O currículo e a formação de docentes em Pedagogia no Vale do Paraíba

Dâmaris Larissa Moraes da Silva

Licencianda em Pedagogia (IFSP - câmpus Jacareí)

Larissa Soares Cabral

Licencianda em Pedagogia (IFSP - câmpus Jacareí)

Laís Almeida Mascarenhas

Licenciada em Pedagogia (IFSP – câmpus Jacareí)

Cristiane Tavares Casimiro de Oliveira

Doutora em Educação, docente da Universidade São Vicente

Daniel Teixeira Maldonado

Doutor em Educação Física, pós-doutor em Educação, docente do IFSP – câmpus Jacareí

O direito a um processo de ensino verdadeiramente livre e democrático é um dos mais básicos direitos dos seres humanos, segundo Michael Apple (2008, p. 8). Nesse sentido, um estudo crítico e eficaz na educação não deveria se restringir às questões técnicas de como se ensinar e o que ensinar (fatores que na maioria das vezes são levantados constantemente por educadores (as) e, por vezes, se tornam o cerne ou o objeto de estudo), mas deveria pensar criticamente a relação da educação como poder cultural, econômico e político. Dessa forma, discussões curriculares para compreensão do sujeito que está sendo formado pelo processo escolar a nível superior são importantes.

Tendo em vista que o curso de licenciatura em Pedagogia prevê a formação profissional de pessoas voltadas para a educação, perpassando as áreas de Cultura, Economia, Ideologia, Política, Sociologia, entre outras mais, é necessário compreender uma instituição em especial: a escola. Nesse contexto,

precisa-se investigar rigorosamente a forma e o conteúdo do currículo, as relações sociais da sala de aula e as maneiras pelas quais as coisas são conceitualizadas, como expressões culturais de determinados grupos em determinadas instituições e em determinada época (Apple, 2008, p. 24).

É relevante ressaltar que, embora as escolas distribuam conhecimentos e valores ideológicos, elas também ajudam a reproduzir um tipo de conhecimento, o combustível necessário para sustentar situações políticas, econômicas e culturais que existem. É fundamental analisar profundamente o currículo, tanto o prescritivo quanto o oculto, que tem sido proposto em cursos superiores voltados à formação de professores(as), os quais irão propor e repassar o que foi compreendido no processo formativo a variadas crianças (que se encontram em um momento ápice de formação). Essa prática pode organizar o exercício político-pedagógico, fazendo uma análise crítica e contextualizada com a realidade em que os(as) estudantes vivem ou ser um mero aplicador de conteúdos, efetivando um processo de educação bancária.

Segundo José Contreras (2012), existe uma autonomia profissional de acordo com três modelos de professores(as): o especialista técnico, o profissional reflexivo e o intelectual crítico. O primeiro tem sua concepção de autonomia como status ou tributo, dessa forma existe uma autoridade unilateral do(da) especialista, mas essa autonomia é ilusória, porque ela é dependente de diretrizes técnicas. Ademais, fica evidente uma insensibilidade para com os dilemas existentes na sociedade e a incapacidade de respostas consistentes ou criativas diante de assuntos que fogem do conteúdo ou especialidade.

O docente-reflexivo possui sua concepção como responsabilidade moral individual, considerando diferentes pontos de vista. Nesse sentido é coexistente a independência de juízo e a responsabilidade social. Apesar de haver uma capacidade de resolução de situações-problema para a realização prática das pretensões educativas, não existe dialogicidade com questões sociais e culturais que considera o contexto educativo dos indivíduos (Contreras, 2012).

Já o educador intelectual crítico tem sua concepção como emancipação, ou seja, libertação profissional e social das opressões, superação das distorções ideológicas e consciência crítica efetiva e atuante. A autonomia é entendida como um processo coletivo e dirigido à transformação das condições institucionais e sociais do ensino, ou seja, é evidente a autorreflexão sobre as distorções ideológicas e condições institucionais, juntamente com a defesa dos valores para o bem comum (Contreras, 2012).

Esse último modelo de professor(a) traz concepções verdadeiramente importantes quando pensamos na pergunta que este trabalho se propõe a analisar: que sujeitos os cursos de licenciatura em Pedagogia presentes no Vale do Paraíba estão se formando e quais as implicações existentes nessa temática quando se entende que os currículos formam uma sociedade?

Em síntese, o profissional que será formado está diretamente ligado ao currículo. Nesse sentido, entender as teorias de currículo tradicional, crítico e o pós-crítico é essencial, bem como a noção de que existem disputas dentro do currículo de Licenciatura em Pedagogia, inclusive nas faculdades do Vale do Paraíba. Ademais, estudar a formação de professores(as) é buscar compreender a realidade existente, para entender para qual outra deve-se ir, a fim de promover a qualidade no trabalho docente e oferecer uma educação realmente libertadora para os indivíduos que comporão a sociedade.

O currículo: perspectiva histórica

Para provocar uma reflexão crítica acerca do que iremos abranger nas próximas discussões é necessário o questionamento inicial: “O que é currículo?”. Segundo Lopes e Macedo (2011), o currículo pode ser definido como um conjunto de organizações, experiências, modelos ou redes de ensino, situações de aprendizado que formam um processo educativo e, sobretudo, um campo de disputa. O currículo perpassa um histórico que será abordado em três perspectivas: o currículo tradicional, o currículo crítico e o currículo pós-crítico.

