Importância da Língua de Sinais e do intérprete para a aquisição da linguagem: um estudo de caso

Celiane do Lago Novaes Côrtes

Graduada em Letras (UESB), e em Libras (Uniasselvi), pós-graduada em Linguística (UESB) e em Libras (Uninter)

Falar de educação especial muitas vezes parece ser um fato corriqueiro. Alguns autores ousam abordar o assunto, mas a essência do tema, talvez, ainda não tenha sido desvendada. Lidar com crianças “normais”, hoje, já exige muita atenção, experiência e gosto pela profissão, diante de tantos problemas que a educação vem enfrentando, como dificuldades na base da família e a falta de estrutura dos pais.

Esses fatores acarretam sérias consequências nas crianças que podem se envolver com drogas, apresentarem gravidez precoce, além de distúrbios de personalidade, trazendo dores de cabeça aos profissionais da educação. Diante desse dilema, falar de inclusão é falar de uma realidade cruel.

Colocar crianças especiais em classes regulares diante de alunos com os problemas já mencionados torna-se uma tarefa inútil, pois não existe a possibilidade de um professor ensinar uma classe tão mista. Além disso, a falta de preparação dos educadores, a falta de conhecimento da linguagem de alunos surdos, por exemplo, torna a aprendizagem inviável, tirando dessas crianças o direito à educação e ao aprendizado, a fim de terem uma vida normal.

Para as pessoas surdas, a Língua de Sinais é a primeira língua natural e serve como a principal forma de comunicação, permitindo a expressão de pensamentos, emoções e a interação com o mundo ao seu redor. Ao contrário do que alguns podem pensar, a Língua de Sinais não é apenas uma versão gestual da língua falada, mas um sistema linguístico completo, com sua própria gramática, sintaxe e vocabulário.

Sendo assim, a língua de sinais é essencial para o desenvolvimento cognitivo e social das pessoas surdas, proporcionando-lhes uma base sólida para o seu desenvolvimento pessoal. A aquisição da linguagem por meio da Língua de Sinais é crucial, porque ela oferece a comunicação desde cedo, permitindo às crianças surdas desenvolverem habilidades linguísticas em um estágio crucial de seu desenvolvimento.

Sem acesso a uma forma de comunicação eficaz, esses indivíduos correm o risco de enfrentar atrasos na linguagem e na aprendizagem, o que pode ter consequências duradouras em sua educação e na sua integração social. Nesse contexto, o papel do intérprete é igualmente importante, já que ele atua como um mediador da comunicação entre pessoas surdas e ouvintes, facilitando a compreensão e a troca de informações em diversos ambientes, como escolas, universidades, locais de trabalho, eventos públicos e serviços de saúde.

No ambiente educacional, por exemplo, o intérprete assegura que os alunos surdos tenham acesso igualitário ao conteúdo ensinado, permitindo que participem plenamente das atividades escolares e desenvolvam suas habilidades acadêmicas. Nesse sentido, a presença desses profissionais é essencial para garantir que pessoas surdas participem ativamente da sociedade, superando as barreiras da comunicação que podem limitar as suas oportunidades.

Além disso, eles ajudam a promover a inclusão e o respeito à diversidade linguística e cultural, reforçando a ideia de que a Língua de Sinais é uma língua legítima e valorizada. Dentro desse contexto, esse trabalho partiu de uma preocupação da educadora que escreve esta proposta, ao ver uma criança surda estudando em classe regular de alunos mistos, sem conhecer a Língua de Sinais e sem contato com outro surdo ou intérprete.

Dessa forma, o interesse no tema mostra os resultados de um estudo de caso, baseado na observação e nas entrevistas com a intenção de compreender como se dá esse processo da aquisição da linguagem por uma criança surda. Também, observar a importância da Língua de Sinais e do intérprete para o seuaprendizado da língua.

Para realização do trabalho fez-se uma pesquisa descritiva de campo, para observar e compreender melhor o fenômeno na realidade, antecedida de pesquisa bibliográfica, visando analisar o indivíduo em diferentes ambientes.

