Construção de textos por meio das narrativas de crianças com deficiência visual

Luciana Barros Farias Lima

Graduada em Pedagogia (UERJ), pós-graduada em Deficiência Intelectual (UNIRIO) e em Letramento e Surdez (INES), mestra na temática da deficiência visual (IBC), professora do Ensino Básico Técnico e Tecnológico dos anos iniciais (IBC), tutora a distância de Pedagogia da UERJ/Cederj

Flavia Daniela dos Santos Moreira

Professora do PPGEDV-IBC

Este trabalho é um relato de experiência em que será abordada a alfabetização na deficiência visual. Esta, no contexto escolar, necessita de etapas preparatórias para seu desenvolvimento, as quais demandam do educador uma organização que refletirá na aprendizagem significativa da criança.

Segundo Bruno (2022), a criança, para ter acesso ao sistema Braille, precisa desde a primeira etapa da educação ter a oportunidade de compartilhar espaços de aprendizagem, trocas, brincadeiras, fantasias para o seu desenvolvimento integral.

Sendo assim, a criança deficiente visual precisa de estímulos para que o seu cognitivo relacione o conteúdo a experiências vivenciadas. Na aprendizagem, todo o corpo precisa ter organização, no que se refere à postura, aos conceitos de lateralidade, e aos mapas mentais, os quais são aspectos que antecedem o processo de alfabetização.

A primeira etapa da alfabetização corresponde a uma fase em que o aluno precisa ter vivências práticas que o levem ao aprendizado formal da escrita e da leitura. O professor inicialmente trabalha com o aluno envolvendo o aspecto lúdico e as etapas que antecedem ao aprendizado do sistema Braille. No primeiro segmento do Ensino Fundamental ocorre uma transição entre a fase da Educação Infantil e o Ensino Fundamental, em que é necessário um período de adaptação.

A complexidade existe, mas as descobertas são surpreendentes e extremamente valiosas. O período do letramento/alfabetização planta os alicerces da aprendizagem. A relevância que lhe deve ser conferida é ilimitada. No decurso desse processo, desenvolve-se um indivíduo. Faz-se imperativo, portanto, trabalhar para que se integrem satisfatoriamente os vários compartimentos que compõem esse ser em crescimento afetivo, social e intelectual (Almeida, 2014, p. 33).

Nessa fase de adaptação, a rotina se faz presente por meio de atividades lúdicas que estimulem o olfato, o tato, o paladar e a audição. As rotinas devem obedecer a uma sequência organizada para incentivar a memorização das crianças. No primeiro momento do dia, a criança é convidada a construir o calendário com a ajuda da professora, informando como está o tempo lá fora, a data e o dia da semana. Em seguida, é feita a chamada, em que cada aluno deve responder quem está presente e quem faltou à aula.

Essa organização inicial favorece a proximidade entre a professora e as crianças e entre as crianças umas com as outras.

Em relação às crianças com deficiência visual (tanto com baixa visão quanto com cegueira), é essencial propiciar pistas de identificação que forneçam informações por meio do toque. De acordo com Moreira (2021), a rotina deve ser bem estruturada e consistente, pois assim evita o estresse e contribui para o aprendizado, a comunicação, a formação de conceitos e a compreensão da temporalidade.

Para o aluno deficiente visual, é muito importante trazer pelo estímulo tátil uma identificação; então as mesas e a chamada podem conter um elemento tátil a fim de propiciar a localização do lugar e o auxílio à identificação do seu nome. O segundo aspecto a ser considerado na alfabetização é a formação de mapas mentais. O professor, no início do ano letivo, trabalha a localização espacial da sala de aula e dos espaços coletivos como o banheiro e o bebedouro, além de móveis, portas, janelas, armários, murais e todos os elementos físicos do espaço.

Esses momentos de rotina são realizados diariamente com todos os alunos, sendo considerados os mapas mentais, depois de um tempo, como hábito. Há que se considerar a rotina como fundamental para todos os alunos, sendo uma prática inclusiva de aprendizagem.

