Conflitos entre irmãos: contribuições da Psicologia no contexto intrafamiliar

Flora Alves Giffoni

Graduanda de Psicologia (Fametro)

Sara Guerra Carvalho de Almeida

Fametro

Cláudia Maria Pinto da Costa

UAB/UECE

Alguns autores trazem conceitos de que a família possui características em que seus membros estão unidos entre si ou por laços legais, através do casamento, com alguns direitos e obrigações econômicas, religiosas ou por sentimentos de amor e afeto (Oliveira, 2009; Marino; Macedo, 2018; Silveira, 2009).

A família é um sistema ativo em constante transformação; por isso, existe a interação com o contexto sociocultural levando a apresentar diversas configurações familiares, como a família recasada; reconstituída; família monoparental; família original e/ou nuclear; família adotiva (Motta, 2008; Silveira, 2009; Teixeira, 2017).

Segundo Silveira (2009), estudar famílias significa estudar sistemas complexos, pois eles podem ser vistos como sistemas multi-individuais, em que cada pessoa é um subsistema; por isso, cada indivíduo deve ser respeitado, valorizado e reconhecido na sua subjetividade e singularidade. Para Marino e Macedo (2018), do ponto de vista da teoria sistêmica, família “é um todo organizado cujos membros estão em constante interação”; por essa razão, é fundamental a compreensão dessa teoria aplicada às relações entre os indivíduos de uma família e é tão importante em função de sua subjetividade e singularidade individual e coletiva, que justifica sua inclusão no sistema.

Dentro desse sistema há a conjugalidade, na qual há a união de duas pessoas como casal. A relação do casal perpassa as adversidades cotidianas, das quais podemos citar divisão financeira, diferenças de idade e cultura e opções de lazer individuais e grupais, dentre outras (Tissot; Falcke, 2017).

De acordo com Tissot e Falcke (2017), quando o casal deseja em conjunto se tornar pais, responsabilizar-se pela criação de filhos e decide de comum acordo, é possível desenvolver as habilidades e o sentimento de segurança para as tarefas. Torna-se crescente seu interesse e envolvimento na criação dos filhos.

Alguns autores tratam a questão da parentalidade caracterizando-a como um subsistema, em que ocorre o processo dinâmico de tornar-se pai e mãe, seja biologicamente e/ou por exercer a função materna e paterna. Em ambos os casos, envolve as características de personalidade e história de vida de cada um (Alves et al., 2018; Borges, 2010; Gorin et al., 2015). A parentalidade pode ser percebida e definida de diversas maneiras de acordo com o contexto histórico-cultural e socioeconômico, no sentido de promover seu desenvolvimento da maneira mais completa possível, utilizando os recursos de que dispõe dentro da família e, fora dela, na comunidade (Borges, 2010; Gorin et al., 2015).

Outro subsistema familiar é o fraternal, que será discutido com mais enfoque neste trabalho. De acordo com Goldsmid e Carneiro (2007), há a diferenciação entre laço fraterno e relação fraterna. O primeiro se define pelo compartilhamento do mesmo laço familiar, ser irmão e irmã em uma mesma família, enquanto na relação fraterna nem sempre acontece esse tipo de compartilhamento. Ela pode ser próxima ou distante, fria ou afetuosa, pacífica ou conflituosa.

Dessa maneira, existem alguns fatores como “gênero, diferença de idade, intervenções parentais e temperamento infantil”, que podem interferir na relação fraterna para auxiliá-la ou prejudicá-la no seu desenvolvimento biopsicossocial (Goldsmid; Carneiro, 2007). Esses fatores podem ser explicados das seguintes formas: quanto ao gênero, existe a crença de que o homem deve ser considerado superior à mulher e existe a busca da defesa por parte desta; a diferença de idade está relacionada às dificuldades de cada um, nas características de personalidade e na questão de poder associada ao mais velho; as intervenções parentais podem estar relacionadas à mediação de conflitos praticadas pelos pais e/ou responsáveis; o temperamento infantil significa a inter-relação do estilo e/ou padrão de comportamento com as características de personalidade, nas quais pensamentos, sentimentos, habilidades e atitudes individuais estão presentes. A história de vida influi na forma que uma pessoa utiliza ao relacionar-se com os outros e com o meio ambiente.