Procedimentos metodológicos

Por meio da pesquisa, desenvolvemos uma consciência crítica dos fatos, a fim de entendermosos problemas e encontrarmosas possíveis soluções. Para a realização de uma pesquisa,precisamos fazer a escolha de um método ou técnicas de pesquisa a serem utilizadas. Para Goldenberg (1997),

o método é a observação sistemática dos fenômenos da realidade através de uma sucessão de passos, orientados por conhecimentos teóricos, buscando explicar a causa desses fenômenos, suas correlações e aspectos não revelados (Goldenberg, 1997).

A pesquisa realizada foi de estudo de caso, um método de pesquisa qualitativo que, segundo Yin (2001), ocorre quando o investigador é confrontado com situações complexas – dificultando a identificação das variáveis consideradas importantes – quando ele procura respostas para o “como” e o “por quê?”.

Ponte (2006, p. 2) considera que

é uma investigação que se assume como particularista, isto é, que se debruça deliberadamente sobre uma situação específica que se supõe ser única ou especial, pelo menos em certos aspectos, procurando descobrir a que há nela de mais essencial e característico e, desse modo, contribuir para a compreensão global de certo fenómeno de interesse.

Um caso pode ser definido como um fenômeno de certa natureza ocorrendo num dado contexto, portanto é uma unidade de análise, podendo ser um indivíduo, um papel desempenhado por um indivíduo ou uma organização, um pequeno grupo, uma comunidade ou até mesmo uma nação.

O objetivo do estudo de caso é relatar os fatos como sucederam, descrevendo situações para proporcionar conhecimento acerca do fenómeno estudado, comprovando ou contrastando seus efeitos e suas relações.

Um dos cuidados é a escolha da amostra. Num estudo de caso a escolha da amostra adquire um sentido muito particular (Bravo, 1998). Ela é fundamental, pois constitui o cerne da investigação. O próximo passo é recolher os dados. Existem várias técnicas próprias da investigação qualitativa como o diário de bordo, o relatório, a entrevista e a observação, sendo as duas últimas as mais usadas.

Na pesquisa, um fator importante é a observação. Para Lakatos e Marconi (1996, p. 79) é uma técnica de coleta de dados para conseguir informações que utiliza os sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade.

De acordo com Richardson (1999, p. 260), a observação é necessária

para estudar o comportamento de alunos em sala de aula, ou a atitude do professor no desempenho de suas atividades docentes, ou ainda o relacionamento professor/aluno, o pesquisador pode optar exclusivamente pela observação como fonte de dados para o seu trabalho.

Os dados foram recolhidos por meio da observação do convívio diário; no entanto, para observar são necessários alguns cuidados, a fim de que o observado não perceba e mude de comportamento. Nesse caso, a observação foi executada sem que o indivíduo percebesse que estava sendo observado, para que não houvesse intervenção no seu comportamento e, ao mesmo tempo, pudesse encontrar dados relevantes.

De acordo com Rudio (1987), “ao ser planejada uma observação deve-se indicar campo, o tempo e a duração da mesma, como também os instrumentos a serem utilizados e como serão registradas as informações obtidas”.

Para a realização do trabalho, desenvolvemos uma pesquisa descritiva, de campo, pois o pesquisador se deslocou ao local de ocorrência do fenômeno investigado para a melhor compreensão da realidade, antecedida de pesquisa bibliográfica para melhor compreensão dos fatos, visando analisar o indivíduo em diferentes ambientes.

Segundo Lakatos e Marcone (1996, p. 75-76), numa pesquisa de campo se observam e se coletam dados no próprio local do fato em estudo, em contato direto com ele e sem a interferência do pesquisador. Dessa forma, o estudo de caso ocorreu com uma criança surda filha de pais ouvintes. Os campos para a observação foram: sua casa, a escola, outros ambientes frequentados por ela e a casa do pesquisador.

Além da observação, uma pesquisa pode conter entrevistas a fim de obter informações mais precisas. Como afirma Richardson (1999, p. 260), “ele poderá também optar pelo uso de observações e entrevistas, observações e questionários”. Realizou-se entrevista focal em conversa espontânea, mediada por perguntas e respostas. A pesquisa se baseou em um estudo de caso único.

