A ausência de psicólogos e os desafios psicossociais na escola pública: um relato de experiência

Diego da Silva Teles dos Santos

Orientador educacional, bacharel em Psicologia (Cesupi), especialista em Neuropsicologia e Problemas de Aprendizagem (UNIBF)

Ao integrar-se no cenário educacional brasileiro, a Psicologia proporciona uma visão crítica e holística, ampliando a compreensão das dinâmicas cognitivas, emocionais e sociais no processo de aprendizagem. Essa atuação não se limita à saúde mental, estendendo-se à promoção de estratégias preventivas e ao apoio efetivo ao desenvolvimento integral dos alunos e dos demais atores da comunidade escolar. Sua contribuição é vital para a construção de um ambiente escolar mais saudável e para enfrentar os desafios presentes na educação brasileira.

A ausência de psicólogos nas escolas públicas de Ensino Médio compromete não apenas o desenvolvimento dos alunos, mas também a implementação de diretrizes normativas que visam fortalecer a qualidade da educação no Brasil. A Lei nº 13.935, de 11 de dezembro de 2019, estabelece a necessidade de serviços de psicologia e assistência social nas redes públicas de Educação Básica, com esses profissionais integrando equipes multiprofissionais (Brasil, 2019). Embora a lei seja clara, dos 5.568 municípios do Brasil, apenas 85 implementaram plenamente essas disposições, o que resulta em lacunas críticas no apoio psicossocial oferecido aos estudantes.

Negligenciar a presença desses profissionais implica desafios significativos no ambiente educacional, prejudicando o cumprimento legal e afetando a qualidade do processo de ensino-aprendizagem e o bem-estar dos estudantes. A ausência de psicólogos nas equipes multiprofissionais representa uma lacuna grave na mediação das relações sociais e institucionais. Assim, coloca-se um problema complexo: de que maneira a ausência de psicólogos nas escolas públicas de Ensino Médio afeta o atendimento às necessidades dos alunos e a eficácia das políticas educacionais voltadas ao desenvolvimento integral dos estudantes? Essa questão evidencia não apenas um descumprimento normativo, mas também as implicações psicossociais e educacionais que reverberam em toda a comunidade escolar.

Este estudo tem como objetivo identificar os desafios psicossociais no contexto do Ensino Médio em um colégio da rede estadual na Bahia, analisando a ausência de psicólogos nesse ambiente, destacando seus impactos nas dinâmicas educacionais, no suporte emocional aos alunos e nas relações interpessoais. Foram definidos, assim, os seguintes objetivos específicos:

  1. relatar episódios que evidenciem, na prática escolar cotidiana, as demandas por psicólogos na escola;
  2. analisar a percepção da comunidade escolar sobre a atuação do psicólogo;
  3. apresentar os elementos cruciais da prática do psicólogo escolar, destacando suas atribuições;
  4. identificar e discutir estratégias potenciais de atuação desse profissional.

A metodologia adotada é descritiva, com base em um relato de experiência vivenciada em um colégio estadual na Bahia, onde a ausência de psicólogos motivou a escolha da observação participante como método qualitativo, possibilitando a imersão no contexto e a interação com os participantes.

Com base na observação participante, foram identificadas cinco características relevantes para a atuação do psicólogo escolar, que abrangem, além da saúde mental, aspectos relacionados ao processo de ensino-aprendizagem: desorientação e dificuldades na escolha profissional; aumento das demandas de saúde mental não atendidas; estigmatização da Psicologia e perda de oportunidades de educação sobre saúde mental; mediação de conflitos entre educandos e educadores; e queda no rendimento acadêmico sem intervenção adequada. Portanto, cada uma dessas características ressalta os desafios enfrentados pelos alunos no ambiente escolar e destaca a necessidade de uma atuação eficaz do psicólogo escolar, que transcenda o foco exclusivo na saúde mental e inclua aspectos essenciais para o desenvolvimento acadêmico e socioemocional dos estudantes.

Metodologia

Este estudo origina-se de um relato de experiência vivenciada no contexto do Ensino Médio, em um colégio da rede pública estadual na Bahia. Caracteriza-se como uma pesquisa descritiva, que busca identificar fenômenos presentes no ambiente escolar e que justificam a demanda pela atuação de um psicólogo escolar. Devido à falta desse profissional na instituição, pode ocorrer negligência no atendimento especializado de casos que requerem a intervenção psicológica. A coleta de dados foi realizada por meio da observação participante, uma abordagem qualitativa que possibilita ao pesquisador imergir no contexto, interagir com os participantes e alcançar uma compreensão mais detalhada dos fenômenos observados (Queiroz et al., 2007).