Assim, cada pessoa e, particularmente, cada irmão possui sua subjetividade, personalidade, diferenças e semelhanças em relação aos outros, o que pode gerar conflitos dentro e fora da família (Tissot; Falcke, 2017).

Destaca-se o interesse pela temática devido à experiência pessoal de observar sistemas familiares em suas relações de convívio. Chama também a atenção a raridade de estudos na comunidade científica. As perguntas que originaram o desenvolvimento deste trabalho são: por que existe violência relacionada a alguns conflitos entre os irmãos? Por que a sociedade negligencia a violência física e/ou psicológica entre irmãos? Como a defesa da cultura da paz fraterna e familiar pode propor soluções para esse tema?

Assim, o objetivo deste estudo é pesquisar as manifestações de conflitos entre irmãos durante a infância e/ou adolescência que se expressam por meio de agressões físicas e/ou psicológicas e, a partir daí, caracterizar cada manifestação observando as mais comuns praticadas por meninos e meninas e possíveis soluções de como prevenir alguns conflitos na fratria abordando a problemática por meio de práticas de cultura de paz fraterna e familiar. Se houver violência e caso não seja identificada e reconhecida desde a infância, pode ser prejudicial para o desenvolvimento singular e subjetivo do ser humano.

Metodologia

O método de estudo escolhido foi uma revisão narrativa de literatura. Esse tipo de estudo é apropriado para descrever e discutir o desenvolvimento ou o “estado da arte” de um assunto específico sob o ponto de vista teórico ou contextual. Constitui-se na análise da literatura publicada em livros, artigos de revistas eletrônicas, na interpretação e análise crítico-pessoal (Rother, 2007). O problema investigado foi “como se caracterizam, segundo a literatura científica recente, os conflitos entre irmãos?”.

Como base indexadora, este estudo abrangeu a literatura nacional e portuguesa acerca da violência fraternal, enfatizando dois tipos de produções: livros, dissertações, teses e artigos científicos encontrados nas plataformas de buscas Google Acadêmico, SciELO, biblioteca da Fametro, portal da Capes, com o uso dos descritores “irmãos”, “fraternal” e “violência”. Foram realizadas as interseções possibilitadas pela combinação dos termos utilizados, a partir do operador booleano and.

Os critérios estabelecidos para a inclusão dos estudos foram: artigos com enfoque na violência entre irmãos redigidos no idioma português, por ser a contextualização fundamentada na cultura brasileira e portuguesa; artigos publicados de 2007 a 2020. Os critérios de exclusão foram: estudos que apresentavam enfoque na parentalidade e na conjugalidade; artigos encontrados em período anterior a 2007.

A pesquisa bibliográfica e a coleta de dados foram realizadas a partir da análise de revisão literatura de alguns artigos, inicialmente no período de fevereiro a junho de 2021. Em um primeiro momento, foi realizada leitura minuciosa dos resumos da literatura encontrada a partir dos unitermos utilizados e combinações deles, excluindo os artigos que não se adequaram aos critérios estabelecidos. Para a segunda parte deste estudo, foi integrada a leitura de livros e textos que aprofundam a temática sobre família e violência intrafamiliar. Para esse fim, foram sistematizados diversos aspectos que interferem nas relações dentro do contexto fraternal.

Manifestações de violência física e/ou psicológica mais comuns praticadas entre irmãos

No contexto familiar, o subsistema fraternal e/ou da fratria se inicia pelo nascimento do segundo filho; então, durante a infância e/ou adolescência. As diferenças de ideias, sentimentos e ações podem gerar conflitos, que são inevitáveis, mas o problema começa quando existe o uso da violência como forma de resolver os conflitos fraternos dentro e fora da família.

