Análise dos planos de estudos tutorados (PET): considerações sobre as práticas aplicadas à Educação Infantil em Minas Gerais
Lucas Carneiro Costa
Pós-graduando em Mercado Financeiro e de Capitais (PUC-Minas), graduado em Pedagogia (UEMG)
Marina Cristina Rodrigues Pereira
Graduada em Pedagogia (UEMG), bacharela em Química Industrial (UFOP)
Marcelo Diniz Monteiro de Barros
Doutor em Ensino em Biociências e Saúde (IOC/Fiocruz), professor do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino (FaE/UEMG), bolsista de Produtividade em Pesquisa (UEMG), professor do Departamento de Ciências Biológicas da PUC-Minas
No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a classificar como pandemia a disseminação do novo coronavírus (Sars-CoV-2), que se alastrava geograficamente de forma intensa em uma escala de tempo muito curta. Oito meses após esse pronunciamento, confirmaram-se 60.534.526 casos de covid-19 pelo mundo, com 1.426.101 mortes (Opas, 2020).
Os primeiros e principais sintomas da covid-19 – febre, cansaço e tosse seca – geralmente começam leves e graduais. Alguns pacientes podem apresentar dores, congestão nasal, dor de cabeça, diarreia, dor de garganta, perda de paladar e olfato, erupção cutânea ou descoloração dos dedos das mãos ou dos pés. A maioria das pessoas (80%) se recupera da doença sem precisar de tratamento hospitalar. Algumas são infectadas, mas apresentam apenas sintomas leves. Uma em cada seis pessoas infectadas fica gravemente doente e pode desenvolver dificuldades para respirar. Idosos e pessoas com predisposição à pressão alta, a problemas cardíacos, nos pulmões ou com diabetes, têm maior risco de ficarem gravemente doentes (Opas, 2020).
Alterações substantivas foram provocadas nos âmbitos econômico, cultural, físico e social. Um novo ritmo para a humanidade foi necessariamente imposto, frente à falta de uma vacina ou cura. Várias medidas sanitárias e mudanças de hábito tornaram-se necessárias, a fim de retardar o contágio entre as pessoas. As palavras confinamento, isolamento e distanciamento nunca foram tão precisas. Novas relações afetivas e profissionais foram criadas e ressignificadas. O trabalho remoto foi priorizado. As famílias passaram a conviver intensamente dentro de casa e pessoas se afastaram de entes queridos para proteger umas às outras. Muitos perderam empregos e renda. Alguns continuaram nas suas atividades por serem essenciais, por não terem outra opção ou mesmo por não acreditarem que o vírus era real, encarando-o com descaso (Souza, 2020).
Esse novo tempo trouxe uma ressignificação educacional nunca vista. O distanciamento social e a quarentena impactaram diretamente no funcionamento das instituições de ensino. Creches, escolas e universidades tiveram suas atividades escolares presenciais suspensas, afetando milhões de estudantes em todo o país. A suspensão das aulas foi uma das medidas para se evitar a propagação da contaminação pelo vírus, tendo em vista que a escola era ambiente propício para contato social. Todavia, era perceptível e crucial permanecer com o trabalho escolar, uma vez que os impactos de se perder o ano letivo gerariam consequências irreparáveis na sociedade, intensificando ainda mais os danos já causados (Pasini; Carvalho; Almeida, 2020). Surgiu, então, a premência de se criar e estabelecer novas metodologias educacionais e novos instrumentos de ensino, capazes de contornar as barreiras causadas pelo distanciamento social, progredindo com o ano letivo de forma remota.
De acordo com a Associação Brasileira de Ensino a Distância (ABED), a história da Educação a Distância no Brasil começou em 1904, com um anúncio nos classificados oferecendo curso de datilografia por correspondência (ABED, 2011). Oficialmente, a EaD passou a ser considerada e empregada a partir do Decreto nº 5.622, de 19 de dezembro de 2005 (Brasil, 2005). De acordo com Alves (2011, p. 10),
a Educação a Distância surge oficialmente no Brasil, sendo as bases legais para essa modalidade de educação, estabelecidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, embora somente regulamentada em 20 de dezembro de 2005 pelo Decreto n° 5.622.
