Quebra-cabeça digital no ensino de Matemática: o uso do celular como ferramenta facilitadora no processo de ensino-aprendizagem
Luciano Ferreira Silva
Licenciado em Educação do Campo/Ciências da Natureza (UFPI), professor na rede municipal de Barras/PI
João Pedro de Sousa Barreto
Licenciado em Educação do Campo/Ciências da Natureza (UFPI), professor na rede municipal de Morro do Chapéu/PI e na rede estadual do Piauí
Mediante um cenário de rápidas mudanças tecnológicas, o professor é convidado a repensar o seu papel em sala de aula. As tecnologias gradativamente vêm penetrando nos espaços escolares, sendo justificativa de acessibilidade aos dispositivos móveis, como os smartphones (tanto em relação ao custo como em relação ao aumento relativo do poder de compra de uma parcela significativa da população).
No entanto, a presença desses aparelhos nas mãos de crianças e adolescentes não foi recebida com bons olhos, uma vez que o telefone celular se tornou competidor da atenção dos alunos em razão de seu uso mal direcionado. O contexto pandêmico, que se estendeu entre os anos de 2020 e 2023, impôs uma reorganização do ensino em todos os níveis sob o paradigma do remoto. Em seguida, por meio do ensino híbrido e remoto, gradativo ao ambiente físico da escola – ambos modelos de conformação do ensino às condições impostas pela crise sanitária – uma realidade foi sonegada: as tecnologias em ambiente escolar vieram para ficar (Barreto; Melo, 2022).
O problema que se apresenta, embora existam correntes pedagógicas mais progressistas que defendem a adesão ao celular como recurso pedagógico, tem sido considerá-lo opositor ao ensino, proporcionando distrações aos estudantes que, na maioria dos casos, abandonam os seus afazeres escolares para navegar nas redes sociais ou se divertirem com jogos online (Lopes; Pimenta, 2017).
Paralelamente, o ensino baseado na utilização restrita da lousa e do livro didático tornou-se obsoleto. O modelo tradicional não funciona mais, a menos que se desconsidere todos os condicionantes que pesam sobre o processo de escolarização, todas as subjetividades e todas as relações de poder que concebem o assim denominado currículo oculto. Com isso, sobre a escola pesam as inúmeras críticas e pressões por parte dos diferentes segmentos sociais (Barreto; Melo, 2023; Cardozo et al., 2023).
Segundo Menezes (2023), a nova realidade tecnológica digital traz consigo uma nova geração de estudantes composta por indivíduos constantemente conectados, representando uma oportunidade para se pensar metodologias capazes de modificar a forma de ensinar e de aprender. Nessa perspectiva, todo potencial das tecnologias disponíveis à população pode ser redirecionado para beneficiar o processo de ensino.
A internet oferece uma gama de recursos de apoio didático adaptados às diferentes necessidades, desde jogos e simuladores, passando por softwares educacionais, blogs e bibliotecas virtuais até plataformas de vídeo, entre tantos outros. Uma grande maioria desses materiais é disponibilizada gratuitamente, outros oferecem a possibilidade de edição e criação coletiva, tornando possível a adaptação a diferentes contextos (Silveira; Silva, 2019)
O objetivo deste trabalho é demonstrar como o uso direcionado do celular pode se tornar uma importante ferramenta em benefício do ensino-aprendizagem da Matemática, contribuindo para uma aprendizagem verdadeiramente significativa com uso positivo dos dispositivos móveis, por meio de uma experiência construída coletivamente com os alunos da escola municipal Rosa do Rêgo Lages, da rede municipal de Barras/PI.
O uso do celular como ferramenta pedagógica na educação escolar
Um dos grandes desafios docentes é trazer o celular para a sala de aula como “aliado”, de modo que ele seja uma ferramenta auxiliar no ensino. No campo da educação, o celular conquistou um lugar privilegiado, possibilitando a utilização de uma variedade de aplicativos e recursos adicionais facilitadores do processo de ensino-aprendizagem. Essa transformação ocorre devido às características presentes nos dispositivos móveis, permitindo ampliar as possibilidades de interação e acesso ao conteúdo educacional de forma prática e eficiente. Além disso, o uso do celular como ferramenta pode contribuir para um aprendizado mais dinâmico e personalizado, centrado em metodologias ativas e descentralizadas.
No entanto, é importante destacar que o uso do celular como ferramenta facilitadora requer uma abordagem direcionada, equilibrada e consciente. É essencial estabelecer diretrizes claras e políticas de uso responsável, para garantir que o dispositivo seja usado produtivamente em sala de aula, evitando distrações desnecessárias. Para Bento e Cavalcante (2013, p. 119), “o celular pode ser um recurso didático a ser utilizado em diferentes momentos na escola, desde que conste no planejamento do plano de aula do docente e da instituição escolar”. Dessa forma, faz-se necessário que entre a família e a escola exista uma comunicação efetiva, promovendo um trabalho cooperativo entre as partes interessadas.