Das táticas abordadas entre as relações de conflitos na fratria, Lopes et al. (2017) consideraram duas: a negociação e a violência. Esses autores encontram nas suas pesquisas uma inter-relação entre a negociação dos conflitos fraternais e a demonstração de preocupação com o irmão/irmã, que é um comportamento comum praticado por um/a irmão/irmã, variando no percentual de 95,9% a 97,9% respectivamente, para mulheres e homens.

Em relação às táticas de violência observadas neste estudo, foram consideradas apenas três das quatro existentes, de acordo com Lopes et al. (2017). A física significa a prática de ações pelos irmãos com o propósito de causar dor, ferimentos físicos ou, raramente, a morte de um irmão ou irmã; a psicológica, que envolve palavras e ações que humilham, ameaçam, desvalorizam e/ou rejeitam a outra pessoa; e a relacional, que apresenta um tipo de violência social ou indireta na qual muitas vezes a vítima nem tem conhecimento das ações do agressor (Lopes et al., 2017; Relva et al., 2012).

Lopes et al. (2017) realizaram um estudo com 463 adolescentes portugueses com irmãos, mostrando que irmãos utilizam a violência como maneira de resolução de conflitos dentro da família. Eles estimaram qual a frequência dos comportamentos violentos e analisaram se essas táticas variavam em função da idade, do sexo e do tipo de fratria. Os resultados foram obtidos a partir dos tipos de agressão: física com e sem sequelas, além da psicológica.

De acordo com a pesquisa de Lopes et al. (2017), apresentando seus resultados em relação ao abuso físico sem sequelas, o comportamento mais comum praticado por um/a irmão/irmã entre os irmãos de sexos diferentes é empurrá-lo/a ou apertá-lo/a por causa da equação básica de ação-reação, variando de 50,3% a 53,8%, respectivamente, para mulheres e homens. Em relação ao abuso físico com sequelas, que acontece com menos frequência, o comportamento mais comum é o de que a vítima teve entorse, pisadura, ferida ou pequeno corte por causa de uma luta com o praticante, variando de 16,8% a 22,8%, respectivamente, para mulheres e homens.

Na agressão psicológica, os comportamentos mais comuns entre irmãos de sexos diferentes são o ato de gritar ou berrar porque ele/ela fez ou falou algo para irritar em uma situação específica, variando de 78,4% a 84,9%, respectivamente, para mulheres e homens (LOPES et al., 2017).

As relações de fratria descritas por Lopes et al. (2017) vêm sendo pesquisadas e reunidas entre si, mesmo que escassamente. Verificou-se que 75% de um grupo de jovens com idades entre 3 e 17 anos praticaram pelo menos um ato violento contra um irmão ou uma irmã. A diferença de idade entre os irmãos que praticam violência é um fator considerável. Ela acontece porque os irmãos mais novos possuem diferentes dificuldades em relação às suas características de personalidade que os tornam incapazes de escapar de constrangimentos, humilhações e intimidações. Os mais velhos podem ter a vantagem da diferença em relação à força física e às vulnerabilidades dos mais novos.

De acordo com Lopes et al. (2017) e Relva et al. (2012), a violência praticada pelos irmãos pode estar entrelaçada com o aspecto das diferenças de desenvolvimento físico, intelectual, emocional e da faixa etária, de acordo com as relações do agressor com a vítima e do mais velho com o mais novo, além do fato de que comportamentos violentos dentro da família geralmente resultam da aprendizagem de que esse tipo de prática é aceitável. Seguindo o modelo parental, os filhos tendem a utilizar a violência como maneira de resolver seus conflitos, seja nas relações familiares ou nas relações sociais.

Segundo Relva et al. (2012), o irmão praticante geralmente é caracterizado como vítima de abuso parental ou de negligência, por ser o mais velho e às vezes o substituto parental. Por isso, utiliza a violência frequentemente como maneira de exibir poder e como reação contra um irmão percebido como favorito. A violência atua como mecanismo de libertação da raiva, porque nem sempre pode descontá-la nos pais e/ou responsáveis por ele. No caso do irmão vítima, costuma existir diferença desenvolvimental (física, intelectual e/ou emocional) em relação ao praticante e ausência de relações de apoio.

