Reflexões acerca do professor de Educação Física na Educação Infantil: experiências e vivências

Lucas Fonseca Saraiva

Licenciado em Educação Física (UFPI), especialista em linguagens, suas tecnologias e o mundo do trabalho (UFPI), professor da rede municipal de Fortaleza/CE

É essencial que o professor tenha uma avaliação diagnóstica dos seus alunos, observando seu cotidiano, suas atitudes e analisando seus sentimentos. Na Educação Infantil, especificamente, o processo de avaliar é associado a essa análise diagnóstica e a um processo observacional que tem no relatório um documento oficial de registro, em que são registradas as experiências, as aprendizagens, as dificuldades e as evoluções de cada criança em seus aspectos cognitivos, motores e emocionais.

Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (Lei nº 9.394/96), a disciplina de Educação Física é obrigatória durante toda a Educação Básica, contemplando a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Apesar da legitimidade do professor de Educação Física na Educação Infantil, existem muitos paradigmas e preconceitos a serem debatidos. O autor traz à tona suas dificuldades, conquistas e incógnitas acerca da sua atuação profissional. Durante a vida acadêmica, o professor de Educação Física passa por uma formação multidisciplinar, preparando-se para as diversas possibilidades de campos de atuação em diferentes faixas etárias.

Notadamente no campo de atuação na Educação Infantil IV e V, o autor se encontra em meio ao novo, juntamente com seus alunos, que pela primeira vez terão um professor exclusivo para a disciplina. São crianças de quatro e cinco anos que estão na fase motora fundamental de estágio elementar, conforme Gallahue et al. (2005).

Num primeiro momento, houve certo receio quanto à forma como lidar com elas. O planejamento inicial se deu atrelado à rotina escolar, que envolve o tempo de chegada, as rodas de conversa, o tempo diversificado, a alimentação e o tempo de saída. O primeiro desafio se deu ao tentarmos adequar as práticas corporais a essa rotina dos pequenos; afinal, como trabalhar a Educação Física em uma roda de conversa? Como realizar atividades de movimento corporal sem prejudicar o restante da rotina escolar? Essas foram as primeiras indagações.

Chegou o dia da primeira aula. Eu, um professor do sexo masculino, dando aula de Educação Física para crianças de dois e três anos, convivendo no ambiente creche/escola apenas com professoras do sexo feminino e pedagogas. Mais um desafio estava por vir. Dessa vez, o desafio da aceitação e da confiança. As crianças passaram por um mix de emoções, alguns de euforia, outros de lágrimas e outros de curiosidade: “Tio, o senhor é homem ou mulher?”, “Tio, o que é Educação Física?”, “Tio, cadê a minha professora?”. Novamente as indagações vieram à tona e com isso o diálogo professor-aluno começou a acontecer. O processo de explicação foi regado de muita calma, serenidade e disposição; aos poucos, todos os questionamentos foram sendo sanados e as crianças foram tomando ciência de qual era a função “daquele homem” na sala de aula delas.

Na primeira aula, houve a contextualização da Educação Física dentro da rotina escolar. A roda de conversa passou a ter temas como esportes, brincadeiras favoritas, brincadeiras tradicionais e brincadeiras de rua, fazendo com que aquele momento fosse leve e curioso. Logo após, seguimos com as atividades específicas, alinhadas a um planejamento realizado semanalmente, envolvendo brincadeiras cantadas, jogos de pular, saltar, correr, andar, habilidades manipulativas e motoras, ludicidade, outras atividades cognitivas, atividades espaciais, atividades temporais e atividades psicomotoras. Esse processo se tornou parte da rotina na vida escolar das crianças. Todas as semanas, durante um período de duas horas, sentimentos de admiração e carinho também foram se tornando parte dessa rotina. Os alunos começaram a compreender a importância do professor de Educação Física, passando a recebê-lo com abraços e muito afeto. Entretanto, alguns alunos continuavam com receio, rejeitando a participação nas aulas, com choro e desobediência aos comandos do professor, inclusive evacuando na sala de aula; mas esses eram casos isolados. Em sua grande maioria, a aceitação foi enorme, pois a turma passou a chamar o nome do professor sempre que o viam pelos corredores da escola e a dar presentes a ele, como desenhos e flores. Ainda manifestavam puros e singelos elogios: “Tio, o senhor é lindo”, “Tio, eu te amo”, “Tio, o senhor vem amanhã pra minha sala de novo?”, “Tio, faz aquela brincadeira da comida brasileira por favor?”, “Tio, já consigo pular com um pé só” ou “Tio, o senhor é muito legal”. Esses momentos fizeram com que a jornada fosse gratificante. De um início conturbado, cheio de dúvidas e incógnitas, chegamos à aceitação e ao carinho por parte de todas as turmas nas quais o professor lecionava.