A necessidade de aprofundar o campo do currículo acerca da formação de disciplinas, corpo de especialistas e pesquisas da academia adveio em meados da década de 1920, nos Estados Unidos. O impulso demandou preocupações com as atividades educacionais, de organizações e metodologias, uma vez que o momento procedia de diversas forças sociais, políticas e econômicas que tencionava sobre a educação de massas e ideologias. Bobbit (1918) propunha um campo especializado do currículo em seu livro: The curriculum. Bobbit defendia que o sistema educacional devia promover resultados por métodos, em que a ideologia fosse pautada no eficientismo social e no progressivismo, evidenciando os princípios da eficácia, eficiência, economia e administração científica, proposto também por Frederick Taylor. Segundo Silva (1999, p. 23),

de acordo com Bobbit, o sistema educacional deveria começar por estabelecer de forma precisa quais são seus objetivos. Esses objetivos, por sua vez deveriam se basear num exame daquelas habilidades necessárias para exercer com eficiência as ocupações profissionais da vida adulta.

No Brasil, o movimento da Escola Nova se aproximava, com promoções de mudanças no ensino por meio da teoria do conhecimento desenvolvida por John Dewey. Essa teoria tomava por base a experiência das pessoas, embasada na resolução de problemas sociais, agindo assim, de forma prática, cooperativa e revelando uma preocupação mais democrática do que econômica (Silva, 1999). Esses currículos eram fundamentados por uma discussão técnica, assentada na preparação do aluno e da aluna para uma vida adulta economicamente ativa, ou seja, um instrumento de controle social, embasando conceitos de metodologia, didática, organização, eficiência e avaliação. Vale ressaltar que esses currículos não pensam em uma perspectiva crítica e social da discussão, mas limita-se a esses objetivos.

Ao adentrar uma escola, os diálogos cotidianos, o conhecimento escolar e a ação dos(das) professores(as), surge uma nova Sociologia da Educação, por Michael Young (1971), assim como obras de Paulo Freire (1968) e ensaios de Althusser e Bourdieu. O início das teorias críticas é marcado por referenciar o status quo, atribuindo as desigualdades que a sociedade capitalista produz em um aparelho de dominação social e ideológica. Sendo assim, esse movimento provoca novas inquietações e problematiza a teoria tradicional, tematizando a desigualdade e a injustiça social. Segundo Silva (1999, p. 30),

os modelos tradicionais de currículo restringiam-se à atividade técnica de como fazer o currículo. [...] As teorias críticas são teorias de desconfiança, questionamentos e transformação radical.

Segundo Silva (1999), do ponto de vista de Althusser a escola é um aparelho ideológico de Estado, uma vez que atua ideologicamente por meio das disciplinas e dos conteúdos dos currículos para manter suas ideologias, promovendo uma reprodução cultural dominante na sociedade capitalista. Nessa perspectiva, já que o currículo é pautado na cultura dominante, os(as) alunos(as) dessas classes tendem à ascensão no acesso ao ensino, enquanto os(as) estudantes da classe dominada não obterão a mesma escolarização.

As formulações de Paulo Freire, fortemente ligadas às ideias de Michael Apple na década de 1980, denunciavam que no currículo se escondiam relações de poder, onde a escola era um espaço de produção que só atendia às necessidades do capital, em diferentes discursos sociais e culturais. Diante disso, as teorias críticas revelam as ideologias de currículo que teriam como base o capitalismo. A reação a esses currículos ocultos, decorreria de uma educação emancipatória e libertadora que se contrapunha à reprodução (Silva, 1999).

Nos termos pós-críticos, o poder e a reprodução também são objetos de estudos e, para além disso, se destacam subjetividades dos conceitos de discurso, como cultura, identidade, saber-poder, representação, raça, gênero, multiculturalismo e pedagogia feminista. Dessa forma, o currículo pós-crítico reflete acerca das discussões da pós-modernidade e representa, segundo Silva (1999, p. 111), “um conjunto variado de perspectivas, abrangendo uma diversidade de campos intelectuais, políticos, estéticos, epistemológicos”.

Sendo assim, os autores que dialogam com os modelos pós-estruturalistas pensam nos currículos como suas próprias produções de sentidos que se dão em momentos e espaços múltiplos, como práticas discursivas de significação. Nelas que se ampliam os processos da discussão sobre etnia, raça, sexualidade e gênero, pensando em nossa formação histórica que negou e dificultou o acesso ao conhecimento produzido das diversidades dos coletivos sociais, como se os saberes, os modos de pensar e as culturas não legitimassem o conhecimento socialmente produzido e acumulado (Silva, 1999).

Portanto, as teorias de currículo são pontos fulcrais para problematizar os saberes que serão discorridos a seguir e entender além do “o quê?”. Quais são os saberes que estão sendo considerados válidos, para atenderem o currículo de Pedagogia, sabendo-se que o currículo tem significados, relações de poder, trajetórias, espaços e identidade? “O currículo é documento de identidade” (Silva, 1999, p. 150).

O currículo da formação em Pedagogia: um território em disputa

Até agora, realizaram-se inferências por meio das discussões do currículo como um todo. A partir desse pressuposto, o cerne da discussão adentra o currículo de Pedagogia e, nesse espaço, é discutido sobre o que ensinar, sobre quais são as práticas, o aprendizado e a escola como espaço de direito. Atualmente, é possível observar um cenário da presença dos movimentos sociais que revelam diversas culturas e identidades. Esses movimentos pressionam a formação do currículo como espaços de conhecimento legítimo, para que sejam reconhecidos sujeitos coletivos de memórias, história e culturas, como salienta Arroyo (2014).

Afinal, qual é a relação entre Educação e a Pedagogia? Segundo Pimenta, Pinto e Severo (2022), o "objeto da Pedagogia é a educação como processo de formação da condição humana”: a educação se desenvolve na socialização do sujeito e o coletivo, o contexto cultural, econômico e social e sua constituição subjetiva. A partir dessas relações dialógicas, transformam-se as condições de existência do indivíduo e do outro, abarcando os determinantes sociais. Nesse sentido, a educação é formadora, humanizadora e socializadora, uma prática social de humanização que almeja a superação.

