Nossa oculta norma culta na escola
Luciano Dias de Sousa
Mestre em Cognição e Linguagem, docente na rede pública de Minas Gerais
Marcos Antônio Pereira Coelho
Doutorando em Cognição e Linguagem (UENF)
Existe uma crença, popularizada pelos próprios usuários do idioma, mas não comprovada de forma científica, de que o português é a língua mais difícil que existe, por ser cheia de regras desnecessárias e de escrita complicada. Essa crença, na dificuldade insuperável do usuário da língua, ainda utiliza como argumento que nossa gramática agrupa um conjunto de regras desnecessárias e sua estreita ligação com a falência do sistema educacional do Brasil.
Marcuschi (2009) afirma que cada indivíduo traz uma opinião relativa ao assunto da língua portuguesa; a verdade é que todos nós passamos pela escola adquirindo conhecimento pessoal sobre o assunto. Alguns estudiosos defendem que não há um erro de português, que não existem formas “certas” ou “erradas”. E, em decorrência desse fato, há muitas pessoas que acreditam não saber falar e nem a linguagem escrita do português padrão e culto.
Para Bagno (2009), a língua é um enorme iceberg flutuando no mar do tempo, e a gramática normativa é a tentativa de descrever apenas uma parcela mais visível dele, a chamada norma padrão, e não pode ser autoritariamente aplicada a todo o resto da língua, uma aplicação muitas vezes autoritária, repressiva e intolerante geradora de preconceito linguístico e de crenças equivocadas sobre a língua materna.
A língua, de fato, transcende sua característica imanente de instrumento de comunicação e se associa a fatores políticos, ideológicos, econômicos e culturais, entre outros. No que tange ao trabalho em sala de aula, ensinar e aprender uma língua vai além da perspectiva reducionista do estudo das palavras, das frases e das regras gramaticais de forma descontextualizada. Esse fato é tão relevante que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) preconizam um ensino de português previsto por habilidades e competências de dimensões social e cultural (Brasil, 2000). De forma geral, eles ressaltam como princípio o fato de que a língua se desenvolve com base em suas características contextuais, funcionais e pragmáticas, vinculadas ao uso social que cada agente locutor atinge em interação com seu interlocutor e vice-versa.
Na escola, a sala de aula provoca a confluência de múltiplos caminhos de saber e as mais plurais visões em relação ao ato de ensinar língua materna. Uma das muitas dificuldades que desafiam o trabalho escolar com a língua materna certamente está na adequada compreensão do que seja o padrão linguístico ideal a ser atingido pelo aluno na sua trajetória, desde a chegada à escola até o estágio em que deve ser considerado competente no uso da variedade prestigiada, tanto na modalidade oral quanto na escrita.
Nesse sentido, qual a importância de ensinar gramática e o uso da norma padrão e culta na escola? Como ensinar língua materna agregando valores sociais? Para nosso estudo, a abordagem é exploratória bibliográfica de embasamento teórico de Bagno (2009), Bortoni-Ricardo (2021), Antunes (2007), Koch (2003) e Possenti (1998), entre outros autores que contribuem discursivamente com o tema.
Infelizmente, muitas escolas ainda têm insistido num processo ultrapassado de ensino de língua materna mediante regras gramaticais descontextualizadas, um caminho em que, segundo Antunes (2007, p. 186), “o mais grave é que aquilo que se concebe como ensino de gramatica, na verdade, é apenas o ensino das classes de palavras”, dificultando assim a possibilidade de que os estudantes desenvolvam capacidades que lhes permitam ampliar consistentemente suas competências no campo da leitura e da produção textual. Inviabiliza, portanto, a possibilidade de que o ensino de língua se torne prazeroso, produtivo e cheio de significados.
Língua padrão e gramática na escola
A dificuldade e a complexidade de uso de nossa língua na oralidade e escrita, manifestadas pelos alunos de forma geral, continuam provocando preocupações e discussões entre professores e estudiosos. Nesse sentido, refletir sobre aspectos relacionados à formação docente e ao ensino da língua materna pode contribuir para o encaminhamento de possíveis ações que visem à superação do fracasso escolar. Para isso, o docente não pode ser apenas um mero reprodutor de conteúdos programáticos fora da realidade dos alunos, ou seja, somente do estudo da nomenclatura gramatical, deixando de propiciar a eles momentos de uso efetivo da língua materna e de identidade linguística.