Sabemos, todavia, que o processo de aprendizagem de um educando com deficiência visual requer procedimentos e recursos didáticos especializados. Para que seu crescimento educacional se efetive verdadeiramente, é necessário que lhe sejam oferecidas oportunidades de aprendizagem e de experiências concretas (Almeida, 2014, p. 36).

Bruno (2022), ressalta a necessidade de explorar, descobrir e obter experiências para o momento da preparação para o sistema Braille, que antecede o aprendizado dos códigos do sistema Braille; nessa fase destaca-se o estímulo aos sentidos remanescentes, destacando-se o tato e a audição como elementos importantes.

Podemos trazer vários aspectos importantes, como a lateralidade com jogos, estímulo à coordenação motora, trabalho do tato com texturas diversificadas, estímulo à memória, movimentos de pinça, pareamento, comparação e contagem. A preparação para o Braille é importante, pois ele tem como intenção trabalhar a coordenação da mão do aluno, a postura e o aspecto cognitivo.

O tato, através da mão, será o canal principal de assimilação, apreensão e compreensão do mundo para a criança deficiente visual. Para alcançar esse objetivo, ela necessita de ajuda com estímulos intersensoriais para que possa localizar objetos nos diferentes pontos do espaço e, dessa forma, desenvolver a busca tátil dirigida, a autonomia da mão e a construção da noção de espaço (Borges, 2017, p. 251).

A próxima etapa da alfabetização no sistema Braille diz respeito ao aprendizado formal de seu código de escrita e leitura. Nessa fase, a criança já adquiriu um tato mais trabalhado, o que facilitará o processo. O sistema tem etapas que necessitam ser vivenciadas pelo aluno até chegar ao Braille em questão.

O professor precisa apresentar os instrumentos que serão utilizados na ação da escrita Braille; a reglete e o punção são materiais criados por Louis Braille. A reglete é caracterizada por uma prancha e uma régua, e o punção tem a função de perfurar o papel dentro dos espaços delimitados.

Em seguida, a criança precisa aprender a segurar no punção, utilizando o movimento de pinça. Então se inicia o treinamento, que consiste em perfurar diversas superfícies, como isopor, papelão e esponja. A ideia nessa fase é que o aluno aprenda o movimento de segurar o punção, sem a pretensão da escrita formal.

Seguindo a sequência didática, vamos para o conhecimento e o treinamento na reglete; o aluno aprende a colocar o papel, posicionando de maneira correta, e inicia o treinamento da localização da cela Braille, perfurando o papel em cima, embaixo, nos pontos do meio e na cela cheia. Ainda não são trabalhados os códigos Braille nesse momento.

A discriminação tátil e o reconhecimento de sinais em Braille pressupõe um nível mais alto de abstração e associação cognitiva, tal como o reconhecimento visual de símbolos e sinais que, por si só, requer alto nível de codificação e associação. A criança cega não só deve reconhecer os símbolos por meio do tato, mas também interpretar seu significado em relação a exigências que representam um enorme esforço em nível de memória-tátil-sinestésica e exigem que a criança tome decisões imediatas referentes ao reconhecimento, memória, associação e interpretação dos diferentes sinais e símbolos (Borges, 2017, p. 257).

Após os treinamentos na reglete, começamos a etapa crucial do aprendizado formal: a sequência de cada letra. O sistema Braille tem uma especificidade que o diferencia: o aprendizado ocorre das partes para o todo; sendo assim, o aluno inicia na seguinte organização: aprendizado das letras, sílabas, palavras, frases e textos.

O objetivo deste relato é trazer uma experiência didática realizada numa turma de alfabetização, em que, pelo brincar, foi construído um texto autoral de forma coletiva.

Método

Trata-se de um relato de experiência proveniente de uma pesquisa de mestrado, intitulada O livro-objeto na alfabetização de crianças cegas, autorizada pelo Comitê de Ética do Instituto Benjamin Constant (IBC), via Plataforma Brasil, com o parecer nº 5.905.796.

De acordo com Mussi, Flores e Almeida (2021), o relato de experiência é a expressão escrita de vivências com aplicação crítico-reflexiva e apoio teórico-metodológico.