Fundamentação teórica

A surdez é uma deficiência sensorial que se caracteriza pela perda ou alteração da função auditiva, sendo seu sintoma mais comum uma reação anormal aos estímulos auditivos (Marchesi, 1995). É a função auditiva que estabelece a ponte entre o sistema nervoso e a dimensão sonora do mundo exterior. A cultura, os códigos sociais e os afetos são transmitidos, em grande parte, por meio da fala.

Modificações e déficits na função auditiva podem alterar a percepção e a reconstrução mental das realidades externa e interna, uma vez que a linguagem e o pensamento verbal da criança são necessariamente alterados.

Segundo Marchesi (1995), os principais fatores a serem considerados nas classificações de deficiências auditivas são: o grau de deficiência, sua causa e sua origem física (localização).

Esses aspectos, aliados à idade quando ocorre a perda da audição, podem influenciar na qualidade da aquisição da linguagem, no tipo de atendimento que o indivíduo demandará, assim como nos eventuais déficits associados ao desenvolvimento intelectual.

Estudos comprovam que o ser humano possui dois sistemas para a produção e o reconhecimento da linguagem: o sistema sensorial, que faz uso da anatomia visual/auditiva e vocal (línguas orais) e o sistema motor, que faz uso da anatomia visual e da anatomia da mão e do braço (línguas de sinais).

A surdez congênita pré-linguística costuma afetar o desenvolvimento da linguagem verbal, mas não impede o desenvolvimento dos processos não-verbais (Sacks, 1989). Nessas formas de surdez, a aquisição da linguagem significa desenvolver o segundo sistema, o da Língua de Sinais, desde que o primeiro sistema se encontre seriamente prejudicado (Quadros, 1997; Sacks, 1989).

Portanto, na aquisição da língua, as pessoas surdas utilizam o segundo sistema. Várias pesquisas já comprovaram que crianças surdas procuram criar e desenvolver alguma forma de linguagem, mesmo não sendo exposta a nenhuma língua de sinais.

Antes de falar da Língua de Sinais, cabe compreender o que é o sinal dentro do contexto. O sinal, dentro da Língua de Sinais, representa o conjunto de configuração de mãos, de ponto de articulação e de movimento que expressa um significado próprio e predeterminado, formando assim um meio de comunicação que se constitui uma língua.

Esses elementos se referem aos parâmetros principais dessa língua que conta com os parâmetros secundários, os quais correspondem à disposição e orientação das mãos e à região de contato.

A Língua de Sinais é produzida pelas mãos, sendo complementada por movimentos faciais e corporais. Ela ainda possui como recurso os classificadores, que auxiliam na construção de sua estrutura sintática.

Segundo Quadros (2004), as Línguas de Sinais são consideradas línguas naturais e, consequentemente, compartilham uma série de características que lhes atribui caráter específico e as distingue dos demais meios de comunicação.

No Brasil, a Língua de Sinais denomina-se Libras (abreviatura que corresponde a Língua Brasileira de Sinais), a língua materna dos surdos que vivem aqui. Por adquirirem a Língua de Sinais de forma natural, ela deveria ser sua primeira língua.

A Língua de Sinais é uma língua de modalidade gestual-visual, de estrutura diferenciada da estrutura da Língua Portuguesa cuja base é o campo oral-auditivo. Os sinais são formados a partir da combinação da forma, do movimento das mãos e do ponto no corpo ou no espaço onde os sinais são feitos.

Dessa forma, a Libras possui estrutura gramatical própria, contemplando todos os requisitos para a sua oficialização como língua. No entanto, a Língua de Sinais não é universal, pois cada país possui a sua. Além disso, ela pode variar de acordo com as diferentes regiões do país.

A linguagem é algo próprio do ser humano, adquirida naturalmente desde criança e pode se manifestar de diversas formas, sendo a oral a mais importante. Devido a esse fato, os pais entram em choque ao descobrirem que seu filho não ouve e que, provavelmente, não desenvolverá a fala.