O caráter de heterogeneidade inerente a todas as línguas responde, em qualquer comunidade linguística, pela existência de diferentes falares e registros. Como consequência da organização das sociedades em grupos de diversificadas condições socioeconômicas, essas variedades linguísticas entre os membros da sociedade acabam se revestindo de certo caráter valorativo, que reflete a hierarquia desses grupos sociais. De acordo com Bortoni-Ricardo (2021, p. 29),
ao longo da história de seus falantes, determinada variedade, geralmente a usada pelos grupos de maior prestígio sociopolítico, é elevada à condição de língua padrão, ou seja, é padronizada, especialmente no uso da modalidade escrita, por meio da gramática, dicionários e vocabulários ortográficos. Essa variedade padronizada passa a ser ensinada na escola e é usada com principal código na literatura.
Isso significa que determinados falares são mais desvalorizados do que outros, segundo seus falantes pertençam a uma classe econômico-social mais ou menos privilegiada. Daí a reflexão da necessidade de ensinar respeitando a diferença e as variações da língua materna.
Cientistas que têm se voltado para as múltiplas dimensões da identidade social e status quo e também para os variados papéis sociais pelos quais os falantes transitam fazem uma distinção entre dimensões ou fatores de cunho sociodemográfico e aqueles referentes à produção do discurso. Os primeiros são de natureza identitária, enquanto os últimos são de natureza funcional (Bortoni-Ricardo, 2021, p. 59).
Pode-se identificar, nesse caso, os falantes advindos da zona rural, os falantes das periferias dos centros urbanos e a dos grupos letrados; enfim, cada um desses falares corresponde aos valores socioculturais específicos da comunidade que os utiliza. Tais normas agregam à expressão linguística esse tipo de valor inerente à sua comunidade. A norma culta, nesse caso, corresponde aos usos linguísticos do grupo social situado no extremo do contínuo do letramento, que se caracteriza pelo convívio com práticas sociais de uso formal da fala e da escrita.
A linguagem é um trabalho social e histórico que se constitui para comunicação. A interação vem de acontecimentos singulares no interior e nos limites de determinada formação social, sofrendo as interferências, os controles e as seleções impostas por ela. Nenhuma interação se dá fora do social. A historicidade da linguagem é o movimento que se dá na história pelo trabalho de sujeitos; são as transformações. É evidente que se faz necessária uma nova postura diante dos educandos para que não sejam apenas receptores de informações ou reprodutores de modelos já estruturados.
De acordo com Antunes (2007), a escola precisa saber de que forma o estudo das regras poderá influenciar o cotidiano do estudante, bem como sua prática de leitura e escrita, e como isso vai ajudá-lo na ampliação de sua competência comunicativa.
Língua e gramática podem ser uma solução: se damos à gramática a função que de fato ela tem: nem mais nem menos; se reconhecemos seus limites; se a enquadramos na sua justa valoração, nas suas justas medidas; e aceitamos sua insuficiência frente à necessidade de outros saberes e de outras competências. Língua e gramática podem ser uma solução se sabemos ter olhos de ver bem de longe e enxergarmos uma travessia não totalmente pronta, mas que se vai fazendo; se cremos que há muito o que fazer nas aulas, envolvendo a gramática em atividades de análises, de leitura, de escrita, de oralidade; propondo perspectivas interativas e diferentes modos de expressão; desfazendo preconceitos e valorações discriminatórias (Antunes, 2007, p. 160).
O professor de Língua Portuguesa deve ensinar que existe tanto a linguagem informal como a formal para que seus aprendizes possam se utilizar de cada maneira de expressões em seus devidos ambientes. Também deve ensinar a necessidade da comunicação para que o aprendiz esteja alerta para quando será o momento correto para a utilização das variedades linguísticas, qual o momento de utilizar linguagem formal ou informal. Ou seja, o profissional da Educação precisa orientar o caminho sobre a importância do domínio da língua. Dessa forma, os indivíduos estarão capacitados para interpretar o mundo à sua volta discernindo os diversos padrões da linguagem.
Na escola antiga, o professor cometia o erro de entender como língua aquela modalidade culta – literária ou não – refletida no código escrito ou na prática oral que lhe seguia o modelo, de todo repudiando aquele saber linguístico aprendido em casa, intuitivamente [...]. Hoje, por um exagero de interpretação de “liberdade” e por um equívoco em supor que uma língua ou uma modalidade é “imposta” ao homem, chega-se ao abuso inverso de repudiar qualquer outra língua funcional que não seja aquela coloquial, de uso espontâneo na comunicação cotidiana. Em ambas as atitudes há realmente opressão, na medida em que não se dá ao falante a liberdade de escolher, para cada ocasião do intercâmbio social, a modalidade que melhor sirva à mensagem, ao seu discurso (Bechara, 1997, p. 14).