Dispondo da possibilidade de utilizar aplicativos e softwares educacionais e da sua capacidade de gravar vídeos e realizar pesquisas, o celular se mostra uma ferramenta versátil e dinâmica para auxiliar no ensino-aprendizagem. Além disso, o celular permite que os alunos tenham maior autonomia e independência no processo de aprendizagem, pois podem acessar materiais de estudo e conteúdos relevantes a qualquer momento e em qualquer lugar. Isso induz à responsabilização desses sujeitos pela própria aprendizagem, transformando-os em protagonistas do processo de escolarização.
Com o uso adequado e responsável desse dispositivo é possível transformar as atividades pedagógicas em experiências mais cativantes e motivadoras. Ao utilizá-lo como instrumento pedagógico, os professores estão capacitando alunos a lidar de maneira responsável com a tecnologia presente em seu cotidiano, de forma consciente e crítica.
Assim, o celular não apenas se torna um recurso auxiliar no processo de ensino-aprendizagem, mas ainda como meio de capacitar alunos e prepará-los para uma sociedade globalizada e tecnológica, tendo em vista que o domínio das tecnologias vem se tornando um fator decisivo para a inserção dos indivíduos na Sociedade da Informação (Bell, 1997).
Ao explorar as potencialidades oferecidas pelo uso do celular, os educadores podem ampliar as fronteiras da sala de aula tradicional, criando um ambiente de aprendizagem mais dinâmico, personalizado e alinhado com as demandas da sociedade contemporânea.
Metodologia
A prática em questão foi realizada na Escola Municipal Rosa do Rêgo Lages, localizada na comunidade Esperança, no município de Barras/PI. Os sujeitos da pesquisa foram 32 alunos do 6° e 7° ano do Ensino Fundamental, na disciplina de Matemática.
Para tanto, utilizou-se a plataforma Jigsaw Planet, desenvolvido pela Tibo Software, o melhor jogo de quebra-cabeça para Windows, online e gratuito; nele é possível criar e montar quebra-cabeças de diferentes estruturas e tamanhos. O docente responsável pelas turmas elaborou quebra-cabeças referentes ao conteúdo da tabuada, em que os alunos apresentam deficiência ao anteceder o desenvolvimento do projeto. Esses desafios (quebra-cabeça) foram criados com a plataforma e, em seguida, disponibilizados por meio do link do jogo no grupo de WhatsApp da turma, cujo objetivo era que o alunado resolvesse a questão no menor tempo possível.
Resultados e discussões
As quatro operações matemáticas básicas (adição, subtração, multiplicação e divisão) são fundamentais para o desenvolvimento de habilidades numéricas, como base sem a qual a evolução nos conhecimentos matemáticos posteriores é praticamente impossível. Elas permitem a resolução de problemas, o cálculo de medidas e a interpretação de gráficos.
Essas operações, conforme mencionado, são bases para o estudo da Matemática avançada e têm relevância prática no dia a dia, possibilitando transações financeiras, planejamento de orçamentos e compreensão de medidas e detalhes, de sorte que o conhecimento matemático permeia as interações estabelecidas entre o homem e o seu meio, sendo construído e (reconstruído em ambientes formais e informais (Velho; Lara, 2011).
No decorrer das aulas de Matemática, constatamos a deficiência no desenvolvimento de cálculos envolvendo a tabuada básica. Visando suprir essa carência, foi pensada a prática pedagógica com a utilização do Jigsaw Planet a fim de envolver os educandos e cativar seu interesse. De acordo com Santos, Santos e Lima (2020, p. 81), “o valor dos jogos no contexto educacional é uma tática para auxiliar o educando [...] instigando e motivando a criatividade, investigando situações para a melhor jogada, desenvolvendo assim o raciocínio lógico”.
Inicialmente, constatamos excelente engajamento na aplicação do jogo, com formidável participação na solução dos desafios, apesar das dificuldades iniciais demonstradas durante a sua resolução. Ultrapassado o período de ambientação, a atividade se tornou divertida a cada novo desafio lançado.
Santos et al. (2023) afirmam que por meio utilização de jogos é possível aumentar a curiosidade e a atenção dos alunos, tornando as aulas mais interessantes e prazerosas e, consequentemente, a matéria a ser ensinada, fazendo com que aumentem também a motivação e o envolvimento dos alunos no aprendizado dos conteúdos.
Os jogos podem ser explorados em inúmeras situações nas aulas de Matemática, o que demonstra a sua capacidade educativa, contribuindo para que o educando possa gerar afinidade pela disciplina. Isso deriva do fato de compreender seu conteúdo e visualizar que o conhecimento matemático está presente em diversos aspectos do dia a dia, não sendo algo inatingível.