A Pedagogia como Ciência da Educação, portanto, engendra sua prática educativa na promoção de uma educação humanizadora que forme seus sujeitos e profissionais com múltiplas determinações, contextos educativos, procedimentos investigativos, “como unidade dialética que possibilita a práxis, como ação educativa transformadora” (Pimenta; Pinto; Severo, 2022, p. 2).

Compreende-se que o currículo é rígido e composto por núcleo, carga horária, configuração política do poder e diretrizes que se tornam um espaço mais estruturante da função da escola. Aí, o campo do conhecimento é um dos mais disputados. Esse campo é inquietante e dinâmico, mas pode se tornar lugar de discussão, revisão e superação, incorporando a possibilidade de enriquecimento de novas produções, leituras e significados.

Os(As) professores(as), segundo Arroyo (2014), demonstram tensões acerca de seus processos de identidade quando reconhecem que não é apenas o foco nas disciplinas a função social da sua prática político-pedagógica, mas precisam ser educadores(as). Por vezes, essas discussões não aparecem ou são extintas nos cursos de formação, em que eles configuram um(a) docente “perfeito” que atende matérias e conteúdos do currículo escolar. O(A) estudante, que dispõe de problemas, inseguranças, tensões identitárias, sociais, culturais e morais, é deixado de lado, pois o que importa é passar a matéria que cairá na prova. Esse currículo, que é território em disputa, prevê um(a) professor(a) que atuará de forma técnica, prática e reprodutora de currículos dos “empresários financistas do ensino” (Belletati; Pimenta; Lima, 2021, p. 26).

A desvalorização do magistério reflete a precarização dos(das) professores(as) ao longo da história, já que a docência das crianças e dos jovens advém dos coletivos populares, pois não é uma profissão disputada pela elite, que se intitule nobre, tampouco um status de conhecimento digno. Dessa forma, o curso de Pedagogia, constituído em 1939 no Brasil, formava professores(as) para escolas normais de nível médio (Pimenta; Pinto; Severo, 2022).

Salienta-se que nessa conjuntura o movimento escolanovista militava por uma escolaridade básica, gratuita, pública e laica. Assim, coube ao curso preparar os(as) profissionais para atuarem com o bacharel (3 anos), formação técnica em Educação; com o licenciando, com o “curso de Didática” (1 ano), prática de ensino. Entretanto, o bacharel não se voltava para os estudos científicos de ensino e educação, fundindo-se à Formação de Professores(as) para o magistério. Essa disposição de curso, fragilizava a “Pedagogia como campo epistemológico teórico, científico e profissional” (Pimenta; Pinto; Severo, 2022).

O surgimento do capitalismo industrial atuou como propulsor na mão de obra “qualificada” e nos serviços que serviriam a esse capital. Dessa forma, para servir à essa escolaridade mínima, constituiu-se a escola. Novas leis, resoluções e diretrizes foram configurando o curso de Pedagogia, durante esse percurso tortuoso e foram impulsionados cursos de pós-graduação na área da educação que incentivavam novos estudos e pesquisas.

O Censo da Educação Superior (MEC/INEP) publicado em 2020 (INEP, 2020) aponta que o curso de Pedagogia ocupa o primeiro lugar em números de matrículas de graduação em licenciaturas, com 816.314 matrículas, acumulando um percentual de 49% no total de oferta da formação docente no Brasil. Essa expansão ocorreu, em grande parte, no setor privado, com preponderância na modalidade de Educação a Distância. Essas instituições atendem a uma formação curricular técnica de ensino, bem como a setores econômicos que visam lucro.

Os(As) estudantes de baixa renda/escolaridade ingressam em maior escala no ensino privado do que no público, visto que as instituições públicas são mais concorridas e a forma de ingresso acaba por excluir essas parcelas. O perfil dos(das) ingressantes é precarizado na escolarização, com condições de vulnerabilidade social. As instituições precisam pensar em projetos de curso que considerem as características desses(as) estudantes e minimizem as condições desfavoráveis, a fim de promover a qualidade de ensino.

Então, que currículo as instituições privadas estão promovendo? Segundo Pimenta, Pinto e Severo (2022), as pesquisas sobre os cursos evidenciam uma formação deficiente no domínio de conteúdos, nas diferentes áreas disciplinares, uma vez que a Pedagogia forma professores(as) que atuarão de forma interdisciplinar. Evidenciar nos currículos estudos que abarque os saberes específicos para as diferentes funções, o letramento acadêmico que contemple pesquisas e contribuições futuras para a área da educação, significa promover uma docência polivalente e de qualidade. Quando a educação é privada, ela pode “escolher” suas áreas de interesse. Vale salientar que os currículos das instituições são formados pelos projetos pedagógicos de curso (PPC) e articulam ementas, fundamentos, objetivos, referências bibliográficas e procedimentos, ou seja, é um documento estruturante que sistematiza o currículo das instituições de ensino.

Em contrapartida, nesse território em disputa, há também uma concepção de formação que contempla uma visão do profissional crítico reflexivo, pesquisador e transgressor. Segundo Belletati, Pimenta e Lima (2021, p. 22-23),

a formação do professor, em uma perspectiva crítica e emancipadora, pressupõe o desenvolvimento do olhar investigativo, o favorecimento da reflexão sobre as conjunturas, locais e mais amplas, em que ocorre a atividade docente, possibilitando a produção de conhecimentos. Enquanto princípio formativo, a pesquisa auxilia o futuro professor a refletir, interpretar e questionar a realidade, bem como ressignificar o contexto docente, interrompendo a reprodução e a alienação no espaço escolar em favor da transformação a partir da elaboração de alternativas que construam uma escola mais crítica, democrática e emancipatória.