Os relatos apresentados nesta pesquisa ocorreram entre os dias 15 e 29 de setembro de 2023, no horário das 18h às 21h45, de segunda a sexta-feira. Ressalta-se que os episódios descritos ao longo do trabalho representam apenas recortes de uma experiência mais ampla, escolhidos por evidenciarem aspectos que ajudam a compreender as necessidades pelo profissional de psicologia na instituição de ensino.

Após a seção “Descrição da experiência”, em que são narrados quatro episódios, a análise dos resultados será realizada na seção “Resultados e discussão”. Essa etapa de discussão será enriquecida com referências bibliográficas obtidas em indexadores de conteúdos científicos, como Google Acadêmico e SciELO, proporcionando embasamento teórico para a interpretação dos achados. Finalmente, serão apresentadas as Considerações finais, que oferecerão uma síntese reflexiva dos resultados e sugerirão possíveis direções para futuras pesquisas e intervenções.

Por fim, é importante ressaltar que a pesquisa possui limitações inerentes à sua natureza descritiva e ao recorte temporal da observação participante. A falta de uma abordagem longitudinal pode restringir a compreensão aprofundada de dinâmicas que se desenvolvem ao longo do tempo. Além disso, a generalização dos resultados deve ser feita com cautela, dado o contexto específico estudado. Todavia, espera-se que este trabalho contribua para o entendimento das complexas dinâmicas que permeiam o ambiente escolar, especialmente no que tange às consequências da ausência de um psicólogo escolar.

Descrição da experiência

O pesquisador (e autor deste estudo) iniciou suas atividades como orientador educacional em 11 de setembro de 2023, chegando ao colégio estadual para integrar a equipe de atendimento educacional especializado (AEE) no turno da noite. Durante a execução das tarefas diárias, relacionadas diretamente à Educação Inclusiva, sua área de atuação, o pesquisador teve a oportunidade de interagir com diversos membros da comunidade escolar, incluindo professores, alunos, servidores da instituição e até pais. A partir dessas interações, foram selecionados quatro episódios que subsidiarão as discussões, após serem narrados.

Episódio I

Em uma noite, o pesquisador, junto com outros colegas, foi até as salas de aula para convidar e motivar os alunos a participarem de uma palestra sobre o Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio. O roteiro do convite incluía uma breve explicação sobre a campanha, a importância de falar sobre suicídio e saúde mental, e o convite para a palestra.

Em uma das salas, durante o colóquio do pesquisador, especificamente no momento em que ele falava sobre a importância de apoio psicológico para aqueles que percebiam tal necessidade, um aluno, líder da turma, comentou: “essas coisas de psicólogo é frescura, é coisa de doido”. Ele foi imediatamente repreendido por três colegas, e o pesquisador interveio com uma breve psicoeducação antes de seguir com sua fala. Posteriormente, ao relatar o ocorrido a outros colegas, foi informado sobre a influência que esse aluno exercia sobre muitos de seus companheiros de classe.

Episódio II

Em uma ocasião, ao chegar à escola, um dos professores, que conversava com outro servidor, apresentou o pesquisador como psicólogo, ainda que este não exercesse a função na escola. O servidor então contou que havia descoberto que sua filha de 13 anos estava se automutilando. Com expressões tensas e inquietação, repetia: “Eu não entendo... a gente [referia-se também à esposa] não bate. Ela tem tudo o que quer... acorda tarde. Eu não entendo o porquê disso”. O pesquisador, junto ao professor que acolhia o homem em sofrimento, orientou-o a procurar ajuda na Unidade Básica de Saúde (UBS) da comunidade, onde a filha poderia ser encaminhada para atendimento de saúde mental especializado.

