Métodos de ensino da orientação e mobilidade para pessoa com deficiência visual
Lisânia Cardoso Tederixe
Mestre em Diversidade e Inclusão (UFF), professora de Orientação e Mobilidade no IBC
Regina Kátia Cerqueira Ribeiro
Mestre em Saúde Materno-Infantil (UFF), professora de Orientação e Mobilidade no IBC
O mundo é extremamente visual. Entendemos que a memória é construída pela captação de imagens. A ausência total ou parcial da visão promove a insegurança e a redução da recepção de informações visuais existentes em espaços internos e externos, pelos quais a pessoa com deficiência visual possa trafegar. De acordo com a OMS (2023), 90% das pessoas cegas e com baixa visão vivem em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Entretanto, entre 60% a 75% dos casos de pessoas com cegueira ou baixa visão poderiam ser evitados ou minimizados na fase adulta. As principais causas da cegueira em pessoas adultas são a catarata, o glaucoma, acidentes, diabetes e a degeneração macular relacionada à idade.
Na primeira infância, a cegueira (ou a baixa visão) pode ser caracterizada por doenças genéticas hereditárias ou durante o parto prematuro. Nessa fase da criança que nasce com uma deficiência visual é importante a estimulação dos sentidos remanescentes (visão, tato/sistema do tato háptico, audição, o olfato, a cinestesia, paladar, a memória muscular e o sistema vestibular). Esses sentidos auxiliam na construção de conceitos relacionados ao corpo e ao espaço, facilitando a compreensão e a execução das técnicas de Orientação e Mobilidade.
Segundo Popov et al. (1999) e Hatzitaki et al. (2009), as informações sensoriais integradas garantem o equilíbrio, a orientação e os movimentos do corpo. A pessoa que nasce ou se torna deficiente visual precisa aprender a se locomover sozinha e com segurança. Para isso, precisa se orientar no espaço por meio dos sentidos remanescentes, na utilização de pistas e pontos de referência.
A tecnologia assistiva visa facilitar esse desempenho em suas variadas funções, oportunizando ao sujeito a realização de atividades, favorecendo sua autonomia pessoal, total ou assistida, sua qualidade de vida e sua inclusão social (Brasil, 2015).
Em âmbito nacional, a tecnologia assistiva foi definida em 2006 pelo Comitê de Ajudas Técnicas, como
produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivem promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social (Brasil, 2009, p. 9).
A proposta deste artigo é mostrar as tecnologias assistivas e os métodos de ensino na orientação e mobilidade para a pessoa com deficiência visual como facilitadores da locomoção e da independência do indivíduo, por meio de relatos de experiências vivenciadas nas aulas de OM. Para Grollmus e Tarrés (2015), o relato de experiência é a metodologia em forma de narrativa de modo que o autor, quando narra por meio da escrita, divulga um acontecimento vivido. Relato de Experiência é o conhecimento que se transmite com aporte científico, objetivando contribuir na construção do conhecimento.
Definições de orientação e mobilidade
As palavras orientação e mobilidade, quando usadas separadamente, apresentam conceitos diferentes. “A orientação é definida como processo cognitivo que permite estabelecer e atualizar a posição que se ocupa no espaço por meio de informação sensorial, enquanto a mobilidade é a capacidade de deslocar-se de um lugar para o outro” (Bueno Martin; Toro Bueno, 2003, p. 249).
A orientação e a mobilidade se tornam singulares quando sinalizam que, para ter um deslocamento independente e com segurança, a pessoa com deficiência visual tem que estar bem orientada até mesmo para solicitar informação para alguém. Ou seja, a pessoa com deficiência visual precisa ter consciência de onde está, para onde quer ir e como chegar até um local pretendido.
A expressão orientação e mobilidade significa mover-se de forma orientada, com sentido, direção e utilizando-se de várias referências como pontos cardeais, lojas comerciais, guia para consulta de mapas, informações com pessoas, leitura de informações de placas com símbolos ou escrita para chegar ao local desejado (Giacomini; Sartoretto; Bersch, 2010, p. 7).
De acordo com o documento do Ministério da Educação (Brasil, 1995), ratificado em 2001 (Brasil, 2001), a orientação e mobilidade passa a ser considerada uma complementação curricular específica para pessoas com deficiência visual, ofertada nas escolas especiais ou inclusivas que fazem o atendimento por meio do Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Específicas (Napne).
A OM também é oferecida nos centros de reabilitação quando a cegueira é adquirida na fase adulta. Para Filgueiras et al. (2008, p. 239), o processo de reabilitação não só inclui novas formas de interagir em sociedade como a capacidade de recuperar as habilidades temporariamente perdidas.