O foco deste relato consiste em narrar uma experiência didática realizada com crianças deficientes visuais numa turma de segundo ano do Ensino Fundamental do IBC.

Participantes

A turma é composta por quatro alunos cegos que cursaram os dois anos anteriores no ensino remoto, durante o período da pandemia. No grupo temos uma professora acompanhando os alunos três vezes por semana. O estudo foi realizado entre os meses de abril e maio de 2023.

Para preservar a identidade dos alunos, seus nomes e imagens foram devidamente protegidos. Cada aluno recebeu um nome fictício, conforme mostra o Quadro 1.

Quadro 1: Caracterização dos alunos

Identificação

Idade

Condição visual

Paty

7

cega

Guga

7

cego

Dedé

8

cego

Lili

7

cega

Fonte: Diário de classe das professoras.

Local

O IBC é uma instituição historicamente especializada no atendimento de pessoas com deficiência visual, fundado em 1854. É uma instituição multidisciplinar, com atendimentos na área da educação indo desde a educação precoce, Ensino Fundamental e Médio técnico, pós-graduação strictu sensu e lato sensu focados na temática da deficiência visual. Conta também com atendimentos oftalmológicos, reabilitação e cursos de formação continuada, dentre outras especialidades.

Procedimentos

Perceberam-se no cotidiano dificuldades no estabelecimento de uma rotina escolar presencial e dificuldades inerentes à etapa do pré-Braille. Portanto, inicialmente foi necessário traçar um trabalho de estímulo tátil a fim de realizar a alfabetização do grupo.

No primeiro bimestre, foi trabalhado o pré-Braille no intuito de organizar as fases antecedentes à alfabetização. Para o segundo bimestre, foi planejado o início da alfabetização no sistema Braille, seguido da atividade de construção de textos e estímulo ao aspecto lúdico.

A sequência didática estabelecida ocorreu da seguinte forma:

  • Apresentação do que é um fantoche e as suas características táteis.
  • Em seguida, ocorreu a apresentação dos fantoches, quando cada aluno conheceu os brinquedos e eles trocaram entre si. Cada criança escolheu um personagem e o nome.
  • Depois, elas trocaram entre si os personagens elencados.
  • Com a mediação da professora, foi criada a história coletivamente. De forma conjunta, aconteceu a organização das narrativas.
  • A professora transcreveu as falas e escreveu o texto. Por último houve a interpretação do texto.

As atividades aconteceram em três encontros; os fantoches foram distribuídos no grupo, e cada aluno pelo tato conheceu cada personagem. Entre os personagens tínhamos um menino, uma menina, um pai, uma mãe, um avô, uma avó, dentre outras figuras humanas e animais.

Os alunos, de acordo com sua preferência, escolheram seu personagem e o nomearam. Percebeu-se grande interesse pelo aspecto lúdico e então a professora iniciou uma problematização: como podemos criar uma história juntos?

Os alunos gostaram da ideia e iniciaram o processo de criação de um texto único. É importante salientar que o processo de criação de ideias perpassa também o trabalho das artes com outras áreas do conhecimento e de diálogo entre os pares.

A professora foi registrando as ideias dos alunos e ao mesmo tempo organizando-as de acordo com a temporalidade e a causalidade. Cada aluno contribuiu com os fatos, a organização e os elementos que compuseram o trabalho. Assim, o texto foi ganhando corpo e desenvolvimento.

Seguindo a construção do texto, a professora fez a leitura para os alunos e o grupo concordou com o texto. Nos dois encontros seguintes ocorreu a dramatização da história construída pelo grupo, com revisão do texto e dos personagens preestabelecidos.

Este é o texto coletivo:

O sítio

Era uma vez um sítio em que morava a família Rocha. O vovô era dono de todo o sítio, se chamava Daniel. Nesse sítio tinha pato, cachorro, vaca, pinguim, urso e leão. A mãe se chamava Maysa. A filha e o filho se chamavam Mel e Lucas. O bebê se chamava Patrick Mickey. Nessa família tinha uma cantora, e se chamava A Capela.