O Decreto n° 5.622 foi revogado com a publicação do Decreto nº 9.057, de 25 de maio de 2017, que também regulamentou o Art. 80 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelecendo as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 2017).
Conforme afirmam Pasini, Carvalho e Almeida (2020), o Ensino a Distância (EaD) no Brasil se direcionava, quase que em sua totalidade, ao Ensino Superior, sendo outra parte para cursos profissionalizantes. Na Educação Básica, o EaD estava inclinado apenas à formação complementar.
Com as mudanças geradas pelo novo contexto social imposto pelo novo coronavírus, o EaD passou a ser empregado no Ensino Básico brasileiro. A educação vem sendo modificada e diversos programas, aplicativos e ferramentas passaram a ser utilizados como formas de aproximar e contribuir para a permanência das aulas do ano letivo.
Desse modo, a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) criou os planos de estudos tutorados (PET) como ferramentas remotas de manutenção do ensino aos estudantes da rede de Minas Gerais. Esses documentos orientavam a população em geral a lidar com a educação de crianças no momento da paralisação das escolas em razão da pandemia. O plano de estudo tutorado (PET)
é uma das ferramentas do Regime de Estudo não Presencial, desenvolvido pela Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais. Ele será ofertado aos alunos da rede pública como alternativa para a continuidade no processo de ensino e aprendizagem neste período em que as aulas estiverem suspensas por tempo indeterminado como medida de prevenção da disseminação da covid-19 em Minas Gerais (SEE/MG, 2020).
O presente trabalho tem como objetivo analisar três PET da Educação Infantil, particularmente, os volumes 1, 2 e 3. Eles foram desenvolvidos em parceria da SEE/MG com a Undime/MG (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação - seção Minas Gerais). Aqui, apresentamos algumas considerações acerca desses materiais no que tange à sua contribuição para a permanência dos aprendizados educacionais no ensino remoto naquele momento.
A proposta do presente trabalho se justifica pela reflexão acerca dos documentos e dos materiais propostos pelo Estado, evidenciando suas potencialidades e entraves. Devemos manter em mente que, naquele período, deixar de frequentar a escola não significava que os alunos deixariam de aprender. Contudo, ser educado longe da escola não é recomendável, uma vez que a criança e o adolescente fora da escola ficam ausentes de vários processos importantes, como a escolarização e a socialização, que não podem ser substituídos.
A metodologia utilizada para a realização do trabalho consiste em análises documentais de três PET que abordam cinco pontos de aprendizagem, trazendo dicas aos pais:
- higiene e cuidados com o corpo;
- ajuda nas pequenas tarefas de casa;
- momentos de brincadeira;
- leitura literária; e
- envolvimento com a cultura digital.
Metodologia
A presente pesquisa tem cunho qualitativo e utiliza a análise documental feita dos volumes 1, 2 e 3 dos PET da Educação Infantil. A pesquisa qualitativa
visa à captação do significado subjetivo das questões a partir das perspectivas dos participantes (p. ex., o que significa para os entrevistados experienciar seus estudos universitários como fardo?). Com frequência, os significados latentes de uma situação estão em foco (p.ex., quais são os aspectos inconscientes ou conflitos básicos que influenciam a experiência do estresse por parte do estudante?). É menos relevante estudar uma causa e o seu efeito do que descrever ou reconstruir a complexidade das situações. Em muitos casos, as práticas sociais e o modo de vida e o ambiente em que vivem os participantes são descritos. O objetivo é menos testar o que é conhecido (p.ex., uma teoria ou hipótese já existente) do que descobrir novos aspectos na situação que está sendo estudada e desenvolver hipóteses ou uma teoria a partir dessas descobertas (Flick, 2009, p. 23-24).
Dessa forma, o padrão não é uniforme e a situação da pesquisa é projetada da forma mais ampla e diversa possível. A análise de dados é interpretativa, desde que a subjetividade do pesquisador não seja capaz de corromper os dados coletados.
A análise documental consiste em identificar, verificar e apreciar os documentos com uma finalidade específica, como objeto de investigação. O conceito de documento ultrapassa a ideia de textos escritos e/ou impressos. O documento é a fonte da pesquisa, podendo ser escrito ou não escrito (vídeos, slides, fotografias ou pôsteres). O elemento diferenciador dessa metodologia, para a análise bibliográfica, está exatamente na origem das fontes (Sá-Silva; Almeida; Guindani, 2009, p. 5).