Ainda sobre casos de automutilação não suicida, ou seja, sem intenção aparente de tirar a própria vida, uma aluna procurou a equipe de Orientação Educacional, pois, há algum tempo, estava se cortando com estilete. Questionada sobre o que a motivava a fazer isso, respondeu que não sabia ao certo, apenas sentia vontade de se cortar. Em relação às suas interações sociais, relatou ter poucos amigos e estar vivendo momentos conturbados com a mãe. Ainda assim, reconhecia que algo não estava certo e buscava ajuda. Além dessa aluna, outros alunos relataram comportamentos semelhantes ao escreverem, em um pedaço de papel, motivos que os levavam a sentimentos de tristeza, durante uma dinâmica realizada na palestra sobre prevenção ao suicídio.

Episódio III

Em outra ocasião, o pesquisador foi procurado por uma professora que desejava discutir a situação de uma aluna específica. Após receber anuência em relação à abordagem, a professora iniciou o relato sobre o que vinha acontecendo com a menina. A aluna havia relatado problemas em sua relação com a madrasta, o que, para a professora, em primeiro instante, parecia justificar a falta de interesse da jovem pelas aulas. Segundo a aluna, que tinha 16 anos, a madrasta estava insistindo para que ela ingressasse no mercado de trabalho, alegando aumento das despesas domésticas, e, caso recusasse, ameaçava denunciá-la ao conselho tutelar.

A professora tranquilizou e orientou a estudante em relação à possível denúncia, explicando que a madrasta não tinha respaldo legal para tal ato. No decorrer da conversa, a jovem expressou o desejo de trabalhar, embora desconhecesse as possibilidades disponíveis. Em uma perspectiva de orientação, a professora questionou a aluna sobre seus gostos pessoais, atividades que lhe traziam prazer no tempo livre, entre outros aspectos. Entretanto, para a professora, as respostas da aluna pareciam distantes da realidade. “Ao tentar ajudá-la, no intuito de ver onde ela poderia buscar uma colocação no mercado [de trabalho], como jovem aprendiz, notei que as respostas que ela me dava eram fantasiosas demais”, disse a professora.

Por fim, a interlocutora do pesquisador explicou que seu objetivo ao conversar com ele era mantê-lo informado sobre o caso. Caso ele tivesse conhecimento de algum programa de primeiro emprego ou jovem aprendiz, poderia repassar a informação para a aluna ou, se possível, encaminhá-la para uma oportunidade.

Episódio IV

Ao participar de um conselho de classe entre o final da segunda unidade e o início da terceira, o pesquisador observou as considerações e os relatos dos professores sobre diversos alunos. A estratégia utilizada para a condução do conselho foi a seguinte: na ausência da coordenadora pedagógica, um dos professores ficou encarregado de chamar, um a um, o nome dos alunos, enquanto os demais docentes apresentavam suas ponderações sobre a frequência e desempenho de cada estudante.

Nesse cenário, os professores relataram casos em que os alunos apresentavam reduzida frequência e baixo rendimento acadêmico, associados a fatores como: interferência de problemas pessoais, dificuldades aparentes nos processos cognitivos, falta de motivação e perspectiva, dificuldades em conciliar estudo e trabalho, e conflitos na relação entre professor e aluno.

Por fim, ressalta-se que, em todas as interações descritas nos episódios anteriores, houve, tanto por parte do pesquisador quanto dos demais profissionais envolvidos, preocupação em acolher e orientar os interlocutores de maneira empática e ética, respeitando os limites estabelecidos por cada função profissional exercida no âmbito escolar, mas mantendo um olhar humano diante do sofrimento do outro.

Resultados e discussões

Como delineado nos episódios, a experiência do pesquisador no ambiente escolar trouxe insights sobre as complexas dinâmicas que permeiam a rotina dos estudantes e dos membros da comunidade escolar na Educação Básica. Os relatos lançam luz sobre desafios e situações que frequentemente demandam atenção especializada, o que reforça a relevância do objetivo desta pesquisa: identificar os desafios psicossociais no contexto do Ensino Médio da rede estadual na Bahia e a ausência de psicólogos nesse ambiente. Assim, busca-se compreender as implicações e os caminhos de intervenção possíveis, destacando o papel do psicólogo escolar/educacional como agente de transformação, integração e desenvolvimento da comunidade escolar.

Nesse sentido, é fundamental compreender como essa comunidade concebe a atuação do psicólogo. Ao entrevistar psicólogos que atuam em instituições de ensino, Medeiros e Aquino (2011, p. 232) identificaram percepções da comunidade escolar sobre o trabalho desses profissionais: “um profissional que lida com patologias e com situações de emergência”; “um clínico na escola”; “um solucionador dos problemas” e “mágico e feiticeiro”.