Ainda de acordo com Relva et al. (2012), os principais fatores de risco da violência praticada pelos irmãos podem ser descritos como as características da vítima e do praticante. Elas estão presentes em sua personalidade, seus pensamentos, sentimentos e história de vida. Isso se relaciona com a diferença de idade e o gênero entrelaçados com as características do meio familiar.

Carvalho et al. (2018) realizaram seus estudos com 353 adolescentes entre 12 e 18 anos de idade, observando os comportamentos familiares nos seguintes aspectos: coesão, comunicação e satisfação familiares. Com esses estudos, percebeu-se que diversas teorias tentaram explicar por que acontecem os conflitos gerados dentro da fratria, como a teoria feminista, que aponta a prática da violência do homem contra a mulher em diversos contextos e por diferentes motivos; como a questão do machismo, a crença arcaica e intergeracional de que o homem é superior à mulher, entre outros aspectos; a teoria do conflito, que relaciona a origem da violência na fratria com o favoritismo parental; as tentativas de ganhar controle sobre recursos; a partilha de interesses comuns e a rivalidade, entre outros motivos; a teoria da aprendizagem social significa que as crianças que presenciam e sofrem violência tendem a utilizar esse tipo de comportamento com os irmãos. Esses comportamentos são aprendidos por imitação e reforço. Há ainda a questão da indisponibilidade parental, em que os pais e/ou responsáveis não tiverem disponibilidade adequada a cada filho. Eles podem utilizar a violência como maneira de educá-los, o que, consequentemente, pode gerar atos de agressividade entre os irmãos em alguma situação de conflito.

A escassez da literatura no assunto deve-se ao fato de que esse tipo de violência é negligenciado e ignorado pela sociedade por não compreender a gravidade de tal tipo de problema. De maneira geral, considera-se a violência praticada por (e contra) uma criança como uma simples briga, luta ou disputa, e não como agressão, seja ela física ou psicológica. Suas consequências costumam ser ignoradas, por isso ela se torna aos olhos da sociedade algo comum e normal.

Por outro lado, em relação à rivalidade fraterna, as causas de desavenças, brigas ou discussões podem ser consideradas disputas patológicas quando os elementos inveja, ciúme e competição se estabelecem como padrão fixo de relacionamento no grupo. Tais comportamentos podem transformar-se em poderosos instrumentos mobilizadores de uma guerra interminável entre os irmãos.

Para entender a complexidade de um sistema familiar, são necessários mais estudos e atenção por parte dos profissionais da área de Psicologia, Educação, Saúde, Justiça, além de pais e/ou responsáveis, crianças e adolescentes em conjunto com as comunidades. Dessa forma, pode-se construir diálogos e compartilhar aprendizados, além de buscar auxílio em relação ao funcionamento do sistema familiar. Esses estudos devem envolver valores humanos, como respeito, liberdade de escuta e expressão, empatia, acolhimento, sinceridade e clareza e honestidade, entre outros.

Como prevenir os conflitos fraternais

Relva et al. (2014) relataram em suas pesquisas que Alfred Adler é considerado o iniciador do estudo das relações entre irmãos por ser o primeiro a definir a inter-relação entre eles como o primeiro pequeno círculo social, no qual a criança pode desenvolver habilidades cooperativas, preparando-se para relacionamentos futuros. Dessa forma, a inter-relação entre irmãos e todo o subsistema fraterno significa o primeiro grupo de igualdade do qual a criança participa. Durante o processo de interação nas trocas afetivas, nas brigas, nos momentos de diversão, eles podem aprender diversas maneiras de negociar, cooperar, competir e se posicionar diante de uma situação. Isso inclui ainda o sentimento de pertencimento a um grupo e o delinear da individualidade como pessoa. Laços de afeto e de solidariedade derivam também da convivência fraterna (Magalhães et al., 2019).