O volume 1
É no volume 1 dos PET para a Educação Infantil que ocorre a estruturação de todos os aspectos abordados. O texto começa no tópico “higiene”, apresentando diversas práticas de higiene importantes no cotidiano. Todas as dicas e instruções sugerem ações para evitar a contaminação e a proliferação da covid-19: lavar as mãos, evitar compartilhamento de objetos e ferramentas de uso pessoal, ao sair de casa levar sempre álcool em gel, entre outros. Para que a criança aprendesse o conteúdo de forma mais lúdica foram apresentados diversos recursos didáticos, como músicas. Os pais foram orientados em como ensinar e motivar os filhos a terem higiene.
Ajudar nas tarefas de casa era o segundo tópico abordado, organizado a respeito das tarefas de casa com base na idade. A ideia era “alocar” cada criança a partir de sua idade e habilidade motora, de modo que ajudassem em casa e tivessem contato com algumas tarefas. Para crianças de quatro anos, por exemplo, era pedido que organizassem brinquedos, levassem o prato de comida até a pia e guardassem objetos nos armários. Para crianças de 5 anos a 7 anos, indicavam esvaziar lixos, arrumar a cama e dobrar algumas peças de roupas, além de regar as plantas (esta última era a atividade que eles mais gostavam). Por fim, cabia às crianças de oito anos fazer as tarefas sem quebrar objetos: arrumar a mesa para as refeições, limpar o quarto ou ajudar a cuidar dos animais de estimação.
As brincadeiras foram o terceiro tópico abordado. O texto indicava diversas brincadeiras. A brincadeira, ao contrário do que muitos pensam, não é uma atividade qualquer e desnecessária (pensando numa lógica produtiva), sem um objetivo pedagógico, mas uma forma lúdica de desenvolver a expressão cultural, o ritmo, a coordenação motora, entre outras sensações e comportamentos importantes. Assim, eram sugeridas brincadeiras populares, como passa-anel, amarelinha, atirei o pau no gato (brincadeira de roda), batata quente e gato mia.
Em seguida às brincadeiras, vinha a leitura literária. Foram indicadas leituras de histórias, como narrativas, contação de história e contação de “causos”. Por mais que pudessem não ser feitas por meio do texto, elas foram indicadas. A ideia de trabalhar textos e histórias se deu a fim de introduzir a criança no letramento, além de alimentar a sua imaginação e a sua criatividade. Em um certo momento, os autores apontaram a contação de histórias realizada por diversos educadores em vídeos e lives na internet durante a pandemia.
Por fim, ao final do arquivo, abordaram o tema ‘cultura digital’. Basicamente, os autores ressaltaram a importância da tecnologia, principalmente durante o isolamento social. Contudo, fizeram alertas para que os responsáveis permitissem o uso de eletrônicos, com restrição ao tempo de uso e com o monitoramento da qualidade da internet (direcionando as crianças para que consumissem conteúdo educativo e saudável, sem extremismo ou qualquer tipo de violência).
O volume 2
O volume 2 complementava o volume 1. Os autores começaram afirmando que a energia das crianças, durante o período pandêmico, parecia não ter fim. Afinal, muitas vezes elas não tinham espaço adequado para brincar ou se exercitar. Além disso, a rotina estava completamente mudada e novos costumes já faziam parte do dia a dia.
O volume começa trazendo recursos didáticos para se trabalhar a higiene. Na primeira seção, é possível observar mais informações da covid-19. O objetivo era ensinar as crianças a respeito do vírus e sua transmissibilidade. Esses apontamentos foram interessantes para fazer com que a criança entendesse o contexto pelo qual estava passando. Muitos alunos faziam perguntas curiosas aos pais a respeito do motivo de estarem em casa ou de estarem usando máscaras.
No entanto, para o volume 2, a ordem de indicações e de tópicos não foi semelhante à primeira. Foram apresentadas mais indicações de materiais, sites e brincadeiras, assim como momentos artísticos com uma discussão a respeito da arte.
Os responsáveis foram orientados a realizar obras de arte com as crianças, a partir dos recursos que tivessem ao seu alcance, como: tinta, lápis colorido e papel. Podemos problematizar um pouco essa proposta, pois apesar de ser indicado orientar a criança a respeito da Arte, ela não é só pintura e desenho. A arte é um campo de conhecimento muito mais profundo que envolve práticas como: música, dança, escultura, teatro, cinema, entre muitos outros.