Apesar de não falar, estudos comprovam que crianças surdas desenvolvem a linguagem de sinais de forma natural. Karnopp (2005) divide a aquisição da linguagem por crianças surdas em estágios.

O período pré-linguístico começa quando a criança nasce e termina com o aparecimento dos seus primeiros sinais. Os bebês surdos, adquirindo a língua, produzem gestos que são semelhantes aos sinais quanto à forma, mas não possuem significado. Esse período é caracterizado pelo balbucio manual, pelos gestos sociais e pela utilização do apontar.

Os primeiros sinais ou as primeiras palavras aparecem entre os dez meses e o 1º ano de idade. Estudos mostram que as crianças balbuciam com as mãos, depois começam a produzir enunciados com um único sinal. Em seguida, combinam sinais, formando sentenças simples.

Segundo a autora citada, ao final do período caracterizado pelos enunciados de um sinal (mais ou menos aos dois anos de idade, variando de criança para criança), aparecem os enunciados formados por dois sinais. Esses sinais apresentam algum tipo de relação semântica.

Após a fase de dois sinais, surgem enunciados com maior número de sinais que vão se aproximando da linguagem do adulto. O período de maior desenvolvimento linguístico vai mais ou menos até os cinco anos, quando a criança já tem uma capacidade linguística bem próxima à do adulto.

Resultados e discussões

O estudo de caso foi realizado durante todo o período da pós-graduação. Em seguida, começamos a observar de forma sistemática os lugares diversos: a casa de Ana e a igreja.

Estando consciente do tema a ser estudado, surge o problema que, segundo Vergara (1997), é uma questão não resolvida que necessita de uma resposta por meio da pesquisa. Pode referir-se a alguma lacuna epistemológica ou metodológica percebida, também a alguma dúvida quanto à sustentação de uma afirmação geralmente aceita ou à necessidade de pôr à prova uma suposição, um interesse prático, uma vontade de compreender e explicar determinada situação do cotidiano.

Neste estudo, buscou-se uma resposta para a situação de Ana, partindo da seguintes questões: “Qual a importância da Língua de Sinais para a criança surda?”; “Quais as consequências da falta dessa Língua? A hipótese foi que a falta de uma língua traz sérios problemas ao desenvolvimento da criança, pois a Língua de Sinais é fundamental para uma criança surda.

Após o período de observação, realizamos entrevistas com o pai, a irmã e com a professora. Por fim, após a coleta de dados, passamos à análise para compreensão do indivíduo em estudo, a fim de escrever a monografia.

Durante toda a observação, nota-se que Ana é uma criança feliz: conversa com todos, brinca com as outras crianças, tem uma ótima relação com o pai e as irmãs. Mas, na maioria das vezes, não é compreendida pelas pessoas.

Segundo Quadros (2007), os pais ouvintes precisam descobrir o mundo essencialmente visual-espacial e conhecer a Língua de Sinais. Na maioria das vezes, o problema mais frequente para a pessoa surda é a carência de diálogo e de entendimento dentro do próprio ambiente familiar, devido à falta de uma língua em comum, provocando inúmeros problemas no relacionamento.

Quando está brincando, a criança surda tenta expressar o que quer e, se não consegue, fica nervosa e agitada. Algumas vezes, as outras crianças deixam de brincar com ela por não a entenderem. Em casa, ela conversa o tempo todo e suas irmãs já conhecem o que significam os seus gestos.

Enquanto os adultos conversam, ela fica parada olhando, prestando atenção no que estão falando. O seu pai é bom para ela. Ele afirma ter tentado conseguir uma escola especial, mas na região não tem nenhuma.

De acordo com Quadros (2007), um fator muito importante que deve receber a máxima atenção dos pais em relação ao filho surdo é a escolha do ambiente escolar. Ao escolher uma escola, os pais devem ter a preocupação de conhecer a filosofia que norteia o trabalho, a formação dos profissionais da escola, as suas propostas pedagógicas, as políticas de acesso e a permanência para alunos com surdez, observando se a escola oferece recursos e tecnologias que possibilitem uma educação de qualidade.