Acerca dessas discussões nesse território em disputa, qual é a formação que os cursos de licenciatura em Pedagogia do Vale do Paraíba estão realizando?

Tendo como base os estudos realizados, os dados encontrados e a ocorrência da análise das faculdades, é possível inferir que a formação dos cursos de licenciatura em Pedagogia considera apenas aspectos pragmáticos no lugar dos saberes que os professores precisarão ensinar em sala de aula, não considerando o contexto social, cultural e econômico da comunidade ou uma educação formadora, humanizadora e emancipadora. Assim, desconsidera-se, também, a existência da disputa ao acesso e a permanência desses alunos(as) na escola, ocasionando uma cauterização do olhar do(da) futuro(a) professor(a) para essas questões e realidades. Esses fatores são e serão de extrema importância quando esses indivíduos estiverem em exercício de sua profissão, uma vez que todo processo de formação cultiva identidades e elas serão precursoras da visão e da prática que esses sujeitos terão.

Metodologia

Em um primeiro momento, realizamos um estudo bibliográfico por meio de obras e autores(as) que discutem currículo e educação. Entre eles estão Michael Apple, Tomaz Tadeu da Silva, Miguel Arroyo, Alice Lopes e Elizabeth Macedo. Posteriormente, analisamos os projetos pedagógicos de curso e matrizes curriculares, assim como suas ementas, disponibilizadas pelas faculdades que ofereciam presencialmente os cursos de licenciatura em Pedagogia da região metropolitana do Vale do Paraíba (contemplando alguns municípios do Litoral Norte e da Serra da Mantiqueira, que estão ativos e devidamente credenciados no Ministério da Educação). Por fim, após a análise, evidenciaram-se reflexões sobre o(a) pedagogo(a) que está sendo formado nesses cursos de Ensino Superior.

Segundo Lüdke e André (2003), a análise documental busca informações factuais nos documentos mediante questões ou hipóteses de interesse. Ela pode se constituir como uma técnica muito valiosa de dados qualitativos, a partir do estudo de informações obtidas com outras técnicas, revelando aspectos novos ou determinando um problema. Vale ressaltar que são considerados documentos quaisquer materiais escritos que possam ser utilizados como fontes de informação sobre o comportamento humano. É relevante deixar claro que a análise nunca é aleatória, pois sempre há alguns objetivos, propósitos, ideias ou hipóteses, guiando essa seleção. Nesse sentido, a análise foi guiada pela vontade das escritoras em compreender qual o profissional estava sendo formado no Vale do Paraíba e foi impulsionada pela hipótese de que os currículos estavam sendo mercantilizados e direcionados a formar um(a) professor(a) técnico(a) em sua área, não um(a) intelectual crítico(a), pesquisador(a).

Em um primeiro momento, com o levantamento das cidades que ofereciam o curso de Licenciatura em Pedagogia, encontramos: o Vale do Paraíba, composto por 39 cidades, 24 cidades ofertam o curso de Licenciatura em Pedagogia (considerando os cursos oferecidos presencialmente e a distância, mas que tenha um polo da faculdade nas cidades), 246 faculdades oferecem o curso de Pedagogia, 20 faculdades oferecem o curso presencialmente e 226 faculdades oferecem o curso à distância (considerando apenas as faculdades que possuem polos nas cidades que compõem o Vale). Apenas três faculdades que oferecem o curso presencialmente são públicas (IFSP, no câmpus Jacareí, Campos do Jordão e Unitau). Outras duas faculdades oferecem o curso presencialmente e gratuito. Elas pertencem à mesma instituição (IFSP, câmpus Jacareí e Campos do Jordão). Foi encontrado, no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), uma associação vinculada ao IFSP que está cadastrada no E-mec como faculdade, mas não oferta o curso de Pedagogia. É apenas uma parceria do Instituto Federal, portanto não está contando na quantidade de faculdades.

Para delimitar a pesquisa, selecionamos as faculdades que ofertam os cursos presenciais e que disponibilizam a matriz curricular e o seu PPC, contendo as ementas. Inicialmente havia 20 faculdades para serem analisadas, mas houve confrontamentos na busca desses documentos. Por consequência, só foi possível a análise de sete faculdades e, especificamente, seis PPC, devido ao fato de duas faculdades pertencerem à mesma instituição e possuírem o mesmo PPC, distribuídas em seis cidades do Vale: Caçapava, Campos de Jordão, Guaratinguetá, Jacareí, São José dos Campos e Taubaté. 

Entre os embates para a busca dos documentos estavam: não haver o curso de Pedagogia no site para acessar as informações, falta de respostas aos e-mails, a secretaria alegar que não tem acesso às ementas e não ter dado alternativa para o acesso, a faculdade só liberar os documentos após a inscrição no curso, não liberar o PPC e ser direcionado a um formulário de inscrição no curso, não disponibilizar um PPC e, sim, um “manual de fácil acesso a todos”, alegando ser esse o PPC, afirmar não poder disponibilizar o PPC contendo as ementas, a coordenação dizer que não pode enviar o PPC, pois está passando por uma reformulação conforme as novas Diretrizes Curriculares Nacionais, a coordenação não enviar alegando não ter acesso e só disponibilizar o PPC presencialmente e com agendamento previamente marcado. No site está escrito “Ementa vazia”, só disponibilizando após a matrícula estar efetivada, mediante o pagamento de uma taxa para a disponibilização do PPC. Ademais, vale ressaltar a dificuldade de analisar as ementas dos cursos por falta de dados e descrições necessárias para o melhor entendimento das propostas curriculares.