Técnicas aplicadas na orientação e mobilidade
No início do período escolar, a criança aprende a utilizar técnicas de OM em seus deslocamentos pela sala de aula, pelo pátio da escola, refeitório e durante as atividades escolares. Dessa forma, ela passa a utilizar os sentidos remanescentes, percebendo melhor seus movimentos corporais e a sua aptidão motora ao utilizar pistas para se orientar.
Na adolescência e na fase adulta, a orientação e a mobilidade são oferecidas como atendimento individualizado. Esses atendimentos são realizados em ambientes internos e, posteriormente, em ambientes externos, onde são trabalhados e reforçados os conceitos de: os sentidos remanescentes, equilíbrio, noção de distância, lateralidade (direita/ esquerda), direção, pistas, pontos de referência, mapa mental, conhecimento do corpo e as técnicas de OM por meio de um programa específico.
O programa de OM se baseia em três etapas: mobilidade dependente – com guia vidente; mobilidade com autoproteções; e mobilidade independente – bengala longa (Felippe; Felippe, 1997). O guia vidente é realizado com o auxílio de uma pessoa que enxerga, servindo de guia para a pessoa com deficiência visual (DV). Na técnica de autoproteções, a pessoa DV utiliza partes do seu próprio corpo (cabeça, tronco, membros superiores e inferiores) para se proteger, se orientar e se locomover nos espaços internos, fazendo contato com pessoas e objetos. A bengala longa “é um recurso de tecnologia assistiva utilizado especificamente por pessoas com deficiência visual (cegas ou baixa visão) ou surdocegueira, servindo como prolongamento do corpo desse sujeito” (Gepom, 2022, p. 59).
Recursos na orientação e mobilidade
Além das técnicas, das pistas, dos pontos de referência e dos sentidos remanescentes, também são usados alguns tipos de recursos para auxiliar na aprendizagem durante as aulas. Os recursos são: maquete, mapa táteis, livro tátil, piso tátil, pontos cardeais. Esses recursos servem para locomoção, identificação e orientação em ambientes internos e externos. Esses recursos são apresentados inicialmente aos alunos para que eles os manuseiem e, depois, para contato com o ambiente, pois assim conseguirão compreender melhor o espaço e estimular a memorização a respeito dele.
Maquetes e mapas
As maquetes tridimensionais e os mapas táteis bidimensionais são usados para o reconhecimento do local. Eles facilitam a construção do mapa mental da pessoa DV em sua orientação e locomoção com segurança até o lugar desejado. A maquete tridimensional proporciona a percepção tátil da superfície de um lugar real.
Ao reproduzirmos uma maquete ou mapa tátil, devemos ser fidedignos ao cenário real para que esses recursos possam ser compreendidos quando explorados pelo tato de forma precisa. Outro fator importante que podemos destacar são as texturas desses recursos que devem possuir características significativas a fim de ajudarem a pessoa com deficiência visual a discriminar as imagens táteis.
Figura 1: Maquete tridimensional de um saguão
Figura 2: Mapa bidimensional
Fonte: Caderno de ruas, Instituto Benjamin Constant (2012, p. 1-2).
Livros táteis
A adoção do livro tátil nas escolas é um recurso que auxilia na compreensão dos métodos didáticos para a inclusão do aluno com deficiência visual e seu acesso às informações e aos conceitos capazes de conduzirem a sua aprendizagem na construção do conhecimento (Tederixe, 2019).
O livro tátil é mais um recurso acessível para trabalhar o conteúdo de OM para localização dos espaços e para o reconhecimento de ambientes em áreas urbanas ou/e espaços domésticos de forma lúdica. Ele pode ser bidimensional e ou tridimensional.
Figura 3: Livro tátil artesanal com direção de ruas e quarteirões
Piso tátil
O piso tátil é composto de faixas fixas no chão em relevo que auxiliam na locomoção da pessoa com deficiência visual. O piso é composto por placas: alerta “bolinhas” e a placa em relevo vertical-direcional.
Figura 4: Piso tátil alerta
Figura 5: Piso tátil direcional
A placa de alerta identifica perigos, como: início de escada, travessia de rua, entre outros. Também informa a existência de desníveis ou outras situações de risco permanente, assim como mudança de direção ou opções de percursos. Nessa placa, a pessoa deve parar e decidir para qual direção seguir e usar a placa direcional para seu deslocamento.
Pontos cardeais
Os pontos cardeais são meios de orientação no espaço e funcionam como referências de direção e localização.
Na OM, os pontos cardeais auxiliam a pessoa com deficiência visual a se orientar, ter consciência do lugar que ocupa e saber a localização de objetos, lugares e pessoas.
Figura 6: Pontos cardeais
Fonte: Material adaptado, Instituto Benjamin Constant (2012, s.p.).