Em face dessa percepção, cabe ao professor, como mediador da aprendizagem, focar seu trabalho na busca de um horizonte maior, que ultrapasse os limites gramaticais e insira o alunado no mundo da leitura e da produção oral e escrita.
É indispensável, dessa maneira, que o ensino da norma culta seja percebido como importante e obrigatório, pois corresponde ao conjunto de regras que determina o que é correto na língua escrita e falada. Embora saibamos que o uso da gramática tem por objetivo imediato refinar a habilidade de escrita e leitura, ela desenvolve competências que permitem que o indivíduo saiba escutar, entender, falar, criticar e expor suas ideias de forma clara e objetiva.
Talvez deva repetir que sem qualquer dúvida o princípio (quase evidente) de que o objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou, talvez mais exatamente, o de criar condições para que ele seja aprendido. Qualquer outra hipótese é um equívoco político e pedagógico. A tese de que não se deve ensinar ou exigir o domínio do dialeto padrão dos alunos que conhecem e usam dialetos não padrões baseia-se em parte no preconceito segundo o qual seria difícil aprender o padrão. Isto é falso, tanto do ponto de vista da capacidade dos falantes quanto do grau de complexidade de um dialeto padrão (Possenti, 1998, p. 17).
A língua precisa ser vista ou entendida como algo em constante transformação, cria-se e recria-se a todo momento, resultado das interações entre os sujeitos. É indispensável esse olhar crítico do professor frente ao ensino da gramática para que possa ministrar um ensino de maneira eficiente.
Gramática e textualização
O ensino de gramática nas aulas de Língua Portuguesa tem sido frequentemente abordado como uma das possíveis causas do fracasso apresentado pelos alunos na aprendizagem e desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita. Durante anos, professores têm embasado seu trabalho no ensino das regras gramaticais, e isso não tem sido suficiente para alavancar o nível de aprendizagem e autonomia no uso dos recursos disponibilizados pela língua.
Embora muito tenha sido feito no campo das teorias da linguagem acerca do assunto, ainda é possível se deparar constantemente no cotidiano escolar com práticas que não condizem com as mais recentes concepções de língua nem com os amplos objetivos defendidos e propostos pela literatura atual.
Cabe ao professor, portanto, se inteirar dos estudos teóricos e verificar qual se aproxima mais de sua realidade e usá-lo como auxiliador no aperfeiçoamento de sua prática pedagógica. Para isso, torna-se imprescindível que o profissional esteja consciente de suas responsabilidades e tenha como propósito proporcionar uma aprendizagem eficaz, levando o corpo discente a se apropriar de uma aprendizagem plenamente significativa.
Segundo Bagno (2013), para entender a gramática é preciso realizar uma investigação da língua autêntica, viva, que circula no cotidiano, e do patrimônio literário do idioma, a fim de conhecer o que de fato existe como regra gramatical no português brasileiro contemporâneo.
Para entender a gramática – As teorias linguísticas contemporâneas vêm oferecendo uma série de conceitos fundamentais para boa compreensão do funcionamento das línguas humanas em geral. São noções como a ordem das palavras, o entrelaçamento de sintaxe, semântica e pragmática: o cruzamento de sintagma e paradigma; as construções de tópicos; a oposição verbo-nominal, entre várias outras (Bagno, 2013, p. 14).
Dessa forma, cabe ao professor, como mediador da aprendizagem, focar seu trabalho na busca de um horizonte maior, que ultrapasse os limites gramaticais e insira o alunado no mundo da leitura e da produção oral e escrita.
Para Neves (2021, p. 49),
a língua em uso oferece complicadores no nível semântico e no nível pragmático-discursivo. E é a língua em funcionamento que tem de ser objeto de análise em nível pedagógico, já que a compartimentação da gramática como disciplina desvinculada do uso da língua tem sido um dos grandes óbices à própria legitimação da gramática como disciplina com lugar no ensino da Língua Portuguesa.
Entende-se, portanto, que a análise e a reflexão sobre a língua se assumem como aspetos fundamentais para desenvolver a consciência linguística dos alunos, de modo a transformar o seu conhecimento implícito sobre a língua num conhecimento explícito.
