Ser professor da Educação Infantil: formação e desvalorização profissional
Ana Paula dos Santos Monteiro
Doutoranda em Educação (Unesa), professora auxiliar na Unesa e orientadora pedagógica da Prefeitura Municipal de Nilópolis/RJ
Catarina Janira Padilha
Doutoranda em Educação (Unesa), professora de Atendimento Educacional Especializado na Educação Infantil e anos iniciais da Rede Municipal de Boa Vista/RR e dos anos finais no Ensino Médio da Rede Estadual de Roraima
Pensar a formação docente e a trajetória profissional (Nóvoa, 2023; Reis, 2014) é uma forma de viver as diferentes facetas da educação com o cotidiano. Temos, como base teórico-metodológica, os estudos doscotidianos, dialogando com autores de referência do campo (Oliveira; Alves, 2008). Utilizaremos o termo formação continuada ao tratarmos das formações oferecidas para professores como políticas públicas permanentes ou contínuas por meio de suas narrativas, seus diálogos e memórias.
Descrever, dialogar e refletir essas trajetórias docentes ocorridas na Educação Infantil em uma creche de rede pública em Nilópolis, oportunizou o debate das políticas educacionais na autoformação docente e na constituição de sua identidade profissional, a fim de atender às exigências do mercado em detrimento da precarização da mão de obra profissional.
As Diretrizes Curriculares da Educação Infantil (2010) provocaram o debate e a organização do processo formativo, atendendo às especificidades do trabalho com a primeira infância. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394/96, Art. 62, confere aos cursos de Pedagogia as habilidades e as competências exigidas para o desempenho da profissão, com formação geral.
Os programas de formação continuada ou permanente,mesmo com suas particularidades, têm conseguido qualificar profissionais, observando suas reais necessidades. Mas quais seriam assuas reais necessidades? Cada contexto sugere demandas, conflitos e adaptações. Não estamos aqui com a pretensão de responder às questões, mas indicar pontos em comuns, pertinentes às ações que perpassam as faixas etárias e as práticas do educar e do cuidar, por meio das interações e das brincadeiras.
Refletir a respeito dessas especificidades implica em rever as concepções de infância, bem como as responsabilidades do Estado, reconhecendo o segmento como uma instância educativa a fim de possibilitar ao docente (re)pensar a sua prática, junto aos embasamentos teóricos, assim como refletir a respeito do seu protagonismo, ressignificando suas contribuições e valorizando a sua “historicidade, subjetividades [...] desinvisibilizados e reconhecidos em sua potência formadora” (Süssekink et al., 2016, p. 24).
Atualmente, a BNC-Formação (RES/CNE/CP nº 2/19) tem sido discutida com críticas ao chamado praticismo, pois prioriza o saber fazer como se a formação teórica não fosse importante no processo de ensino-aprendizagem, ou seja, a formação docente é reducionista com a BNCC (Deconto; Ostermann, 2021).
Para Nóvoa (2008), o desenvolvimento profissional é completado com uma formação permanente, contudo não se pode alterar a formação complementar com a formação permanente. A formação complementar atende à necessidade dos professores para aprender determinados conhecimentos de áreas disciplinares e/ou pedagógicas, enquanto a formação permanente precisa do espaço na escola junto aos seus pares.
Metodologia
Estudos a respeito da formação permanente do professor da Educação Infantil se tornam complexos, dado o número de debates, pesquisas e propostas existentes. Apesar dos investimentos e dos progressos na última década, a situação ainda é insuficiente, segundo as professoras participantes das rodas de conversa.
As análises teóricas indicam que a formação continuada dos professores não tem refletido uma qualidade no que diz respeito à qualidade do ensino. A conexão, entre a maneira como os docentes aprendem e ensinam, revela a importância de ouvi-los para entender suas reais necessidades e promover melhorias em suas práticas pedagógicas. As formações continuadas são oferecidas com relevância social, posto que tais estudos de formação permanente de professores já fazem parte de uma polêmica evidenciada pela aprovação da BNC-Formação, tema que se expande para a formação continuada, visandoassegurar que os profissionais da educação tenham acesso a oportunidades de aprendizado ao longo da vida. Como resultado, se espera uma melhoria na qualidade da educação oferecida no país.
