais e transcritas para fundamentar a base de dados. Adotamos uma abordagem sistemática e rigorosa para a interpretação dos dados coletados, uma vez que buscamos compreender as percepções, as experiências e as opiniões dos professores sobre questões relevantes na área de educação.

Inicialmente, planejamos as perguntas das entrevistas:

  1. Você trabalhou durante a pandemia? Qual foi a sua maior dificuldade no período?
  2. Você considera que seu trabalho foi proveitoso? De que forma as crianças interagiam?
  3. Quais os fatores que prejudicaram o trabalho remoto?
  4. O que poderia ter sido feito para otimizar esses encontros?
  5. Você considera que a pandemia teve algum impacto na sua saúde mental? Que tipo de impacto?
  6. Qual a lição profissional que você aprendeu com a pandemia?
  7. Qual mensagem você deixaria para as futuras gerações depois de ter passado por essa experiência com a covid-19?

Em seguida, procedemos à codificação das respostas, num processo de identificação e de seleção de temas e conceitos emergentes durante a análise das respostas. Essa etapa envolveu a organização das informações em categorias e subcategorias, de acordo com as similaridades e diferenças nas respostas dos entrevistados. Em outras palavras, selecionamos algumas respostas e as agrupamos de acordo com os propósitos da pesquisa,  compreendendo como ocorreu a educação das crianças da Educação Infantil durante o período de isolamento social e quais foram os possíveis impactos da pandemia em crianças e profissionais da educação.

A análise final dos dados consistiu na interpretação e na síntese das categorias e subcategorias identificadas durante a organização das respostas. Podemos considerar que essa metodologia foi útil e pareceu eficaz, tanto para a coleta quanto para a interpretação das informações a respeito das experiências e das perspectivas dos profissionais da educação, permitindo que atingíssemos uma maior complexidade de acordo com as opiniões e as percepções dos entrevistados.

Em suma, a análise qualitativa das entrevistas, resultado de um processo demorado e intensivo, trouxe luz ao período mais sombrios enfrentado pelos profissionais da educação, fornecendo informações valiosas e insights úteis para a melhoria das práticas educacionais.

De acordo com os dados pesquisados, evidenciou-se que 65% das educadoras possuem pós-graduação lato sensu, enquanto 26% delas são mestras, 4,5% são doutoras e 4,5% possuem formação superior. Além disso, verifica-se que 95,6% das docentes estão há mais de cinco anos atuando na Educação Infantil, demonstrando uma experiência significativa com o público-alvo.

Após a apresentação inicial, perguntamos às docentes a respeito do seu conhecimento tecnológico. Nesse contexto, 30% das entrevistadas categorizaram esse conhecimento como a principal dificuldade no manejo da tecnologia, afirmando terem dificuldades com os recursos, o que lhes gerou grande desafio na realização das atividades remotas do período.

Sempre utilizei o computador somente para navegar na internet e digitar alguns documentos. O celular, nem se fala, apenas para ligações e algumas redes sociais. Me vi perdida em ter que usar o Google Meet. Parecia algo de outro mundo. As atividades postadas e as aulas online me deixavam muito insegura enquanto educadora, sem contato físico e afetivo, a Educação Infantil estava mutilada.

Eu até sou familiarizada com o ensino virtual. Já fiz alguns cursos online e sei manusear bem as mídias sociais. Mesmo assim, o modelo de aulas remotas na Educação Infantil foi algo novo e diferente, principalmente, em relação ao Google Meet. Senti muita dificuldade para utilizar os recursos e na parte de interação com a criança. O cuidar, o abraço diário e contato físico não eram possíveis. Isso dificultou muito o processo de aprendizagem.

Rememorar o período pandêmico significou, aqui, falar de uma realidade difícil, um tempo de mortificação, de silenciamento das vozes, de descaso governamental no atraso de vacinas e de desrespeito à humanidade e à sua existência. Ao mencionarmos a ausência de políticas eficazes para o respirar da educação, lembramos do veto referente ao projeto de lei que previa internet grátis aos alunos e aos professores da Educação Básica diante da necessidade do ensino remoto. Muitas foram as práticas docentes de resistência e de enfrentamento às dificuldades de educar na pandemia, com professores sofrendo as mazelas sociais, recebendo críticas como se não tivessem trabalhado.