No sítio tinha de futebol Flamengos. Toda a família foi passar as férias e a Páscoa no sítio. Jogaram quadribol, futebol e andaram a cavalo. O cavalo se chamava Carlos.

Andaram de barco. Tinha uma garota que tinha um passarinho maluco na rua.

Chegou a noite e caiu um meteorito no sítio, tinha um disco voador e deu para a família diamante, ouro e joias. A família Rocha ficou muito feliz e fez uma festa e até o alienígena foi convidado.

Na festa, A Capela não parava de cantar e todo mundo começou a dançar. Os alienígenas ficaram tão felizes que chamaram as pessoas para conhecer a nave. A nave era redonda e tinha muita comida: chocolate, M & M e muitos doces. Os alienígenas passaram a Páscoa com eles e ficaram felizes para sempre.

Foram utilizados como recursos o diário de bordo, as fotografias, gravação de áudio, os fantoches, recursos para escrita a tinta, reglete, punção, folha Braille.

A atividade realizada contribuiu, via aspecto lúdico e o brincar, para o desenvolvimento da alfabetização, trabalhando os sentidos remanescentes, a organização textual e temporal, a criação de histórias e o respeito ao próximo. Na alfabetização, as histórias estão presentes no imaginário infantil, sendo de fundamental importância para o enriquecimento do vocabulário e o desenvolvimento da linguagem. A criança deficiente visual precisa trabalhar sua identidade, e para isso deve ser dada oportunidade de se expressar e ser ouvida.

O texto literário acompanha a trajetória da criança em todas as suas fases. Entretanto, é na fase em que ela se apropria da leitura que esse insubstituível instrumento deflagrador de sensibilidade e beleza constrói a base em que se planta o gosto pela diversidade do humano: alegria, emoção, heroísmo, medo, susto, investigação, surpresa mesclam-se ou destacam-se de acordo com a obra. Ressalte-se, no entanto, que a maior contribuição trazida pela literatura à criança é a condição que lhe permite alcançar a largueza de sua compreensão e o estabelecimento de uma visão estética (Almeida, 2014, p. 79).

Com o trabalho realizado em grupo, foi possível perceber o aspecto imaginativo, assim como a forma como a literatura influencia no imaginário da criança deficiente visual. Na dramatização, as crianças tiveram a oportunidade de encenar a história e usar os personagens escolhidos. Quando se fala no imaginário da criança, precisamos destacar a importância do tato e como a estimulação aos sentidos remanescentes faz parte desse processo.

Resultados e discussões

O processo de criação de textos se baseia no que foi identificado e vivenciado para aguçar a imaginação. Assim como a criança vidente, a criança deficiente visual precisa experienciar para ativar o aspecto lúdico, a memória e a aprendizagem.

Além do imaginário infantil, para a realização do trabalho as narrativas foram o suporte necessário; sendo assim, todas as crianças foram ouvidas, respeitando-se o tempo de assimilação, o tempo de criação e a oportunidade de demonstrar as suas ideias e a troca de experiências. Trabalhar com narrativas supõe lidar com o improviso, mas, ao mesmo tempo, com a organização de pensamento e da linguagem. Ouvir o outro traz experiências e ajuda a perceber como o diálogo pode trazer ricas contribuições para a prática pedagógica.

Com o texto coletivo, foi possível englobar aspectos da alfabetização no sistema Braille que contribuem para a escrita e a leitura, como a relação som-letra, o conhecimento de outros grupos de fonemas, a gramática na língua portuguesa e a organização textual que deve respeitar a organização de ideias propostas pelo grupo.

Para o sistema Braille, é importante o constante treinamento da escrita e da leitura, pois existem características inerentes, que são a lateralidade no uso da escrita e da leitura (o sistema Braille se escreve da direita para a esquerda). Por isso as atividades que antecedem a alfabetização devem ser vivenciadas, pois no momento da escrita e da leitura elas darão o suporte necessário para a alfabetização do aluno.