Essa pesquisa revela um interessante panorama sobre a percepção do trabalho dos psicólogos pela comunidade escolar e suscita reflexões críticas. Nota-se uma diversidade de opiniões, com alguns associando o psicólogo ao manejo de patologias e situações de emergência, refletindo uma visão clínica e pontual. Essa perspectiva restrita pode levar à subutilização dos psicólogos nas escolas, relegando-os a uma função predominantemente clínica, em detrimento de abordagens preventivas, de promoção da saúde mental e de aprimoramento das relações de ensino e aprendizagem.

A identificação do psicólogo como "solucionador de problemas" sugere uma expectativa de que esses profissionais desempenhem um papel ativo na resolução de problemas enfrentados pelos estudantes e pela instituição como um todo. Porém, essa expectativa pode gerar uma carga excessiva sobre os psicólogos escolares, ao indicar que seriam responsáveis por resolver todas as dificuldades enfrentadas pela comunidade escolar. Essa perspectiva é simplista e pode negligenciar a complexidade dos desafios psicossociais no ambiente escolar, além de obscurecer a necessidade de abordagens integradas e colaborativas.

Já a menção a termos como "mágico e feiticeiro" adiciona uma dimensão simbólica, indicando possíveis expectativas irrealistas ou desconhecimento sobre a natureza multifacetada do trabalho psicológico. Nesse sentido, é relevante destacar que a predominância de respostas associadas ao manejo de patologias e situações de emergência sinaliza a necessidade de esclarecimento sobre a amplitude do papel do psicólogo na escola, pois esse profissional não deve ser alguém que apenas fornece conhecimento ou soluções predeterminadas. Em vez disso, conforme salientam Dias, Patias e Abaid (2014), sua abordagem deve envolver interações com os demais atores educacionais, colaborando para construir soluções viáveis que se encaixem adequadamente no contexto educacional, sem desconsiderar a adequação e a variabilidade de cada circunstância de trabalho, como aponta a pesquisa de Santos et al. (2018).

Destaca-se ainda a importância da psicoeducação como conduta funcional. Em linhas gerais, a psicoeducação é uma abordagem que visa fornecer informações e orientações educativas sobre questões psicológicas, isto é, pensamentos, emoções e comportamentos, promovendo a compreensão e a conscientização acerca dessas questões, a partir de como o indivíduo lida consigo mesmo, com o outro e com o mundo (Gomes; Jesus; Jesus, 2019). Portanto, nesse contexto, a psicoeducação pode oferecer aos professores, alunos e demais membros da comunidade escolar um conhecimento mais abrangente sobre as diferentes funções do psicólogo.

Por outro lado, a psicoeducação pode também ser uma estratégia para mitigar preconceitos ainda existentes em relação à procura por atendimento psicológico, como ilustrado na fala do aluno, no episódio I. Ao dizer “essas coisas de psicólogo é frescura, é coisa de doido”, o aluno revela uma visão estigmatizada e preconceituosa sobre a busca por apoio psicológico. Nesse sentido, a psicoeducação pode fornecer informações claras e acessíveis sobre a importância de se atentar à saúde mental. Ao promover o entendimento dos benefícios da terapia e de outras modalidades de atendimento, além de oferecer uma compreensão mais ampla das questões psicológicas, a psicoeducação contribui para a redução do estigma, encorajando as pessoas a procurarem ajuda sem receios infundados. Dessa forma, torna-se uma ferramenta valiosa na promoção da aceitação e no combate aos preconceitos que ainda cercam o campo da psicologia e da saúde mental.

Para alcançar resultados satisfatórios, esse trabalho deve ser contínuo, especialmente no âmbito educacional. Nesse sentido, ações voltadas à psicoeducação podem ser incorporadas ao projeto político-pedagógico das instituições de ensino, o que representa uma das contribuições e responsabilidades do psicólogo escolar (Santos et al., 2018; Conselho Federal de Psicologia, 2019). No entanto, para que isso ocorra de maneira eficaz, é necessário que as escolas contem com psicólogos em seus quadros de colaboradores. A ausência desses profissionais representa um obstáculo significativo para a implementação de ações voltadas à psicoeducação no projeto político-pedagógico. Sem a presença deles, a capacidade da instituição de abordar temas relacionados à saúde mental e combater estigmas fica comprometida. A inserção dessas ações no ambiente escolar demanda não apenas a conscientização dos alunos, mas também a sensibilização de toda a comunidade educacional, especialmente quando problemas de saúde mental começam a afetar a integridade física dos alunos ou de outras pessoas, como evidenciado no episódio II.