Dialogar a respeito da educação remota emergencial é colocar em pauta uma política educacional de sucateamento, ressaltando uma educação mediada pelas tecnologias digitais que não deve ser de improviso. Práticas de educação em ambientes online exigem planejamento, formação, metodologias diferenciadas, conexão e uma relação eu-outro realmente dialógica. A única separação necessária, em virtude da preservação da vida na pandemia, deveria ter sido a física, mediada pelas relações em tela. Assim, ela poderia ganhar outra dimensão. Desse modo, contemplar essa temática é registrar a necessidade de respirar pelas palavras escritas (Kohan, 2010).

A partir da escuta dos docentes, comprovou-se os inúmeros fatores desmotivadores do processo de ensino. Conforme podemos perceber nas respostas à questão “Quais os fatores que prejudicaram o trabalho remoto?”:

Os fatores, eu acho que o principal foi a falta de entendimento mesmo com a questão tecnológica, né?! E também tivemos a questão de muitos alunos não terem acesso a essa tecnologia e o comprometimento por parte dos responsáveis, porque os alunos dependiam deles para chegarem aos conteúdos os quais os professores estavam oferecendo.

No meu ponto de vista o que prejudicou o trabalho remoto foi a falta de conectividade por parte das famílias, tanto uma boa conexão de internet, quanto de um aparelho celular ou computador.

O que prejudicou o nosso trabalho, estava prejudicando pelo menos para mim, eu acredito que tenha sido a qualidade da internet, a qualidade do computador, do celular, até algumas reuniões, algumas aulas, parece que tinham algumas falhas, eu considero assim, não foi 100%, não foi totalmente proveitoso, não.

Diante dos desafios impostos pela pandemia covid-19, a conectividade e a infraestrutura das escolas se tornaram ainda mais fundamentais para garantir a continuidade do aprendizado dos alunos. Ainda que muitas instituições enfrentem dificuldades em prover esses recursos é necessário que sejam adotadas políticas públicas que visem a melhoria das condições das escolas no que se refere à tecnologia e à internet. Para Sarlo (1998), as desigualdades são marcadas pela ilusão de um realismo que permitiria que todos participassem com iguaiscondições dos diferentes espaços e meios proporcionados pela sociedade capitalista etecnológica.

As narrativas docentes evidenciam a sua busca na condução de seus planejamentos com propostas lúdicas. Para isso, precisam realizar muitas pesquisas, visando, sempre, atividades diversificadas.

Sempre procuro pesquisar diferentes atividades. Em relação ao currículo da Educação Infantil, busco trabalhar com números, formas, tamanhos, cores, texturas. Tudo envolvendo música e muito lúdico. Gosto de deixar a criança experienciar a atividade. Deixo-a fazer, construir e imaginar. Para as tarefas online, procurei ensinar os conceitos com vídeos curtos e interativos.

Faço muitas pesquisas para o meu planejamento semanal, procurando novas formas de propiciar conhecimento aos alunos. Para o modelo remoto, investi em vídeos, músicas, histórias cantadas e muito lúdico. Além disso, no Meet procurei sempre trazer atividades mais ativas, como jogos e brincadeiras.

Na educação remota, priorizei vídeos e músicas. Inclusive nos meus vídeos, procurava colocar um cenário no fundo, tocava instrumentos musicais, quando ensinava, formas por exemplo, mostrava objetos da realidade infantil. Leio e pesquiso muito. Acredito que preciso sempre aprender para conseguir ensinar.

Observamos que, no ambiente remoto, os docentes investiram em propostas lúdicas, como jogos e brincadeiras, a fim de proporcionar aos seus alunos saberes matemáticos, por exemplo. Além disso, pesquisavam e se atualizavam, visando ao enriquecimento de suas atividades e práticas.

Em relação à aprendizagem, as educadoras foram questionadas quanto à eficácia do modelo remoto na Educação Infantil. Foi possível ensinar? E a participação dos educandos? Sobre esses questionamentos, as professoras afirmaram, de modo unânime, uma limitação no ensino, pois a maioria dos alunos não conseguiu participar das aulas remotas mediadas pelas tecnologias digitais.