Em suma, identificaram-se sete projetos de curso, bem como as matrizes curriculares das faculdades que ofereciam o curso de licenciatura em Pedagogia presencialmente no Vale do Paraíba para realizar esta pesquisa. Esse material empírico foi submetido à análise de conteúdo (Bardin, 2011). A categorização, segundo Bardin (2011, p. 147),

é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e, em seguida, por reagrupamentos segundo o gênero (analogia) com os critérios previamente definidos.

Dessa forma, a categorização realizada neste trabalho é um procedimento de agrupamento em torno dos fenômenos descobertos, dos dados que são relevantes para a pesquisa, como evidência Flick (2009). Assim, foi utilizado o currículo de referência de Pedagogia do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de São Paulo como orientador para os temas de categorização acerca das matrizes curriculares dos cursos de Licenciatura em Pedagogia do Vale do Paraíba.

O currículo de referência contempla os seguintes aspectos: Fundamentos da Educação, Didática e Metodologia, Políticas Públicas, Linguagens e Tecnologias, Letramento acadêmico e Educação Inclusiva. Ademais, fez-se necessário adicionar algumas categorias para contemplar os aspectos do currículo que apareceram na análise do material empírico, como: Estágio Supervisionado, Formação Moral e Pessoal e Empregabilidade.

Portanto, foi possível categorizar apenas sete cursos de Pedagogia; dentre eles, três de faculdades públicas e quatro de faculdades privadas, das quais dois também são da mesma instituição. Vale ressaltar que, por uma das faculdades privadas ter dois polos e dispor da mesma matriz curricular e projeto pedagógico, foi realizada uma única categorização que contemplasse as duas. Assim, a pesquisa tem sua relevância devido ao fato de existir carência de estudos científicos na região sobre esse fenômeno, por conta das problemáticas a serem discutidas, devido à busca do entendimento de que tipo de professor vem sendo formado nessa região e como este arcabouço se encaminha para a discussão do currículo oculto, presente na maioria dessas instituições.

Análise dos PPC

A primeira faculdade analisada é particular e possui em seu PPC não somente a matriz curricular, mas a sua ementa, descrevendo os objetivos das disciplinas e expondo quais são as suas referências bibliográficas. Após a categorização, descobrimos que o curso é contemplado por 55 matérias; 17 destinadas a "Didática e Metodologia", 12 aos "Fundamentos da Educação", 7 ao "Estágio Supervisionado", 6 às "Políticas Públicas", 5 a "Linguagem e Tecnologia", 4 a "Educação Inclusiva" e outras 4 a "Letramento Acadêmico".

A segunda faculdade analisada é particular e possui não somente a matriz curricular como também a sua ementa expondo as referências bibliográficas para o estudo das disciplinas. Em sua totalidade, o curso é composto por 59 matérias, e 22 são destinadas ao campo de “Didática e Metodologia”, 11 a “Letramento Acadêmico”, 7 a "Fundamentos da Educação”, 4 a “Estágio Supervisionado”, 4 a “Linguagem e Tecnologia”, 3 às “Políticas Públicas”, 3 à “Educação Inclusiva”, 3 a “Empregabilidade” e 2 a “Constituição Moral e Pessoal”.

A terceira faculdade analisada é pública e possui em seu PPC não somente a matriz curricular como também a sua ementa, expondo seus objetivos, seu conteúdo programático e as referências bibliográficas para o estudo das disciplinas. Em sua totalidade, o curso é composto por 43 matérias e 14 são destinadas ao campo da “Didática e Metodologia”, 12 aos “Fundamentos da Educação”, 6 às “Políticas Públicas”, 6 à “Linguagem e Tecnologia”, 3 à “Educação Inclusiva” e 2 ao “Letramento Acadêmico”.

A quarta faculdade analisada é pública e da mesma instituição que a anterior; possui em seu PPC não somente a matriz curricular como também a sua ementa, com objetivos, conteúdo programático e referências bibliográficas. Em sua totalidade, o curso é composto por 42 matérias; 22 são destinadas ao campo da “Didática e Metodologia”, 9 aos “Fundamentos da Educação”, 5 às “Políticas Públicas”, 3 a “Letramento Acadêmico”, 2 à “Educação Inclusiva” e 1 a “Linguagem e Tecnologia”.

A quinta faculdade analisada é pública, porém o curso não era oferecido gratuitamente (autarquia). Possui um PPC diferenciado que foge ao padrão em sua composição escrita de ementa, uma vez que era um texto corrido que agrupava matérias. Era bem simplória e ampla em sua descrição, não tendo objetivos claramente evidentes. Vale ressaltar que esse PPC equivale a duas faculdades do Vale do Paraíba, já que ambas são da mesma instituição; entretanto, estão localizadas em cidades diferentes, mas disponibilizaram em seu site o mesmo documento. Nesse sentido, foi desafiador discernir claramente a ementa e fazer a categorização. Em sua totalidade, o curso é composto por 45 matérias e 26 são destinadas ao campo da “Didática e Metodologia”, 10 aos “Fundamentos da Educação”, 4 a “Letramento Acadêmico”, 3 às “Políticas Públicas” e 2 à “Educação Inclusiva”.

A sexta e última faculdade analisada é particular e possui a matriz curricular e a ementa, que descreve objetivamente os intuitos de cada matéria, mas sem referências bibliográficas. Em sua totalidade, o curso é composto por 63 matérias; 18 são destinadas ao campo da “Didática e Metodologia”, 16 a “Letramento Acadêmico”, 10 aos “Fundamentos da Educação”, 6 a “Linguagem e Tecnologia”, 6 ao “Estágio Supervisionado”, 4 às “Políticas Públicas” e 3 à “Educação Inclusiva”. O Gráfico 1 representa essa realidade.