A pesquisa de Almeida (2018) destaca a crescente preocupação com comportamentos autolesivos, especialmente entre adolescentes nas escolas, ao apontar possíveis influências das redes sociais e de figuras públicas que normalizam tais práticas. A automutilação é abordada como uma estratégia disfuncional de enfrentamento, associada à falta de habilidades emocionais e de resolução de problemas, com repercussões que podem persistir na vida adulta. Para o autor, uma contribuição importante do campo da Psicologia Escolar/Educacional está voltada a uma abordagem que despatologize a automutilação, reconhecendo-a como um fenômeno psicossocial relacionado à dinâmica de uma sociedade que, por vezes, contribui para o surgimento de comportamentos autodestrutivos.

Por fim, ao sublinhar a ampla possibilidade de ações que podem ser empreendidas pelos psicólogos, a pesquisa supracitada enfatiza a necessidade premente de intervenções eficazes no ambiente escolar. Conclui-se, portanto, que a presença ativa de um psicólogo na escola é fundamental (e faz-se cada vez mais urgente), sugerindo que a gestão das demandas relacionadas à automutilação seria conduzida de maneira mais especializada com a presença desse profissional. A ausência desse especialista pode comprometer significativamente a eficácia desse trabalho, o que ressalta a urgência de remediar a falta de profissionais de psicologia nas instituições educacionais.

Ao se deparar com os episódios narrados, torna-se evidente que diversos alunos do colégio público enfrentavam desafios significativos, que vão além dos fatores puramente acadêmicos e direcionam-se aos aspectos emocionais e psicossociais. Entre os problemas relatados, destacam-se situações que indicam a necessidade urgente de suporte psicológico, como verificado no episódio IV. Os relatos dos professores sobre frequência reduzida e rendimento acadêmico baixo frequentemente apontavam para fatores que ultrapassam as fronteiras do ensino formal. Problemas pessoais, evidenciados como interferências significativas no desempenho acadêmico, demandam uma abordagem especializada que vai além das competências dos professores.

Nessa perspectiva, o trabalho colaborativo entre professores e psicólogos se apresenta como um imperativo, de modo que a conjugação de conhecimentos pedagógicos e psicológicos, quando integralmente incorporada à prática educativa, permite uma abordagem mais abrangente e eficaz dos obstáculos enfrentados pelos alunos. O entendimento conjunto das nuances emocionais e psicossociais contribui para a personalização de estratégias de intervenção, superando a abordagem tradicional centrada apenas no desenvolvimento acadêmico.

Entretanto, faz-se necessário reconhecer que a eficácia dessa colaboração está intrinsecamente vinculada à disposição dos professores em aceitar que as questões psicossociais influenciam o processo de aprendizagem. Saelzler (2022) destaca a importância do papel do professor como mediador na comunicação e na busca por soluções para fatores psicológicos. Contudo, aspectos dessa natureza podem ser negligenciados na formação docente, particularmente no que concerne à compreensão e mediação de desafios emocionais dos alunos. Essa ausência de competência específica não deve ser encarada como uma falha per se, visto que não cabe primariamente ao professor lidar com as complexidades psicossociais dos alunos. Tal responsabilidade de intervenção nesse domínio cabe, sobretudo, ao psicólogo escolar, que detém as habilidades especializadas necessárias para lidar efetivamente com essas questões. Assim, a colaboração eficaz entre professor e psicólogo se torna possível na medida em que cada profissional assume seu papel específico nessa dinâmica.

Para Viana (2016), a intervenção pedagógica concentra-se na aquisição de conhecimentos e habilidades, destacando o aspecto cognitivo do aprendizado. Em contraste, a intervenção psicológica visa facilitar os processos educacionais por meio da mediação, considerando a transformação pessoal em curso nos indivíduos envolvidos. Dessa forma, a autora indica que ambas as intervenções, pedagógica e psicológica, são complementares e contribuem para uma formação completa, equilibrada e integral dos indivíduos no ambiente educacional.