Na minha opinião, não tem como ensinar a distância na Educação Infantil. Eu não consegui propiciar nenhum conhecimento aos meus alunos. Eles não interagiam pelo Meet nem pelo WhatsApp. A maioria dos pais trabalham o dia todo e não realizavam as atividades sugeridas. Apenas uma aluna entrava no Meet, mas ficava brincando com seus brinquedos ou corria pela casa. Como construir uma proposta educativa assim? Como obrigar famílias humildes, muitas vezes, com apenas um celular a participar das tarefas. Não é possível aulas remotas na Educação Infantil.

Ensinar remotamente na Educação Infantil é inviável. Nessa fase, a criança aprende através do contato físico e interação diária com o outro. O toque, o olhar, o afeto, o cuidar, o brincar e muitas outras experiências propiciadas pela vivência concreta. Todas as atividades são planejadas visando essa construção de laços afetivos com a criança. Postar uma atividade semanal no grupo de WhatsApp não possibilita interação. Entrar uma vez por semana no Meet não permite o toque e o cuidar. Além disso, foram raras as vezes que entraram dois alunos no Meet. No WhatsApp, nem se fala, a maioria dos pais nem respondem as mensagens, outros, até saíram do grupo.

Como é sabido, a pandemia da covid-19 trouxe desafios à sociedade, especialmente no que diz respeito à adaptação às novas tecnologias, ao distanciamento social e às medidas de isolamento, que obrigaram empresas, escolas e outras instituições a adotarem rotinas diferentes de funcionamento. Esses desafios se revelaram nas respostas docentes: “Você considera que seu trabalho foi proveitoso? De que forma os alunos interagiram?”.

Apesar dos meus esforços e de ultrapassar os meus limites pela questão da exposição que não me agrada muito, não percebi uma adesão efetiva dos alunos, visto que não tínhamos por parte do grupo escolar as devolutivas necessárias, que nós buscávamos, enfim, não houve esse comprometimento.

O trabalho foi proveitoso para algumas crianças que tinham Internet, mas mesmo assim deixou muito a desejar. É preciso uma análise cuidadosa, pois tivemos vários momentos na pandemia, momentos presenciais, semipresenciais, apenas virtual...

Sinceramente, sim. Foi difícil, não foi fácil, mas a gente teve, assim, muitos frutos desse trabalho. Na verdade, nós construímos inclusive um portfólio com tudo que foi desenvolvido e eu acredito que eu explorei algumas áreas da minha vida que eu não sabia que tinha, comecei até um trabalho com fantoche com as crianças; fiz alguns vídeos para o YouTube que estão lá guardadinhos e creio que sim, dentro do possível do que nós tínhamos, nós conseguimos enquanto escola, enquanto equipe fazer um trabalho bastante bacana.

Segundo Santos (1988, p. 7), “quando a ciência se deixa claramente cooptar por uma tecnologia cujos objetivos são mais econômicos que sociais, ela se torna tributária dos interesses da produção e dos produtores hegemônicos e renuncia a toda vocação de servir à sociedade”. Existem diversos recursos tecnológicos no Brasil e no mundo que poderiam contribuir para diminuir problemas enfrentados pela população. No entanto, o capital financeiro continua sendo o centro das relações sociais e resolver os grandes problemas da humanidade tem um custo que poucos querem pagar.

Em meio a esse contexto, a importância de investir em educação digital se evidencia ainda mais, uma vez que a inclusão digital é um caminho para promover a igualdade de oportunidades em uma sociedade cada vez mais desigual e excludente. À sociedade, cabe encarar esse desafio. 

Considerações finais

O ensino na Educação Infantil, durante os anos de 2020 e 2021, enfrentou um grande impacto com as inovações metodológicas na implantação dos encontros remotos. Por outro lado, a obrigatoriedade da manutenção de vínculos afetivos com as crianças, em meio a uma crise na saúde pública, gerou desafios docentes que reverberam ainda hoje.

De acordo com os fatos mencionados, concluimos que a contemporaneidade consiste num tempo de mudanças contínuas, não apenas nos aspectos relacionados às relações sociais, mas ainda no aumento de uma política perversa excludente aos que estão à margem do sistema. As necessidades contemporâneas, impostas pelo mercado e pela elite, empurram os excluídos para um lugar de indigência social.Nesse contexto, a escola pública exerce o papel de saneadora no que diz respeito às dificuldades sociais, econômicas e políticas que entram pelo século XXI como “rolo compressor” dos menos favorecidos.