Na cidade há outros surdos, mas todos são adultos. Ela é a única criança em uma escola de ouvintes sem nenhum contato com a Língua de Sinais ou com outros surdos (ou um intérprete).

Na obra As imagens do outro na cultura surda, Strobel (2009, p. 42) relata uma criança surda que não teve contato com um adulto surdo, afirmando que a criança surda, como qualquer outra criança, precisa dialogar com os adultos a respeito dos seus pensamentos, suas curiosidades e suas dúvidas a respeito do que acontece ao seu redor.

Esse diálogo é importante para a construção da realidade e para dar sentido às experiências vividas, porém como Ana é a única surda da família e não domina a língua oral, nem a Língua de Sinais, ela se depara com essa barreira na comunicação que poderá trazer implicações significativas para o seu desenvolvimento.

O pai conta que só descobriu a surdez depois, quando a Ana já tinha mais ou menos cinco anos. Sua mãe percebeu antes, pois ela apresentava reações diferentes das das outras crianças.

Na escola, Ana lê e copia tudo o que o professor faz no quadro, mas a sua aprendizagem não é significativa. Ela apenas imita seus colegas e o professor, copiando tudo que eles fazem, quase não faz as atividades.

Percebe-se que a escola não se modifica como é previsto nos documentos de inclusão em razão da presença do aluno surdo. Na verdade, é o aluno que se adéqua ao modelo educacional vigente.

O desafio criador de se pensar em uma escola para surdos, ou em uma escola diferente do que já temos, é fagocitada pela ideia de uma escola que, devidamente reformada, seja comum a todos. Dito de outro modo, mantemos a Unidade – o mesmo (Souza, 2004, p.6).

Sabe-se que uma criança não tem como fazer leitura labial de tudo o que o professor fala, portanto ela perde quase tudo que é explicado durante as aulas. Além disso, por ela ser muito ativa, com certeza não fica observando a explicação do professor. Por mais que ela tenha sido alfabetizada (leia e escreva bem), ela não conseguirá ter o mesmo aproveitamento de um aluno ouvinte em uma escola regular sem conhecer a Língua de Sinais, sem ter contato com outros surdos e sem um intérprete.

Embora seu pai tenha lutado, sua luta foi em vão, já que nenhuma providência foi tomada. Com isso, Ana não tem nenhuma perspectiva de futuro, de aprender uma língua e tornar-se uma cidadã como qualquer outra.

Situações como a de Ana ainda acontecem na maioria das cidades pequenas, onde pessoas surdas não conhecem a Língua de Sinais, não são valorizadas como pessoas com direitos iguais e onde não há a figura do intérprete como profissional.

Muitas vezes, não é a surdez que impede o desenvolvimento da criança, mas a sociedade onde ela vive. Como afirma Skliar (1997, p. 12),

não há nenhuma relação entre a deficiência e seus supostos derivados sociais diretos, pois estes não são uma consequência direta daquela, mas sim das formas e dos mecanismos em que estão organizadas e de que dispõem as sociedades para não exercer restrições no acesso a papéis sociais e à cultura das pessoas, de todas as pessoas. De fato, duas pessoas com idênticas deficiências, e que vivem em sociedades diferentes, possuem, obviamente, trajetórias de desenvolvimento diferentes. O papel que desempenha uma deficiência no começo da vida de um sujeito não é de ser o centro inevitável de seu desenvolvimento, mas, pelo contrário, a força motriz de seu desenvolvimento.

Nesse contexto, deixam o surdo à margem da educação, como mais um fracassado, sem condições de apropriar-se do conhecimento, fazer uma faculdade e ter uma profissão. Crianças como Ana são vistas pela sociedade como incapazes. O único sentimento que despertam nas pessoas é o da pena.

A escola acolheu esses alunos, mas não se preparou para eles. Não mudou sua metodologia, fazendo adaptações, nem procurou formas de tornar a aprendizagem do aluno surdo uma aprendizagem significativa.