Gráfico 1: Análise geral de categorias mais encontradas nas sete faculdades do Vale do Paraíba

Esse foi o resultado da análise de todos os resultados das ementas encontradas e suas respectivas categorizações, considerando a da “Faculdade 5” duplicada, uma vez que são duas universidades com o mesmo PPC e realizando um levantamento geral em porcentagem para descobrir as categorias mais encontradas nas sete faculdades estudadas.

Primeiramente, é importante comentar sobre a categoria “Estágio Supervisionado”, que foi criada para contemplar os aspectos do currículo que apareceram na análise do material empírico, mas que é uma categoria que nada mais é do que a efetivação ou implementação das questões de didática e metodologias de ensino, contribuindo e aumentando ainda mais a presença da categoria "Didática e Metodologia” na formação em Pedagogia, evidenciando que ela é presente em todos os currículos, em comparação com outras categorias. Nesse sentido, em uma análise geral, considerando as matérias de Estágio Supervisionado como sendo a efetivação de questões didáticas e metodológicas, a porcentagem da categoria "Didática e Metodologia" no gráfico será diferente, uma vez que três faculdades que possuem estágio obrigatório previstos em sua grade curricular entraram para a contabilização. Nesse sentido, o Gráfico 2 representa essa realidade.

Gráfico 2: Análise geral de categorias mais encontradas nas sete faculdades do Vale do Paraíba considerando "Estágio Supervisionado" em "Didática e Metodologia"

Sobre os resultados obtidos, é preciso dizer que “Didática e Metodologia” é a categoria que tem a maior porcentagem em todas as faculdades, ocupando mais de 50% em duas delas. Esse é um dado muito importante quando consideramos que os conhecimentos dessa categoria preveem a preparação técnica do que e como o(a) futuro(a) professor(a) deverá desenvolver seu trabalho. Nota-se entretanto que matérias que se encaixam nas categorias de “Letramento acadêmico”, “Políticas Públicas” e “Educação Inclusiva” direcionam os(as) estudantes a pensar criticamente sua futura profissão e como permanecer buscando conhecimento, a fim de ser um docente intelectual crítico, como Contreras (1992) expõe, que não se preocupa apenas com o que ensinar, mas tem um olhar crítico para considerar as realidades culturais, políticas, sociais e as individualidades dos(das) educandos(as), ocupam apenas 26% dos currículos de Pedagogia, chegando a porcentagens bem baixas quando as instituições são observadas individualmente. E “Fundamentos da Educação”, apesar de ter a 2ª maior porcentagem, de 19%, ainda deve ser considerada pouco evidente, pois essa é a categoria mais propícia para formar um(a) profissional intelectual crítico(a), quando consideramos que ela proporciona discussões e reflexões realmente críticas a tudo que se refere a educação, profissão docente, seus fundamentos, história e direcionamentos de pensamento.

Ainda falando sobre “Didática e Metodologia" é importante ressaltar que existem matérias presentes nessa categoria com maior evidência em detrimento de outras. Um exemplo disso seria os conhecimentos de "Letramento, Alfabetização, Língua Portuguesa" e "Matemática" que estão presentes nas sete faculdades e, por vezes, se repetem ou possuem continuidade em outros semestres, enquanto "Educação Física" é uma disciplina que foi fornecida por duas faculdades, durando apenas um semestre. Vale dizer que na matriz curricular existem temáticas de Educação Física, mas são abrangentes e arbitrárias, como "Corpo, Movimento e Lazer, Corporeidade, Jogos e Brincadeiras", ou acopladas a conhecimentos da Arte, como se ambas abordassem os mesmos assuntos.

Percebe-se, portanto, uma prioridade dos códigos, das linguagens e do raciocínio lógico, além de um duvidoso ajuntamento de conhecimentos acoplados em uma mesma matéria da grade, por vezes não diretamente relacionados e, por isso, no pouco tempo de carga horária da disciplina, estudados de modo superficial, sem serem abordados em sua essência.

Nesse contexto, fica nítido que disciplinas como "Didática, Metodologia de Pesquisa em Educação", entre outras, que abordam de forma geral a categoria de "Didática e Metodologia", são de menor evidência, para que conteúdos específicos de Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia e Ciências ocupem espaço curricular. O ponto principal desse aspecto é como essa realidade aponta, discretamente, para uma formação que busca formar um(a) técnico(a) em todas essas áreas, o que não funciona por não haver tempo hábil para isso e muito menos sabedoria em organizar as matérias a serem estudadas em conjunto, principalmente quando são consideradas as quantidades de matérias repetidas por semestres.

Abordando a categoria "Fundamentos da Educação", é importante expor que disciplinas de "História, Psicologia, Sociologia e Filosofia da Educação" e "Educação e Diversidade Cultural" são as que mais aparecem, enquanto conhecimentos de "Administração Escolar no Brasil, Currículo e Organização, Políticas e Princípios Escolares" são as que menos estão presentes. Essa realidade aponta para uma formação que de fato quer explanar sobre a História da Educação e seus desdobramentos, mas que pouco problematiza temáticas de currículo e suas nuances, mudanças políticas e princípios de administração escolar, ou seja, não dá prioridade para reflexões críticas à respeito da história docente no Brasil. Talvez esse contexto seja até mesmo devido ao pouco espaço da categoria na grade curricular por causa do grande espaço ocupado pelas metodologias e didáticas de ensino.