Quatro meses após o início das aulas de Educação Física, observamos o êxito que as aulas de recreação proporcionaram aos pequenos. As crianças, que no início do semestre não tinham autonomia para pular, correr ou se alongar, passaram a realizar essas atividades com facilidade. Outras crianças que tinham o hábito de chorar durante as aulas se adaptaram e passaram a participar com dedicação. O diálogo na interação com a turma, junto ao interesse por descobrir novas brincadeiras e novos movimentos corporais, permitiu que as crianças se abrissem ao novo. Todos os dias perguntavam: “Tio, hoje o senhor vem para nossa sala?”, “Tio, fica hoje na nossa sala, por favor”, “Tio, olha o quanto eu estou com equilíbrio e força”.

Diante desse relato, evidencia-se que o professor passa por diversos momentos de exposição às novas experiências, mas elas lhe proporcionam bagagem educacional tanto para a sua formação profissional e acadêmica como para a sua formação humana. O professor é o principal responsável pela busca de resolução dos desafios diários em sala de aula, vivenciando todo o processo de ensino-aprendizagem para alcançar um êxito pedagógico final. Conforme afirma Paulo Freire, “ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminhar caminhando, refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar (Freire, 1997, p. 79).

Metodologia

O trabalho foi desenvolvido sobre pressupostos qualitativos de narrativas de aprendizagens. Trata-se de um relato acerca das experiências vivenciadas por um professor de Educação Física atuando na Educação Infantil da rede básica municipal da cidade de Fortaleza/CE. Parafraseando Jean Clandinin (2000), falar de si é um ato de autorreconhecimento do seu valor como educador, retratando a sua realidade educacional, seus aprendizados e seu desenvolvimento em forma de narrativa.

Considerações finais

O trabalho apresenta os primeiros benefícios da lotação de professores de Educação Física na recreação da Educação Infantil. A experiência de quatro meses de atuação é exposta nos benefícios perceptíveis tanto para o professor como para as crianças segundo os seus próprios relatos e vontades.

Para que esses resultados fossem atingidos e posteriormente compartilhados aqui, o professor passou por momentos de frustração e receio de não conseguir realizar o desafio frente à adaptação no ciclo da Educação Infantil. O professor se submeteu ao novo, buscando socializar-se com turmas “diferentes” daquelas que considerava ideais, mas, após a compreensão da sua função docente, tudo mudou. Por meio de brincadeiras, jogos, danças, musicalidade e miniginásticas, veio a adaptação.

Ademais, para que um professor consiga a confiança das crianças, é necessária a afetividade. O cuidado ao ouvir e a disponibilidade para deixar o outro livre para a tomada de decisões respeitando seus medos e dificuldades são atitudes docentes fundamentais, até que a criança se sinta confortável e confiante para participar da aula.

Referências

BRASIL. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm.

CLANDININ, D. Jean; CONNELLY, M. Narrative inquiry: experience and story in qualitative research. San Francisco: Jossey-Bass, 2004.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio De Janeiro: Paz e Terra, 2014.

‌FREIRE, P.; MARIA, A. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.

FREIRE, P.; RONZONI, L. La educación como práctica de la libertad. México: Siglo XXI, 2011.

GALLAHUE, D. L. et al. Compreendendo o desenvolvimento motor: bebês, crianças, adolescentes e adultos. São Paulo: Phorte, 2005.

Publicado em 05 de março de 2024

Como citar este artigo (ABNT)

SARAIVA, Lucas Fonseca. Reflexões acerca do professor de Educação Física na Educação Infantil: experiências e vivências. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 7, 5 de março de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/7/reflexoes-acerca-do-professor-de-educacao-fisica-na-educacao-infantil-experiencias-e-vivencias

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