Viana (2016) ressalta ainda a contribuição significativa da Psicologia para a Educação, oferecendo informações científicas sobre condições de aprendizagem e avaliação das capacidades intelectuais e afetivas. Adicionalmente, amplia a percepção dos educadores sobre o desenvolvimento de crianças e adolescentes, considerando suas interações com fatores socioculturais. Destaca-se a necessidade de integração efetiva entre teoria psicológica e práticas educacionais específicas, bem como a importância da atualização constante dos profissionais em relação aos avanços científicos na psicologia educacional. A autora enfatiza a complexidade das interações entre fatores psicológicos, sociais e culturais na educação, exigindo uma abordagem interdisciplinar para uma compreensão mais abrangente do desenvolvimento humano e a adaptação flexível das informações psicológicas ao contexto dinâmico da educação.

Por outro lado, a ausência do psicólogo na equipe escolar torna o espaço educacional carente dessa abordagem interdisciplinar, configurando-se como uma lacuna significativa, como, por exemplo, na mediação de conflitos entre alunos e professores, o que pode comprometer a habilidade da instituição em promover um ambiente educacional mais saudável. Em situações de contratempos nas relações interpessoais, a expertise do psicólogo como mediador especializado é importante para identificar as causas subjacentes dos conflitos, compreender dinâmicas emocionais e fornecer estratégias eficazes de resolução construtiva. A ausência desse profissional pode resultar em abordagens simplistas ou punitivas por parte da gestão e, por conseguinte, limitar a capacidade de compreensão aprofundada dos fatores emocionais envolvidos.

Além disso, a ausência do psicólogo na equipe escolar também pode conduzir a soluções superficiais e temporárias na gestão de conflitos, sem abordar as causas fundamentais dos problemas. A atuação do profissional de Psicologia visa não apenas lidar com as manifestações externas dos conflitos, mas compreender as raízes emocionais, psicológicas e cognitivas, promovendo intervenções voltadas à transformação positiva das relações. Assim, sua inclusão no quadro de colaboradores não só enriquece a abordagem educacional, mas também contribui para a construção de um ambiente escolar propício ao desenvolvimento acadêmico e pessoal dos estudantes.

Quando se depara com situações complexas, como o caso de uma aluna enfrentando conflitos familiares e pressões para ingressar no mercado de trabalho, relatado no episódio III, torna-se evidente que a gestão e os professores, por mais dedicados que sejam, estão limitados em sua capacidade de lidar com questões psicossociais profundas. A falta de treinamento específico e o foco predominantemente acadêmico não os equipam adequadamente para oferecer suporte emocional ou orientação vocacional individualizada.

No que diz respeito à orientação vocacional, verificou-se que, embora a professora tenha tentado ajudar a aluna, deparou-se com respostas fantasiosas, o que exigia um manejo mais aprofundado e específico na situação. Esse aspecto destaca não apenas a necessidade de um profissional especializado em psicologia escolar, mas também aponta para a possibilidade de uma visão distorcida da realidade por parte dos estudantes, que podem sentir-se pressionados a idealizar opções de carreira sem um entendimento realista. A presença do psicólogo, nesse contexto, permitiria uma exploração mais profunda das motivações e aspirações dos alunos, contribuindo para escolhas de carreira mais informadas e alinhadas com suas verdadeiras inclinações e habilidades.

Em última análise, a carência de profissionais de Psicologia nas escolas não apenas deixa os educadores desarmados diante de desafios psicossociais complexos, mas também pode resultar em orientações vocacionais superficiais que falham em considerar a realidade do mercado de trabalho e as verdadeiras aspirações dos alunos. Desse modo, a presença do psicólogo escolar é fundamental não apenas para atender às necessidades imediatas dos alunos, mas também para orientar escolhas de vida e carreira mais autênticas e sustentáveis.

Nesse contexto, a pesquisa realizada por Galvão, Silva e Prado (2019) comparou duas escolas com perfis semelhantes, mas com a diferença de que uma contava com um psicólogo no quadro de colaboradores, enquanto a outra não. Verificou-se que, na instituição com psicólogo, houve uma redução de queixas e encaminhamentos por questões associadas à psicologia, quando comparada à outra, que não dispunha desse profissional. Ao comparar o levantamento das autoras com o relato de experiência deste trabalho, nota-se que os resultados se assemelham, uma vez que houve inúmeros encaminhamentos para serviços especializados pelo fato de o colégio público não contar com um psicólogo em exercício apto a realizar as intervenções necessárias e possíveis de serem executadas no âmbito escolar.