Ademais, embora “Letramento Acadêmico” tenha sido a 3º categoria mais evidente, considerando-se a análise de todas as faculdades juntas, quando analisada individualmente é notório que as ementas não estão direcionando o(a) futuro(a) professor(a) para se interessar pelo meio acadêmico. A constante pesquisa o leva a uma formação continuada, mas apenas para cumprir horas de “Atividades Complementares", acadêmicas e científicas na faculdade. Essas horas, por vezes, são resumidas a palestras e eventos que não necessariamente promovem expediente de pesquisa e empoderamento acadêmico. Ademais, ainda falando dessa categoria, é paradoxal perceber que as Faculdades 3 e 4 são Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia com câmpus em Jacareí e Campos do Jordão, instituições públicas que têm frentes de pesquisa e são as que menos ministram “Letramento Acadêmico” em sua grade curricular.

Outro ponto a ser destacado é como a 2ª faculdade destina tempo a matérias que visam a empregabilidade, enquanto poderia investir em frentes verdadeiramente educativas e críticas. Esse aspecto analisado mostra o curso de Pedagogia como sendo constantemente mercantilizado. Tal configuração denuncia como cada vez mais os cursos estão sendo vistos: fáceis, rápidos e que proporcionam empregos com péssimas condições de trabalho, ao invés de deixar clara a realidade de ser um curso desafiador, com muita responsabilidade e conhecimento a ser adquirido durante e depois da formação.

As porcentagens apontam para uma realidade problemática: os currículos são muito técnicos e não fomentam o desejo pela pesquisa acadêmica dos(as) futuros(as) educadores(as), não os incentivam à criticidade ou a realizarem formações continuadas. Abre-se espaço para matérias com viés empregatício e meramente conteudista, que não olham para o(a) futuro(a) docente como um(a) profissional que será responsável por transformar vidas que comporão uma sociedade em constante mudança social, cultural, ideológica, filosófica e política.

Que sujeitos os cursos de Pedagogia do Vale do Paraíba estão formando?

As análises realizadas trazem dados importantes para a discussão que queremos fomentar acerca deste capítulo. Afinal, que sujeitos os cursos de Pedagogia localizados no Vale do Paraíba, que em sua maioria são do setor privado, estão formando?

Nos cursos predomina a temática “Didática e Metodologia”. Ela fomenta estratégias de metodologias, didáticas instrumentais de “como fazer”, “como servir aos objetivos da Base Comum Curricular Nacional”, transparecendo uma visão técnica de ensino que não se articula a uma reflexão crítica sobre o conteúdo pragmático. Dessa forma, Moreira e Pimenta (2021, p. 932-937) debatem que não existe Pedagogia nos cursos atuais, uma vez que não é valorizada como Ciência da Educação, tampouco pensa que os(as) pedagogos(as) podem realizar pós-graduações e, posteriormente, atuar no nível superior ou participar de gestões, o que demonstra grande fragilidade na identidade profissional do pedagogo(a).

O curso de Pedagogia não está formando o pedagogo stricto sensu, nem profissional, nem pesquisador da área da Educação. Será que vale a pena insistir que a docência é a base da formação do pedagogo? (Moreira; Pimenta, 2021, p. 937).

É possível inferir, por meio desse parecer, que a formação é voltada para a prática, o que se distancia da práxis transformadora que Moreira e Pimenta (2021, p. 931) fomenta em suas discussões. Ademais, as atividades que são de acadêmico-científico-culturais não são valorizadas. É possível compreender isso, quando observamos as matrizes e ementas curriculares dos cursos de Pedagogia, onde há poucas matérias que se destinam a pleitear o(a) educando(a) em seu letramento acadêmico: não é formado professor(a) pesquisador(a), é formado professor(a) para atuar na sala de aula, ensinando os(as) alunos(as) a ler, escrever e contar.

Tais considerações revelam retrocessos na educação, como os modelos criticados nas décadas de 1960 e 1970, quando denunciavam uma “Didática instrumental tecnicista” (Moreira; Pimenta, 2021, p. 934). Dessa forma, a ausência de objetos epistemológicos, complementam a crise de identidade do profissional, pois o currículo não abarca o real social e ausenta as trajetórias - gênero, classe, raça, pertencimento, identidades e culturas (Arroyo, 2014).

Pimenta, Pinto e Severo (2022) falam de os projetos pedagógicos de curso não contemplarem a condição social e cultural dos(das) ingressantes, não implementando iniciativas institucionais que minimizem as condições desfavoráveis. É interessante pensar também, nas condições metodológicas que existiram na pesquisa das ementas/matrizes curriculares: houve diversos fatores que dificultaram a compreensão e leitura desses documentos, dentre eles, matérias acopladas que dispunham de uma ementa única, falta de referências bibliográficas, desorganização de informações e o título da matéria representava algo e a ementa outra. Dessa maneira, por que esse acesso é limitado? Para Sacristán (2000), as instituições transmitem cada vez mais o currículo oculto, através da socialização, dos comportamentos, dos valores sociais e morais. É como “delator de uma educação encoberta, em reação à visão da escola como uma instituição generosa, igualadora e pregadora do saber e das capacidades para participar na vida social e econômica” (p. 74).

O curso de Pedagogia deve possibilitar aos(às) futuros(as) pedagogos(as) a teorização a partir de análises críticas, manifestando a práxis pedagógica realizada para a ação transformadora. Para Pimenta et al. (2022, p. 929),

É esse o movimento que os cursos de formação de pedagogos e pedagogas precisam efetuar:   estudar   a   produção   histórica   das   teorias pedagógicas nos   contextos   nos   quais   foram   formuladas   e   os   resultados produzidos na humanização/desumanização e seus nexos com os contextos atuais. Por meio da pesquisa, com base nos pressupostos do materialismo histórico-dialético, revelar de modo crítico/analítico as contradições sociais, os momentos da alienação na práxis educacional, em confronto com a práxis existente na atualidade para criar teoricamente possibilidades de superação das práticas alienantes.