Os estudos realizados por Lopes et al. (2017) revelam que as disputas, os conflitos e a solidariedade nas relações entre irmãos são elementos importantes para o seu desenvolvimento. Por meio deles ocorre o aprendizado de enfrentar a competição, de lidar com os sentimentos de perda e raiva, de dividir e compartilhar uma parte do seu espaço físico e simbólico. Eles possibilitam o estabelecimento de limites de maneira pacífica e harmônica.

Segundo Corrêa (2012), o relacionamento entre irmãos contribui de maneira significativa para a harmonia familiar quando envolve o apoio mútuo e o brincar; e para a desarmonia quando predomina a competição entre irmãos. A relação fraterna se caracteriza pela existência de algumas mudanças no equilíbrio individual de uma pessoa, nas quais têm início partilhas, negociações e julgamentos. Por ela, o indivíduo pode aprender diversas maneiras de reorganizar seus pensamentos e sentimentos, assim como estabelecer seu espaço e assimilar os valores humanos, levando em consideração a existência de seu irmão.

Uma das maneiras de utilizar o conflito como algo benéfico para a relação fraterna é fazer a associação entre as dimensões do funcionamento familiar e as táticas de resolução de conflitos no subsistema fraterno. Para que seja possível a inter-relação entre a coerência equilibrada, a comunicação e a satisfação familiares, é importante a prática da negociação, porque, pelo fato de ter conexão com os níveis de comunicação e satisfação familiares, o diálogo torna-se fundamental para a resolução do conflito (Carvalho et al., 2018).

A comunicação não violenta (CNV) é uma das táticas que podem ser utilizadas para a prevenção e/ou resolução de um conflito na fratria em uma família. Ela acontece pelo diálogo feito com o ensinamento e a prática da educação em valores humanos, principalmente o respeito, o acolhimento, a empatia, a honestidade, a clareza, a sinceridade etc. A inter-relação deles com a fala e a escuta, de maneira que haja compreensão e entendimento do que e como se expressar diante do outro sobre um assunto ou situação envolve a capacidade de abrir a mente e o coração para perceber sentimentos, necessidades e pensamentos do outro, com compaixão, respeito e, essencialmente, no aqui e agora (Gaspari, 2020).

Nessa discussão, a mediação de conflitos está entrelaçada à CNV de diversas maneiras, uma vez que pode ser explicada pela presença da conexão que há nas relações de parceria e colaboração feitas por meio do diálogo. Para que haja eficácia dessa comunicação, deve existir um ambiente propício para falar sobre sentimentos e pensamentos relacionados às necessidades específicas de cada membro da família e, consequentemente, da fratria, para que possa buscar satisfação e eficácia na resolução de conflitos familiares e, especificamente, fraternos (Pellegrini; Santos; Lima, 2019).

Outra abordagem prática na questão dos direitos humanos e na mediação de conflitos dentro da fratria e das relações familiares é a de Moreira e Santos (2017). Trata-se da Justiça Restaurativa, a qual utiliza as ferramentas e os métodos das práticas circulares e da comunicação não violenta (CNV), os quais vêm trazendo questões como solidariedade, empatia, valores, tolerância, respeito e compreensão, possibilitando uma real conexão com a nossa humanidade. Dessa maneira, é possível um convívio pacífico e harmônico na união de ideias e esforços, na busca pela identidade e no pacto pela paz feito pelos seres humanos.

Segundo Boyes-Watson e Pranis (2011), o círculo é um processo estruturado para organizar a comunicação em grupo, a construção de relacionamentos, a tomada de decisões e a resolução de conflitos de maneira eficiente. O processo cria um espaço diferente das maneiras de as pessoas estarem em convívio, porque o círculo acrescenta e nutre uma filosofia de relacionamento e de interconectividade que pode guiar em todas as circunstâncias e contextos – dentro do círculo e fora dele.