O volume 3
Nesse volume, esclareceu-se que a função dos PET era ampliar o diálogo com as famílias, visando melhorar o diálogo entre os responsáveis e seus filhos. O objetivo do diálogo, ao final do processo, era manter o foco na aprendizagem e no desenvolvimento dos alunos.
Durante esse período, os responsáveis deveriam cumprir com as funções do cuidado, tão importantes para a época. Daí, ocorreram diversos conselhos educacionais.
Em seguida, o texto relembrava como a covid-19 podia ser transmitida, complementando ainda mais tudo o que havia sido indicado nos volumes anteriores, 1 e 2. Inclusive, o 3 abordava o contágio da doença entre crianças, trazendo informações dos sintomas e suas consequências.
Para a leitura, foram recomendadas a história dos “Emoji” e a poesia A casa, de Vinicius de Moraes. Para a cultura digital, a atividade indicada foi tirar fotos com o celular e conversar a respeito, marcando reflexões. Para brincadeiras, ensinou-se o jogo Pedra, Papel e Tesoura. Junto a todos esses, partindo do contato com a arte no volume anterior, foi sugerida, como momento artístico e cultural, a produção de sons, construindo materiais e instrumentos de materiais reciclados e/ou a partir de ferramentas comuns presentes em casa. Para o exercício completo foi anexada uma lista de músicas para se cantar e batucar. As músicas inseridas foram: Boneca de Lata e Rock das Caveiras, de Bia Bedran, além de Alecrim e A Barata, da dupla Palavra Cantada.
Considerações finais
Os documentos analisados cumprem papel importante na educação. Ao orientar responsáveis a lidar com as crianças durante o momento de paralisação das escolas, permitimos que elas continuassem o seu processo de crescimento e aprendizado de forma saudável.
No entanto, devemos fazer alguns apontamentos. Primeiro, o documento analisado é pouco teórico, incompleto, descontínuo e sem qualquer tipo de referencial acadêmico. Parece improvisado, não contém muitas informações e não se propõe a ser crítico nem a respeito do momento vivido, nem em relação às indicações de brincadeiras. Em segundo lugar, o documento não é bem formatado e não é atrativo para leitura.
Em terceiro lugar, é importante citar que não houve iniciativa parecida do Ministério da Educação. Durante a pandemia da covid-19, a instituição maior da educação do país foi omissa, mostrando não ter nenhum tipo de planejamento para lidar com a situação. Além disso, outras preocupações e discussões necessárias não ocorreram por conta da ausência de políticas públicas e/ou de ações do órgão governamental. Alunos oriundos de classes sociais menos favorecidas permaneceram sem recursos digitais para aprender e ficaram completamente sem aparo. Outro exemplo claro da ausência do MEC foi na discussão referente ao novo Fundeb.
Os PET foram importantes, mas deveriam ser uma política pública consolidada e elaborada com atenção e conteúdo. A sua estrutura e intenção foram louváveis e positivas (afinal, trabalhar os conceitos de higiene e cuidados com o corpo, ajudar nas pequenas tarefas de casa, momentos de brincadeira, leitura literária e envolvimento com a cultura digital, já acontecem na Educação Infantil), mas também limitadas e pouco práticas.
As questões que ficam para o futuro vão além dos PET. O Brasil precisa pensar na educação dos seus estudantes. Caso contrário, a desigualdade social aumentará e os níveis de qualidade educacional ficarão ainda mais dramáticos.
Referências
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FLICK, U. Introdução à pesquisa qualitativa. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.
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Publicado em 29 de outubro de 2024
Como citar este artigo (ABNT)
COSTA, Lucas Carneiro; PEREIRA, Marina Cristina Rodrigues; BARROS, Marcelo Diniz Monteiro de. Análise dos planos de estudos tutorados (PET): considerações sobre as práticas aplicadas à Educação Infantil em Minas Gerais. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 40, 29 de outubro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/40/analise-dos-planos-de-estudos-tutorados-pet-consideracoes-sobre-as-praticas-aplicadas-a-educacao-infantil-em-minas-gerais
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