Conforme os dados coletados pela pesquisa, os docentes concluíram que educar crianças remotamente ainda não é uma possibilidade. Apesar de terem buscado investir em atividades lúdicas, o retorno foi negativo, denunciando uma evasão escolar expressiva.

Consideramos que as dificuldades para realizar a educação remota emergencial saltaram aos olhos dos docentes. A realização de práticas lúdicas, jogos e brincadeiras voltadas ao desenvolvimento de conceitos significativos por meio do ambiente virtual, não trouxeram os resultados esperados. A necessidade de encontros físicos com as crianças da Educação Infantil é uma questão muito sofrida por todos. A partir de diálogos com os docentes, notamos que o contato presencial, a troca diária com o outro, o toque, o cuidar, o brincar junto e o afeto fazem toda a diferença no trabalho pedagógico da Educação Infantil. Ressaltamos a importância de ressignificar espaços virtuais de aprendizagem, pois precisam ser ambientes potentes para experiências voltadas ao aprender e ao ensinar.

Diante da necessidade de convivência mediada pelas tecnologias digitais, torna-se fundamental o acesso à internet e aos conhecimentos concernentes às ferramentas virtuais para uma relação educacional promissora. Obviamente, reconhecemos que a educação presencial é fundamental na Educação Infantil, entendendo todas as especificidades concernentes a esta etapa da educação básica. Contudo, diante das possibilidades de interação e convivência que as tecnologias digitais em rede podem promover, não há como negligenciar a existência de usabilidades criativas dos recursos online.

Sabe-se que o digital está na pele da cultura e que as crianças possuem amabilidade e interesse pelos artefatos móveis, como celulares e tablets conectados à internet. Talvez o que ainda nos falte seja uma maior aproximação das crianças, buscando saber o que elas pensam e fazem nas telas. A partir daí, construiremos outras práticas possíveis, partindo dos jogos que apreciam, dos vídeos que assistem no YouTube e dos aplicativos que acessam.

Portanto, diante das políticas de ausência por falta de conectividade, de formação docente para o uso pedagógico das tecnologias ou por poucos investimentos na área educacional, as tecnologias digitais se reafirmam como caminhos possíveis de formação na ampliação das experiências do aprender e do ensinar na Educação Infantil.

Referências

BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. 5ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2007.

CARMO, Michelly Eustáquia do; GUIZARDI, Francini Lube. O conceito de vulnerabilidade e seus sentidos para as políticas públicas de saúde e assistência social. Caderno de Saúde Pública, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/ywYD8gCqRGg6RrNmsYn8WHv/?lang=pt&format=pdf.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (FGV). Brasil tem 424 milhões de dispositivos digitais. 2020. Disponível em: https://portal.fgv.br/noticias/brasil-tem-424-milhoes-dispositivos-digitais-uso-revela-31a-pesquisa-anual-fgvcia. Acesso em: 16 jul. 2024.

GOUDARD, M. et al. Impactos da pandemia de covid-19 na Educação Infantil em São Gonçalo/RJ. Zero-a-Seis, Florianópolis, v. 23, n° especial, jan. 2021. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/zeroseis/article/view/78996/45376. Acesso em: abr. 2021.

KOHAN, Walter Omar. Vida e morte da infância, entre o humano e o inumano. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 35, n° 3, 2010. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/13083.

PRETTO, Nelson. Tecnologia e Educação. Gazeta Mercantil, 1998. Disponível em: https://egroupware.ufba.br/~pretto/textos/gazemai.htm. Acesso em: abr. 2021.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020.

SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec, 1988.

SARLO, Beatriz. Escenas de la vida posmoderna. Buenos Aires: Ariel, 1998.

Publicado em 15 de outubro de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

ALVES, Agada Rafaella Meliande Monte; JATOBÁ, Alessandro; ALVES, Marcos Monte de Oliveira; ALMEIDA, Verônica Elói de. Apontamentos sobre a Educação Infantil na rede pública de Niterói/RJ em tempos de pandemia da covid-19. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 38, 15 de outubro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/38/apontamentos-sobre-a-educacao-infantil-na-rede-publica-de-niteroirj-em-tempos-de-pandemia-da-covid-19

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.