Figura 1: Registro de alguns alunos realizando a atividade
No que diz respeito à fixação de conteúdo, observamos uma melhora significativa na assimilação do assunto trabalhado, suprindo significativamente as deficiências encontradas anteriormente em sala de aula. Ao transformar o aprendizado em uma experiência lúdica e interativa, esse tipo de atividade permite que os alunos retenham informações de uma forma mais eficaz e duradoura. Além disso, os jogos estimulam a participação ativa dos estudantes, promovendo o desenvolvimento de habilidades cognitivas e sociais. As possibilidades de apresentação do conhecimento matemático devem ser exploradas da forma mais ampla e possível.
Arruda (2023) aponta como importante fator na consolidação dos conhecimentos matemáticos, para além da diversificação de metodologias, a importância da forma como se dá a relação entre o professor e o aluno, sendo favorável o bom relacionamento estabelecido de forma horizontal, cujo objetivo final seja promover a assimilação dos tópicos em Matemática de maneira efetiva. Nas palavras do autor:
Na Matemática, como em qualquer outra disciplina, a interação professor-aluno é essencial para que ocorra o aprendizado. O professor precisa, portanto, ter bom relacionamento com os alunos e criar com eles um vínculo de participação pedagógica, ou seja, um compromisso entre ensinar e aprender (Arruda, 2023, p. 10).
Portanto, é necessário que o docente conheça os seus estudantes para que reconheça possíveis desníveis de conhecimento e esteja preparado para realizar as intervenções cabíveis a cada situação e pessoa, sanando dúvidas e minimizando eventuais dificuldades. Segundo Pontes (2017), por meio de atividades lúdicas é possível reduzir as dificuldades de aprendizagem dos educandos, pois isso faz com que eles despertem seu interesse em compreender a linguagem matemática.
O acesso à internet fornece uma ampla gama de recursos online para download, com potencial para tornar o processo de ensino mais dinâmico, criativo e personalizado. Essa combinação de recursos tecnológicos e pedagógicos cria uma sinergia poderosa, permitindo que os alunos se envolvam, de forma mais ativa e eficaz, em seu próprio aprendizado, explorando conhecimentos em um mundo virtual repleto de oportunidades de aprendizado, relegando ao professor o papel de direcionar a sua utilização, trabalhando a seletividade e criticidade em torno dos dados disponíveis por meio da web (Santana et al., 2020; Cardozo et al., 2023).
Por meio dessa constatação, Nascimento (2023) reforça que os softwares educativos matemáticos surgem como alternativa que amplia os conceitos teóricos dos conteúdos em sala de aula, atraindo o interesse e a intuição dos alunos, ao passo que incentivam o estudo dos conceitos de forma inovadora. A velha escola, transmissora de conhecimentos prontos, é inviável para a imersão nas dinâmicas da sociedade atual, sendo o protagonismo e o autodidatismo traços fundamentais à nova geração de cidadãos.
Essa integração entre o celular e o ensino é um reflexo do mundo em que vivemos, onde a tecnologia desempenha um papel cada vez mais importante no nosso dia a dia e, consequentemente, na educação. Dessa forma, é fundamental que as instituições de ensino forneçam recursos e meios para que todos os estudantes tenham oportunidades de acesso aos dispositivos tecnológicos necessários, assegurando a democratização do ensino.
Considerações finais
Com a prática pedagógica desenvolvida na escola mencionada, inferimos que a utilização do celular em ambiente escolar pode auxiliar no desempenho da aprendizagem em Matemática, assim como nos demais componentes, visto que esse aparelho incorpora uma infinidade de recursos, possibilitando o avanço no processo de ensino-aprendizagem.
Em suma, o uso do celular como recurso escolar apresenta inúmeras possibilidades. Aproveitando todas as vantagens que essa tecnologia oferece, os educadores e gestores têm a oportunidade de transformar as aulas em experiências ricas, engajadoras e estimulantes.
O papel do celular deve ser cuidadosamente planejado e executado, considerando tanto os benefícios quanto os desafios associados a essa prática, garantindo que ele seja utilizado de forma responsável e proveitosa no aprendizado dos alunos.
Referências
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LOPES, Priscila Almeida; PIMENTA, Cintia Cerqueira Cunha. O uso do celular em sala de aula como ferramenta pedagógica: benefícios e desafios. Revista Cadernos de Estudos e Pesquisa na Educação Básica, Recife, v. 3, n° 1, p. 52-66, 2017.
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Publicado em 05 de novembro de 2024
Como citar este artigo (ABNT)
SILVA, Luciano Ferreira; BARRETO, João Pedro de Sousa. Quebra-cabeça digital no ensino de Matemática: o uso do celular como ferramenta facilitadora no processo de ensino-aprendizagem. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 41, 5 de novembro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/41/quebra-cabeca-digital-no-ensino-de-matematica-o-uso-do-celular-como-ferramenta-facilitadora-no-processo-de-ensino-aprendizagem
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