Desse modo, a escrita engloba desde a habilidade de transcrever a fala, via ditado, até habilidades cognitivas e metacognitivas; inclui a habilidade motora […], o uso adequado da pontuação, a habilidade de selecionar informações sobre determinado assunto e de caracterizar o público desejado como leitor, a habilidade de estabelecer metas para a escrita e decidir qual a melhor forma de desenvolvê-la, a habilidade de organizar ideias em um texto escrito, estabelecer relações entre elas expressá-las adequadamente.

Além disso, as habilidades de escrita, tal como as de leitura, devem ser aplicadas diferenciadamente à produção de uma variedade de materiais escritos: da simples assinatura do nome ou elaboração de uma lista de compras até a redação de um ensaio ou de uma tese de doutorado (Soares, 2010, p. 70).

A alfabetização no sistema Braille, além do processo de aprendizagem de leitura e escrita, pode ser considerado um instrumento de emancipação e inclusão. O aluno, quando domina os códigos do sistema Braille, adquire a liberdade de expressar suas ideias, pode se organizar cognitivamente, auxilia na locomoção, podendo identificar os lugares e organiza os pensamentos; além dos vários benefícios, é um instrumento de inclusão na sociedade.

Por isso, a fase de alfabetização deve ter um espaço importante na vida da criança cega, tendo a escola como lugar de aprendizagem e a família como suporte no cotidiano. A parceria escola–família para o aluno dará segurança para o seu desenvolvimento pedagógico.

É de fundamental importância que a família seja estimulada para a aprendizagem do sistema Braille, a fim de acompanhar a criança e orientá-la na construção da leitura e da escrita.

A parceria criativa entre mãe e professor poderá ajudar na aprendizagem das crianças cegas, lendo e criando histórias a partir de situações vividas ou objetos escolhidos. Os livros deverão ter miniaturas de objetos, bichos e pessoas para procurar construir com exatidão o mundo tridimensional e real das crianças cegas. O desenho em alto relevo, bidimensional, na maioria das vezes, não retrata o real para a criança cega. Partindo do tridimensional, a criança deficiente visual poderá realizar em alto relevo colagens de objetos, reprodução e elaboração de desenhos, construção de maquetes e produção de textos, utilizando fichas ou cartelas com alfabeto Braille (Borges, 2017, p. 279).

Considerações finais

O relato de experiência realizado no IBC buscou trazer possibilidades de atuação pedagógica em que os alunos deficientes visuais tiveram a possibilidade da aprendizagem significativa. Esta se refere à aquisição de conceitos e a experiências vividas em que o aluno possa demonstrar de forma clara o aprendizado.

A atividade aconteceu numa turma de segundo ano que está em processo de alfabetização. Foi necessário retomar as etapas anteriores à alfabetização, a preparação para o Braille; então os alunos perpassaram as fases de desenvolvimento da coordenação motora e os estímulos aos sentidos remanescentes.

O tato foi um fator primordial no trabalho, sendo realizadas as atividades de preparação para o Braille no primeiro bimestre, seguidas da alfabetização no segundo bimestre. A alfabetização no sistema Braille seguiu as etapas de identificação, reconhecimento, treinamento, exercícios com reglete e punção, combinação de pontos na cela ampliada, reconhecimento dos fonemas e associação som-letra.

Os alunos fizeram as atividades, que foram do aspecto maior para o menor, ou seja, na cela ampliada e caminhando para o tamanho original do Braille na reglete. A alfabetização no sistema Braille ocorre das partes para o todo: o aluno vai assimilando cada etapa vivenciada, por isso são tão importantes as experiências significativas.

Cada fonema foi apresentado de acordo com a ordem preestabelecida no alfabeto em português, sendo abordados os pontos 1,2,4 e 5 e, depois da letra J, os pontos 3 e 6 foram acrescentados. Para a alfabetização no sistema Braille, seguir uma ordem cronológica é importante para a organização cognitiva da criança, que dessa forma perpassa todo o alfabeto. Seguindo um desenvolvimento crescente, também foi trabalhada a construção de palavras, frases e textos.