Desse modo, esse aluno permanece na escola apenas para passar o tempo, com uma educação mecânica, sem formas para crescer como os demais alunos ouvintes. Por falta de esforços da parte dos responsáveis pela educação, a única aluna surda da escola tem sido isolada.

Muitas vezes, o fracasso é visto como culpa do próprio aluno com deficiência como se ele não tivesse capacidade para aprender. Como afirma Skliar (1997, p. 12-13),

para muitos, o fracasso educativo massivo se traduz na verdadeira obrigação de pensar que são as próprias limitações dos sujeitos educativos o que origina esse fracasso. Entretanto, existe uma interpretação alternativa contra esse fácil silogismo. Se a escola especial parte do pressuposto de que os sujeitos estão naturalmente limitados, toda a orientação educativa está obrigada a orientar-se naturalmente em direção a essa ideia e os resultados, finalmente, concorrem com essa percepção. Através dessa particular perspectiva, o círculo das baixas expectativas se fecha com uma notável facilidade: os magros resultados são um produto direto da inconsistência dos próprios alunos e não da natureza do projeto educativo.

Segundo o autor, há certa hipocrisia quando se atribui toda a responsabilidade do fracasso aos alunos com deficiência, pois o fracasso é resultado de um mecanismo complexo que reúne fatores sociais, políticos, linguísticos, históricos e culturais.

Esses fatores provêm daqueles profissionais que, voluntariamente ou não, representam e reproduzem a ideia de um mundo homogêneo, compacto e sem variações.

Considerações finais

Muitas vezes os surdos passam como despercebidos. Somente os que convivem de perto, como a família e os amigos próximos, se preocupam com eles. Para alguns, o surdo é um coitadinho. Mas, a partir da luta dos próprios surdos, eles passaram a ser vistos como seres humanos com direitos a serem respeitados.

Durante muito tempo, a surdez foi vista como anomalia, como doença, são indivíduos que devem ser excluídos por não serem considerados “normais” como os demais. Enquanto isso, muitos surdos ficaram à margem de uma sociedade preconceituosa e excludente, sem o direito de viver dignamente.

A Língua de Sinais, apesar de existir há muito tempo, também não era valorizada como língua, mas como gestos usados pelos surdos para expressar as coisas. Só depois de muita demanda, passou a ser oficializada como língua.

Já o intérprete teve a sua profissão reconhecida há pouco tempo, apesar de sempre existir. No início, eles não eram remunerados nem reconhecidos. Além disso, a função do intérprete não era vista como profissão; assim, não havia cursos que formassem esses profissionais.

Aliando a luta dos surdos por seus direitos com a luta da Libras para tornar-se língua oficial junto à profissão do intérprete, nota-se que muitas conquistas já foram adquiridas. Contudo, ainda há muito o que se fazer.

Baseado em uma dessas situações, surgiu o desejo de realizar este estudo. O interesse no tema mostra os resultados de um estudo de caso, baseado na observação e em entrevistas. A Língua de Sinais não é só uma ferramenta de comunicação, mas um elemento central da cultura surda que permite que as pessoas surdas se conectem e compartilhem experiências, contribuindo para o fortalecimento de sua identidade coletiva.

Conclui-se que a Língua de Sinais e o intérprete são fundamentais para a aquisição da linguagem e para a inclusão das pessoas surdas em sociedade, garantido que desenvolvam suas habilidades linguísticas desde cedo, acessando plenamente a educação.

A promoção e o reconhecimento da Língua de Sinais, assim como a formação e a valorização de intérpretes qualificados são passos essenciais para a construção de uma sociedade mais inclusiva e equitativa, onde todos têm a oportunidade de se comunicar, aprender e prosperar.

Referências

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YIN, Robert K. Estudo de caso – planejamento e métodos. 2ª ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.

Publicado em 15 de outubro de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

CÔRTES, Celiane do Lago Novaes. Importância da Língua de Sinais e do Intérprete para a aquisição da linguagem: um estudo de caso. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 38, 15 de outubro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/38/importancia-da-lingua-de-sinais-e-do-interprete-para-a-aquisicao-da-linguagem-um-estudo-de-caso

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