Sequência didática na utilização dos recursos
Na literatura a respeito das tecnologias assistivas no que se refere à orientação e mobilidade, não encontramos informações de como aplicar os recursos que complementam o uso de técnicas de OM para melhor compreender e concretizar os espaços internos e externos (por intermédio do tato). É importante, assim, amadurecer o mapa mental de diversos lugares durante o processo de aprendizagem, contribuindo para um melhor desenvolvimento da pessoa cega ou baixa visão para se orientar nos ambientes.
Sendo assim, durante as aulas de OM, sentimos necessidade de apresentar recursos feitos de materiais táteis para facilitar a identificação dos espaços. Para os alunos que já têm um maior conhecimento sobre lateralidade e termos técnicos ligados à noção espacial e ao conhecimento geográfico dos espaços territoriais (e pontos cardeais), nós podemos utilizar os recursos nas aulas de orientação e mobilidade.
Utilizamos a maquete tridimensional nas aulas de OM para o aluno compreender melhor as dimensões dos espaços. A partir do momento que ele manuseou a maquete foi mais fácil entender e materializá-lo mentalmente. A figura 1 é a representação do saguão de uma escola onde foi apresentada a maquete em uma aula de OM e o aluno deveria, com o tato, conhecer a reprodução daquele saguão no formato de maquete. Após essa apresentação, ele deveria se deslocar de um ponto a outro do saguão, localizando as escadas e a portaria escolar.
Com o mapa bidimensional (Figura 2), a progressão pedagógica foi igual. A pesquisa foi feita por meio do tato para que o aluno tivesse uma noção prévia de como os espaços urbanos estão organizados, vivenciando-os, enquanto no livro tátil artesanal o aluno pode aprender, por meio de histórias, os caminhos e os espaços apresentados e que traz uma proposta mais lúdica da OM.
Outro recurso importante já reconhecido pela NBR 16537 e utilizado pelos profissionais que atuam na orientação e mobilidade é o piso tátil. Após a utilização dos recursos anteriores, o aluno já havia internalizado bem os espaços e já faz a associação e a assimilação do mapa mental. A partir disso, ele foi incentivado a conhecer melhor as funções do piso tátil: identificar situações de perigo, desníveis, riscos permanentes que possam surgir, mudanças de direção e percursos.
Considerações finais
A orientação e mobilidade não se resume ao ensino da bengala longa e das técnicas. É importante que a pessoa com deficiência visual esteja disponível para querer de fato aprender a caminhar sozinho e com segurança. Portanto, a OM é para a vida diária. Outros métodos são importantes para complementar a sua formação na OM, como: o uso dos recursos (maquetes, mapas, livro tátil artesanal, piso tátil e pontos cardeais), pistas e pontos de referências. Esses são recursos essenciais para a localização do espaço, pois permitem que a pessoa cega ou baixa visão possa sozinha ir às áreas comerciais, eventos culturais, lazer e outros locais, sem a necessidade de outra pessoa. Apesar de ainda não serem dispostos em todos os lugares, o piso tátil promove a mobilidade urbana das pessoas com deficiência visual, pois fornece informações importantes para que ela se locomova com segurança, facilitando a acessibilidade a locais desconhecidos.
No início dos atendimentos da OM escolar, é perceptível a rejeição dos alunos cegos, principalmente dos alunos com baixa visão, porém eles começam a aceitar quando percebem que a OM não é somente uma aula de “bengala”, mas uma aula que aborda técnicas que os prepara para uma vida autônoma e com liberdade para que se locomovam por onde quiserem. É evidente que a ausência da utilização precoce desses materiais grafo táteis pode ocasionar uma demora na leitura de mapas táteis.
Observamos que a utilização desses recursos facilitou o aprendizado da pessoa com deficiência visual no reconhecimento de espaços abertos e fechados, como apoio especializado na orientação e mobilidade. Salientamos que esses recursos são necessários para que a pessoa com deficiência visual treine seu cérebro a mapear os espaços de forma autônoma e, consecutivamente, ele transferirá esse conhecimento para espaços desconhecidos.
Enfim, ressaltamos que as tecnologias assistivas apresentadas são importantes para a complementação do aprendizado da pessoa com deficiência visual, mas não substituem as técnicas de OM e a utilização da bengala longa.
Referências
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TEDERIXE, Lisânia Cardoso. Livro tátil: possibilidades de ensino e aprendizagem para crianças cegas. 2019. 98f. Dissertação (Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2019.
Publicado em 12 de novembro de 2024
Como citar este artigo (ABNT)
TEDERIXE, Lisânia Cardoso; RIBEIRO, Regina Kátia Cerqueira. Métodos de ensino da orientação e mobilidade para pessoa com deficiência visual. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 42, 12 de novembro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/42/metodos-de-ensino-da-orientacao-e-mobilidade-para-pessoa-com-deficiencia-visual
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