A alfabetização, além da associação de fonemas, também tem um aspecto lúdico que atravessa a literatura infantil com a imaginação, a criação, as histórias, a exploração do concreto e a arte. Partindo do princípio lúdico, foi planejada uma sequência didática de atividades para o grupo em que, a partir do coletivo, os alunos tivessem a oportunidade de criação. Nesse processo foi igualmente importante a valorização do aspecto individual. A atividade consistiu em, a partir da exploração do concreto de fantoches, construir um texto coletivo da turma.

Cada aluno conheceu os personagens, nomeou-os e a história foi criada com a participação de todas as crianças. O papel da professora na atividade foi de mediação, organizando as narrativas, escrevendo as falas, auxiliando no aspecto gramatical e ortográfico. O trabalho com as narrativas foi um passo importante para a realização de uma atividade inclusiva, em que a valorização do indivíduo faz parte da autoestima.

As narrativas na sala de aula estão presentes a todo momento, e na literatura infantil é importante para o processo de criação e a associação do pensamento com a escrita. Após a construção da história, foi o momento da dramatização, em que cada um tem seu lugar de fala e os personagens, que até então são um objeto concreto, ganham vida na interpretação de cada aluno.

O teatro em sala de aula é um momento da arte em que podemos trabalhar o corpo, a oralização, a coordenação motora, o imaginário infantil; ele leva o indivíduo ao desenvolvimento cognitivo para as experiências significativas. Percebi como foi importante para cada criança ter seu lugar de fala na atividade; nesse processo, a alfabetização teve um progresso singular de desenvolvimento.

A atividade procurou trazer para o cotidiano da sala de aula momentos de alegria e prazer por meio das narrativas; foi possível englobar as áreas de conhecimento Língua Portuguesa, Geografia, História, Matemática e Artes. A sistematização da atividade numa história coletiva trouxe uma identidade para o grupo; o diálogo e a troca de experiências foram alicerces para a organização da sequência didática.

Para os alunos deficientes visuais, é muito importante que o trabalho pedagógico tenha rotina e organização, e o professor tem o papel de mediar o processo de aprendizagem, trazendo as experiências e associando ao saber trazido pelo aluno. A relação entre professor e aluno deve ser envolvida pelo diálogo, valorizando a individualidade e a inclusão das diferentes crianças. Segundo Freire, a relação estabelecida em sala de aula deve privilegiar o espaço de troca, os saberes e a formação de um cidadão crítico. O relato de experiência buscou trazer o trabalho realizado numa escola especializada no grupo de alfabetização de terceiro ano, em que o professor e o aluno têm estabelecida uma relação de respeito e cumplicidade.

Referências

ALMEIDA, Maria da Gloria de Souza. A importância da literatura como elemento de construção do imaginário da criança com deficiência visual. Rio de Janeiro: Instituto Benjamin Constant, 2014.

BORGES, Leonídia. Aprendizagem na diversidade. Rio de Janeiro: Multifoco, 2017.

BRUNO, Marilda Moraes Garcia. O desenvolvimento da criança com deficiência visual: da intervenção precoce à inclusão na Educação Infantil. São Paulo. Laramara, 2022.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

MOREIRA, Flavia Daniela dos Santos. Recursos e estratégias táteis para crianças com deficiência múltipla sensorial visual. Curitiba: CRV, 2021.

MUSSI, Ricardo Franklin de Freitas; FLORES, Fábio Fernandes; ALMEIDA, Claudio Bispo de. Pressupostos para a elaboração de relato de experiência como conhecimento científico. Revista Práxis Educacional, v. 17, nº 48, p. 60-77, 2021.

SANTOS, Fernanda Christina dos et al. Grafia Braille para a língua portuguesa. 2022.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

Publicado em 12 de novembro de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

LIMA, Luciana Barros Farias; MOREIRA, Flavia Daniela dos Santos. Construção de textos por meio das narrativas de crianças com deficiência visual. Revista Educação Pública, v. 24, nº 42, 12 de novembro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/42/construcao-de-textos-por-meio-das-narrativas-de-criancas-com-deficiencia-visual

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