Portanto, a ausência de psicólogos nas instituições de ensino constitui um fator preponderante que contribui para a limitada compreensão do escopo de atuação desse profissional nas escolas (Galvão; Silva; Prado, 2019). A falta desse profissional implica dificuldade na identificação e na intervenção precoce em questões emocionais, comportamentais e de desenvolvimento, comprometendo o bem-estar e o sucesso escolar dos estudantes.

Considerações finais

Ao encerrar esta investigação, faz-se necessário refletir sobre as nuances reveladas pela ausência do psicólogo escolar no contexto do Ensino Médio em escolas públicas. Os objetivos de relatar episódios, analisar a percepção da comunidade escolar acerca das demandas e da atuação do psicólogo no ambiente escolar, apresentar elementos essenciais da prática do psicólogo e sinalizar estratégias de atuação foram norteados por uma preocupação central: identificar os desafios psicossociais no contexto do Ensino Médio da rede estadual na Bahia e a ausência de psicólogos nesse ambiente.

Os episódios compartilhados durante a pesquisa expuseram um cenário desafiador, onde as escolas, em sua evolução constante, se deparam com questões que transcendem o âmbito puramente acadêmico. Fica claro que muitos dos problemas emergentes têm raízes profundas no terreno psicossocial dos estudantes. Essa constatação exige uma abordagem séria, indo além das estruturas convencionais de ensino, e demanda um olhar atento à complexidade das interações humanas no ambiente escolar.

Nessa perspectiva, a pesquisa delineou ações que são inerentes ao papel do psicólogo escolar, destacando sua relevância em situações que variam desde suporte emocional até mediação de conflitos. A ausência desse profissional, como evidenciado, deixa as escolas públicas desprovidas de uma ferramenta essencial para lidar com demandas específicas e complexas, o que afeta diretamente a contribuição para o desenvolvimento cognitivo, comportamental e psicossocial dos alunos.

Em um contexto em que as escolas passam por mudanças sucessivas, torna-se fundamental reconhecer que os desafios enfrentados no espaço de aprendizagem muitas vezes possuem um pano de fundo psicossocial. Por isso, a pesquisa destaca a necessidade urgente de ações educacionais que abordem essas dimensões, integrando profissionais de psicologia escolar como peças-chave na engrenagem do processo educativo.

As problemáticas identificadas no decorrer deste trabalho proporcionam um recorte específico, revelando demandas presentes nas escolas públicas. Contudo, é relevante admitir a existência de outras questões relacionadas ao ensino-aprendizagem que não foram abordadas. Com isso, abre-se espaço para futuras investigações, uma vez que a complexidade do ambiente escolar demanda uma abordagem contínua e aprofundada para compreender integralmente seus desafios.

É imprescindível ainda ressaltar que esta pesquisa não teve, em nenhum momento, a intenção de desmerecer o trabalho dos professores e demais profissionais da educação, que são verdadeiros parceiros na busca pela promoção de uma educação pública de qualidade. Pelo contrário, os eventos narrados e os desafios discutidos indicam diretamente lacunas na efetivação da atuação do psicólogo nas escolas públicas. Isso vai de encontro à obrigatoriedade expressa na Lei nº 13.935, de 11 de dezembro de 2019, cuja regulamentação é negligenciada em grande parte dos municípios e estados, apontando para a urgência de sua implementação efetiva.

Por fim, os resultados desta pesquisa ressaltam a necessidade imediata de investir na presença e atuação do psicólogo escolar nas escolas públicas. A contribuição desse profissional é vital para a construção de ambientes educacionais mais saudáveis e para o desenvolvimento integral dos alunos. Conclui-se, portanto, que a ausência desse especialista representa não apenas uma falha na estrutura educacional, frente às demandas da atualidade, mas uma negação do direito dos estudantes a um suporte abrangente que considere as complexidades emocionais e psicossociais inerentes ao processo educativo.

Referências

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Publicado em 10 de dezembro de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

SANTOS, Diego da Silva Teles dos. A ausência de psicólogos e os desafios psicossociais na escola pública: um relato de experiência. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 45, 10 de dezembro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/45/a-ausencia-de-psicologos-e-os-desafios-psicossociais-na-escola-publica-um-relato-de-experiencia

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