Muitos linguistas e educadores compartilham a tese de que a aprendizagem e a prática da análise gramatical não têm qualquer influência na ampliação e aperfeiçoamento da competência linguística do estudante; eles argumentam que a leitura e a escrita são habilidades que se adquirem sem necessidade de teorização, simplesmente com a prática. Essa tese é praticamente tão antiga quanto a que apregoa o contrário dela, mas sempre contou com um número maior de simpatizantes. A promessa de “aprender com a prática”, sem teoria ou terminologia, é sempre sedutora, porque se trata de um modelo de aprendizagem em que se confundem o processo e o produto (Azeredo, 2018, p. 19).
O ensino da gramática torna-se ainda necessário para o desenvolvimento das competências de linguagem na medida em que à instrução gramatical são atribuídas estas funções: oferecer aos alunos o conjunto de regras e de conhecimentos sobre a língua e um conjunto de conhecimentos teóricos sobre a linguística e sobre a estrutura da língua, de forma contextualizada, sem dissociar a gramática do texto.
É o contato com vários textos e diversos recursos que circulam no meio social que permite o desenvolvimento da capacidade da língua por parte do aluno, possibilitando pensar no texto como objeto de conhecimento e verificar as características peculiares desse objeto, ao mesmo tempo que é essa a capacidade que lhe garante a identificação e a diferenciação dos estudos da Língua Portuguesa, ou seja, não é preciso estudar gramática pela gramática, e sim a leitura de uma diversidade de textos.
Dessa forma, o ensino da gramática deve conduzir o aluno para que na prática com a linguagem observe, estruture hipóteses e manipule a língua; para que compreenda as regras que lhe estão subjacentes, não pretendendo que o aluno memorize regras nas quais não encontra utilidade. O ensino deve ser precedido pelo estudo da língua em suas verdadeiras condições de uso, com objetivo de proporcionar aos alunos o conhecimento e domínio das diferentes formas de comunicação, incluindo as diferentes tipologias textuais existentes e não apenas a norma culta e sua gramática, para que no “fim do processo” eles sejam capazes de optar pela linguagem que mais se adapta à situação vivenciada.
Para Luft (2008, p. 63),
saber a gramática é dominar as regras que governam a construção das (ou “geram” as) frases, emprego das palavras, sua colocação, o acordo entre elas (concordância), pronúncia, acento e tons etc. Esse saber gramatical precisa ser completo: é impossível comunicar-se sem aplicar todas as regras envolvidas em cada frase. Não assim o saber lexical, que é função do desenvolvimento sociocultural, da amplitude e profundidade dos acontecimentos de cada um.
É necessário que o docente aprenda que a gramática pode ser trabalhada durante a leitura e o estudo de diversos gêneros de forma contextualizada para despertar o aprendizado do aluno. A leitura possibilita a organização do conhecimento prévio com outros conhecimentos e eles se tornam-se mais complexos, permitindo relações com novos conceitos que favoreçam a mudança e a aprendizagem.
Um trabalho com língua materna não deve ter o propósito de formar gramáticos, mas sim usuários da comunicação escrita, falada e visual, gente com capacidade sociocomunicativa bem desenvolvida. Isso não significa que o ensino de regras gramaticais deva ser abolido, uma vez que elas fazem parte do aspecto lógico e cognitivo. Não é colocar o aluno para fazer uma enorme quantidade de exercícios, pois isso não são gera conhecimento sobre nossa língua, visto que o aluno só constrói tais conhecimentos e os aplica quando compreende e valoriza seu uso. Por isso, há necessidade de pensar em um trabalho em sala de aula que também envolva os seguintes objetivos:
- Conscientizar os alunos sobre as diferenças linguísticas coexistentes no Brasil;
- Produzir nos alunos um sentimento de respeito à diversidade linguística;
- Propiciar-lhes o domínio dos recursos linguísticos para o uso da norma culta;
- Possibilitar-lhes a constatação da existência de variedades mais prestigiadas socialmente e quando devemos utilizá-las.
Dessa forma, a gramática deve ser sempre uma prática contextualizada que explora também as qualidades textuais, que, segundo Antunes (2014), estão a serviço dos sentidos e das intenções que se queria manifestar num evento verbal, com vistas a uma interação qualquer, sem isolar os efeitos provocados pelo texto, tecendo junto aspectos discursivos e de uso.
Seria uma perspectiva de estudo dos fenômenos gramaticais ou estratégias de exploração do componente gramatical do texto, tomando, como referência de seus valores e funções, os efeitos que esses fenômenos provocam nos diversos usos da fala e da escrita (Antunes, 2014, p. 46).