Dessa forma, os cursos de formação de professores(as) devem pensar em diversas possibilidades de atuação, bem como na educação não escolar, pensando em um professor intelectual crítico-reflexivo, uma vez que, diante da análise obtida, essa formação ainda é representada por discussões técnicas e instrumentais de ensino. Para Contreras (2012), a autonomia dos(das) professores(as), como qualidade educativa, se conduzirá quando os(as) profissionais realizarem uma curadoria de forma crítica e reflexiva sobre suas experiências, suas visões de mundo, atuando nos conteúdos, suas práticas e avaliações nas instituições de ensino, superando o fazer instrumental.

Os currículos críticos e pós-críticos trazem discussões que dão embasamento para esse(a) professor(a) crítico(a) reflexivo(a) que atua sobre a militância, se contrapondo à perspectiva técnica de ensino e à mera reprodução de ideologias e conteúdos, ampliando os saberes pela emancipação e pela transgressão. Portanto, esses currículos refletem sobre as temáticas do capitalismo, a reprodução cultural e social, o multiculturalismo, o gênero, a raça, a etnia e a sexualidade.

Foi possível contemplar que nos PPC essa discussão está distante de formar um professor crítico reflexivo, um intelectual transformador, pois enfatizam as questões didáticas e não viabilizam com tanto vigor as questões de fundamentos educacionais e letramento acadêmico.

Considerações finais

Esta pesquisa buscou contribuir acerca da formação de pedagogos(as) na região do Vale do Paraíba, contemplando o seguinte questionamento: “Que profissionais os cursos de licenciatura em Pedagogia estão formando?”. A partir disso, foi realizado um estudo bibliográfico de autores(as) que debatem esse processo, construindo uma análise documental para investigar quais são as discussões realizadas nesses cursos de formação de pedagogos e pedagogas.

Nesse contexto, foram encontradas dificuldades para formular um projeto que efetivamente refletisse sobre um profissional intelectual transformador e não um(a) mero(a) professor(a) técnico(a), visto que, em nossa formação em licenciatura em Pedagogia vivenciamos, também, diversas discussões instrumentais. Sendo assim, acreditamos que para a confecção de um currículo é necessário muito mais que uma sistematização dos saberes e objetivos, mas é essencial o diálogo e muita participação da comunidade existente. O currículo é coletivo e oferece um olhar sobre quais são as propostas daquela devida instituição. Ademais, vale ressaltar que é primordial que ocorra uma leitura da realidade do contexto social, cultural e econômico e uma reflexão da educação socializadora, emancipadora, humanizadora e formadora.

Em suma, a pesquisa tem como propósito não apenas fazer uma crítica ao currículo, mas propiciar um processo de reflexão crítica sobre a formação docente que construa intelectuais críticos reflexivos com potencial para transformações societárias. A discussão curricular será sempre o cerne de um curso de formação de pedagogos(as).

Com a análise, evidenciaram-se as fragilidades dos cursos de formação de pedagogos(as). As discussões e análises são necessárias, a fim de desconstruir a produção de docentes técnicos(as) que irão atuar em diferentes processos educativos com crianças, jovens, adultos e idosos, reproduzindo um modelo de sociedade injusta e desigual.

Referências

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985.

APPLE, Michael. Ideologia e currículo. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.

ARROYO, Miguel González. Currículo, território em disputa. Petrópolis: Vozes, 2014.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.

BELLETATI, Valeria Cordeiro Fernandes; PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Vanda Moreira Machado. Formar professores intelectuais crítico-reflexivos nos cursos de licenciatura apesar das diretrizes nacionais: transgressões possíveis. Nuances: Estudos sobre Educação, v. 32, n° 0, p. 021026, 2021.

BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução. 3ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.

BRASIL. Resolução CNE/CP nº 2, de 19 de fevereiro de 2002. Institui a duração e a carga horária dos cursos de Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior. Brasília, 2002. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CP022002.pdf. Acesso em: 17 nov. 2022.

CONTRERAS, José. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2012.

MOREIRA, Jefferson da Silva. Pedagogia e pedagogos entre insistências e resistências: entrevista realizada com a Profª. Drª. Selma Garrido Pimenta. Revista Eletrônica Pesquiseduca, v. 13, n° 31, p. 925-948, 2021.

FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. Artmed, 2009.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Censo da Educação Superior. Brasília: INEP, 2020. Disponível em: https://abmes.org.br/arquivos/documentos/tabelas_de_divulgacao_censo_da_educacao_superior_2020.pdf. Acesso em: 17 nov. 2022.

LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth. Teorias de currículo. São Paulo: Cortez, 2014.

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli Dalmazo Afonso de. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 2003.

PIMENTA, Selma Garrido et al. Panorama da Pedagogia no Brasil: ciência, curso e profissão. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 38, 2022.

SACRISTÁN, José Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3ª ed. Porto Alegre: ArtMed, 2000.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

YOUNG, Michael. Knowledge and control: new directions for the sociology of education. London: Collier Macmillan, 1971.

Publicado em 20 de fevereiro de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

SILVA, Dâmaris Larissa Moraes da; CABRAL, Larissa Soares; MASCARENHAS, Laís Almeida; OLIVEIRA, Cristiane Tavares Casimiro de; MALDONADO, Daniel Teixeira. O currículo e a formação de docentes em Pedagogia no Vale do Paraíba. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 5, 20 de fevereiro de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/5/o-curriculo-e-a-formacao-de-docentes-em-pedagogia-no-vale-do-paraiba

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.