Resultados e discussões
Resistir às investidas por meio da formação permanente no cotidiano escolar é um ato urgente e necessário, pois ao se apropriar do conhecimento, o docente, em sua práxis, fomenta novos olhares e interpretações dos seus saberes/fazeres, praticas/praticadas, em seus mais variados contextos, estabelecendo suas redeseducativas (Oliveira; Alves, 2008) que descortinam a ilusão dos “métodos eficazes” e “procedimentos infalíveis” inerentes à realidade, comercializados pelas corporações e pelas consultorias. Reconhecer-se, então, como docente/discente nas práticas escolares pode compreender os cotidianos como influências significativas do processo formativo infantil.
Diante de tantas expectativas e desafios profissionais, os docentes se questionam: o que ensinar na Educação Infantil?
Em roda de conversa em uma creche pública no município de Nilópolis/RJ a respeito de o que ensinar na Educação Infantil?, duas professoras participantes responderam:
Ensinar é passar conhecimentos com amor. Interagir com eles e com outros, mostrar através de materiais concretos para facilitar o entendimento e a aprendizagem, através do cuidar e educar (Professora Lucia).
Ensinar é buscar formas de atingir os alunos para que aprendam, é brincar, despertar a criatividade, identificar o que eles gostam para a partir daí desenvolver um trabalho que consiga fazer a diferença na vida dessas crianças, através das interações e brincadeiras (Professora Telma).
Percebe-se que a função profissional perpassa vários atravessamentos em seu percurso histórico, conceitual e cultura, sendo consideradapara além do cognitivo, pois docentes da Educação Infantil trazem particularidades de acordo com a importância das experiências e das associações do cuidar e do educar.
Dito isso, a desvalorização desse profissionalnão pode estar atrelada a outras funções ou tarefas pertinentes ao atendimento dessa faixa etária (0 a 5 anos e 11 meses), como: dar comida, das banho, trocar fraldas, oferecer atividades importantes ao fazer pedagógico infantil, dentre outras.
Considerações finais
Conclui-se que a revalorização do trabalho docente e sua autoformação são fundamentais para promover práticas educativas reflexivas.É importante que tenhamos momentos potentes de resistência e existência ao lado de nossos pares a fim de pensarmos juntos o processo educativo na Educação Infantil, a partir do cotidiano. Desse modo, entendemos que o processo de aprendizagem precisa serestudado e refletido nesse sentido, num debruçar a respeito do dia a dia de nossas escolas.
Acreditamos nesse encontro docente como um movimento propulsor de novos fazeres pedagógicos dentro dos espaços onde a Educação Infantil está presente, reforçando o brincar, o cuidar e o interagir, sem descartar a importância das formações e das pesquisas/produções científicas.
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 23 dez. 1996.
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2010.
BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, seção I, 26 jun. 2014. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm. Acesso em: 03 out. 2023.
BRASIL. Resolução CNE/CP nº 2, de 20 de dezembro de 2019. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e para a Formação Continuada. Diário Oficial da União, Brasília, seção I, p. 46, 15 abr. 2020. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=142400-rcp002-19&category_slug=abril-2020-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 2 out. 2023.
DECONTO, D. C. S.; OSTERMANN, F. Treinar professores para aplicar a BNCC: as novas diretrizes e seu projeto mercadológico para a formação docente. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 38, n° 3, 2021.
NÓVOA, António. Escolas e professores: proteger, transformar, valorizar. Salvador: SEC/IAT, 2022.
OLIVEIRA, Inês Barbosa; ALVES, Nilda. Pesquisa nos/dos/com os cotidianos das escolas: sobre redes de saberes. Petrópolis: DP et Alii, 2008. (Coleção Cotidianos e Pesquisa em Educação).
REIS, Graça Regina Franco da Silva. Por uma outra Epistemologia de Formação: conversas sobre um projeto de formação de professoras no município de Queimados. 2014. 198f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
ROLDÃO, Maria do Céu. Função docente: natureza e construção do conhecimento profissional. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 12, n° 34, p. 94-103, jan./abr. 2007.
SÜSSEKIND, M. L.; OLIVEIRA, I. B. Formação docente e justiça cognitiva: pesquisa, práticas e possibilidades. Petrópolis: DP et Alii, 2016.
Publicado em 05 de novembro de 2024
Como citar este artigo (ABNT)
MONTEIRO, Ana Paula dos Santos; PADILHA, Catarina Janira. Ser professor da Educação Infantil: formação e desvalorização profissional. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 41, 5 de novembro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/41/ser-professor-da-educacao-infantil-formacao-e-desvalorizacao-profissional
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