Travaglia (2009) propõe que a gramática seja vista como um estudo das normas sociais de uso nas diferentes situações, pois a sociedade estabelece uma espécie de etiqueta social para uso da língua, e certas formas são mais ou menos valorizadas. Por essa razão, tais formas devem ou não ser empregadas em determinadas situações. Assim, devemos pensar nos objetivos e resultados que propomos em estudo de determinado tópico gramatical em sala. A gramática não precisa ser realizada com base em atividades tradicionais, mas com tarefas em que o aluno perceba o que seja um bom texto, como é organizado, quais são os elementos que conectam palavras, frases e parágrafos, retomando e aperfeiçoando suas ideias.
Portanto, os alunos devem ser levados a interpretar as funções exercidas pelos elementos do texto, e os exercícios devem ser pautados pela gramática em uso. O caminho indicado para capacitar o aluno na produção de textos e no conhecimento da norma padrão é o frequente uso da leitura e da escrita.
Considerações finais
Todas as variedades são igualmente suficientes para o falante se expressar dentro de seu contexto sociocultural, são igualmente legítimas como meio de interação entre os membros da comunidade; a existência de uma variedade considerada melhor – a culta – demonstra que, de fato, por trás da questão linguística existe outra de caráter ideológico. Numa sociedade em que o acesso aos bens culturais exige o domínio de uma só variedade linguística, a da classe dominante, a língua deixa de ser apenas instrumento de interação e ação sobre a realidade para ser também um instrumento de exclusão social.
O ensino de Língua Portuguesa vem sendo muito discutido nos ambientes educativos, pois sabe-se que nas escolas ainda persistem as regras gramaticais, ou seja, é trabalhado apenas um conjunto de elementos gramaticais desenvolvidos isoladamente, fora do contexto, que não contribuem para um aprendizado eficaz. É sabido que não é necessário eliminar nem memorizar, nem repetir as regras gramaticais, mas utilizá-las de forma interativa e dinâmica para a construção do conhecimento.
A forma como o professor concebe a linguagem é outra questão fundamental para os encaminhamentos do processo de ensino-aprendizagem em relação à língua materna. A escolha do material didático e a forma de avaliar a produção dos alunos são alguns exemplos das implicações diretas do conceito de língua aplicado na sala de aula.
Não é necessário memorizar regras gramaticais para que se aprimore o desempenho linguístico. Aprender não é um exercício de juntar informações, mas uma prática de criação de sentido para um mundo que leve o aluno a refletir de modo consciente sobre a língua, prestando atenção aos efeitos de sentido que a gramática oferece nas situações de leitura e produção de textos. Portanto, acredita-se que a gramática contextualizada é uma das ferramentas mais relevantes no desenvolvimento da aprendizagem, pois sem ela é difícil o sucesso do aluno, precisando dessa forma ser trabalhada com mais afinco para que não venha comprometer o processo de ensino-aprendizagem.
Para isso, é necessário que o professor atue em sala de aula e que se envolva com esse processo, pensando sobre ele, fazendo uso de estratégias que estão presentes no próprio modo de usar a língua que ensina, sendo elemento ativo, participante e construtor.
Referências
ANTUNES, Irandé. Gramática contextualizada: limpando “o pó das ideias simples”. São Paulo: Parábola, 2014.
ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de gramática sem pedra no caminho. São Paulo: Parábola, 2007.
AZEREDO, José Carlos de. A Linguística, o texto e o ensino da língua. São Paulo: Parábola, 2018.
BAGNO, Marcos. Gramática de bolso do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2013.
BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2009.
BECHARA, Evanildo. Ensino da gramática: Opressão? Liberdade? São Paulo: Ática, 1997. (Série Princípios).
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Português brasileiro, a língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2021.
BRASIL. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais. Parte II. Linguagens, códigos e suas tecnologias (Ensino Médio). Brasília: MEC/SEB, 2000.
KOCH, Ingedore. V. A interação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 2003.
LUFT, Celso Pedro. Língua e liberdade. São Paulo: Ática, 2008.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2009.
NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática na escola. São Paulo: Contexto, 2021.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. São Paulo: Mercado de Letras, 1998.
TRAVAGLIA, Luis Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino e gramática. São Paulo: Cortez, 2009.
Publicado em 12 de março de 2024
Como citar este artigo (ABNT)
SOUSA, Luciano Dias de; COELHO, Marcos Antônio Pereira. Nossa oculta norma culta na escola. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 8, 12 de março de 2024. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/8/nossa-oculta-norma-culta-na-escola
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