Conforme o ritual inspirado por uma prática dos povos nativos da América do Norte, de acordo com Boyes-Watson e Pranis (2011), o círculo significa uma visão de mundo, uma maneira de entender como ele funciona. Os autores explicam que pessoas, animais e plantas estão interconectados de diversas maneiras e, mesmo assim, existem diferenças e semelhanças entre si. Por isso, é importante que estejam em equilíbrio, além de que cada parte do universo contribui para o todo e é igualmente valiosa.

A atividade ritual pode ser realizada a partir dos seguintes passos: 1) Cerimônia de abertura; 2) Peça de centro; 3) Discussão de valores e orientações; 4) Objeto da palavra; 5) Perguntas norteadoras; 6) Cerimônia de fechamento.

De acordo com Silva e Lucas (2020), a relação fraterna pode ser benéfica de diversas maneiras: o companheirismo e a cumplicidade praticados por eles no compartilhamento de suas conquistas e problemas; o desenvolvimento das características de personalidade, pela necessidade de estarem juntos em momentos importantes e específicos para cada um/a; o aprendizado de valores humanos, como respeito, solidariedade, honestidade, senso de justiça e responsabilidade, entre outros. Além disso, de maneira geral, um/a irmão/irmã pode simbolizar a existência de um apoio potencial, o que inclui o afeto, o companheirismo e o bem-estar, que pode se associar ao entrelaçamento de suporte emocional e social fraterno em conjunto com as lembranças construídas por eles de maneira compartilhada.

Considerações finais

Poucos estudos têm sido realizados a respeito da relação fraterna em si. As questões sobre a influência de diversos fatores nas desavenças entre os irmãos e as particularidades do relacionamento entre eles têm sido amplamente ignoradas na literatura científica. Além disso, Lopes et al. (2017) relatam que é fundamental a análise das táticas de gestão de conflito na fratria e como elas podem ser influenciadas pelo funcionamento familiar.

Dessa forma, torna-se importante que mais investigações sejam desenvolvidas para compreender melhor os processos que levam à utilização das táticas violentas na gestão de conflitos fraternos e perceber como o funcionamento familiar pode contribuir na minimização da utilização de tais práticas, para que haja transformação e/ou diversificação de estratégias de gestão de conflitos fraternos a serem utilizadas de maneira pacífica.

Este trabalho teve a proposta de trazer um alerta sobre as práticas das violências entre irmãos. Evidencia que esse é um tema pouco explorado na comunidade científica e que esse tipo de violência geralmente é ignorado ou negligenciado pela sociedade em geral. No entanto, suas consequências podem ser prejudiciais para o desenvolvimento singular e subjetivo de todo ser humano, caso os conflitos e as atitudes violentas não sejam identificados e reconhecidos desde a infância.

O trabalho tem como objetivo principal trazer algumas contribuições da Psicologia relacionadas às questões familiares e aos conflitos entre irmãos para que as questões pertinentes ao tema sejam mais abordadas no ensino e na prática da cultura de paz dentro e fora da família.

Considera-se que é essencial e inovadora a proposta de que se desenvolvam ações em conjunto com o envolvimento de pais, profissionais de Saúde, Educação, crianças e adolescentes e as comunidades. O objetivo deste trabalho é sensibilizar e motivar, demonstrar a magnitude da problemática e alertar para as consequências prejudiciais que podem ocasionar para os seus mediadores diretos e indiretos; ressalta a importância do ensino e a prática dos círculos de construção de paz, da CNV e/ou da Justiça Restaurativa. Além disso, levando em conta a inter-relação entre o conflito na fratria e o funcionamento familiar, poderá ser pertinente trabalhar com as famílias as competências comunicacionais que possibilitam a melhora nos níveis de coerência, harmonia e satisfação familiares.

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Publicado em 20 de fevereiro de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

GIFFONI, Flora Alves; ALMEIDA, Sara Guerra Carvalho de; COSTA, Cláudia Maria Pinto da. Conflitos entre irmãos: contribuições da Psicologia no contexto intrafamiliar. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 5, 20 de fevereiro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/4/conflitos-entre-irmaos-contribuicoes-da-psicologia-no-contexto-intrafamiliar

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